Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LEONOR FURTADO (RELATORA DE TURNO) | ||
Descritores: | COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA CONDENAÇÃO PENA DE PRISÃO SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO | ||
Data do Acordão: | 08/23/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | EXTRADIÇÃO/ M.D.E./ RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : | I- A execução de sentenças penais proferidas no Estado moçambicano rege-se, em primeira linha, pelo Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, de 12/04/1990, ratificado pelo DPR n.º 8/91, de 14/02/1991, e aprovado para ratificação pela RAR n.º 7/91 ( DR – I Série A, de 12/04/91, que dedica à matéria o Capítulo II (Execução das sentenças criminais) e, na sua insuficiência, pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto e, subsidiariamente, pelas disposições do Código de Processo Penal; II- A substituição da sanção aplicada pela jurisdição do Estado requerente, para efeitos do art.º 106.º, do Acordo de Cooperação, procede-se mediante a aplicação dos critérios de determinação da pena estabelecidos pela lei do Estado requerido, aplicando à matéria de facto assente na sentença confirmada, os critérios de individualização da pena a que a lei portuguesa manda atender, designadamente os factores determinantes da escolha e medida da pena estabelecidos no art.º 70.º e seguintes do Código Penal; III- Não se trata de se proceder a uma mera substituição categorial ou nominal, mas de uma substituição ponderativa da sanção com recurso às regras de individualização do Estado requerido, com o limite de não poder agravar a situação do condenado; IV- O art.º 106.º, do Acordo de Cooperação, ao prever expressamente que a pena possa ser de duração ou natureza diversa daquela que foi aplicada pela jurisdição do Estado requerente, consubstancia um regime especial, constante de um instrumento internacional bilateral que consagra solução diferente e prevalece sobre aquela que decorreria do regime geral (cfr., no direito processual penal interno, art.ºs 229.º e 233.º do CPP), em que a intervenção conformadora do Tribunal do Estado requerido seria limitada à conversão ou redução de penas que a lei portuguesa não prevê ou excedam o máximo legal abstractamente admissível (art.º 237.º, n.º 3 do CPP); V- Os factos descritos na sentença condenatória constituem um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos art.º 131.º, 22.º e 23.º, do CP Português, ocorrido em 1996, em Moçambique, tendo o arguido 18 anos de idade e tendo decorrido desde então, mais de 25 anos; VI- A aplicação do regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 401/82, designadamente da atenuação especial prevista no respectivo art.º 4.º, não é efeito automático de o agente ter menos de 21 anos à data dos factos, exigindo sempre um juízo de prognose de que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do condenado; VII- A extrema gravidade, violência e consequências para a vítima da acção do arguido, não permitem num juízo de razoabilidade aplicar agora aquele regime, que não seria certamente aplicável se o arguido tivesse então sido julgado num tribunal português. A aplicação deste regime perante aqueles factos concretos conflituaria gravemente com o objectivo de proteção do bem jurídico afectado, a vida humana, que com a aplicação das penas se visa alcançar; VIII- Atendendo às circunstâncias temporais decorridas desde a data da prática dos factos, que a actuação do recorrente constituiu um acaso, que se tratou de um acto pouco sopesado e de juventude que não se repetiu mais na vida do recorrente e, tendo em conta a gravidade dos factos, mas também a idade do arguido quando os praticou e que sobre a prática do crime decorreram já 25 anos, mantendo o arguido boa conduta, uma pena de prisão graduada em 5 anos de prisão satisfaz as exigências de prevenção geral e especial; IX- O pressuposto material da decisão suspensória da execução da pena é a existência de um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro, pelo que, considerando a actualidade das circunstâncias de idade e vida do arguido, a simples ameaça da execução da pena o manterá afastado de qualquer conduta social e criminalmente censurável; X- O pagamento da indemnização arbitrada contribui para mitigar as consequências lesivas para o ofendido levadas a cabo pela conduta do arguido e que este pode e deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para reparar o mal causado e, considerando que a satisfação desta exigência como uma manifestação da sua ressocialização, atendendo ao disposto no art.ºs 50.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, a), do CP, justifica-se e mostra-se conveniente e adequado à realização das finalidades da punição aplicada que se faça depender da condição da suspensão da execução pena de prisão, que o mesmo no prazo de 1 (um) ano demonstre nos autos o pagamento de 100000 euros (cem mil euros), equivalente a cerca de metade do valor da quantia indemnizatória em que foi condenado. | ||
Decisão Texto Integral: | Reconhecimento Sentença Estrangeira Processo: 1626/21.4YRLSB.S2 3ª Secção Criminal
I – RELATÓRIO
A referida decisão do TRL, de 19/04/2022, foi proferida em cumprimento do decidido por este Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, por Ac. de 23/02/2022, em apreciação de recurso de anterior da mesma Relação de 02/11/2021, determinara “(…) a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à substituição da pena aplicada no Estado requerente, imposta pelo artigo 106.º do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, por uma pena a determinar nos termos do artigo 73.º do Código Penal pela prática de um crime de homicídio tentado p. e p. pelos artigos 131.º, 22.º e 23.º do mesmo diploma, cuja previsão o acórdão recorrido considera preenchida ao proceder à verificação da dupla incriminação dos factos descritos na sentença condenatória proferida no Estado requerente;”.
O presente recurso cinge-se às questões relacionadas com o reconhecimento de decisão condenatória proferida em 19/05/2008, pelo Tribunal Supremo de Moçambique, transitada em julgado em 18/06/2008 que, negando provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente, decidira fixar a pena que lhe fora aplicada “(…) em 12 (doze) anos de prisão maior.” E no pagamento de uma indemnização como sanção reparatória surgindo como “(…) consequência necessária da infracção imposta”, fixada em 13.000.000,00MT (treze milhões de meticais), pela prática de um crime de homicídio voluntário simples, na forma frustrada, p. e p. nos termos dos art.ºs 349.º, 350.º, 10.º, 104.º, n.º 1 e 107.º, todos do Código Penal de Moçambique e tem por base o ACORDO DE COOPERAÇÃO JURÍDICA E JUDICIÁRIA-REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA POPULAR DE MOÇAMBIQUE, de 12.4.1990, ratificado pelo DPR n.º 8/91, de 14/02/1991, e aprovado para ratificação pela RAR n.º 7/91, publicado no Diário da República (DR), I Série-A, de 14/02/1991, em vigor desde 22/02/1996, conforme aviso n.º 71/96, em DR, I Série-A, de 29/02/1996, doravante Acordo de Cooperação. • Ser menor de 21 anos (pouco mais de 18) ao momento da prática dos factos, não lhe podendo ser aplicada pena mais grave do que a prevista no nº 3 do artigo 55º, sendo que em 31/12/2014 pela Lei n.º 35 entrou em vigor um novo Código Penal, impondo no nº4 do seu artigo 8º a aplicação da pena mais favorável, mesmo tendo existido condenação antecedente ainda que por sentença transitada em jugado; • Nos termos do artigo113ºdeixou de ser consentida aplicação a menor de 21anos de pena mais grave do que a prevista na alínea e) do artigo 61º; • Os factos provados indiciam uma ofensa provocada pela vítima e uma reacção de desagravo por parte de AA afastada por comprovada voluntária desistência interpretada pelas Instância recorridas como “abandono da vítima”; • A actuação de AA foi sempre de reacção a insistências da vítima, primeiro por ofensas verbais e depois dirigindo-se-lhe pessoalmente; • Face à prova produzida o Tribunal de Moçambique deveria ter considerado a provocação da vítima, a reacção excessiva de AA e a sua subsequente desistência; • O novo Código Penal com uma moldura (8 a 12 anos) mais favorável no seu artigo 13º do que a antes fixada pelo artigo 107º, passou a lex mitior cuja aplicação foi declarada obrigatória, pelo que a sua não aplicação traduziu uma frontal violação da lei nova incompatível com os princípios da Ordem Jurídica do Estado Português. c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins e motivos que o determinaram; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando a esta seja destinado reparar as consequências do crime; e 3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, louvando-se nos argumentos aduzidos pelo MP, junto do Tribunal do TRL na sua resposta ao recurso do arguido ora recorrente e, dando por reproduzido o parecer anterior emitido nestes autos em 24/01/2022 e reproduzido no Ac. do STJ de 23/02/2022, considerou que: “(…), As questões suscitadas no recurso foram adequada e sustentadamente analisadas e rebatidas, e que aqui se dão por reproduzidas. Sufragamos os argumentos constantes da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa, que se encontram sustentados, para além do mais, no Douto Acórdão proferido no TRL e merecerem o nosso acolhimento. Damos por reproduzido o nosso parecer formulado nos autos em 24/01/2022. Face ao exposto, e porque o procedimento criminal não se encontra prescrito, emite-se o parecer no sentido de que: “(…) é nosso parecer que a Meritíssima Procuradora-Geral Adjunta considerou com atenção as razões de AA, reproduzindo no seu parecer alguns factos e situações mais relevantes nas próprias críticas que dirigiu à decisão recorrida. Ficou apenas sem se compreender que não tenha proposto para AA uma pena coerente, como a própria Senhora Procuradora anota no seu parecer como devendo acontecer. Veja-se que ela própria vem dizer que cabendo a determinação completa da pena de substituição no quadro incriminatório português do ilícito criminal pelo qual AA foi condenado, não devem entretanto ser esquecidas as razões do Estado requerente na determinação da pena que aplicou. E se é verdade que desconsiderou – o que muito se lamenta – a imposição da aplicação da “lex mitior” e daí o inevitável reparo, verdade é que o que aplicou a AA foi o mínimo da moldura penal prevista para o crime que afirmou ter praticado. Critério que a ser seguido, seja de aplicação do mínimo da moldura penal de acordo com o Direito Português, como foi Superiormente ordenado, estaríamos então a falar de pouco mais de 1 ano de prisão, sendo a pena aplicada suspensa na sua execução, o que ao que tudo se nos mostra seria o mais ajustado ao caso concreto, se assim for connosco entendido como de Direito.”.
II – FUNDAMENTOS O acórdão recorrido considerou o seguinte: “1. Como se mostra referido no requerimento inicial e se constata da certidão junta, a condenação supra-indicada teve por base a factualidade que abaixo se resume: Pediu passagem, mormente usando sinalização luminosa; Porém, o réu que se encontrava mais à direita da faixa, demorou alguns minutos a ceder passagem, facto que causou irritação ao ofendido, o qual quando passou por eles e sem suster a marcha do seu veículo, proferiu as seguintes palavras: "Porra, pensam que são donos da estrada? "; O réu reagindo às palavras proferidas pelo Ofendido, empreendeu urna imediata perseguição àquele com a sua viatura, fazendo acelerações brusca, criando sensação de que ia embater contra a parte traseira do veículo daquele; Quando o ofendido executou os primeiros passos em direcção à viatura do réu que se achava parada a uns cerca de sete metros de distância em relação à do ofendido, aquele (réu) arrancou subitamente, atingindo de surpresa o ofendido na região da bacia e projectando-a para a faixa central da Av. ...; O ofendido ficou estatelado de costas na faixa central da Av. ...; Porém, "HH" fugiu para casa dele; A vítima foi socorrida pelos ocupantes da sua viatura, que com ajuda de terceiros que se encontravam no local dos factos e transportada à Clinica ..., por via de sua própria viatura, entretanto, conduzida por FF; Apresentava-se ainda com arrancamento da pele e profundas escoriações nas mãos, nos braços, na região toráxica esquerda posterior. O abdómen se apresentava mole e doloroso com defesa e reacção peritonal nos quadrantes inferiores, hematoma na região inguinal esquerda que se estendeu à região umbilical e ainda fracturas múltiplas da bacia, rasgamento da bexiga e arrancamento da cápsula prostática — fls. 28, 199 a 200 e 335 dos autos; Aquelas lesões são suficientes para causar a morte. Esta só não aconteceu, por circunstâncias alheias à vontade do réu, como, aliás, se alcança da conclusão médica a fls. 200 dos autos; A operação durou mais de quatro horas. Durante a operação foi encontrado 1,5 litro de sangue e um grande hematoma retro-peritonal, perivisical e um sangramento profuso dos ossos da bacia; A vítima recebeu transfusão de três litros de sangue; Porque depois da operação, pelo tempo que aquela levou, a vítima carecesse de cuidados especiais, foi transferida para a vizinha República da Africa do Sul no dia 06 de Outubro de 1996; A vítima era à data dos factos casada e com família constituída, para além de ser sócio gerente da I..., e esteve impedida de dar contributo à sua família e à empresa durante 54 dias; A sua saúde financeira ficou seriamente afectada com as despesas médicas; A viatura usada para o cometimento do crime por parte do réu tinha tracção nas rodas da frente, o que permitia que o réu patinasse sobre o corpo da vítima; A localização e captura do réu só foi possível, por indicação de GG, depois de aturados pedidos por parte dos amigos da vítima - fls. 523V°, 524, 534, 534V°, 535V0 e 536 dos autos; o réu não ignorava que o instrumento que usou e a forma com que o empregou poderia provocar o resultado morte à vítima; Bem sabia que a sua conduta não era permitida; Não havia razões válidas para tão bárbaro quanto macabro acto; Agiu deliberada, livre e conscientemente;" 2.1. Importa ter presente quanto ao objecto do presente recurso que no acórdão recorrido se reconheceu a sentença estrangeira e, com base na factualidade que fundamentou a condenação do ora recorrente pelas jurisdições moçambicanas, se considerou que aos mesmos factos corresponde no direito português a prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131º, 22.º e 23º, do Código Penal (CP), por referência ao que consta da certidão relativa à decisão condenatória, proferida, como supra se referiu, em 19/05/2008, pelo Tribunal Supremo de Moçambique e que se dá por inteiramente reproduzida.
Reassumem-se aqui, sem necessidade de repetição, as considerações tecidas no acórdão deste Supremo Tribunal de 23/02/2022, neste mesmo processo, relativamente ao regime de execução de sentenças penais estrangeiras. Designadamente, e em síntese última dirigida ao caso, recorda-se que a execução de sentenças penais proferidas no Estado moçambicano se rege, em primeira linha, pelo Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, de 12/04/1990, ratificado pelo DPR n.º 8/91, de 14/02/1991, e aprovado para ratificação pela RAR n.º 7/91 ( DR – I Série A, de 12/04/91, que dedica à matéria o Capítulo II (Execução das sentenças criminais) e, na sua insuficiência, pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto e, subsidiariamente, pelas disposições do Código de Processo Penal.
2.2. Essencialmente e em síntese resulta do alegado pelo recorrente, repetindo o que desde a oposição vem afirmando nos autos, que a decisão estrangeira cujo reconhecimento se pretende não está em condições de receber o “exequatur”, pugnando pela recusa da confirmação e execução da sentença requerida e, por outro lado, imputando erro de julgamento ao acórdão recorrido por, na substituição da pena resultante do que fora determinado pelo STJ, o TRL não efectuou correcta determinação da medida concreta da pena, conforme o disposto nos art.ºs 71.º a 73.º, do Código Penal.
Para tanto, quanto à recusa da confirmação e execução da sentença requerida sustenta que a decisão sob reconhecimento i) padece de ininteligibilidade; ii) a mesma não é definitiva por determinação do próprio Legislador, pois, o Tribunal moçambicano não efectuou a correcção da pena aplicada, na sequência da publicação do Código Penal de Moçambique, em Dezembro de 2014 o que, em seu entendimento, a tal estava obrigado.
E, do mesmo passo, quanto ao acórdão recorrido, revisitando o argumento já utilizado mas agora com a nuance de que, iii) quando aquele aresto foi proferido, em 19/04/2022, o procedimento criminal estava “(…) prescrito, segundo a lei de ambos os Estados (requerente e requerido) à data da prolação da sentença de substituição da pena aplicada.”.
Porém, sem razão. Com efeito, sobre essa matéria, no acórdão recorrido afirmou-se: “Quanto à inteligibilidade da decisão, com base na idade do requerido e da pena que lhe seria possível ser aplicada atenta essa qualidade, importa reter que se trata de argumentos relativos ao mérito da decisão a reconhecer, matéria que não cabe ao Estado da execução exercer qualquer censura sobre o teor e os fundamentos da decisão revidenda, seja no âmbito da matéria de facto, seja quanto à aplicação do direito, nem tal juízo de censura se compreende no âmbito e finalidades do processo de revisão e confirmação da sentença estrangeira, mas cabe-lhe, no cumprimento da norma legal contida no n.° 3 do art.° 237° CPP tratando-se de pena que ofenda princípios fundamentais da CRP "expurgá-la" na parte correspondente. Assim, as considerações desenvolvidas acerca da idade do requerido, bem como as incidências processuais e de mérito resultantes da eventual aplicação de novo Código Penal moçambicano, mostram-se arredadas da nossa apreciação, até pelo singelo argumento, uma vez que, como afirma o próprio requerido, essas matérias foram levadas à apreciação das autoridades judiciárias moçambicanas - pontos 26 e 27 da sua oposição. Destas decorrências acerca da idade e da legislação penal invocadas, extrai o requerido que a sentença não é definitiva, não podendo nos termos do artigo 1096° do Código do Processo Civil ser revista e confirmada em Portugal, o que se mostra frontalmente contraditado pela certificação, a fls. 16 (carta rogatória, desse trânsito em julgado operado a 18 de Junho de 2008.”.
E, de igual modo, quanto à questão da aplicação do regime previsto no novo Código Penal moçambicano, aprovado e publicado pela Lei n° 35/2014, de 31 de Dezembro, afirma-se naquele aresto o seguinte:“(…) foi posta em concreto às autoridades judiciárias do Estado requerente, tal como o próprio requerido reconhece no ponto 26 do seu requerimento de oposição [Na verdade, o requerente, submeteu o seu pedido para aplicação da Lei mais favorável ao Tribunal Judicial da cidade ..., alegando que o Código Penal aprovado e publicado pela Lei n° 33/2014 de 31/Dezembro, impõe um tratamento mais favorável do que o da Lei que foi aplicado. E sempre tendo em consideração que AA era menor de 21 anos à data da prática dos factos.] e foi objecto de apreciação por parte do tribunal da condenação e do Supremo Tribunal daquele Estado, decisões que, em sede de confirmação da sentença condenatória, se mostram subtraídas à apreciação pelo tribunal do Estado de Execução. Nesta conformidade, visto o disposto no art.° 33° da CRP, sendo o requerido cidadão português, o recurso à extradição mostra-se vedado, desde logo porque não está em causa a prática de crimes de terrorismo e de criminalidade internacionalmente organizada e verificados que se mostram os requisitos enunciados nos art.°s 67°, 68° n.° 1, 69° e 70° (este a contrario) do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, assinado em Lisboa, a 12 de Abril de 1990, 237° e 238° (este a contrario) do CPP e 980° CPC, nada obsta ao reconhecimento e confirmação da decisão condenatória proferido no âmbito do processo n° ...5..., transitado em julgado a 18 de Junho de 2008, referida no requerimento inicial.”.
Estas razões do acórdão recorrido são, em substância, exactas e rebatem suficientemente o alegado em contrário pelo recorrente relativamente à verificação das condições de reconhecimento e confirmação da sentença (acórdão) revidenda para efeitos de execução em Portugal. Acrescentar-se -á, apenas, que a circunstância de ter surgido na ordem jurídica do Estado requerente, posteriormente ao trânsito em julgado da decisão condenatória que se pretende que seja executada em Portugal, um regime eventualmente mais favorável ao condenado e susceptível de aplicação às situações anteriormente julgadas, não destrói ipso facto, o trânsito em julgado daquela decisão ou lhe retira executoriedade, não tornando a execução desta contrária aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa (art.º 70.º, n.º1, al. a), do Acordo de Cooperação). A eventual reversão do caso julgado terá de resultar de decisão da jurisdição do Estado requerente, em processo de revisão de sentença ou expediente processual equivalente no seu sistema jurídico-processual, não cabendo no âmbito do presente processo apreciar o tratamento dado à questão do alegado reexame obrigatório por aquela jurisdição. A tanto se opõe o disposto no art.º 74.º, n.º 2, do Acordo de Cooperação.
E, quanto à alegada prescrição do procedimento criminal, o recorrente bem sabe que a mesma não se verifica, porquanto o que aqui está em causa é o reconhecimento de uma sentença condenatória estrangeira, confirmada pelo mais alto Tribunal Moçambicano e há muito transitada em julgado, não se discutindo aí a prescrição do procedimento criminal, nem ocorrendo quer face à lei moçambicana ( art.º 125.º do Código Penal de Moçambique à data da prolação do acórdão), quer à face da lei portuguesa a essa mesma data ( art.º 118.º, n.º1, al. a) do Código Penal).
Por outro lado, afigura-se destituída de fundamento sério a questão da prescrição do procedimento como o recorrente agora parece pretender apresentá-la, argumentando que a prescrição se teria completado face à lei portuguesa, considerando que relevante é a data em que foi proferido o acórdão recorrido, porque este lhe aplica uma nova pena. Com efeito, a substituição da sanção para efeitos do art.º 106.º, do Acordo de Cooperação, não apaga a existência e os seus efeitos próprios da condenação definitiva decorrentes da sentença a executar, em matéria de prescrição do procedimento.
E, mesmo que a intenção do recorrente fosse a de discutir a eventual prescrição da pena de 12 anos que lhe foi aplicada, é seguro que tal pena não se mostra prescrita, pois que o acórdão do Tribunal Supremo de Moçambique transitou em julgado em 18 de Junho de 2008 e o prazo de prescrição de uma pena com tal magnitude é de 20 anos ( cfr. art.º 122.º, n.º 1, al. a) do CP português).
Assim sendo, mostrando-se o decidido em conformidade com os documentos constantes dos autos e não se vislumbrando qualquer erro de julgamento do acórdão recorrido neste domínio, tem de julgar-se improcedentes as alegações do recorrente no que concerne a estas questões suscitadas relativamente à verificação das condições do pedido e a hipóteses de recusa da execução em Portugal das sentenças penais proferidas por Tribunais da República Popular de Moçambique, por aplicação do referido acordo de Cooperação e demais normativos integradores.
2.3.Tendo-se concluído que não procede o alegado pelo recorrente no capítulo da legalidade do reconhecimento e confirmação do acórdão do Tribunal Supremo de Moçambique e da aceitação do pedido de execução, importa apreciar o alegado pelo recorrente que possa contender com a substituição da sanção privativa da liberdade aplicada em Moçambique por uma sanção prevista na lei portuguesa para os mesmos factos, a que se procedeu nos termos do art.º106.º, do Acordo de Cooperação, para cumprimento do acórdão deste Supremo Tribunal de 22/02/2022.
Com efeito, vem alegado pelo recorrente que, no acórdão recorrido, se fez errada avaliação das “(…) condições pessoais do agente”, discordando o mesmo do modo como naquele aresto foi ponderada a prova produzida, não descortinando a razão por que foi feita a “(…) desconsideração pelo regime penal aplicável a jovens delinquentes constantes do DL nº 403/82 de 23 de setembro”, desse modo considerando excessiva a pena de 9 anos de prisão aplicada “(…) a um ex-jovem delinquente por factos praticados há 25 anos.”. 2.4. Efectivamente, dos fundamentos do acórdão recorrido resulta demonstrado que: No acórdão recorrido afirma-se que do disposto no art.º 106.º “Retira-se daqui que deverá proceder-se a uma operação de determinação da pena concreta ao ilícito criminal em questão pelo qual o requerido foi condenado, sob a luz do quadro incriminatório português, ou seja, face às normas incriminadoras relativas ao crime de homicídio simples tentado constantes dos art.°s 131°, 22°, 23° e 73° do Código Penal português, nos exactos termos determinados no acórdão do STJ de 23.02.2022. Nesta circunstância subsuntiva, ao ilícito em questão corresponde uma moldura penal de prisão com um mínimo de 1 ano, 7 meses e 6 dias e um máximo de 10 anos e 8 meses.” – sublinhado nosso.
E, substituindo a pena aplicada pela decisão condenatória do Tribunal estrangeiro, doseou-a em 9 (nove) anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p.p. pelos arts.ºs 22.º, 23.º, 131.º, todos do CP, justificando a não aplicação do Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes, constante do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, com o seguinte argumentário: “(…) Se o primeiro dos requisitos - decorrente da idade - não é requisito que automaticamente permita ao julgador atenuar especialmente a moldura abstrata do crime em que aquele será condenado, sendo esta idade jovem apenas o requisito formal que impõe ao julgador averiguar se estão ou não verificados os requisitos para a aplicação da atenuação especial. Como tese geral podemos afirmar que analisando qualquer situação, haverá sempre vantagem na ressocialização sempre que a pena seja menor. Mas, a esta consideração abstrata, o julgador terá que juntar elementos concretos que lhe permitam concluir que o delinquente, uma vez fora da prisão, tem um ambiente propício e uma postura pessoal que o afaste de ambientes, lugares e práticas que o poderão levar, novamente, para a prática de atos da mesma natureza dos praticados. Ora, o conjunto de factos apurados na sentença a rever aliados à situação objectiva evidenciada nos autos de o requerido se ter ausentado do território moçambicano sabendo da condenação sofrida, malgrado se tratar de um delinquente primário, não evidenciam, apesar de tudo, um actualizado prognóstico positivo relativamente à possibilidade da integração do, então, jovem delinquente num mundo afastado do crime e externamente condizente com as regras sociais. Na verdade, se, por um lado, a gravidade dos factos praticados, até pelas razões que se encontravam na génese do mesmo, é de molde a colocar-nos sérias dúvidas quanto à possibilidade de integração na sociedade, por outro lado, inexistem quaisquer outros considerandos que apresentem um relevante indício positivo no sentido da reintegração do jovem. Não vemos, pois, indiciada a apontada e exigida vantagem na aplicação do indicado regime especial para a reinserção social. Do conjunto destes factores e do modo de execução do crime temos a concluir por uma extrema ilicitude e uma culpa muito grave que, para além de inculcar fortes necessidades de prevenção especial e geral, aponta para uma pena bem acima do ponto médio da acima mencionada moldura penal aplicável considerando-se proporcional, ajustada e necessária uma pena de 9 (nove) anos de prisão.” – sublinhado nosso.
2.5.É exacto que, embora esteja sempre presente um poder-dever de ponderação por parte do juiz, a aplicação do regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 401/82, designadamente da atenuação especial prevista no respectivo art.º 4.º, não é efeito automático de o agente ter menos de 21 anos à data dos factos, exigindo sempre um juízo de prognose de que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do condenado. A idade jovem é apenas o requisito formal que impõe ao julgador averiguar se estão ou não verificados os requisitos para a atenuação especial, conforme, de entre muitos, o Ac. do STJ, de 8/9/2016, Proc. 610/15.1PCLSB.S1, em www.dgsi.pt. Sucede que os elementos factuais fixados pela sentença cujo reconhecimento e confirmação para efeitos de execução vem requeridos, que limitam o juízo valorativo na substituição da pena aplicada ao abrigo do disposto no art.º 106.º do Acordo de Cooperação, não são de molde a que, com base neles, se construa o juízo de prognose positiva de que depende a aplicação do regime penal aplicáveis aos jovens delinquentes. Sobretudo quanto à atenuação especial prevista no art.º 4.º do citado Dec. Lei n.º 481/82, que é a única medida do elenco das estabelecidas por esse regime especial cuja hipótese poderia razoavelmente colocar-se neste momento e na actual fase da vida do condenado. Com efeito, a extrema gravidade, violência e consequências para a vítima da acção do arguido, não permitem num juízo de razoabilidade aplicar agora aquele regime, que não seria certamente aplicável se o arguido tivesse então sido julgado num tribunal português. A aplicação deste regime perante aqueles factos concretos conflituaria gravemente com o objectivo de proteção do bem jurídico afectado - a vida humana, que com a aplicação das penas se visa alcançar. Tanto basta para concluir que o acórdão recorrido não merece censura ao recusar a aplicação da atenuação especial da pena facultada pelo art.º 4º do Dec. Lei n.º 481/82, de 23 de Setembro.
Todavia, o facto de não ser aplicável esse regime especial, não impede que, nos termos gerais, se pondere, na avaliação das exigências de prevenção, não só que o arguido era à data dos factos um jovem de 18 anos de idade, mas também as circunstâncias actuais, pessoais e de vida do condenado, que, hoje, é um homem maduro de 45 anos de idade e que se encontra integrado na sociedade portuguesa, mostrando tais circunstâncias posteriores ao cometimento dos factos que se encontra inserido no meio social e familiar onde vive, revelando boa conduta posterior aos factos, sem prejuízo de se considerar que, ao abandonar o país onde residia, evitou cumprir a pena em que fora condenado. Evidentemente, que sempre se poderá justificar com a morosidade da justiça, atendendo ao decurso do tempo entre a data dos factos praticados e a prolação da decisão revidenda e que tal facto não lhe é imputável, pelo que, entretanto, sendo jovem buscou outras alternativas de vida. 2.6. Adianta-se que, nada há a apontar à decisão recorrida quanto à apreciação sobre o grau de ilicitude na prática dos factos e da culpa com que agiu o ora recorrente, pois que ambas são elevadas e muito censuráveis. Em concreto, o comportamento do ora recorrente na prática dos factos é de molde a impor, justa, objectiva e proporcionalmente uma pena graduada nos limites da culpa com que o mesmo actuou, atenta à gravidade da sua conduta e à gravidade do crime de homicídio, ainda que sob a forma tentada – cujo bem jurídico é a protecção da vida humana – bem como a ponderação da necessidade de prevenção geral e especial perante este tipo de criminalidade. Todavia, ao estabelecer a pena a executar em 9 anos de prisão excedeu o necessário para satisfazer as exigências de prevenção geral e especial, face ao tempo entretanto decorrido .
No caso, há a considerar as circunstâncias temporais decorridas desde a data da prática dos factos, sendo certo que, a actuação do recorrente constituiu um acaso e que se tratou de um acto pouco sopesado e de juventude, que não se repetiu mais na vida do recorrente, pelo que, tendo em conta a gravidade dos factos, mas também a idade do arguido quando os praticou e que sobre a prática do crime decorreram já 25 anos mantendo o arguido boa conduta, a pena concreta deve situar-se ligeiramente abaixo do meio da moldura penal – entre o mínimo de , correspondendo às necessidades de tutela do bem jurídico em causa (a vida humana) e às exigências de protecção da sociedade, considerando as circunstâncias factuais e a natureza do crime cometido e o grau de culpa, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade da pessoa do delinquente.
Pelo exposto entende-se que uma pena de prisão, graduada em 5 anos de prisão, satisfaz as exigências de prevenção geral e especial, não excedendo a medida da culpa, considerando a primariedade da conduta do ora recorrente, a sua juventude que à data dos factos (05/10/1996) e a sua conduta no tempo entretanto decorrido desde aquela data. O pressuposto material da decisão suspensória da execução da pena é a existência de um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. Assim, em face da idade do arguido à data dos factos – apenas, 18 anos –, atendendo ao seu percurso de vida após os factos e à sua inserção social na sociedade portuguesa onde vive, à ausência de registo de antecedentes criminais, antes e depois dos factos praticados, não se mostra adequado que, decorridos 25 anos após os factos delituosos, se pugne por um efectivo cumprimento de pena de prisão, quer pelo impacto que tal situação trará à sua vida quer por tal situação ser perniciosa a qualquer indivíduo que se encontra socialmente inserido.
Acresce que, considerando a actualidade das circunstâncias de idade e vida do arguido, tem-se como certo que a simples ameaça da execução da pena o manterá afastado de qualquer conduta social e criminalmente censurável, sendo certo que, tal tem sido o seu padrão de comportamento.
Por isso se entende que, mesmo se considerando um caso que revestiu elevada gravidade, a verdade é que, no momento de reconhecer a sentença estrangeira que o condenou reveste-se, agora, de suficientes características de excepcionalidade para merecer um tratamento especial, permitindo a suspensão da execução da pena, pelo mesmo período da duração da pena. Ou seja, a quantia indemnizatória fixada ao ofendido a título de danos não patrimoniais é derivada da prática de um crime, constituindo matéria de natureza penal, não constando dos elementos trazidos aos autos que a mesma foi realizada.
Assim sendo, considerando que o pagamento da indeminização arbitrada contribui para mitigar as consequências lesivas para o ofendido levadas a cabo pela conduta do arguido ora recorrente e que este pode e deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para reparar o mal causado e, considerando que a satisfação desta exigência é uma manifestação da sua ressocialização, traduzida em mitigar as consequências visíveis do ilícito praticado, atendendo ao disposto no art.ºs 50.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, a), do CP, justifica-se e mostra-se conveniente e adequado à realização das finalidades da punição aplicada que se faça depender da condição da suspensão da execução pena de prisão, por cinco anos, que o mesmo no prazo de 1 (um) ano demonstre nos autos o pagamento de 100000 euros (cem mil euros), equivalente a cerca de metade do valor da quantia indemnizatória em que foi condenado.
III – DECISÃO Termos em que, acordando, se decide:
Lisboa, 23 de Agosto de 2022 (processado e revisto pelo relator)
Leonor Furtado (Relator) João Guerra (Adjunto) Teresa Almeida (Adjunta) Catarina Serra (Presidente) |