Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
521/16.3T8VFR.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE OBJETIVA
CONCORRÊNCIA DE CULPA E RISCO
MENOR
DEVER DE VIGILÂNCIA
PROGENITOR
CULPA DO LESADO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
INIMPUTÁVEL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
REDUÇÃO
Data do Acordão: 05/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Sumário :

I- Uma vez não preenchida a previsão da responsabilidade civil extra-contratual do art. 483º, 1, do CCiv. para a actuação do condutor de veículo automóvel, nomeadamente tendo em conta as obrigações e injunções do Código da Estrada, em matéria de responsabilidade pelos danos resultantes de acidente causados por veículos de circulação terrestre (art. 503º, 1, CCiv.), a verificação de qualquer das circunstâncias referidas no art. 505.º do CCiv., nomeadamente ser o acidente imputável a facto, culposo ou não, do lesado, exclui a responsabilidade objectiva do detentor do veículo causador do acidente no círculo tutelado dos «riscos próprios do veículo», tendo em conta que esse comportamento interrompe o nexo de causalidade que, em relação ao dano, representa o risco do veículo.

 

II- O art. 505º do CCiv. admite, nomeadamente em face da salvaguarda do prescrito no art. 570º do CCiv., o concurso da imputação do acidente ao lesado com o risco próprio do veículo, desde que: (i) o risco especial de circulação seja um risco agravado de funcionamento deficiente e/ou imprevidente da máquina ou das especificidades de perigo da circulação em concreto, que justifique e torne plausível, numa lógica equilibrada e racional do regime legal para tutela do lesado, especialmente quanto este apenas evidencia uma negligência de reduzida censurabilidade (culpa leve ou levíssima) e de diminuta relevância causal para a produção ou agravamento dos danos sofridos pelo próprio, uma comparticipação da parte lesante que responde independentemente de culpa; (ii) haja uma contribuição desse risco do veículo para a ocorrência do sinistro gerador dos danos, mobilizando-se um juízo de adequação e proporcionalidade atendendo à intensidade desses riscos próprios da circulação do veículo e à sua concreta relevância causal para o acidente.

III- Verificando-se um comportamento ilícito e culposo da mãe-representante legal do lesado menor, em razão da violação censurável do dever primário de vigilância e guarda (protecção e tutela da segurança e saúde do filho: arts. 1878º, 1, 1887º, CCiv.), que, nas circunstâncias concretas de perigosidade e risco agravado que enquadram o sinistro, foi causa concorrente e em parte com o risco de circulação da viatura envolvida no acidente (ultrapassagem de viatura estacionada na via e retorno à hemi-faixa de circulação com embate no corpo do lesado), pelo que igualmente operativa e determinante da dinâmica factual conducente ao atropelamento do lesado menor, o comportamento omissivo da mãe (enquanto representante legal) constitui facto culposo que se imputa(-equipara) como se fosse facto culposo do lesado para efeito de redução da responsabilidade indemnizatória em função do grau ou percentagem na contribuição causal para o resultado danoso (arts. 503º, 1, 505º, 1ª parte, 570º, 1, 571º, CCiv.)


IV- A ilicitude demonstrada, a natureza da culpa da mãe (que não é leve nem pode ser vista como absolutamente inconsciente) e a causalidade para o efeito danoso são factores para o julgador ponderar a atribuição de uma repartição igual de contribuições entre o risco de circulação e o facto culposo da mãe-representante legal obrigada à vigilância, reduzindo em 50% o montante das indemnizações e compensações decretadas para despesas e tratamentos futuros do menor lesado pelo sinistro (também com aplicação do critério «em caso de dúvida» do art. 506º, 2, do CCiv.).

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 521/16.3T8VFR.P1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, ... Secção

Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I) RELATÓRIO


1. AA e BB, por si e na qualidade de representantes dos seus filhos menores CC e BB, intentaram acção declarativa sob a forma de processo comum contra «Companhia de Seguros Allianz Portugal, S. A.», pedindo a sua condenação:
“a) a pagar ao A. CC, a título de indemnização por incapacidade parcial permanente, a quantia de € 109.927,95, acrescida de juros contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;
b) a devolver aos AA. AA e BB a quantia de € 1732,00, correspondente à soma de € 79,50 (exames clínicos realizados ao A. CC), € 1.417,50 (prótese auditiva do A. CC) e € 235,00 (consultas de acompanhamento dos AA. AA e BB);
c) a suportar todas as despesas necessárias a eventuais reparações do aparelho auditivo do A. CC, bem como à sua substituição (incluindo deslocação e consultas necessárias para o efeito) caso, no futuro, com o avanço da ciência, venha a ser lançado novo modelo, mais eficaz e minimizador da incapacidade do A.;

d) no pagamento de todos os tratamentos médicos e cirúrgicos (incluindo deslocação e estadia) que, no futuro, com o avanço da ciência, possam ser efectuados para minimizar a incapacidade do A. CC;
e) a pagar, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos em resultado do acidente supra descrito, à qual devem ser acrescidos juros contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento: i) ao A. CC a quantia de € 60.000,00; ii) à A. AA a quantia de € 10.000,00; iii) ao A. BB a quantia de € 10.000,00; iv) ao A. BB a quantia de € 5.000,00.”

Em síntese, alegam a reparação dos danos sofridos pelo Autor, menor CC, como consequência de atropelamento que o vitimou e cuja ocorrência imputam a título de culpa ao condutor de veículo automóvel cujo contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel fora celebrado com a Ré bem como pelos danos não patrimoniais também suportados pelos seus pais e irmão em consequência do mesmo atropelamento, e ainda no pagamento de todos os tratamentos e ajudas técnicas de que o menor CC necessitou e venha a necessitar no futuro, em consequência do acidente dos autos.

2. Regularmente citada, a Ré apresentou Contestação, alegando que o acidente resultou da culpa por violação do dever de vigilância do menor CC aquando do atravessamento da estrada e consequente colhimento pelo automóvel; impugnou os danos alegados na petição inicial.


3. Foi apensada a acção de processo comum deduzida pelo «Centro Hospitalar ... EPE em que foi pedida a condenação da Ré no pagamento dos valores suportados pelos tratamentos prestados ao menor CC em consequência do acidente dos autos, valor esse que, após ampliação do pedido devidamente admitida, é de € 3.574,81, acrescido de juros desde a data de vencimento de cada factura debitada.

4. Após ser proferido despacho saneador, com fixação do valor da causa (€ 196.659,95) e realizada audiência de julgamento, o Juiz ... do Juízo Central Cível ..., uma vez delimitadas as questões a resolver – “1. Apurar a dinâmica do acidente e, perante esta, aferir da responsabilidade do condutor do veículo seguro na Ré a título de culpa; 2. Caso se conclua pela negativa aferir se, face à dinâmica do acidente[,] é de concluir pela violação do dever de vigilância do menor e, em caso afirmativo; 3. Apurar se tal foi a causa única do acidente por forma a aferir se há razão para a exclusão da responsabilização do proprietário do veículo a título objectivo; 4. Caso se conclua, a qualquer título pela responsabilidade deste, e consequentemente da Ré, aferir a medida da indemnização a fixar para ressarcimento dos danos provados.” –, concluindo pela absolvição da Ré de todos os pedidos, sejam os formulados pelos Autores, seja o do «Centro Hospitalar ..., EPE», proferiu sentença julgando ambas as acções parcialmente provadas mas totalmente improcedentes.


5. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), com adesão do «Centro Hospitalar ..., EPE», que conduziu a ser proferido acórdão, no qual se rejeitou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e julgou-se a apelação parcialmente procedente quanto à responsabilidade da Ré, sendo esta condenada a: “a) Pagar ao apelante CC a quantia de € 105.000,00, acrescida de juros desde a data deste acórdão; b) Suportar todas as despesas necessárias a eventuais reparações do aparelho auditivo do apelante CC, bem como à sua substituição (incluindo deslocação e consultas necessárias para o efeito) caso, no futuro, com o avanço da ciência, venha a ser lançado novo modelo, mais eficaz e minimizador da incapacidade do A.; c) Suportar (…) todos os tratamentos médicos e cirúrgicos (incluindo deslocação e estadia) que, no futuro, com o avanço da ciência, possam ser efectuados para minimizar a incapacidade do CC; d) Pagar aos apelantes AA e BB a quantia de € 1.497,00; e) Pagar ao apelante Centro Hospitalar ..., EPE, a quantia de € 3.574,81, acrescida de juros desde a data de vencimento de cada factura até integral pagamento”; no mais, absolveu-se a Ré Apelada.

6. Agora sem se resignar, a Ré interpôs recurso de revista para o STJ, finalizando com as seguintes Conclusões:

“1. No que respeita à dinâmica do acidente, a matéria de facto pertinente para a apreciação do objecto do presente recurso é a que consta dos n.os 1 a 3, 6 a 21 dos Factos Provados da sentença de 1ª Instância, que o Tribunal da Relação, o ora recorrido, manteve.

2. As instâncias dão como assente que, perante esta matéria de facto provada, não se pode concluir que o acidente ocorreu por culpa do condutor do LV, veículo seguro na Recorrente, que, entre outros fundamentos,o menor não era visível ao condutor, como consta do ponto 15 da matéria de facto provada, desconhecendo-se a dinâmica do menor, como se referiu. Por isso não se vislumbra como poderia o condutor prever o acidente.” – pág. 41 do acórdão, nosso sublinhado.

3. Assim sendo, por uma boa aplicação das normas jurídicas a esta matéria de facto provada, em particular os arts. 483º, 503º, 505º, 563º, 570º, 571º e 1878º do C. Civil e 101º, n.º 4 do C. Estrada, impunha-se decisão diversa da recorrida, que veio agora a imputar a responsabilidade do acidente, em exclusivo, ao risco inerente à circulação do LV.

4. O menor CC, com 6 anos, aquando do acidente permanecia em plena faixa de rodagem, do lado direito da via, atento o sentido de marcha do LV, imediatamente à frente do local onde estava estacionada uma carrinha comercial (do tipo Renault Kangoo ou Opel Kombo).

5. ComodeclarouaRecorrida AA,ofilhoerabaixinhoeacarrinhamaisalta,peloque,nessas circunstâncias concretas provadas no n.º 15, qualquer pessoa, medianamente diligente e responsável, obrigada a vigiar um menor, tinha que se aperceber da situação de perigo em que o estava a colocar.

6. Com aquele obstáculo na via, o menor não era visível para os condutores que circulassem no sentido do LV que, depois de transporem a carrinha estacionada, teriam de retomar novamente a sua hemi-faixa, em direcção ao local onde se encontrava o CC, desacompanhado da mãe, que se encontrava do outro lado da via, a falar com uma vizinha – Facto n.º 21.

7. A ilicitude deste comportamento decorre também da violação da norma prevista no n.º 4, do art. 101º do C. Estrada já que, permanecendo em plena faixa de rodagem, afecta ao sentido de marcha de veículos cujos condutores estavam impedidos de visionar o menor – Facto n.º 15 – a permanência deste na via, era um facto gerador de perturbação e perigo para o trânsito.

8. Nestas circunstâncias e atento o concreto factualismo apurado relativo à dinâmica do acidente supra evidenciado (em particular, considerando os factos provados n.os 9, 15, 16, 17, 20 e 21), o nexo de causalidade do acidente dos autos deve ser integrado no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, art.º 483º do C. Civil, que os Recorridos invocaram na PI, como único fundamento do seu pedido.

9. Para evitar o acidente dos autos, teria bastado que a Recorrida AA, em vez de deixar o filho de 6 anos sozinho em plena faixa de rodagem, à frente de um veículo que impedia a sua prévia visualização pelos condutores a circularem no sentido do LV, o tivesse levado consigo, quando atravessou a rua, para calmamente ficar a falar com a vizinha – Facto Provado n.º 21.

10. Deve-se imputar a responsabilidade do acidente a um facto ilícito e culposo do menor, ou melhor dizendo, atenta a sua inimputabilidade decorrente da idade, aos Recorridos, nos termos dos arts. 571º e 1878º do C. Civil já que, tendo omitido o dever de vigilância a que estavam obrigados, nomeada e especialmente a mãe, permitiram que o menor permanecesse navia, nasconcretascircunstanciasapuradas, assimdandocausaao acidente dos autos.

11. Todavia, caso se entendesse convocar também a contribuição do risco do veículo para a produção do acidente, invocando-se a repartição entre facto ilícito e culposo do lesado (arts. 483º, 487º, 570º, 571º, 1878º do C. Civil e 101º, n.º4 do C. Estrada) e a responsabilidade pelo risco, prevista no art.º 503º, n.º1 do C. Civil, ENTÃO, os factos apurados/PROVADOS, permitem concluir pela verificação de uma causa excludente dessa responsabilidade, nos termos do art. 505º do mesmo diploma!

12. Efectivamente, perante os factos que resultaram provados, conclui-se que o acidente dos autos é imputável exclusivamente ao comportamento ou facto inerente à esfera pessoal do lesado menor, filho dos Recorridos, que por negligência e omissão do dever de velar pela segurança e saúde do CC como lhes impunha o art.º 1878º do C. Civil – permanecia em plena faixa de rodagem da EN, tapado por um veículo estacionado, que impedia o seu visionamento pelos condutores que circulassem no sentido do LV!

13. A boa interpretação da teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa consagrada no art. 563º do C. Civil, leva-nos na direcção de concluir que, nem um comportamento ilícito e culposo do condutor do LV, nem o próprio risco inerente à circulação deste veículo, foram causa adequada do acidente dos autos, radicando a sua causa exclusiva na “intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis” – sic: Acórdão deste STJ, de 02-11-2010 PROC. 2290/04 – 0TBBCL.G1. S1, in www.dgsi.pt – como a permanência do menor na estrada, nas circunstâncias provadas, perante as quais “não se vislumbra como poderia o condutor prever o acidente” – sic: pág. 41 do acórdão recorrido.

14. Face ao exposto, e aderindo a entendimento sufragado em acórdão da Relação de Guimarães, de 20-09-2018, Proc. 4573/17.0T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “I- Não se provando a culpa da condutora do veículo na produção do acidente e sendo o acidente exclusivamente imputável ao lesado em termos de causalidade (com ou sem culpa e ainda que seja inimputável), mostra-se excluída a responsabilidade civil pelo risco do proprietário decorrente do n.º 1 do art. 503º do Código Civil, nos termos do disposto no art.º 505º, do citado código”, interpretação que se deve aplicar ao caso dos autos, face à matéria de facto provada, assim se impondo a absolvição da Recorrente, tal como anteriormente decidido pela 1ª Instância e que aqui se requer.

15. Acresce, ainda, referir que a responsabilidade objectiva, fundada no risco da circulação do veículo, é afastada pela configuração da causa de pedir alegada na PI, toda ela assente na alegação de uma dinâmica do acidente que ficou a dever-se à culpa do condutor do veículo LV, que com manifesta imprudência, falta de cuidado, com velocidade excessiva, distracção e total desrespeito pelas regras do Código da Estrada, a ele deu causa.” cfr. art. 26º da PI.

16. Como se tem decidido em jurisprudência mais recente, para que se julgue verificada a responsabilidade peloriscopor acidentedeviação, nostermos doart. 503º, n.º1do C. Civil, não basta aludir à aptidão típica de um automóvel para ser fonte geradora de risco, aliás, como faz o Tribunal Recorrido.

17. Ao abrigo do princípio dispositivo e do cumprimento do ónus de alegação de factos essenciais, cuja prova permita a procedência de um pedido, para que, a final, possa ser equacionada a condenação com base no risco, terá sempre de ser necessário alegar, para demonstrar, factos dos quais resulte uma efectiva contribuição do risco adveniente da circulação da viatura na via pública, para o nexo causal do acidente, não se revelando suficiente para esse efeito a mera alusão à aptidão típica de um automóvel para a criação de riscos sic: acórdão da Relação do Porto, de 24-02-2022, Proc. 4239/14.3TBMTS.P1 – aliás como faz o Tribunal recorrido!

18. Nos presentes autos, não está demonstrado o nexo de causalidade entre o risco inerente à circulação do veículo e o evento lesivo, já que este ficou a dever-se a circunstâncias anómalas e imprevisíveis a quem tinha a sua direcção efectiva, como é o facto da permanência do menor, filho dos Recorridos, aquando do embate, em plena meia faixa de rodagem, em condições que não era “visível para o condutor do automóvel ligeiro com a matrícula ..-LV-.. antes da ultrapassagem” – Facto Provado n.º 15 –

19. peloqueocondutornãopoderia,comonãopôde,teradoptadoqualquermedidapreventiva para evitar “a potencialidade de perigo que encerra a sua circulação”,   sendo esta totalmente alheia ao nexo casual do acidente!

20. Considerando o que vem provado nos autos, quando não se entenda verificar uma causa excludente da responsabilidade objectiva ou pelo risco o que não se concede, nomeadamente, considerando a base factual dos doutos arrestos supra citados, mas só pordeverdepatrocínioseconcede–então,esalvomelhorentendimento,sempresedeverá considerar na imputação do acidente, também à concorrência da culpa do lesado ou de quem estava obrigado à sua vigilância, nos termos dos artd. 570º, 571º e 1878º do C. Civil.

21. Nesse caso e considerando a concreta situação de perigo a que o menor foi exposto e da qual veio a resultar o acidente dos autos, deverá repartir-se a responsabilidade pelo acidente em 20% para o risco do veículo e 80% para os responsáveis pela sua permanência na via, os Recorridos, considerando que se o menor “não era visível para o condutor do automóvel ligeiro com a matrícula ..-LV-.. antes da ultrapassagem” – Facto n.º15 – “não se vislumbra como poderia o condutor prever o acidente” tal como se consigna na pág. 41 do acórdão recorrido.

22. No entanto, sempre se pugna pela total absolvição da aqui Recorrente atendendo a que, os factos provados demonstrarem à saciedade que, para o acidente se ter evitado, teria bastado aos Recorridos, nomeadamente à Mãe, terem exercido com diligência o dever de zelar pela segurança do menor, mantendo-o afastado e impedindo a sua permanência na faixa de rodagem e que, nas circunstâncias provadas nos autos, contrariam toda a dinâmica “desculpante” do seu comportamento, como a alegaram na PI.

23. Convocando a boa doutrina e jurisprudência, que se invoca nos termos do art. 8º, n.º 3 do C. Civil, e que fundamentou decisões em casos análogos no sentido da procedência do presente recurso – nomeadamente, acórdãos deste Tribunal Superior, de 01-06-2017, Proc. 1112/15.1T8VCT.G1.S1 e de 02-11-2010 PROC. 2290/04 – 0TBBCL.G1. S1; da Relação do Porto, de 24-02-2022, Proc. 4239/14.3TBMTS.P1; da Relação de Guimarães, de 20-09-2018, Proc. 4573/17.0T8BRG.G1, todos in www.dgsi.pt a boa interpretação das normas aplicáveis à matéria de facto provada nos autos nomeadamente, arts. 483º, 503º, 505º, 570º, 571º, 1878º do C. Civil e 101º, n.º4 do C. da Estrada impõe a revogação do acórdão recorrido, por douto acórdão a proferir por V. Exas que, no sentido do decidido pela Instância, julgue a acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolva a Recorrente do pedido.

24. Quando assim não se julgar, o que, volta-se a repetir, só se equaciona apenas por dever de patrocínio, a responsabilidade pela eclosão do acidente objecto dos autos deverá ser repartida nos termos do art. 503º, 570ºe 571º do C. Civil, na proporção de20% para a Recorrente, atenta a responsabilidade pelo risco do veículo seguro, e 80% para os Recorridos, atenta a violação culposa do dever de vigilância do menor, que permitiu a sua permanência na via, com a consequente redução proporcional dos valores indemnizatórios.”

7. Os Autores e aqui Recorridos AA e outros apresentaram contra-alegações, sustentando a insusceptibilidade de exclusão da responsabilibdade pelo risco do art. 505º do CCiv., concluindo pela improcedência da revista.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS

1. Admissibilidade e objecto do recurso

A revista foi interposta pela Ré vencida em 2.ª instância ao abrigo dos arts. 671º, 1, e 674º, 1, a), do CPC, sendo assim admitida para julgamento do dispositivo decisório do acórdão recorrido.

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Vistas as Conclusões da Ré e Recorrente «Companhia de Seguros Allianz Portugal S.A.», que delimitam o objecto de reapreciação nesta instância (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), a questão a resolver consiste em averiguar da responsabilidade da seguradora pelos danos em que foi condenada pelo acidente de viação ocorrido, a pagar a esses Autores, para isso sendo de apreciar, em particular, a interpretação e aplicação ao caso do regime dos arts. 483º, 1, 503º, 1, 505º, 570º e 571º do CCiv. – enquanto regras legais de imputação e repartição de responsabilidade em matéria de acidente e colisão entre veículos, a fim de decifrar se há ou não responsabilidade do condutor do veículo automóvel ou, em alternativa, concorrência de responsabilidades, responsabilidade essa que deva ser coberto pelo seguro de responsabilidade civil automóvel em referência ao sinistro.

Neste mesmo contexto delimitativo, não constitui objecto da revista a discussão da bondade e do “quantum” das várias condenações proferidas pelo acórdão recorrido, quanto a requisitos e montantes indemnizatórios e compensatórios, para danos emergentes do sinistro e despesas/prejuízos futuros, da responsabilibidade civil transferida para a Ré seguradora.

2. Factualidade

2.1. Resulta dos autos a seguinte factualidade provada, sem alteração na 2.ª instância:

1. No dia 24-12-2014, pelas 15:00 horas, na Rua ..., junto ao número de polícia ...22, na freguesia ..., concelho ..., ocorreu um sinistro em que foram intervenientes o menor CC, nascido a .../.../2008 e o veículo Peugeot 308 com a matrícula ..-LV...

2. O veículo LV, circulava na Rua ..., em sentido descendente, em direção a ..., sendo seu condutor, DD.

3. A via encontra-se delimitada por casas de habitação com saída direta para a rua, tendo como limitação de velocidade 50km/h.

4. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-LV.. estava, à data do sinistro, titulada por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...93, da Ré.

5. Na sequência e por causa do sinistro, o Autor Centro Hospitalar ..., EPE, prestou e continua a prestar consultas e tratamentos médicos ao CC, no valor, até ao momento, de 3.574,81 €, cujas faturas foram remetidas à Ré.

6. No momento do acidente era de dia, estava sol e a visibilidade era boa.

7. A via com piso betuminoso estava seca, em razoável estado de conservação, tendo uma largura de 7 metros e dois sentidos de trânsito.

8. O local do acidente está ladeado por habitações, existindo ao longo do seu curso diversos entroncamentos e cruzamentos.

9. O menor CC encontrava-se sozinho, do lado direito da estrada (sentido .../...), onde tinha estado a colocar uns enfeites de Natal com a sua mãe na parte exterior do muro da sua casa.

10. Antes de chegar ao local do acidente, o condutor do LV passou por um veículo ligeiro estacionado à sua direita.

11. Tendo contornado o mesmo pela esquerda e retomado, depois, a hemifaixa mais à direita atento o seu sentido de trânsito.

12. A via tem como limitação de velocidade 50km/h.

13. Trata-se de uma recta com cerca de 400 metros de comprimento, de ampla visibilidade.

14. A entrada da garagem que antecede geograficamente o local do acidente, tem uma rampa de acesso cuja largura excede os 50 cm, o que acontece também em muitas outras habitações na mesma artéria.

15.O menor não era visível para o condutor do automóvel ligeiro com a matrícula ..-LV-.. antes da ultrapassagem.

16. Ao retomar a sua direita após a manobra descrita em 11. ocorreu o embate entre a parte lateral direita da frente do automóvel e o menor.

17. Que se encontrava atrás do veículo referido em 10 (atento o mesmo sentido de trânsito), fora da berma e a distância não concretamente apurada do muro da sua casa.

18. Para onde foi projectado após o embate após o que ficou imobilizado na berma.

19.O veículo automóvel sofreu danos pouco significativos, localizados na sua lateral direita.

20. O pai da vítima, aqui Autor, não se encontrava no local do acidente no momento em que o mesmo ocorreu.

21. A mãe da vítima, aqui Autora, encontrava-se do outro lado da estrada a falar com a vizinha EE tendo atravessado para esse efeito momentos antes do atropelamento.

22. Como consequência directa e necessária do supra descrito o menor CC [sofreu] foi transportado para o Centro Hospitalar ..., onde de acordo com o exame objectivo à admissão lhe foram diagnosticadas as seguintes lesões:

“TCE com 2 pequenas feridas corto-contusas frontais. Sem evidência de trauma torácico.

Abdomen:…Escoriação do flanco esquerdo, sem outra evidência de trauma. Escoriações do cotovelo direito e joelhos.

Exame neurológico: sinais externos de traumatismo frontal D. CVs: Ns à ameaça. Sem alterações grosseiras da visão. Pupilas iguais e reactivas. Nitagma HR em todas  as direcções               do olhar, sem limitação da oculomotricidade, sem diplopia. Sem paresia facial. Restantes nervos cranianos normais. Sem outras alterações no exame objectivo.

23.Após avaliação pelas diversas especialidades e atendendo à estabilidade clínica foi internado no serviço de Pediatria segundo as seguintes orientações de Neurologia e Pediatria:

1. Vigilância hospitalar e realização de TAC cerebral de controlo amanhã. 2. Existe risco de crises epilépticas ou depressão do nível de consciência.

3. Se surgirem vómitos, depressão da consciência com dificuldade em acordar ou crises epilépticas ou défices motores de novo, deve realizar TAC cerebral de imediato.

24.Fez os seguintes exames subsidiários:

TAC crânio-encefálico: Ausência de anomalias.

TAC coluna cervical:Preenchimento das cavidades do ouvido médio esquerdo otite?

Sem aparentes traços de fractura no rochedo. TAC tórax: sem alterações.

RX tórax (26/12): Hipotransparência na metade superior do hemitórax direito. Sem sinais de fracturas de costelas ou sinais de pneumotórax.

RMN cerebral (30/12):… Opacificação por tecidos com hipersinal em T2 da cavidade timpânica e da mastóide, esquerdas, em provável relação com processo inflamatório ou traumático.

25. No primeiro dia de internamento iniciou quadro de febre associado a vómitos alimentares.

26. No segundo dia de internamento mantinha febre e teve dois episódios de vómitos e iniciou acessos de tosse produtiva.

27. Foi pedido [de] Rx tórax que mostrou Hipotransparência na metade superior do hemitórax direito.

28. Foi solicitado estudo analítico que mostrou predomínio de neutrófilos e PCR aumentada e iniciou medicação com Ampicilina.

29. Repetiu Rx tórax no nono dia de internamento com melhoria da imagem de condensação e atelectasia.

30. No sexto dia de internamento foi notada ataxia da marcha, com restante exame neurológico normal.

31. Realizou Ressonância Cerebral no oitavo dia de internamento tendo revelado “opacificação por tecidos com hipersinal em T2 da cavidade timpâmnica e da mastóide, esquerdas, em provável relação com processo inflamatório ou traumático.”

32. Manifestou melhoria progressiva da ataxia, sem outras complicações.

33. Visto por otorrinolaringologista não tinha queixas de hipoacusia ou aparentes alterações (MT íntegras).

34. Os exames ao ouvido revelaram: “Sem hemotímpano. Rinne + à direita; duvidoso à esquerda; Weber lateralizada à esquerda. Timpanograma A à direita; Timpanograma B à esquerda.”

35. Foi orientado para a consulta externa de ORL, com reavaliação programada para dia 06/01.

36. Foi-lhe diagnosticada pneumonia direita com atelectasia.

37. Teve alta de internamento com medicação, em 03/01/2015, passando a ser orientado pela consulta externa daquele Hospital, onde se deslocou e continua a deslocar por várias vezes.

38.Sofreu incapacidade temporária geral total (correspondente à fase durante a qual esteve impedido de realizar com razoável autonomia as actividades da vida diária, familiar e social), por período de 11 dias.

39. Sofreu incapacidade temporária geral parcial por período de 41 dias.

40. Por causa das lesões, tratamentos e sequelas de que ficou portador o seu “quantum doloris” é de grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.

41. Ficou portador de incapacidade permanente geral por perda auditiva unilateral e dano psicológico leve.

42. Incapacidade essa fixada em 18.4 de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.

43. Deverá continuar a beneficiar de ajudas técnicas e de acompanhamento pela especialidade de otorrinolaringologia.

44. A data da consolidação médico-legal das lesões do menor CC foi em 02-02-2015;

45. Por causa das lesões e sequelas de que é portador ficou com dano estético fixado no grau 1 em escala de sete graus de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.

46. Necessita de aparelho auditivo à esquerda.

47. Além dos cuidados e serviços prestados pelo serviço nacional de saúde, o menor recorreu a médico privado, dada a incapacidade auditiva, consequência do sinistro.

48. Nessas consultas, despendeu 79,50 € em exames para avaliação e estudo da sua situação clínica.

49. Foi aconselhado à implantação de uma prótese auditiva, tendo recorrido para o efeito e por questões de celeridade à medicina privada, onde os pais desembolsaram a quantia de 1.417,50.

50. O referido aparelho terá prováveis e necessárias reparações do aparelho, bem como será necessário substituí-lo ao longo dos anos por modelos mais novos e eficazes.

51.Os Autores AA e BB, pais do CC sofreram como consequência directa e necessária do acidente sofrido pelo seu filho.

52. Pelo que recorreram à medicina privada e despenderam 235€ em consultas de neurologia e psiquiatria.

53. O CC tem apresentado reacções ao acidente sofrido, tais como demonstrações de medo, alterações de sono, enurese secundária, baixa tolerância à frustração, falta de concentração, alterações emocionais e insegurança.

54. O menor actualmente refere: “medo dos carros e de atravessar na rua peço sempre à minha mãe para ir no meio para não ser atropelado…”

55. A mãe teve que comprar fraldas, porque o CC urina na cama quase todas as noites desde Janeiro de 2015.

56.Durante o sono, enquanto dorme, o menor grita e chora muito ficando sufocado, sendo necessário que a mãe sem o querer acordar fique à beira dele.

57. Para além das lesões físicas, o CC nunca mais foi a mesma criança alegre, extrovertida, sorridente e concentrado na sua actividade escolar e desportiva, o hóquei em patins.

58. Hoje, devido ao acidente, sofre de medo intenso, terror nocturno, dissociações afectivas e da realidade, raiva e irritabilidade, culpa, reacções de ansiedade, regressões e infantilismo, desespero e apatia, choros frequentes e reacções depressivas com enurese (perda de urina durante o sono).

59. Os médicos especialistas responsáveis pela avaliação psicológica do menor consideram de extrema importância que este seja alvo de intervenção/acompanhamento das especialidades da Psicologia e Pedopsiquiatria, a fim de esbater as reacções traumáticas do acidente rodoviário experienciado.

60. Cerca de um mês depois do acidente o menor CC regressou à escola, onde frequentava o 1º ano de escolaridade.

61. Inicialmente e durante algumas semanas, o regresso foi gradual, uma vez que apenas se apresentava na escola algumas horas.

62. Sentiu dificuldades em retomar o horário escolar completo, dadas as crises de ansiedade que sofria.

63. Sentia fortes dores de ouvido, causadas pelo normal barulho da escola, o que implicava que, não raras vezes, a mãe do CC o tivesse que ir buscar mais cedo.

64. Tudo isto se reflectiu no desenvolvimento escolar do menor, obrigando a mãe a um acompanhamento extra-curricular mais assíduo e presente.

65. Até Março de 2015, os Pais do menor viram-se obrigados a recorrer à ajuda de familiares e amigos de forma a acompanhar todas as necessidades da criança, uma vez ainda mais dependente física e psicologicamente.

66. Os pais do menor CC, bem como do seu irmão BB, aqui Autores, à data do acidente, preparavam-se para a época festiva mais importante do ano para a família, o Natal, quando o menor foi hospitalizado.

67. O acidente causou e continua a causar profunda tristeza aos três, pais e irmão, causando-lhes ansiedade, falta de sono, irritação e perturbações emocionais diárias.

68. Os pais do CC sofreram com o momento do acidente, o internamento do menor e o seu acompanhamento diário após alta a consultas médicas.

69. Bem como têm desgosto com o aparelho auditivo que o menor ficou obrigado a usar toda a vida.

70. Sentiram[-se] impotentes e inúteis perante o estado do seu filho.

71. Sofreram e continuam a sofrer por terem de fazer acompanhar o seu filho, junto do Serviço Nacional de Saúde com constantes atrasos e adiamentos das consultas médicas.

72. Que causaram aos pais desgosto e angústia, por terem o seu filho CC nesta situação.

73.O irmão do CC [que] sofreu e continua a sofrer por causa do sucedido com o seu irmão.

2.2. E foram fixados os seguintes factos como não provados:

a) No momento referido em 14 o menor encontrava-se a aguardar pela mãe que tinha acabado de atravessar a estrada para entregar um pertence à vizinha da frente.

b) Cumprindo as orientações recebidas pela mãe, o CC ficou parado junto ao muro de sua casa, a cerca de 50 cm do mesmo, aguardando que ela regressasse.

c) O condutor do LV contornou o veículo referido em 10 sem antes parar e perceber se podia contornar o mesmo em condições de segurança.

d) E em velocidade excessiva.

e) Quando se encontrava a contornar o referido veículo, deparou-se com um automóvel que vinha em sentido contrário e que o obrigou a desviar violentamente para a direita o veículo, de forma a evitar o embate frontal.

f) Assim abalroando o menor que se encontrava parado na berma da estrada, a cerca de 50 cm do muro da habitação do nº 122.

g) O menor CC atravessou a rua de forma repentina no momento em que o condutor do automóvel ligeiro com a matrícula ..-LV-.. passava no local onde ocorreu o embate.

h) Não obstante ter desviado o veículo, aquele não conseguiu evitar o embate no menor, uma vez que este atravessou a via da direita para esquerda atendendo o sentido de marcha do veículo com a matrícula ..-LV-.., em passo de corrida, atravessando-se à sua frente.

i) O condutor do veículo seguro conhecia muito bem a referida rua, passando nela todos os dias.

j) O menor CC era sossegado, calmo, ordeiro e muito respeitador das ordens e instruções recebidas dos seus pais.

k) Com elevada probabilidade irá registar agravamento das suas sequelas e consequente aumento da incapacidade permanente geral.

l) O irmão do CC, o Autor BB, desde o acidente tem medo de dormir sozinho, chamando todas as noites pelos pais, alegando pesadelos e falta de sono para dormir.

m) Passou a ter maior dificuldade de concentração durante as aulas, o que o prejudicou consideravelmente no proveito escolar.

n) Passou a ser menos extrovertido e sociável com os amigos com quem convive, e em casa este comportamento mantém-se.

3. Fundamentação de direito


3.1. O juízo que se provoca nesta instância começa por averiguar se o evento imputável ao veículo automóvel segurado pela Ré se enquadra em situação de responsabilidade extra-contratual por facto ilícito e culposo, nos termos gerais (e delituais) do art. 483º, 1, do CCiv.
O acórdão recorrido manifestou-se contrariamente:

“Entendem os apelantes que o condutor do veículo é responsável pelo acidente por ter contornado a carrinha que se encontrava estacionada sem parar, apesar de não ver o que se encontrava após, e que a velocidade, por muito baixa que fosse em termos absolutos, era excessiva, uma vez que não lhe permitiu evitar o atropelamento da criança. E ainda que o condutor omitiu os deveres de cuidado adequados a evitar o evento produzido, que por si deveria ter previsto e que segundo as circunstâncias do caso supra descritas tinha obrigação de prever, e ainda que não deveria circular tão junto à berma/habitações.
Acrescenta que deveria ter conduzido o veículo com velocidade ainda mais moderada, ceder a passagem ao veículo que vinha em sentido contrário, ao invés de utilizar a parte esquerda da faixa de rodagem para contornar o obstáculo com que se deparou.
Não lhes assiste, porém, razão.
Em primeiro lugar, não se pode afirmar que o condutor seguia demasiado próximo da berma/habitações, pois apenas acompanhámos o seu percurso após o momento em que começa a contornar a carrinha que se encontrava estacionada e encobria o menor que acabou atropelado.
Não se tendo apurado em que local da estrada se encontrava o menor – se mais próximo ou mais afastado da berma –, nem se o mesmo se encontra parado ou em movimento. Apenas sabemos que foi colhido quando o veículo atropelante retomava a sua mão de trânsito, a distância indeterminada da berma.
Desconhecendo-se a que velocidade circulava o veículo, não se pode afirmar que a velocidade era excessiva por não ter conseguido evitar o atropelamento.
Em primeiro lugar, o menor não era visível ao condutor, como consta do ponto 15 da matéria de facto provada, desconhecendo-se a dinâmica do menor, como já se referiu. Por isso não se vislumbra como poderia o condutor prever o acidente.
Em segundo lugar, e pelas mesmas razões, não se pode censurar o condutor por não ter imobilizado o veículo, antes de contornar a carrinha estacionada.
Em terceiro lugar, levando o raciocínio às últimas consequências, todo e qualquer acidente seria devido a excesso de velocidade.
Finalmente, não poderia o condutor contornar o obstáculo sem utilizar a parte esquerda da faixa de rodagem, não constando da matéria de facto provada o cruzamento com qualquer veículo que circulasse em sentido contrário a que devesse ceder passagem.”

Cremos ser de aderir a este juízo, nos termos do art. 663º, 5, 2ª parte, ex vi art. 679º, do CPC.

Para esse efeito, é nevrálgico mobilizar o encadeamento dos factos provados 2., 3., 6. a 18.,  para fazer tal asserção:

— O veículo LV, circulava na Rua ..., em sentido descendente, em direção a ..., sendo seu condutor, DD.

— A via encontra-se delimitada por casas de habitação com saída direta para a rua, tendo como limitação de velocidade 50km/h.

— No momento do acidente era de dia, estava sol e a visibilidade era boa.

— A via com piso betuminoso estava seca, em razoável estado de conservação, tendo uma largura de 7 metros e dois sentidos de trânsito.

— O local do acidente está ladeado por habitações, existindo ao longo do seu curso diversos entroncamentos e cruzamentos.

— O menor CC encontrava-se sozinho, do lado direito da estrada (sentido .../...), onde tinha estado a colocar uns enfeites de Natal com a sua mãe na parte exterior do muro da sua casa.

— Antes de chegar ao local do acidente, o condutor do LV passou por um veículo ligeiro estacionado à sua direita.

— Tendo contornado o mesmo pela esquerda e retomado, depois, a hemifaixa mais à direita atento o seu sentido de trânsito.

— A via tem como limitação de velocidade 50km/h.

— Trata-se de uma recta com cerca de 400 metros de comprimento, de ampla visibilidade.

— A entrada da garagem que antecede geograficamente o local do acidente, tem uma rampa de acesso cuja largura excede os 50 cm, o que acontece também em muitas outras habitações na mesma artéria.

— O menor não era visível para o condutor do automóvel ligeiro com a matrícula ..-LV-.. antes da ultrapassagem.

— Ao retomar a sua direita após a manobra descrita em 11. ocorreu o embate entre a parte lateral direita da frente do automóvel e o menor.

— Que se encontrava atrás do veículo referido em 10 (atento o mesmo sentido de trânsito), fora da berma e a distância não concretamente apurada do muro da sua casa.

— Para onde foi projectado após o embate após o que ficou imobilizado na berma.

Assumem igualmente significado para serem aqui atendidos alguns dos factos não provados (c) a i)):

— O condutor do LV contornou o veículo referido em 10 sem antes parar e perceber se podia contornar o mesmo em condições de segurança.

— E em velocidade excessiva.

— Quando se encontrava a contornar o referido veículo, deparou-se com um automóvel que vinha em sentido contrário e que o obrigou a desviar violentamente para a direita o veículo, de forma a evitar o embate frontal.

— Assim abalroando o menor que se encontrava parado na berma da estrada, a cerca de 50 cm do muro da habitação do nº 122.

— O menor CC atravessou a rua de forma repentina no momento em que o condutor do automóvel ligeiro com a matrícula ..-LV-.. passava no local onde ocorreu o embate.

— Não obstante ter desviado o veículo, aquele não conseguiu evitar o embate no menor, uma vez que este atravessou a via da direita para esquerda atendendo o sentido de marcha do veículo com a matrícula ..-LV-.., em passo de corrida, atravessando-se à sua frente.

— O condutor do veículo seguro conhecia muito bem a referida rua, passando nela todos os dias.

É com base neste encadeamento factual – e é com estes e apenas com estes que poderemos averiguar da subsunção jurídica ao direito aplicável – que não merece proceder a invocação da imputação causal do acidente ao condutor do veículo automóvel ligeiro, com ou sem culpa, tendo por base as regras, demandadas pelo circunstancialismo factual do acidente, tal como enunciadas, particularmente, nos arts. 11º, 2 («Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança.»), 13º, 1 e 2 («A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes.» / «Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direção.»), 24º, 1 («O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.»), 25º, 1, em esp. als, c), g) e h) («Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: c) Nas localidades ou vias marginadas por edificações; g) Nas descidas de inclinação acentuada; h) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida;»), 33º, 1, a) («Se não for possível o cruzamento entre dois veículos que transitem em sentidos opostos, deve observar-se o seguinte: Quando a faixa de rodagem se encontrar parcialmente obstruída, deve ceder a passagem o condutor que tiver de utilizar a parte esquerda da faixa de rodagem para contornar o obstáculo»), 35º, 1 («O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.»), 41º, 1, al. g) («É proibida a ultrapassagem: Sempre que a largura da faixa de rodagem seja insuficiente.»),  44º, 1 («O condutor que pretenda mudar de direção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afeta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efetuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.»), do Código da Estrada.         
Em particular, destas últimas injunções – que determinam a regra básica de actuação em caso de ultrapassagem de veículos – é manifestamente inviável asseverar que o condutor do veículo segurado pela Ré, tendo cumprido esses deveres – cfr. factos provados 10. e 11. –, não tenha agido com a atenção, a cautela e o cuidado (diligência objectiva) que lhe são impostos pelos arts. 11º, 2,  e 35º, 1, do Código da Estrada, contribuindo, mesmo que só em parte, para a verificação do acidente. Sendo sempre uma manobra de especial risco, a exigir prudência e antecipação da situação de perigo na dinâmica do tráfico rodoviário, comprova-se que essa diligência foi cumprida e, atento o seu sentido de marcha e quando já se encontra a retomar a sua direita após a ultrapassagem do veículo estacionado na via, ocorre o infeliz e dramático embate entre a parte lateral direita da frente do seu automóvel com o corpo do menor CC, que se encontrava atrás do veículo ultrapassado, sem que o menor colhido, colocado atrás de tal veículo, fosse visível para o condutor antes da ultrapassagem – cfr. factos provados 15. a 17.
Note-se que, como já foi sublinhado nesta instância, as infracções estradais praticadas pelos intervenientes em acidente de viação podem desligar-se da sua ocorrência; o fundamental é verificar “a gravidade das infracções e a forma determinante, num juízo de causalidade, que as mesmas tiveram na produção do sinistro”[1]. Por isso, no caso dos autos, em toda a dinâmica factual relevante – apenas na exacta medida da sua apreciação para o juízo de imputação e repartição da responsabilidade no acidente – não é de sustentar que um condutor medianamente diligente e hábil – in casu, do veículo segurado pela Ré – pudesse ter evitado, depois de cumprir o que objectivamente lhe era de exigir na mudança de direcção e ultrapassagem, o embate com o lesado colhido, que não vira antes de iniciar a manobra ao veículo ultrapassado. Não vemos, portanto, condução negligente e em infracção estradal do condutor do motociclo, em face da análise cuidadosa da envolvência da sua circulação e do que enfrentava na dianteira da via em termos da sua progressão cautelosa e segura.

Claro que se poderá sempre dizer que a conduta deste condutor foi condição naturalística do evento, na medida em que se não tivesse feito a manobra de mudança de direcção e consequente ultrapassagem o acidente não teria ocorrido. Mas convenhamos que, também se recorrermos em termos de causalidade adequada à formulação negativa com que o art. 563º do CCiv. encontra a sua previsão de eleição, não há como negar que o facto deste condutor, na incidência factual relevante e sublinhada pela 2.ª instância, não se afigura, em geral e em abstracto, de acordo com as regras da experiência comum e pela ordem natural das coisas, causa adequada da colisão, nas circunstâncias em que a mesma ocorreu e se encontra plasmada na factualidade que chega ao STJ.


3.2. Tudo ponderado, é de concluir que o evento imputável ao veículo automóvel segurado pela Ré não se enquadra em situação de responsabilidade extra-contratual prevista no art. 483º, 1, do CCiv.
Ao invés, é de entender que a ocorrência do acidente ocorre na esfera de responsabilidade pelo risco inerente à condução de veículos de circulação terrestre, aplicando-se o regime da responsabilidade plasmado nos arts. 503º a 508º do CCiv. – acidentes causados por tais veículos –, que, vista a regulação, é um caso de responsabilidade objectiva (independentemente de culpa: art. 487º, 2, CCiv.), sem que, no entanto, não se prescinda ou se deixe de atender à culpa (responsabilidade subjectiva) em algumas situações disciplinadas nesse regime (v. arts. 503º, 3, 507º, 508º, 1, sempre do CCiv.).


3.3. O art. 503º, 1, do CCiv. reza assim: «Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.»
Nesta fórmula legal de risco do veículo cabem os danos provenientes dos acidentes provocados pelo veículo em circulação (atropelamento de pessoas, colisão com outro veículo, destruição ou danificação de coisas), como pelo veículo estacionado, sendo irrelevante que o acidente ocorra nas vias públicas ou fora delas. Fora da esfera dos danos indemnizáveis pela responsabilidade objectiva ficam os que não têm conexão com os riscos específicos do veículo por serem estranhos aos meios de circulação ou transporte terrestre como tais, ou seja, os que foram causados pelo veículo como poderiam ter sido provocados por qualquer outra coisa móvel.[2]
 

3.4. Por seu turno, dispõe o art. 505º, 1, do CCiv. que «a responsabilidade fixada pelo nº 1 do artigo 503.º [riscos próprios do veículo] só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro (…).», “no sentido de o acidente se apresentar como consequência de facto atribuível ou devido ao lesado ou a terceiro. É irrelevante que estes se mostrem ou não susceptíveis de culpa, que a sua conduta geradora do sinistro mereça ou não censura. Portanto, o problema nada tem a ver com a verificação da imputabilidade em sentido técnico (arts. 488.º e 489.º). (…) Por regra, será censurável, mas crê-se que, perante as valorações a que se procedeu, e nelas conta a certeza, o legislador fixou como exclusivo pressuposto a exigência de que o facto do lesado constitua a causa única do acidente (…)”[3]. Por outras palavras, “o que está em jogo (…) não é dizer se o facto é ou pode ser censurado ao agente, (…) mas simplesmente definir os factos que, na forma objectiva em como tiveram lugar, são susceptíveis de interromper o nexo de causalidade que, em relação ao dano, representa o risco do veículo” e, portanto, imputar ao facto do lesado a “causalidade do acidente”[4] e afastar a responsabilidade do condutor do veículo (transferida para a seguradora). De todo o modo, a relação entre culpa e risco pode e deve ser atendida: demonstrada a culpa efectiva e exclusiva do lesado na produção do acidente (dolo ou negligência), sem culpa do agente lesante (pois a sua esfera de imputação está no domínio objectivo dos «riscos próprios do veículo»), fica naturalmente afastada a sua responsabilidade objectiva ou pelo risco.

*

O mesmo art. 505º, 1, do CCiv. – que, sublinhe-se, não compreende necessariamente a ponderação da culpa do agente lesado, mas não a pode desconsiderar se se demonstra –, salvaguarda de todo o modo a aplicação do art. 570º, desde logo para os que casos em há culpa do lesado e/ou do terceiro em concurso com a culpa do lesante:

«1 – Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.»

Assim, se há culpa exclusiva do sujeito (condutor) lesado, nomeadamente por inobservância das regras do Código da Estrada aplicáveis e exigíveis na circulação do veículo, sem qualquer contribuição causalmente adequada dos riscos próprios do veículo, a exclusão de responsabilidade do art. 505º, 1, não precisa de recorrer à habilitação legal do art. 570º, 1; ao invés, se o acidente tiver simultaneamente como causa um facto culposo do condutor (que excede o risco pressuposto no art. 503º, 1, do CCiv. e o abrange na ilicitude do art. 483º, 1, do CCiv.) e um facto culposo da vítima lesada, cabe ao tribunal recorrer ao art. 570º, 1, para aferir os termos da indemnização em face desse concurso de responsabilidades culposas[5].

Essa remissão (e sua explicação interpretativa) para o art. 570º, 1, do CCiv. foi usada como um dos motes para a consolidação de uma interpretação – que ganhou foros de actualista ou progressista, com crescente incorporação na jurisprudência do STJque, em superação da interpretação tradicional[6], legitima o concurso da imputação do acidente a facto (culposo ou não) do lesado e do risco inerente ao veículo automóvel: submete-se a repartição da responsabilidade por ambos os intervenientes e a sucessiva quantificação da indemnização de acordo com a ponderação prevista no art. 570.º do CC, sempre que o sinistro releve uma conexão causal com os riscos próprios do veículo, de modo que, portanto, o acidente não seja de imputar exclusivamente a factores relativos à esfera de conduta do lesado, de terceiro ou de situações de força maior estranha ao funcionamento do veículo. Essa visão – relembre-se – foi inaugurada pelos estudos de ADRIANO VAZ SERRA, antes e depois do CCiv. de 1966, acentuando inclusivamente a diferenciação de culpas do lesado[7], aceite pioneiramente e a título principal pelo “leading case” exposto no Ac. do STJ de 4/10/2007[8] e deveras estimulada pela legislação da União Europeia em sede de harmonização da disciplina do seguro de responsabilidade civil automóvel (em nome da protecção das vítimas de acidentes de viação)[9].

Um dos seus principais defensores, antes e depois do propugnado pelo aresto precursor de 2007, foi JOÃO CALVÃO DA SILVA[10], que destacou o – absolutamente determinante – valor internormativo dessa referência inicial do art. 505º para o art. 570º do CCiv.:

A ressalva do art. 570º feita na 1.ª parte do art. 505.º é para aplicar à responsabilidade fixada no n.º 1 do art. 503.º; a responsabilidade fixada no n.º 1 do art. 503.º é a responsabilidade objectiva; logo, a concorrência entre a culpa do lesado (art. 570.º) e o risco da utilização do veículo (art. 503.º) resulta do disposto no art. 505.º, que exclui a responsabilidade pelo risco quando o acidente for imputável (leia-se, unicamente devido, com ou sem culpa), ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte (leia-se, exclusivamente) de causa de força maior. E a parte final do art. 505.º, a só poder ser lida “quando resulte única e exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo” – caso em que os danos não são provenientes dos riscos próprios do veículo e seu condutor (art. 503.º, n.º 1, in fine), porquanto a força maior será causa externa, imprevisível e inevitável –, favorece e impõe reforçadamente a interpretação de a responsabilidade fixada no n.º 1 do art. 503.º apenas ser excluída quando o acidente for unicamente imputável ao próprio lesado ou a terceiro. Mais: não faz sentido interpretar a 1.ª parte do art. 505.º (“sem prejuízo do disposto no artigo 570.º”) como aplicável “havendo culpas de ambas as partes”, pois a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do art. 503º não assenta na culpa do detentor do veículo e o concurso da conduta culposa do detentor/condutor com um facto culposo do lesado está previsto directamente no art. 570.º. Pelo que, em face de um art. 505.º sem a ressalva inicial (“sem prejuízo do disposto no artigo 570.º”), o caso de concorrência entre facto ilícito do detentor/condutor do veículo e facto culposo do lesado não deixaria de ser regido seguramente pela disposição do art. 570.º”, “permitindo ao juiz sopesar suas gravidades [do risco próprio do veículo] e contributos causais e assim moldar o an e o quantum respondeatur”;

“Vale por isto por dizer que (…) a aplicação do art. 570.º decorre directamente do art. 505.º e não do facto de a situação da concorrência entre risco do veículo e culpa do lesado ser análoga ou paralela à prevista no art. 570.º. Numa palavra conclusiva, o art. 505.º deve ser lido assim:

Sem prejuízo do disposto no art. 570.º (leia-se, sem prejuízo do concurso da culpa do lesado e, “a fortiori”, sem prejuízo do concurso de facto não culposo do lesado), a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido (com culpa ou sem culpa) unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”.[11]

3.5. Perante estas duas compreensões essenciais da articulação do art. 505º com o art. 570º do CCiv., seja qual for a melhor opção interpretativa – e temos que a última assim será –, o certo é que é pressuposto da última das construções a existência de situações em que a própria circulação automóvel, mesmo com obediência e cumprimento das regras estradais, cria um risco especial de acidente (entroncamentos com estradas de intenso movimento, proximidade de curvas fechadas, manobras de entrada ou saída de parques ou propriedades de veículos de grandes dimensões, circulação destes veículos em estradas com largura inferior a 6 metros, ultrapassagens a veículos estacionados na via de circulação, etc.), uma vez que tais situações podem contribuir tanto ou mais para o acidente (e respectivos danos) que a falta de atenção ou o relativo excesso de velocidade ou outra infracção imputável ao lesado, nomeadamente se também condutor de veículo que intervém no acidente[12]. Mesmo assim, esse risco especial não pode ser apenas e só o que resulta da colocação nessas circunstâncias físicas, geográficas e mecânicas de um veículo como máquina em circulação. Terá que ser um risco agravado, para além da força cinética do veículo, traduzido em funcionamento deficiente e/ou imprevidente da máquina (por ex., a falta repentina dos travões, o rebentamento de um pneu) ou em especificidades de perigo da circulação/utilização em concreto (por ex., um piso escorregadio ou oleoso, o súbito aparecimento de um obstáculo ou de um veículo na estrada)[13], que justifique e torne plausível – numa lógica equilibrada e racional do regime legal para tutela do lesado, especialmente quanto este apenas evidencia uma negligência de reduzida censurabilidade  (culpa leve ou levíssima)[14] e de diminuta relevância da sua eficiência causal para a produção ou agravamento dos danos sofridos pelo próprio – uma comparticipação (ou concausalidade) da parte lesante, condutora/detentora do veículo, que responde independentemente de culpa[15]. E que haja uma contribuição comprovada e cabal desse risco causalmente adequado do veículo para a ocorrência do sinistro gerador dos danos a indemnizar, a fim de se apurar as respectivas quotas de responsabilidade. Ou seja, “desde que o acidente apresente ainda uma conexão significativa com os riscos próprios do veículo”, valorando-se, “em cada situação concreta, se a actividade geradora de risco foi, ainda que minimamente, causa adequada do dano”, através de factos do qual resulte um “efectivo aporte de risco adveniente da circulação daquela viatura na via pública”, sem que baste a alusão à “aptidão típica de um automóvel para a criação de riscos”[16]. Se assim é, cabe ao julgador “formular um juízo de adequação e proporcionalidade, perante as circunstâncias de cada caso concreto, pesando (…) a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo e a sua concreta relevância causal para o acidente”, e, por outro lado, “valorando a gravidade da culpa imputável ao comportamento, activo ou omissivo, do próprio lesado e determinando a sua concreta contribuição causal para as lesões sofridas, de modo a alcançar um critério de concordância prática”, que obvie a “um automático e necessário apagamento das consequências de um risco relevante da circulação do veículo, apenas pela circunstância de ter ocorrido alguma falta do próprio lesado, inserida na dinâmica do acidente”[17].

3.6. Cremos que, na dinâmica já vista do acidente, estamos perante, atentos os critérios adoptados, um evento incluído nos “riscos próprios do veículo”, uma vez que surge no quadro de um risco qualificado inerente à circulação do veículo envolvido no atropelamento.

Na verdade, a potencialidade de perigo – mudança de direcção num contexto de ultrapassagem de um veículo estacionado e retorno à hemi-faixa correspondente de circulação – conduz a um risco causalmente adequado e que não é alheio ao sinistro: aplicação da responsabilidade do art. 503º, 1, do CCiv.

3.7. Por seu turno, analisando a factualidade provada, não é possível concluir que o acidente é unicamente ou exclusivamente imputável à movimentação física do menor lesado para fora da berma. Ou seja, não é de todo possível asseverar que a actuação desta foi por si só a única interveniente no processo causal do acidente e que o veículo automóvel segurado foi para tal indiferente, sem que a sua típica aptidão para a criação de riscos tenha contribuído para o mesmo acidente.

Em suma: estamos perante uma situação concursual de causas do evento danoso que justificará a aplicação a norma de repartição do dano que é constituída pelo art. 570º do CCiv.

3.8. Falta saber se, em concreto, tal responsabilidade pode ser excluída ou reduzida nos termos dos arts. 505º, 1, e 570º, 1, do CCiv., como vimos para efeito de concurso de facto da vítima ou terceiro com o risco do veículo.

Alega a Recorrente seguradora que o acidente se deve considerar imputável, em exclusivo ou em medida maioritária (80%), a facto inerente à esfera pessoal do lesado menor, tendo em conta a omissão dos pais no que toca ao dever de “velar pela segurança e saúde” imposto pelo art. 1878º do CCiv., conduzindo portanto à aplicação do art. 505º, 1, ou, quando muito, à aplicação (nele salvaguardada) do art. 570º do CCiv.

 

Ora, o acórdão recorrido não alinhou com esta compreensão, no que respeita à consideração da violação do dever de vigilância por parte da mãe do menor sinistrado:


“(…) a apelada imputou a ocorrência do acidente ao comportamento do menor CC, dizendo que foi a sua conduta na estrada que deu causa ao seu atropelamento, invocando o disposto no artigo 491.º CC. [“As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido”.]
(…)
Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que o disposto no artigo 491.º CC ─ responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem ─ não logra aplicação no caso vertente.

(…)
Como resulta claramente da sua letra, este normativo apenas se aplica aos danos causados a terceiro por aquele que deve ser legalmente vigiado, e não aos danos sofridos pelo próprio (…).

Aos danos sofridos pela pessoa que deve ser legalmente vigiada aplicam-se as regras gerais, designadamente o disposto nos artigos 1877.º e 1878.º CC, do teor seguinte:


Artigo 1877.º

(Duração das responsabilidades parentais)


Os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação.


Artigo 1878.º

(Conteúdo das responsabilidades parentais)


1. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.


2. Os filhos devem obediência aos pais; estes, porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida.


O menor sinistrado tinha à data dos factos seis anos de idade, pois nasceu em .../.../2008. Embora tal facto não conste da matéria de facto provada (a petição inicial é omissa relativamente a tal facto e não foi junta certidão de nascimento do menor), ele resulta dos relatórios periciais em que foi identificado o menor através do respectivo documento de identificação (facto considerado ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, ex vi artigo 663.º, n.º 2, CPC, uma vez que a idade do menor não constitui objecto do recurso, assumindo relevo meramente instrumental).
Atenta a sua idade, e o disposto no artigo 488.º, n.º 2, CC, presume-se inimputável, não respondendo pelas consequências do facto danoso, nos termos do n.º 1, do mesmo artigo.
A questão da responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem ─ in casu, a mãe do menor ─ coloca-se para efeitos do disposto no artigo 505.º CC ─ exclusão da responsabilidade pelo risco por o acidente ser devido a culpa do lesado (ou da concorrência entre risco e culpa, para quem a admita).

O artigo 570.º CC contempla a situação de concorrência de culpa do lesado para a produção ou agravamento dos danos, estabelecendo o artigo seguinte a equiparação do facto culposo dos representantes legais ao facto culposo do lesado.

É neste específico contexto que releva a culpa in vigilando.

Significa isto que a violação do dever de vigilância não pode ser aferido em abstracto, partindo apenas da conduta da mãe ─ ter atravessado a rua deixando o menor desacompanhado nas circunstâncias já enunciadas.

É preciso que essa conduta tenha propiciado a prática de um qualquer acto pelo menor que tenha dado causa ao acidente.

Não se tendo apurado qualquer comportamento do menor que tenha causado ou contribuído para causar o acidente, não se pode falar em culpa in vigilando da sua legal representante.

Assim sendo, não existe fundamento para exclusão da responsabilidade pelo risco, nos termos do artigo 505.º CC.”


Neste particular, não sufragamos de todo o entendimento do acórdão recorrido.

Vejamos.

3.9. Partimos dos dados legais pertinentes:

— para efeitos de aplicação dos arts. 503º, 1, e 505º, a responsabilidade pelo acidente estradal é excluída quando o acidente tiver como causa única e exclusiva o facto imputável ao próprio leasado, culposo ou não;

— se esse facto, sendo culposo, apenas concorrer em parte para o sinistro, mesmo sem culpa do condutor e no âmbito do risco do veículo, caberá ao tribunal decidir sobre a redução ou exclusão da indemnização de harmonia com o art. 570º, 1, do CCiv.;

— para efeitos de aplicação do art. 570º, 1, salvaguardado pelo art. 505º, 1, do CCiv., o art. 571º determina: «Ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais e das pessoas de quem ele se tenha utilizado.»;

— para efeitos de aplicação de averiguação do facto culposo do representante legal do menor lesado, vale o dever de vigilância do art. 1878º, 1, em relação com o art. 1877º do CCiv.

E consideramos os dados factuais mais relevantes (factos provados 3., 8., 9., 13., 14., 17., 20., 21.):

— o menor encontrava-se sozinho na parte exterior do muro da sua casa;

— o menor encontrava-se do lado direito da estrada;

— o menor tinha estado “a colocar uns enfeites de Natal com a sua mãe na parte exterior do muro da sua casa”;

— a sua casa situa-se numa via delimitada por casas de habitação “com saída direta para a rua”, “existindo ao longo do seu curso diversos entroncamentos e cruzamentos”, “tratando-se de uma recta com cerca de 400 metros de cumprimento”;

— o menor, antes do sinistro, encontrava-se atrás do veículo que foi ultrapassado pelo condutor do veículo lesante, “fora da berma e a distância não concretamente apurada do muro da sua casa”;

— o pai do menor não se encontrava no local do acidente;

— a mãe do menor “encontrava-se do outro lado da estrada a falar com a vizinha EE tendo atravessado para esse efeito momento antes do atropelamento”.

Assim, julgamos que não há razões para aplicar o art. 505º – que levaria a excluir de imediato a responsabilidade por facto exclusivo do lesado, culposo ou não – mas sim  razões para aplicar o art. 570º, 1, do CCiv. – que conduzirá a assumir percentagens de responsabilidade indemnizatória em função da culpa concorrente do lesado para a produção do sinistro gerado pelo risco próprio de circulação.

E, em concreto, aplicar o art. 571º do CCiv, que equivale a imputar ao lesado os factos culposos de pessoas que são seus representantes legais no exercício e por causa dessa representação legal, particulamente evidente nos acidentes de viação envolvendo menores[18].

Com efeito.

 

Houve clara violação do dever de vigilância da mãe/representante legal enquanto infracção objectiva de dever jurídico que exibiu contrariedade em relação aos valores perseguidos pela ordem jurídica (ilicitude) e, ademais, censurável a título de negligência ao pai ausente e, em particular, à mãe, presente, mas com a conduta revelada no momento do sinistro (culpa “in vigilando”).

Na verdade, em particular para esta conduta da mãe, no contexto de actuação do menor no exterior da sua casa – colocar enfeites de Natal na parte exterior do muro da casa, com acesso directo à via de circulação de veículos –, a sua opção – tendo o menor ao seu cuidado e sob a alçada da sua visão e domínio – de deixar o filho menor sozinho, escolhendo atravessar a rua para manter conversa com a sua vizinha sem se fazer acompanhar pelo filho ou, pelo menos, sem o conduzir para o interior da sua casa antes de se dirigir à vizinha – independentemente de surgir ou não qualquer veículo na estrada –, é manifestamente de formular uma censura subjectiva no contexto do seu dever primário de protecção e tutela da segurança e saúde do menor, na medida em que, de entre as opções possíveis, podia e devia ter actuado de maneira diferente – como se exigiria a um pai diligente e zeloso nas circunstâncias do caso concreto (art. 487º, 2, CCiv.)[19]. E não o fez, merecendo a reprovação do direito por força de um “juízo de reprovabilidade pessoal da conduta” que a culpa exprime[20], pelo menos porque não agiu com o discernimento exigível para ter previsto a possibilidade e evitado a consumação da lesão do seu filho menor (negligência).

Como acentuou a sentença de 1.ª instância, com acerto:

“Deixou-o sozinho, fora do alcance da sua mão, na via pública, em local onde não era visível para qualquer veículo que viesse a descer a rua, dado estar escondido por ligeiro de mercadorias de caixa fechada. Atenta a idade do menor, que completara seis anos cerca de três meses antes, não podia circular ou permanecer na estrada sozinho. Não tinha, ainda, capacidade para perceber o perigo que corria e era previsível que, tendo a sua mãe do lado oposto, pudesse a qualquer momento decidir atravessar ao encontro desta sem primeiro verificar se o podia fazer em segurança. Mais, a Autora AA deixou o menor “escondido” por um veículo de mercadorias de caixa fechada que o antecedia tendo em conta o sentido de trânsito pelo lado em que estava a criança o que nem permita que esta fosse visível a quem dela se aproximasse nem permitia que a criança visse a aproximação de um veículo antes de o mesmo dela se acercar.”

Todavia, não vemos que seja de imputar exclusivamente à violação deste dever de vigilância a cargo da mãe a ocorrência do dano resultante do “risco próprio do veículo” lesante, que pudesse levar à exclusão da responsabilidade.

Logo, sem aplicação do art. 505º do CCiv.

Mas, sendo violação culposa, convocaremos a aplicação do art. 570º, 1, que é salvaguardado pelo art. 505º, não para excluir o «dever de indemnizar» – pois seria um contrassenso –, mas sim para ponderar a redução desse mesmo dever «com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram».

Como assim?

           

A presença do menor no exterior da casa, com acesso directo e imediato à via de circulação de automóveis, em local com impossibilidade de ser visto pelo trânsito que segue na faixa rodoviária em que se encontrava por força de veículo estacionado na via em causa, sem estar acompanhado e vigiado pela mãe com quem se encontrava no momento antecedente ao sinistro, não pode ser visto,  no seu iter complexo, como causa exclusiva do evento e dos seus danos. Bem poderia ter acontecido que o menor se deslocasse para dentro da habitação ou se movimentasse em sentido incompatível com o embate posterior com o veículo lesante, ocorrido após a ultrapassagem do veículo que não permitia ao condutor a sua visibilidade. Isto é, bem poderia ter acontecido que o desacompanhamento do menor pela mãe não tivesse proporcionado a deslocação do menor lesado para “fora da berma” e distante do “muro da sua casa”, circunstâncias que propiciaram o atropelamento que veio a ocorrer.

Poderia ter sido mas de facto não foi assim que veio a acontecer. 

Não se pode olvidar que o incumprimento censurável do dever de vigilância e guarda por parte do representante legal a quem o menor estava confiado, nas circunstâncias de perigosidade que resultavam das características da habitação onde residiam e da via onde se registou o acidente (com ligação directa à faixa de circulação rodoviária)[21], obriga – mesmo que outros factos não se adicionassem, como o estacionamento do veículo que veio a ser ultrapassado – a que se pondere a contribuição do comportamento da mãe como facto culposo para a produção do evento danoso. Na realidade, acima de tudo teremos que sobrelevar a condição da vítima como menor, criança de seis anos, que, com a ligeireza, a imprudência e, até, inconsciência, próprias da idade, implicaria sempre que a fiscalização da mãe quanto à sua situação em face da estrada e dos seus perigos não pudesse ser de todo olvidada, abdicada ou cumprida de forma leviana.

Não cremos que seja pura e simplesmente de afastar tal ponderação por estaremos perante a omissão de vigilância dos pais da criança menor e tal ponderação actuar em prejuízo indemnizatório para o menor em face da concausalidade, pelo menos quando se demonstra que há um risco significativo da circulação do veículo em face do contexto de concretização desse risco (no contexto da perigosidade específica e agravada da tipologia do acidente) para a integridade física e intelectual do menor a proteger – como é o caso.

Antes, nessas circunstâncias já descritas e sublinhadas, o facto culposo, omissivo, da mãe (presente e com supervisão sobre o menor vigiado) foi também causa operativa e, em parte, determinante da dinâmica factual conducente ao atropelamento (nexo causal: art. 563º do CCiv.)[22] e consequentes danos – de acordo com os arts. 570º, 1, e 571º do CCiv. –, o que justifica que seja visto e considerado como causa concorrente com o risco de circulação da viatura envolvida no acidente; causa concorrente – reitera-se – e não exclusiva, à qual se deve um grau ou percentagem na contribuição causal para o resultado danoso[23].

3.10. Em conformidade, tendo em conta a ilicitude demonstrada, a natureza da culpa da mãe (que não é leve nem pode ser vista como inconsciente) e a causalidade para o efeito danoso, julgamos ser de – no plano de uma adequada ponderação de interesses e justiça proporcional no caso concreto – atribuir uma repartição igual de contribuições causais entre o risco de circulação e o facto culposo da mãe obrigada à vigilância do menor lesado, fixando-se uma proporção de 50% para o risco do veículo lesante e de 50% para o contributo causal do comportamento do representante legal do lesado, equiparado ope legis ao facto do lesado.

Para esta conclusão na medida da repartição proporcional da responsabilidade, recorre-se ainda à solução contemplada no art. 506º, 2, do CCiv., que considera, em caso de dúvida, «igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores»[24].

Em confrormidade, tal conclusão leva a reduzir em 50% o montante das indemnizações e das responsabilidades decretadas para despesas e tratamentos futuros do menor CC, resultantes da condenação em 2.ª instância pelo acórdão recorrido (arts. 503º, 1, e 570º, 1, por força da remissão da 1.ª parte do art. 505º, 1, do CCiv.) e transferidas para a Ré.

           

Razão pela qual devem proceder, em parte, as Conclusões da Recorrente.

III) DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista, reduzindo-se em metade os montantes indemnizatórios e compensatórios a que a Ré foi condenada no dispositivo do acórdão recorrido, de modo que agora vai condenada a:

a) Pagar ao Autor e Recorrido CC a quantia de € 52.500,00;

b) Suportar na percentagem de 50% todas as despesas necessárias a eventuais reparações do aparelho auditivo do Autor e Recorrido CC, bem como à sua substituição (incluindo deslocação e consultas necessárias para o efeito) caso, no futuro, com o avanço da ciência, venha a ser lançado novo modelo, mais eficaz e minimizador da incapacidade do referido CC;

c) Suportar na percentagem de 50% todos os tratamentos médicos e cirúrgicos (incluindo deslocação e estadia) que, no futuro, com o avanço da ciência, possam ser efectuados para minimizar a incapacidade do Autor e Recorrido CC;

d) Pagar aos Autores e Recorridos AA e BB a quantia de € 748,50;

e) Pagar ao Autor e Recorrido «Centro Hospitalar ..., EPE» a quantia de € 1.787,41;

com os juros devidos nos termos fixados pelo acórdão recorrido.

*

Custas em partes iguais na revista pela Recorrente e pelos Recorridos, na medida do respectivo decaimento.

STJ/Lisboa, 31 de Maio de 2023

Ricardo Costa (Relator)

António Barateiro Martins

Luís Espírito Santo

SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).

__________________________________________________


[1] Ac. do STJ de 6/5/2008, Processo n.º 08A1279, Rel. URBANO DIAS, in www.dgsi.pt.
[2] V., por todos e ainda com toda a actualidade, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Artigo 503º”, Código Civil anotado, Volume I (Artigos 1.º a 761.º), com a colaboração de M. Henrique Mesquita, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, págs. 514-515.
[3] ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pág. 638, salientando-se a imputação a título exclusivo da causa do acidente/evento.
[4] ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, págs. págs. 675, 678-660 (o art. 505º trata de “um problema de causalidade, que consiste em saber quando é que os danos verificados no acidente não devem ser juridicamente considerados como um efeito do risco próprio do veículo, mas sim como uma consequência do facto praticado pela vítima”), 695-696 (“mesmo que não se faça prova da culpa do demandado, o tribunal pode averiguar se o pedido procede à sombra da responsabilidade pelo risco”); JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das obrigações, II Volume, Almedina, Coimbra, 2001 (reimp.), págs. 70 e ss, em esp. 72-73, 74 (a quem pertencem as transcrições, com sublinhado nosso).
Note-se que ANTUNES VARELA sempre se destacou, em vários escritos, com impacto notório na adesão jurisprudencial maioritária, por não colocar a tónica na culpa exclusiva ou única do lesado para a actuação da exoneração de responsabilidade do condutor do veículo lesante, uma vez que o concurso da “vítima”, ainda que mínima, seria suficiente para a exclusão de responsabilidade pelo risco, tendo em conta a interrupção do nexo de causalidade, sem consideração pela inerência dos riscos da circulação rodoviária: “a culpa do lesado na produção do dano, não havendo culpa do agente, exclui sistematicamente a obrigação de reparação desse dano” (Das obrigações em geral, Volume I cit., págs. 677-678). Com isso fechava a porta ao concurso do perigo especial do veículo com o facto do terceiro ou da vítima e a consequente possibilidade de repartição da responsabilidade ou atenuação da obrigação de indemnizar fundada no risco, sendo esta automaticamente excluída sempre que o dano pudesse ser imputado causalmente à conduta (ainda que não culposa) do lesado – v., em complemento, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Artigo 505º”, Código Civil anotado, Vol. I cit., págs. 517-518. Favoráveis, entre outros, RUI DE ALARCÃO, Direito das obrigações, FDUC, Coimbra, 1983, pág. 329, ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade, Coimbra, 1985, pág. 93 e nt. 176, LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, Volume I, Introdução. Da constituição das obrigações, 15.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018 (reimp.: 2020), págs. 375-376; aparentemente, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de direito civil português, Volume II, Direito das obrigações, Tomo III, Gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 676, RUI SOARES PEREIRA, “Artigo 505º”, Código Civil comentado, II, Das obrigações em geral (artigos 397.º a 873.º), coord.: A. Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 470.

[5] PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Artigo 505º”, Código Civil anotado, Vol. I cit., págs. 517-518, ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I cit., págs. 676-677, ALMEIDA COSTA, ob. cit., pág. 639 e nt. 1.
[6] Cfr. supra, nt. (4).

[7] V. “Conculpabilidade do prejudicado”, BMJ n.º 86, 1959, págs. 155 e ss, em esp. 160-161, 165-167, “Fundamento da responsabilidade civil (em especial, responsabilidade por acidentes de viação terrestre e por intervenções lícitas)”, BMJ nº 90, 1959, págs. 162 e ss, em esp. 166, 168, “Acórdão do STJ de 14 de Junho de 1966 – Anotação ”, RLJ n.os 3332 a 3334, 1967, pág. 364 e nt. 1, 372-373 e nt. 2 (“se a culpa do lesado for leve, o acidente não é só causado por essa culpa, mas também pelos riscos especiais criados pela utilização do veículo”), “Acórdão do STJ de 20 de Janeiro de 1968 – Anotação”, RLJ n.º 3383, 1969, nt. 1 – pág. 22. Recorde-se, para conclusão já com a vigência do CCiv., o recurso que o Professor de Coimbra fazia à aplicação analógica do art. 570º do CCiv. Imediatamente após, FRANCISCO PEREIRA COELHO, Obrigações – Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, FDUC, Coimbra, 1967, págs. 169 e ss.
[8] Processo n.º 07B1710, Rel. SANTOS BERNARDINO, in www.dgsi.pt: “5. O texto do art. 505º do CC deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, ou seja, que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo. 6. Ao concurso é aplicável o disposto no art. 570º do CC. 7. A este resultado conduz uma interpretação progressista ou actualista do art. 505º, que tenha em conta a unidade do sistema jurídico e as condições do tempo em que tal norma é aplicada, em que a responsabilidade pelo risco é enfocada a uma nova luz, iluminada por novas concepções, de solidariedade e justiça.” (do Sumário).
[9] Cfr. Directivas 72/166/CEE, do Conselho, de 24/4/72, 84/5/CEE, do Conselho, de 30/12/83, 90/232/CEE, do Conselho, de 14/5/90, 2000/26/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16/5/2000 e 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11/5/2005 (transposta parcialmente entre nós pelo DL 291/07, de 21 de Agosto), depois codificadas pela Directiva 2009/103/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16/9/2009. Para análise e reflexos, v. JOÃO CALVÃO DA SILVA, “S. T. J., Acórdão de 4 de Outubro de 2007. (Concorrência entre risco do veículo e facto do lesado: o virar de página?), RLJ n.º 3946, 2007, págs. 52 e ss; JORGE SINDE MONTEIRO, “Direito dos seguros e direito da responsabilidade civil. Da legislação europeia sobre o seguro automóvel e sua repercussão no regime dos acidentes causados por veículos. A propósito dos Acórdãos Ferreira Santos, Ambrósio Lavrador (e o.) e Marques de Almeida, do TJUE”, RLJ n.º 3977, 2012, págs. 82 e ss.
[10] V., em conjunto, “S. T. J., Acórdão de 1 de Março de 2001”. (Acidentes de Viação: Concorrência do risco com a culpa do lesado (art. 505.º); limites máximos da responsabilidade objectiva (art. 508.º) e montantes mínimos obrigatórios do seguro; indemnização e juros de mora (arts. 506.º, n.º 2, e 805.º, n.º 3), RLJ n.os 3924 e 3925, 2001, págs. 115 e ss; “S. T. J., Acórdão de 4 de Outubro de 2007. (Concorrência entre risco do veículo e facto do lesado: o virar de página?), loc. cit., págs. 50 e ss, 58 e ss – com ilustração de vários regimes legais com positivação do concurso da culpa do lesado com o risco da actividade do agente e a pertinente unidade do sistema jurídico nas condições do tempo de aplicação da norma (art. 9º do CCiv.).

[11] Antes e depois, convergentes com esta leitura, com variações sobre a imputação culposa do lesado e a natureza do risco de circulação do veículo, v. JORGE SINDE MONTEIRO (com propostas de lege ferenda), “Responsabilidade por culpa, responsabilidade objectiva, seguro de acidentes”, RDE n.os 6/7, 1980/1981, págs. 139 e ss, ID., “Introdução”, págs. 66, nt. 201 – págs. 67-68 e nt. 206 bis – págs. 73-74, “Responsabilidade por culpa, responsabilidade objectiva, seguros de acidentes”, págs. 148 e ss, Estudos sobre a responsabilidade civil, II, Almedina, Coimbra, 1983, ID., “Direito dos seguros e direito da responsabilidade civil…”, loc. cit., págs. 103-104, 124 e ss; JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, Almedina, Coimbra, 1997 (reimp. 2007), págs. 266 e ss, 811 e ss, ID. “Responsabilidade pelo risco do detentor do veículo e conduta do lesado – a lógica do ‘tudo ou nada’? – Ac. do STJ de 6.11.2003, Proc. 565/03”, CDP n.º 7, 2004, págs. 25 e ss; ALMEIDA COSTA, ob. cit., nt. 1 – pág. 639; ANA PRATA, “Estudos em comemoração dos cinco anos (1995-2000) da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, págs. 348 e ss; MAFALDA MIRANDA BARBOSA, Do nexo de causalidade ao nexo de imputação. Contributo para a compreensão da natureza binária e personalística do requisito causal ao nível da responsabilidade civil extracontratual, Vol. II, Principia, Cascais, 2013, nt. 1760 – págs. 802-803, ID., “A aplicação analógica das hipóteses de responsabilidade pelo risco”, Estudos a propósito da responsabilidade objectiva, Principia, Cascais, 2014, págs. nt. 204 – 116-117 (“o que o artigo 505º faz é concretizar a esfera de risco delimitada pelo artigo 503º CC”); MARIA DA GRAÇA TRIGO, “Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade civil por acidente de viação», Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, Volume I, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, pp. 495 e ss; RAÚL GUICHARD, “Artigo 505º”, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações – Das obrigações em geral, coord.: José Carlos Brandão Proença, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, págs. 416-417 (pelo menos quando a culpa do lesado não é grave ou não é passível de censura); CARLOS LOPES DO REGO, “A problemática da concorrência da responsabilidade objectiva, decorrente dos riscos de circulação do veículo, com culpa do lesado”, Julgar n.º 46, 2022, págs. 48 e ss.

Na jurisprudência do STJ (descrita no último texto citado a págs. 39 e ss), v., recentemente e com completude, os Acs. de 30/11/2022, processo n.º 1986/20.5T8FNC.L1.S1, Rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO, 9/3/2022, processo n.º 974/19.8T8AVR.P1.S1, Rel. JORGE DIAS, e de 25/5/2021, processo n.º 3383/18.4T8FAR.E1.S1, Rel. MARIA CLARA SOTTOMAYOR, in www.dgsi.pt.
[12] Neste sentido, v. o Ac. do STJ de 15/1/2013, processo n.º 21/1998.P1.S1, Rel. SALRETA PEREIRA, in www.dgsi.pt.
[13] E que, portanto, ainda se referem a circunstâncias relativas ao funcionamento do veículo nos seus “riscos próprios”, ainda que provocados por um facto externo, sob pena de cairmos, fora desse âmbito, na «causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo»: assim, LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, Volume I cit., pág. 377; RAÚL GUICHARD, “Artigo 505º”, Comentário ao Código Civil… cit., págs. 417-418; RUI SOARES PEREIRA, “Artigo 505º”, Código Civil comentado, II cit., págs. 480-481 (“só nos casos de força maior estaremos perante os limites imanentes a uma razoável imputação do risco, o que permite concluir que o [art.] 505.º terá uma função aclaradora do [art.] 503.º”.
[14] Suportando este entendimento: Ac. do STJ de 11/7/2013, processo n.º 97/05.7TBPVL.G2.S1, Rel. FONSECA RAMOS, in www.dgsi.pt.
[15] V. o que o Ac. do STJ de 17/5/2012 (processo n.º 1272/04.7TBGDM.P1.S1, Rel. ABRANTES GERALDES, in www.dgsi.pt) sentenciou: “O mero facto naturalístico de o acidente ter envolvido um veículo automóvel, como corpo em movimento, com determinado peso e dimensões, dotado de inércia, não pode ser considerado determinante de um risco causalmente adequado ao acidente, perdendo todo o relevo, quer em termos absolutos, quer em termos relativos”.
Na doutrina, sobre o impacto das condições traduzidas num mero risco genérico (importante para aferir da “marginalização da condição colocada pelo autor material do dano – e que é a problemática inerente aos preceitos dos artigos 505.º e 570.º, 2”), v. JOSÉ BRANDÃO PROENÇA, A conduta do lesado… cit., págs. 447-449.
[16] Neste sentido delimitador, v., com essas transcrições relevantes, o Ac. do STJ de 27/6/2019, processo n.º 589/14.7T8PVZ.P1.S1, Rel. RAIMUNDO QUEIRÓS, em que o aqui Relator foi 1.º Adjunto.
[17] Aqui seguimos as relevantes asserções do Ac. do STJ de 1/6/2017, processo n.º 1112/15.1T8VCT.G1.S1, Rel. LOPES DO REGO, in www.dgsi.pt, que adoptou a segunda das (antes descritas) visões interpretativas do art. 505º do CCiv. (“(…) o regime normativo decorrente do estatuído nas disposições conjugadas dos arts. 505º e 570º do CC deve ser interpretado, em termos actualistas, como não implicando uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre culpa do lesado e risco do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a eventual imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura – o que nos afasta do resultado que decorreria de uma estrita aplicação da denominada tese tradicional: ou seja, não pode, neste entendimento, excluir-se à partida que qualquer grau de culpa do lesado (nomeadamente do utente das vias públicas mais vulnerável) no despoletar do acidente, independentemente da gravidade do facto culposo e do grau da sua efectiva contribuição para o sinistro, deva, sem mais, excluir automaticamente a responsabilidade decorrente, no plano objectivo, dos riscos próprios da circulação do veículo, independentemente da intensidade destes e do grau em que contribuíram causalmente, na peculiaridade do caso concreto, para o resultado danoso. Esta conclusão é, em última análise, imposta pelo princípio fundamental da adequação e da proporcionalidade – que naturalmente tenderá a inviabilizar a total e sistemática desresponsabilização do detentor do veículo causador do acidente, nos casos em que foi muito intensa a contribuição para o resultado danoso de riscos agravados da circulação do veículo e diminuta a relevância da falta imputável ao lesado, cometida com culpa leve ou com escassa relevância causal para a produção ou agravamento das lesões por ele próprio sofridas.”).
Convergente, v. o Ac. do STJ de 13/4/2021, processo n.º 4883/17.7T8GMR.G1.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt, que aqui se seguiu de perto.
[18] Favoráveis, como doutrina clássica e aceite: PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Artigo 571º”, Código Civil anotado, Vol. I cit., pág. 588, ALMEIDA COSTA, ob. cit., págs. 783-784 e nt. (1), ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO/ANTÓNIO BARRETO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 571º”, Código Civil comentado, II, Das obrigações em geral (artigos 397.º a 873.º), coord.: A. Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 586.

[19] Com recurso inequívo ao art. 571º do CCiv., v. o Ac. do STJ de 21/4/2010, processo n.º 691/06.9TBAMT.P1.S1, Rel. JOÃO BERNARDO, in www.dgsi.pt.
[20] ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I cit., págs. 562-563, 566-567, ID., Das obrigações em geral, Volume II, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, págs. 96-97.
[21] Para este tipo de “riscos específicos e agravados” em face das “circunstâncias particulares e concretas em que ocorreu o acidente”, incidentes sobre as “particularidades da via”, “especialmente propícias à eclosão de sinistros com gravosas consequências, apesar do cumprimento pelo respetivo condutor de todas as regras estradais”, “em que qualquer falha ou falta mínima cometida por qualquer dos intervenientes pode desencadear um sinistro com consequências extremamente gravosas”, o que não pode “deixar de ser ponderado quando se procura avaliar o relevo atribuível ao facto culposo do próprio lesado, balanceando-o com os concretos e específicos riscos de circulação do veículo em causa nesse contexto”, v. CARLOS LOPES DO REGO, “A problemática da concorrência…”, loc. cit., págs. 52-53, 60-61.
[22] V. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO/ANTÓNIO BARRETO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 570º”, Código Civil comentado, II, Das obrigações em geral (artigos 397.º a 873.º), coord.: A. Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 585.
[23] Com similitude, v. o Ac. do STJ de 24/9/2020, processo n.º 9/14.7T8CPV.P2.S1, Rel. RIJO FERREIRA, in www.dgsi.pt: “VII. Num embate de uma viatura automóvel, que circulava sem qualquer violação das regras estradais, num peão, acto contínuo a este ter passado a circular pela extremidade direita da faixa de rodagem sem previamente se assegurar que o podia fazer sem perigo, a responsabilidade pelo acidente deve ser imputada em 60% à culpa do peão e em 40% ao risco de circulação do veículo.”: Sumário).
[24] Neste sentido, JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, “Artigo 570º”, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações – Das obrigações em geral, coord.: José Carlos Brandão Proença, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, pág. 580, que defende essa aplicação, nomeadamente para tratar mais favoravelmente certos lesados vulneráveis, como os peões crianças – como é justamente a hipótese que agora se decide.