Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3426/03.4TBMAI.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: COMPRA E VENDA DE IMÓVEL
PROPOSTA CONTRATUAL
FIM CONSTRUTIVO ESPECÍFICO
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 473.º, N.º2.
Sumário : I. Só pode situar-se no perímetro da responsabilidade pré contratual a imputada a demandado cuja actuação se esgotou na fase preliminar da formação do contrato, ao apresentar proposta de aquisição de imóvel em que oferece determinado preço, indicando como fim determinado projecto construtivo  e estabelecendo que na escritura de venda outorgará determinada sociedade por ele indicada – aceitando a entidade vendedora tal proposta – menos favorável do que outras apresentadas - na pressuposição de que tal projecto imobiliário seria efectivamente realizado.

II. Tal vinculação, assumida pelo proponente, – que desconhecia a essencialidade para a entidade vendedora de tais fins construtivos específicos – na medida em que exige, para a sua concretização, o concurso de circunstâncias externas à vontade daquele tem de interpretar-se como traduzindo a assunção de uma obrigação de meios – e não de resultado.

III. Neste caso, a obrigação assumida tem de interpretar-se como implicando para o proponente o dever diligenciar junto dos órgãos da sociedade compradora, por ele indicada, a afectação do imóvel aos fins prometidos e encetar, de forma zelosa e consistente, os procedimentos destinadas a identificar possíveis interessados no referido projecto imobiliário e obter as indispensáveis autorizações ou licenças urbanísticas que possibilitassem a efectivação do peculiar empreendimento previsto – não lhe sendo imputável a frustração do projecto por circunstâncias que não dependiam do seu controlo.

IV. Não se enquadra no âmbito da figura do enriquecimento sem causa o incremento patrimonial do comprador, decorrente de a aquisição do bem ter sido convencionada por valor inferior ao de mercado, num caso em que os outorgantes na escritura de compra e venda nem sequer estipularam no contrato que o comprador devia destinar o imóvel a determinada finalidade construtiva, essencial e comum a ambas as partes, e não se provando que a sociedade compradora conhecesse a essencialidade para o vendedor da realização de tais fins.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




1. A Associação Recreativa do Clube de Campo da … intentou acção declarativa, na forma ordinária, contra o Eng.º AA, “BB - Investimento Imobiliário, S.A.” e “CC - Imobiliária, S.A.”, pedindo:

- a título principal, que fosse anulada a compra e venda referente ao imóvel identificado nos arts. 3.º a 5.º da p.i., escritura essa celebrada no dia 2 de Março de 1990, no Cartório Notarial da Maia, de fls. 85º v a 87 v do Livro n.º 66-D, por força da qual a Autora vendeu à 2.ª Ré aquele prédio, bem como  a subsequente transmissão do referido imóvel, por cisão simples, do património da 2.ª Ré para o da 3.ª Ré - sendo  o dito imóvel restituído, livre e devoluto de pessoas, ao património da Autora e ordenado o cancelamento dos registos prediais lavrados;

a título subsidiário, a condenação do 1.º Réu em indemnização  à Autora por quantia a liquidar em execução de sentença ; ou, se assim não for entendido, sejam os Réus condenados a restituir-lhe o valor correspondente à diferença entre o preço pelo qual o imóvel foi vendido e o seu real valor, com base em enriquecimento sem causa e a liquidar em execução de sentença.

Como fundamento de tais pretensões, alegou a A:

Tendo sido dona do prédio misto identificado nos arts, 3.º a 5.º da p.i., decidiu vendê-lo em 1988, tendo em vista o incremento cultural e desportivo da cidade da Maia e dos seus associados, presidindo à escolha do comprador o acesso à cultura e o trazer para a cidade da Maia actividades de reconhecido interesse social e cultural, com vista ao desenvolvimento do concelho;

Com vista submeter as eventuais propostas à deliberação dos associados, fez saber que as propostas deveriam ser apresentadas por escrito e delas constar expressamente o fim a dar ao imóvel, o preço e as condições de pagamento, tendo, na sequência desse anúncio de venda, surgido três propostas para a aquisição do aludido imóvel;


A primeira proposta, apresentada pelo 1.º Réu, foi no montante de 160.000.000$00, constando da mesma que o terreno seria utilizado para a construção das instalações do “Instituto Superior de Estudos Empresariais” (ISEE), para a construção de um hotel e para a construção de um parque desportivo polivalente de apoio ao hotel, ao “ISEE” e à comunidade local;

Das outras propostas, a mais elevada, foi no montante de 175.000.000$00;

No dia 21 de Novembro de 1988, aprovou a proposta apresentada pelo 1.º Réu, em virtude dos fins propostos para a afectação do imóvel;

Vendeu o referido imóvel a uma sociedade indicada pelo 1.º Réu, como estava previsto, mais concretamente à 2.ª Ré “BB”, ficando esta com todos os direitos e obrigações decorrentes da aludida proposta de aquisição do imóvel, designadamente no que concerne aos fins a que o mesmo seria afecto;

A referida proposta vencedora, das três apresentadas, apesar de ser a menos vantajosa em termos patrimoniais, dado o preço proposto ser de 175.000.000$00 por outro dos proponentes, foi a que melhor se adequou aos seus interesses e escopo associativo, critério que norteou os termos da alienação;

Em virtude de cisão simples operada no capital social da 1.ª Ré “BB”, esta destacou parte do seu património para constituir 19 sociedades, passando o imóvel em causa a integrar o acervo patrimonial da nova sociedade constituída, a 3.ª Ré, ao tempo denominada “DD - Sociedade Imobiliária, SA.”;

Todas estas sociedades fazem parte do grupo “EE”, de que o 1.º Réu é o principal accionista, pelo que a compradora do imóvel tinha pleno conhecimento do fim a que o imóvel deveria ser afecto;

Teve agora conhecimento que a 3.ª Ré celebrou com a “CM” da Maia um protocolo de acordo onde declarou, ao arrepio do acordado, que pretendia construir no imóvel um complexo habitacional, sendo assim inequívoca a intenção dos Réus em não afectar o sobredito imóvel aos fins que motivaram a sua venda;

Vendeu o imóvel à 2.ª Ré, indicada pelo subscritor da proposta de compra escolhida, porquanto estava convencida que ao imóvel iria ser dado o fim consagrado na aludida proposta, sendo que, se soubesse que iria ser dado ao imóvel um fim diferente do que lhe fora prometido, não teria feito o negócio e jamais teria prescindido das outras propostas de aquisição bastante mais vantajosas, pois a venda seria efectuada por um valor mais elevado;

O 1.º Réu tinha conhecimento que o destino a dar ao imóvel era relevante para a formação da vontade da Autora em vendê-lo;

Atenta a relação entre os Réus, a obrigação assumida pelo 1.º Réu foi igualmente assumida pelas restantes Rés, que bem sabiam e não podiam ignorar a obrigação assumida por aquele, jamais aqueles tendo querido afectar o imóvel aos fins declarados na proposta apresentada pelo 1.º Réu;

Prefigura-se, assim, uma situação de erro sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio de compra e venda celebrado entre ela Autora e a 2.ª Ré, decorrente das declarações dolosamente proferidas pelo 1.º Réu quanto aos fins a que o imóvel seria afecto (arts. 252, n.º 2 e 253, do CC), cuja consequência é a anulação do negócio;

O 1.º Réu agiu com dolo, sabendo que o imóvel não iria ser afectado aos fins que constavam da sua sobredita proposta, constituindo-se por isso em responsabilidade civil extracontratual, tendo a Autora o direito a ser indemnizada pelo valor que deixou de ganhar, ao optar pela proposta daquele;

Face ao não cumprimento da obrigação assumida pelo 1.º Réu no que concerne à afectação do imóvel aos fins constantes da sua proposta, os Réus integraram no seu património o aludido imóvel a um custo substancialmente inferior àquele que correspondia ao seu valor de mercado, pois que, se soubesse que o imóvel seria afecto à construção de habitação, jamais o venderia pelo valor de 160.000.000$00, mas antes pelo seu real valor: dessa forma os Réus, sem causa justificativa, viram-se donos de um terreno por um preço substancialmente inferior ao do seu real valor.


Os Réus, citados para os termos da acção, apresentaram contestação conjunta, em que sustentaram que:

Não foi divulgado pela Autora, nem comunicado ao 1.º Réu, o pretenso critério que presidiria à escolha do comprador ou da proposta vencedora;

Adquirido o terreno pela 2.ª Ré, foi projectada a construção das instalações da uma escola superior de gestão, que, todavia, optou por outro terreno.

Foi também projectado um hospital para o local, que contemplava uma unidade geriátrica e outros equipamentos, mas tal projecto, face à impossibilidade de obtenção das necessárias condições financeiras e de enquadramento institucional, não foi concretizado;

Posteriormente, foi elaborado, relativamente ao imóvel, um estudo urbanístico e celebrado um protocolo de acordo com a “CM” da Maia.

O 1.º Réu é parte ilegítima relativamente a alguns dos pedidos e a 3.ª Ré é um terceiro de boa-fé relativamente ao contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré, pois que desconhecia sem culpa qualquer vício de que porventura padecesse tal contrato, concretamente o alegado erro sobre a base do negócio em que a autora diz ter incorrido;

Muito embora o 1.º Réu, ao formular a proposta de compra e venda do terreno que apresentou à Autora, tenha acrescentado uma menção à utilização prevista para esse mesmo terreno e que aí se fazia referência, isso não significa, porém, que essa declaração sobre o destino a dar ao bem em causa integre juridicamente uma proposta contratual e muito menos que tenha passado a fazer parte do contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré;

Sendo certo que na escritura se alude ao deliberado na assembleia-geral extraordinária da Autora, trata-se de puras declarações do vendedor feitas com o objectivo de justificar a legitimidade dos outorgantes para intervir na escritura pública;



É falso que o 1.º Réu, ao apresentar a proposta com vista à aquisição do terreno, não pretendesse afectá-lo aos fins referidos na proposta;

A 2.ª Ré desconhecia por completo qualquer comportamento doloso do 1.º Réu, comportamento que, aliás, não existiu, não estando, pois, preenchidos os pressupostos do dolo, como fundamento da anulação do negócio;

O destino a dar ao terreno não integrou a base do negócio celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré, o que afasta a possibilidade de relevância do erro alegado pela Autora, erro esse que não foi essencial, mas apenas incidental, dado que sempre venderia o terreno, embora por um preço superior;

É falso que os Réus nada hajam feito para tentar afectar o terreno aos fins referidos na proposta apresentada pelo 1.º Réu;

Ainda que se verificasse o alegado erro sobre a base do negócio e que o contrato celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré fosse anulável, o direito alegado pela Autora encontra-se caducado;

Não tendo o 1.º Réu induzido dolosamente em erro a Autora, improcederá o pedido subsidiário de condenação do mesmo com base em responsabilidade pré-contratual;

Não se verificam os pressupostos para a procedência do pedido subsidiário fundado no alegado enriquecimento sem causa, desde logo porque a Autora não vendeu o terreno por preço inferior ao seu real valor - devendo o 1ºR. ser considerado parte ilegítima relativamente aos pedidos deduzidos a título principal e ao elencado sob a al. b/ do pedido subsidiário .


Replicou a Autora, rejeitando, entre o mais, a defesa por excepção arguida pelos Réus.


Subsequentemente, em sede de despacho saneador conheceu-se da arguida excepção de ilegitimidade passiva do 1.º Réu, concluindo-se pela sua improcedência; e, no prosseguimento do processo, fixou-se a matéria de facto tida como assente entre as partes, tendo-se ainda organizado base instrutória, a qual sofreu reclamação, em parte atendida.

Daquela decisão que admitiu na íntegra o articulado da réplica, bem assim do despacho saneador a julgar o 1.º Réu parte legítima, interpuseram os Réus recurso de agravo .

Os Réus, após conclusão de diligências instrutórias e antes do início da audiência de julgamento, vieram apresentar articulado superveniente, com o mesmo suscitando a extinção da instância por inutilidade da lide.

Essa pretensão foi denegada, o que motivou a interposição de novo recurso de agravo por parte dos Réus.


Após audiência de julgamento, foi proferida sentença, condenando o 1.º Réu no pagamento à Autora da quantia de 15.000.000$00, convertida em euros e actualizada de acordo com os índices de preços no consumidor fornecidos pelo “INE”, desde 2.3.1990 até à data da citação do primeiro para os termos da acção, acrescida, a partir da citação, de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento daquele quantitativo, absolvendo os RR. do. demais peticionado.


2. Inconformados, apelaram a Autora e o 1.º Réu, impugnando, desde logo, o decidido em sede de matéria de facto, tendo os Réus procedido à ampliação do objecto do recurso, enquanto recorridos, por forma a que, se necessário, fosse reapreciada a questão da caducidade do direito à anulação do negócio.

Após ter negado provimento aos dois agravos interpostos, a Relação passou a apreciar a impugnação da matéria de facto, concedendo-lhe parcial provimento, o que ditou a estabilização do seguinte quadro factual para o litígio:

1 - A Autora “Associação Recreativa do Clube de Campo da … é uma associação sem fins lucrativos, constituída no dia 31 de Julho de 1986, e que se dedica ao apoio recreativo, cultural e desportivo dos seus associados, conforme documento junto a fls. 19 a 36;

2 - Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial da Maia, mediante apresentação n.º 17, datada de 25.5.1988, a aquisição a favor da Autora, por compra, do prédio misto, sito no Lugar do Viso, da Freguesia e concelho da Maia, constituído por terreno de cultura, com ramada, com a área de 45.570 m2, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 103, e casa com dois pavimentos, com a área de 200 m2, destinada a oficina de lavoura, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 27, conforme documento de fls. 37 a 40 dos autos;

3 - Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial da Maia, mediante apresentação n.º 21, datada de 27.3.1990, a aquisição a favor da sociedade “BB - Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, S.A.”, por compra, do prédio referido em 2/, conforme documento de fls. 37 a 40 dos autos;

4 - Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial da Maia, mediante apresentação n.º 45, datada de 19.3.1991, a desanexação a partir do prédio referido em 2/ de um outro prédio com a área de 19.007 m2, com a denominação de Lote 2, e a que foi atribuído a inscrição n.º 00562/190391, conforme documento de fls. 37 a 40 dos autos;

5 - Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial da Maia, mediante apresentação n.º 25, datada de 21.5.1993, a desanexação a partir do prédio referido em 2/ de um outro prédio com a área de 5.455 m2, com a denominação de Lote 3, e a que foi atribuído a inscrição n.º 00748/210593, conforme documento de fls. 37 a 40 dos autos;

6 - Mediante apresentação n.º 22/23, de 25.3.1997, e após cedência de 1838 m2 para arruamentos, o prédio referido em 2/ encontra-se descrito como terreno destinado a construção – 17.144 m2 – Lote 1 – Lugar do Viso; Norte – Estrada Municipal de acesso à Estrada Porto Braga; Sul – “Renault-Veículos Comerciais, Ld.ª”; Nascente – Estrada Nacional e Poente – Lotes 2 e 3; matriz: artigo 1613 urbano – VP: 144.009.600$00;

7 - Na sequência da cisão de capital social mencionada em 13/ infra, o prédio referido em 2/, com a descrição aludida em 6/, passou a integrar o acervo patrimonial da “DD - Sociedade Imobiliária, S.A.”, actualmente denominada “CC - Imobiliária, S.A.”;

8 - No dia 16 de Novembro de 1988, foi apresentada pelo Eng.º AA a proposta para aquisição do prédio referido em 2/, conforme documento junto a fls. 41 dos autos;

9 - No dia 17 de Novembro de 1988, foi apresentada pelo Dr. FF e pelo Sr. GG uma proposta para aquisição do prédio referido em 2/, conforme documento junto a fls. 42 dos autos;

10 - No dia 17 de Novembro de 1988, foi apresentada pelo Sr. GG e pelo Sr. HH uma proposta para aquisição do prédio referido em 2/, conforme documento junto a fls. 43 dos autos;

11 - No dia 21 de Novembro de 1988, a assembleia-geral da Autora aprovou por maioria absoluta a proposta referida em 8/ para aquisição do prédio referido em 2/, conforme documento junto a fls. 47 e 49 dos autos;

12 - Na sequência da escolha referida em 11/ e mediante escritura pública datada de 2 de Março de 1990, a Autora vendeu o prédio referido em 2/ à sociedade “BB - Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliários, S.A.”, entidade indicada pelo Eng.º AA, pelo preço de 160.000.000$00, conforme documento junto a fls. 50 a 55 dos autos;

13 - Mediante deliberação de 17 de Julho de 1992, a sociedade “BB - Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliários, S.A.” procedeu à cisão do seu capital social, conforme documento junto aos autos a fls. 56 a 70;

14 - Em 19 de Setembro de 2002, a Ré “CC - Imobiliária, S.A.” e a sociedade “II- Urbanismo, S.A.”, celebraram com a “Câmara Municipal da Maia” um “Protocolo de Acordo” tendente à construção de um complexo habitacional no prédio referido em 2/ e nos prédios referidos em 4/ e 5/, conforme documento junto a fls. 147 a 156 dos autos;

15 - Em 1988, a Autora decidiu proceder à venda do prédio referido em 2/;

16 - A Autora anunciou a intenção de proceder à venda do prédio referido em 2/, devendo as propostas ser apresentadas por escrito e indicar o valor oferecido e o modo da respectiva liquidação;

17 - As propostas referidas em 8/ a 10/ foram apresentadas na sequência do anúncio aludido em 16/;

18 - Os motivos que presidiram à aprovação e escolha da proposta referida em 8/, em detrimento da proposta referida em 10/, para a aquisição do imóvel referido em 2/ e subsequente venda pelo preço de 160.000.000$00, nos termos referidos em 12/, foram o preço oferecido e a utilização do prédio para:

a/ Construção das instalações do “Instituto Superior de Estudos Empresariais”;

b/ Construção de um “Hotel”;

c/ Construção de “Parque Desportivo” polivalente de apoio ao “Hotel”, ao “ISEE” e à comunidade local;

d/ Habitação, se possível, em zonas marginais e em conjunto com áreas anexas, cuja aquisição se torne viável – resp. aos ques. 5 e 10;

19 - Se a Autora soubesse que iria ser dado ao imóvel referido em 2/ um fim diferente do mencionado na proposta aludida em 8/, designadamente apenas a construção de habitações, teria igualmente vendido aquele imóvel, mas pelo preço mais elevado de 175.000.000$00, que constava da proposta indicada em 10/ – resp. aos ques. 11 e 18;

20 - Eliminado pela Relação [O Réu Eng. AA tinha consciência que a afectação do prédio referido em 2/ aos fins aludidos na proposta mencionada em 8/ foi fundamental para a escolha dessa mesma proposta – resp. ao ques. 13;]

21 - Na data referida em 12/, o valor de mercado do prédio mencionado em 2/ era superior a 160.000.000$00 – resp. ao ques. 17;

22 - A transferência patrimonial do prédio referido em 2/, de acordo com a descrição aludida em 6/ e mencionada em 13/ foi efectuada pelo valor de 111.272.944$00;

23 - Depois de adquirido o prédio referido em 2/ pela Ré “BB - Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, S.A.” foi projectada a construção no mesmo do edifício destinado às instalações de uma escola superior de gestão;

24 - Tendo a instituição em causa preferido construir as suas instalações num outro terreno nas imediações do prédio aludido em 2/;

25 - A área dos Lotes 2 e 3 mencionados em 4/ e 5/ foi vendida pela Ré “BB - Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, S.A.” a uma terceira entidade;

26 - A adquirente dos Lotes 2 e 3 propôs-se construir na área dos mesmos um hospital, cujo projecto contemplava ainda uma unidade geriátrica segundo um modelo de “aparthotel”, com serviços especializados de apoio, que incluía entre outros equipamentos um “healt club”, sendo que a adquirente do terreno despendeu nesse projecto, entre 1991 e 1996, cerca de 300.000 contos;

26-A -“Tal projecto hospitalar não foi concretizado por impossibilidade de obtenção de condições financeiras e de enquadramento institucional” ( Aditado pela Relação)

27 - O “Protocolo” de acordo mencionado em 14/ prevê o enquadramento dos equipamentos a construir num plano de pormenor que consagre as soluções previstas no “Estudo Urbanístico” constante do documento junto a fls. 157 a 163;

28 - Após a venda do terreno onde se localizavam as suas instalações, a Autora deixou de ter actividade;

29 - Sendo que à venda do terreno seguiu-se a saída de um grande número dos seus associados;

30 - Por documento de 30 de Janeiro de 2009, o “Município da Maia”, representado pelo seu presidente, o “Centro II- Urbanismo, S.A.” e a Ré “CC - Imobiliária, S.A.” acordaram em revogar o protocolo de acordo de 19 de Setembro de 2000.


3. Passando a apreciar as questões jurídicas envolvidas no mérito das apelações - julgando improcedente a apelação interposta pela Autora, mas procedente a deduzida pelo 1.º Réu, alterando-se a sentença recorrida, com a consequente absolvição dos Réus dos pedidos contra os mesmos formulados na acção - confirmou a Relação o decidido em sede de improcedência da pretensão anulatória do negócio, por entender que:

A mera declaração vertida pelo 1.º Réu na proposta por si subscrita quanto à utilização a dar ao identificado prédio não é suficiente para caracterizar uma sugestão ou artifício com a intenção de induzir em erro a Autora, sendo certo que nem se apurou que os Réus nunca tiveram intenção de afectar esse imóvel aos fins mencionados na aludida proposta (v. a propósito o teor dos Pontos 23/ a 26/ que apontam em sentido contrário).

 (…)

Ora, atendo-nos à realidade dada como apurada e mesmo que nela se destaque a motivação que determinou a conclusão do dito negócio por parte da apelante/autora (v. Pontos 18/ e 19/ supra), cremos falharem elementos factuais de onde possa retirar-se ter existido uma representação comum das partes intervenientes no aludido negócio quanto à existência duma circunstância (no caso, destinação do prédio a fins concretos) sobre a qual formaram, de forma essencial, a vontade de contratar.

A verificação desse pressuposto objectivo, comum às partes e a ser considerado como essencial para as mesmas formarem a decisão de contratar, poderia, quando muito, dar-se como verificado mediante a comprovação da realidade constante do conjunto dos quesitos 8.º e 12.º a 14.º, algo que não se confirmou, como acima deixámos apreciado no âmbito da problemática atinente à alteração da matéria de facto.

Por via do que se vem expendendo terá de soçobrar a pretensão da recorrente de ver reconhecida procedência do pedido principal por si deduzido na acção, nessa medida se impondo, em tal vertente, a confirmação do sentenciado.

Também por força desta constatação fica prejudicada a apreciação da caducidade desse direito de anulação, tal como vinha pretendido pelos apelados/réus, ao abrigo do prescrito no art. 636, n.º 1 do CPC, em sede das suas contra-alegações.


Passando depois a apreciar o objecto dos pedidos subsidiariamente deduzidos, considerou a Relação no acórdão recorrido:

Apesar do tribunal “a quo” concluir pela improcedência do pedido principal de anulação do referido contrato de compra e venda, acabou por julgar procedente o pedido subsidiário deduzido contra o 1.º Réu, condenando-o a pagar à Autora a quantia indemnizatória de 15.000 contos, a converte em euros, actualizada à data da citação e acrescida e juros de mora a partir desse acto até integral liquidação de tal valor.

Para tanto, entendeu-se ter ficado demonstrado que esse mesmo Réu incumpriu com uma obrigação por si assumida de dar ao aludido prédio determinados fins, assim tendo incorrido em responsabilidade contratual, donde se justificar a atribuição da indemnização fixada a favor da Autora.

É contra o assim decidido que, por sua vez, se insurge o 1.º Réu, no essencial defendendo inexistir quer responsabilidade contratual ou extracontratual geradora da obrigação de indemnizar.


Centrando-nos numa eventual responsabilidade contratual imputável ao apelante/réu por este incumprir uma obrigação por si assumida de afectação do mencionado prédio a determinados fins, cremos que vários obstáculos subsistem para se poder acompanhar a motivação avançada pelo tribunal “a quo” no apontado sentido.

Desde logo e independentemente da verificação de outros pressupostos inerentes à responsabilidade de que nos ocupamos, seria desde logo indispensável que estivesse firmada aquela obrigação por parte do recorrente no âmbito da formação do negócio de compra e venda do aludido terreno.

Ora, se nos ativermos ao teor do acto notarial (escritura) que formalizou aquele negócio verifica-se que o recorrente não interveio nesse acto, nessa medida também nele não tendo assumindo qualquer obrigação com os indicados contornos.

Contudo, o que se poderá perguntar é se através da dita “proposta” subscrita pelo 1.º Réu em que foi indicada a utilização a dar ao dito prédio aquele assumiu obrigação com esse mesmo alcance.

Também nesse âmbito cremos que a resposta terá de ser negativa, pois que não nos deparamos perante uma verdadeira “declaração negocial”, no sentido de que não é pela sua aceitação que o contrato se forma no caso de que ocupamos, dado que o mesmo (esse contrato) só poderá ter-se por concluído com a formalização de declarações contratuais conjuntas (celebração da respectiva escritura) – v. conjugação dos arts.224 e 232 do CC.

Daí que não possa imputar-se ao 1.º Réu responsabilidade contratual, dado que, relativamente a ele, inexiste contrato celebrado com a Autora.

Apesar disso equaciona-se se ao 1.º Réu não poderá imputar-se responsabilidade pré-contratual por de alguma forma ter contribuído para a formação do contrato celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré – o relativo ao negócio de compra e venda formalizado através da dita escritura – ao ter apresentado à Autora a aludida proposta pré-negocial.

Ora, por forma a que pudesse atribuir-se ao 1.º Réu responsabilidade nesse âmbito, a induzir a celebração do dito negócio nos termos em que sucedeu e por preço inferior a uma outra proposta com oferta de preço superior (a de fls. 43 – v. Ponto 10/ supra), necessário seria que pudesse imputar-se àquele conduta culposa no quadro circunstancial em que apresentou a sua proposta.

Nesse aspecto há a considerar que o 1.º Réu fez a apresentação da sua proposta sem que se tivesse apurado algum artifício da sua parte no sentido de induzir em erro a Autora, tão pouco se apurou que tivesse conhecimento da real motivação daquela última para optar pela dita proposta (v. o decidido supra quanto ao quesito 13.º da base instrutória), a isso acrescendo a não comprovação dos Réus jamais terem a intenção de afectar o identificado imóvel aos fins indicados no documento a titular a proposta escolhida pela Autora (resp. ao quesito 12.º da base instrutória).

Não denotamos, assim e perante o quadro circunstancial apurado, actuação culposa ou ofensiva das regras da boa fé (art. 227 do CC) por parte do 1.º Réu na fase que antecedeu a formalização do mencionado negócio de compra e venda e que justifiquem responsabilidade civil por danos que à Autora possam ter advindo, ao tomar a decisão de celebrar aquele negócio com a 2.ª Ré.

Explicitados ficam os motivos pelos quais não acompanhamos a decisão tomada na sentença impugnada de condenar o 1.º Réu a pagar à Autora a indemnização nela fixada, por não colher apoio seja em sede de responsabilidade contratual, seja em sede de responsabilidade pré-contratual.

Apesar de não poder subsistir tal condenação proferida pelo tribunal “a quo” contra o 1.º Réu, impõe-se ainda uma tomada de posição nesta sede relativamente aqueloutro 2.º pedido subsidiário deduzido contra todos os Réus, o qual não foi apreciado por se mostrar prejudicado pela procedência do 1.º pedido subsidiário que deixámos analisado.

 (…)

Delimitando o enquadramento desse pedido, constata-se ter a Autora formulado pretensão condenatória de todos os Réus a restituírem-lhe o valor correspondente entre o preço pelo qual o dito imóvel foi vendido à 2.ª Ré e o seu valor real, a liquidar em sede de execução de sentença.

Vem essa pretensão sustentada no instituto do enriquecimento sem causa, na medida em que o aludido imóvel apenas havia sido vendido por um preço inferior ao seu valor de mercado, na convicção de que o mesmo (dito prédio) seria afecto aos fins indicados na dita “proposta” apresentada pelo 1.º Réu, venda essa que a Autora não teria realizado pelo preço de 160.000 contos, se tivesse conhecimento que esse imóvel seria afecto à construção de habitação.

Assim, por essa via, os Réus viram-se donos de um terreno por preço substancialmente inferior ao seu valor real, nessa medida enriquecendo indevidamente o seu património, a implicar um dever de restituição por não ter sido alcançado o fim visado com a prestação.

Estar-se-ia, pois, diante de um enriquecimento por prestação, na modalidade de “condictio ob rem” (v. parte final do n.º 2, do art. 473 do CC).

(…)

Voltando-nos para o nosso caso e retendo a nossa atenção na posição relativa do 1.º Réu, começaremos por dizer não vislumbramos como em relação ao mesmo se poderá descortinar um enriquecimento do seu património (pessoal), quando não foi interveniente na conclusão do negócio que permitiu a transferência do aludido imóvel a favor da 2.ª Ré.

Para além disso e numa consideração geral aos termos em que pode operar o enriquecimento por intervenção, na invocada modalidade de “conditio ob rem”, não descortinamos na realidade dada como apurada uma convergência de vontades entre as partes da presente acção, por força da celebração do dito negócio, a induzir a existência duma acordo, mesmo que tácito, quanto à finalidade desse negócio, tal como reclamado pela Autora.

Tenha-se em conta que nos defrontamos perante um contrato sinalagmático, a encerrar a realização duma prestação, tendo como causa uma contraprestação, sendo que, em ordem a aplicação do instituto, teria ainda ocorrer simultaneamente um acordo através do qual fosse atribuída cumulativamente uma outra causa acessória à prestação, algo que, no caso em presença, não tem cabimento equacionar.

Também por estas razões cremos não se justificar atender ao 2.º dos pedidos subsidiários


  4. Inconformada, interpôs a A. a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões que lhe definem o objecto:

I. A Recorrente ficou absolutamente atónita com o conteúdo do Acórdão proferido pelo Ilustre Tribunal da Relação Porto, o qual julgou contra o Direito ao propugnar pela alteração e revogação da decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, o Tribunal Judicial da Comarca da Maia.

II. Isto porque, em sentença datada de 11 de Outubro de 2013 foi a acção intentada pela Autora julgada parcialmente procedente, por provada, tendo o Eng. AA sido condenado a pagar à Autora a quantia de 15 milhões de escudos (quinze mil contos), “convertida em Euros e devidamente actualizada, de acordo com os índices de preços no consumidor fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatistica, até à data em que foi citado o réu, acrescida, a partir dessa data, de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal e até integral pagamento” (cfr. Trans. Parcial da Sentença em fls__ dos autos).

III. O acórdão em crise, com todo o respeito, encontra-se enfermado com erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, pois foi ofendida de forma clara e inequívoca matéria de direito probatório constante nos arts. 362.º e ss do Código Civil, conforme infra se dirá, para além de um errado julgamento de direito e erro notório na apreciação e julgamento pelo Tribunal a quo.

IV. Antes de mais, importa referir que o acórdão recorrido é nulo por com fundamento no disposto nos arts. 615.º n.º 1 b), 666.º e 674.º n.º 1 c) do CPC, pois é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (normativos que são aplicáveis ao julgamento que seja realizado pelo Tribunal da Relação, conforme o disposto no art. 666.º do CPC), imposição processual proveniente do disposto no art. 205.º n.º 1 da CRP que postula que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

V. Decorre do art. 205.º n.º 1 da CRP que a exigência de fundamentação das decisões tem natureza imperativa, já que é um princípio geral que a Constituição, como Lei Fundamental, consagra (Cfr. a propósito, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/10/91 in “BMJ 410 – 876), prevendo, ainda, o art. 154.º do CPC que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas (n.º1), expondo o n.º 2 que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição[1].

VI. Compulsado o acórdão recorrido, no que diz respeito à alteração dada à resposta à matéria de facto do PONTO 20 dos FACTOS considerados PROVADOS pela 1.ª Instância, vislumbra-se que o Tribunal recorrido não explana as razões de facto que o levou a julgar de forma distinta da decisão proferida pelo Douto Tribunal de 1.ª Instância, o Tribunal Judicial da Maia,  resultando o Tribunal recorrido decidiu considerar NÃO PROVADO o FACTO 20 que diz o seguinte “O réu Eng.º AA tinha consciência que a afectação do prédio referido em 2. aos fins aludidos na proposta mencionada em 8. foi fundamental para a escolha dessa mesma proposta”.

VII. Sendo que os fundamentos para tal alteração de resposta basearam-se na audição dos depoimentos de JJ e KK, não referindo acórdão recorrido nada de concreto que sustente essa alteração, quando confrontada com a explanação dada pela primeira instância, impondo-se, por isso, uma fundamentação acrescida face à alteração da matéria de facto operada pelo Tribunal a quo.

VIII. Se o Tribunal da Relação do Porto entendeu em sentido contrário, cumpriria explicar as razões, nomeadamente, indicar o depoimento concreto que abalaria a apreciação realizada pelo Tribunal de 1.ª Instância, que adequadamente apreciou a factualidade dada como provada sob n.º 20, pelo que manifestamente que existe, ausência traduz nulidade do acórdão, nos termos dos já citados arts. 615.º n.º 1 b), 666.º e 674.º n.º 1 c) do CPC, que o Tribunal ao decidir como decidiu violou, que expressamente se argui e que deverá determinar a revogação do acórdão recorrido[2].

IX. Importa, também, que este Colendo Supremo Tribunal de Justiça proceda à alteração da matéria de facto dada como provada sob n.º 20, apreciação enquadrável no consignado em art. 674.º n.º 2 do CPC, dispondo o n.º 3 que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova[3].

X. O artigo considerado provado sob n.º 20 da sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância não poderia ser alterado pelo Douto Tribunal da Relação do Porto, atentos os factos considerados provados 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19 e 21. 

XI. Compulsado o documento em fls. 41 junto aos autos verifica-se que, ao contrário das propostas sob fls. 42 e 43 (onde apenas se referenciava o preço), a proposta do 1.ª R. Eng. AA ia mais além, designadamente referenciava os fins a dar no imóvel, referindo a construção das instalações do Instituto Superiores de Estudos Empresariais, a construção de um Hotel, a construção de parque desportivo polivalente de apoio ao Hotel, ao ISEE e à comunidade local e a habitação, se possível, em zonas marginais e em conjunto com áreas anexas cuja aquisição se torne viável (facto provado 11).

XII. Compulsados os documentos sob fls. 45 a 49 verifica-se que foi condição sine qua non da celebração do negócio jurídico dado comprovado em 12 o destino a dar aos terrenos alienados (conforme facto provado 18), sendo que analisada a escritura de compra e venda em fls. 51 e ss resulta que a sociedade que adquiriu o prédio referido em facto provado 2, por indicação do 1.ª R., fê-lo justificada e com base nas premissas/propostas elencadas na proposta de fls. 41.

XIII. Está, aliás, vertido na escritura que a venda era realizada “de harmonia com o deliberado na citada assembleia geral extraordinária da associação que representam, em nome desta pela presente escritura vendem à sociedade “BB. – Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, S.A”, que os segundos outorgantes representam, entidade indicada pelo senhor Eng. AA, signatário da proposta vencedora de alienação” (sublinhado e negrito nosso), como vertido está  que o comprador declarou “para a SGIJ, que representam, aceitam este contrato destinando-se o prédio adquirido, directamente à execução de programas de construção”.

XIV. Foi, ainda, anexada à escritura a acta da assembleia geral extraordinária da A. que, por força da anexação, passou a fazer parte da mesma, que indicou que o destino a dar aos bens foi determinante para a venda operar, já que como resulta de facto provado n.º 19, “se a autora soubesse que ira ser dado ao imóvel referido em 2. um fim diferente do mencionado na proposta aludida em 8., designadamente apenas a constrição de habitações, teria igualmente vendido aquele imóvel mas pelo preço mais elevado de Esc. 175.000.000$00, que constava da proposta indicada em 10”, não sendo de olvidar que 21.Na data referida em 12., o valor de mercado do prédio mencionado em 2. Era superior a 160.000.000$00”.

XV. Significa, portanto, que resulta inequívoco que todos os intervenientes no negócio, do Grupo EE, do qual o 1.ª R. era (e é) um dos principais acionistas, sabiam que os motivos determinantes para o negócio de compra e venda se concretizar estavam justificados na sua proposta, que a A. pretendia ver cumpridos, caso contrário a venda não ocorreria nos moldes em que ocorreu, pois, não só consta a referência à proposta realizada pelo 1.ª R. na escritura, como consta a acta da assembleia da A. que deliberou essa venda, como consta que a proposta foi a vencedora das várias que existira, encontrando-se a acta anexada à escritura, que tal como a escritura e suas declarações, tem força probatória plena nos termos do art. 371.º do Cód. Civil.

XVI. Trata-se, manifestamente, do reconhecimento de um facto que é desfavorável aos RR, e que o art. 352.º do CC qualifica de confissão, que traduz uma confissão extrajudicial, em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente (faz prova plena de que, nesse acto, a vendedora declarou já ter recebido o preço) – cf. arts. 355.º, n.ºs 1 e 4, e 358.º, n.º 2, do CC.

XVII. Para além disso, o documento em causa de fl. 41 “assinado pelas partes e por elas aceite, faz prova plena da materialidade das declarações nela contidas” (Vd. Acórdão da Relação de Coimbra de 12 de Julho de 1994: CJ, 1994, 4.º - 25) foi, em depoimento de parte, objecto de reconhecimento pelo 1.º R: “(…) Confirmou, confrontado com o documento de fls. 41 que, efectivamente, assinou tal documento, esclarecendo, porém, que o mesmo era um declaração de intenções (…)” (cfr. assentada vertida em fls. 2202), confissão judicial (art. 355.º n.º 1) que o Tribunal recorrido olvidou, como os restantes normativos do direito probatório material e que, evidentemente, teria que ter levado a uma resposta fáctica totalmente diferente daquela que foi dada sob ponto 20.

XVIII. Nestes termos, ao julgar como julgou, o Tribunal recorrido violou, entre outras, as disposições dos arts. 355.º n.º 1 e 4, 358.º n.º 2, 352.º, 358.º e 371.º do Cód. Civil, pelo que deverá ser alterada a resposta fáctica dada pelo Tribunal da Relação do Porto, mantendo-se o primeiro julgamento de facto realizado pela primeira instância sob resposta a ponto 20 da matéria provada, considerando PROVADO que 20 o réu Eng.º AA tinha consciência que a afectação do prédio referido em 2. aos fins aludidos na proposta mencionada em 8. foi fundamental para a escolha dessa mesma proposta.

XIX. Sem prescindir, sempre se diga que a apreciação do ponto sob art. 20 é matéria de direito, portanto, sindicável por este Supremo Tribunal de Justiça, pois, conforme decidiu já este Supremo Tribunal, a interpretação das declarações negociais, quando é feita com recurso aos critérios definidos nos arts. 236.º e ss do Cód. Civil, é matéria de direito susceptivel de ser abordada pelo STJ em recurso de revista (cfr. Ac. de 03.12.98, CJSTJ, Tomo III, pá. 136.

XX. Também, por essa razão, deverá ser alterada a resposta fáctica dada pelo Tribunal da Relação do Porto, mantendo-se o primeiro julgamento de facto realizado pela primeira instância sob resposta a ponto 20 da matéria provada, considerando PROVADO que 20 o réu Eng.º AA tinha consciência que a afectação do prédio referido em 2. aos fins aludidos na proposta mencionada em 8. foi fundamental para a escolha dessa mesma proposta.

XXI. Sem prescindir, urge referir que caso entenda o douto Tribunal não proceder à alteração da resposta à matéria de facto sob ponto 20, conforme acima se referiu, sempre se dirá que partindo da matéria dada como provada e não provada, sem qualquer alteração, a decisão recorrida julgou contra o direito, porquanto subsunção jurídica a ser realizada impunha uma decisão diferente, de manutenção da sentença proferida pela 1.ª Instância, do Tribunal Judicial da Maia[4].

XXII. Salvo melhor opinião, face à de acordo com a matéria considerada provada e não provada dúvidas não existem que o 1.º R. apresentou a proposta sob fl. 41, conforme FACTO PROVADO 8: “No dia 16 de Novembro de 1988, foi apresentada pelo Eng.º Belmiro de Azevedo a proposta para aquisição do prédio referido em 2., conforme documento junto a fls. 41 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido”; que esta proposta foi realizada no seguimento da deliberação descrita em FACTO PROVADO 10.º, da Assembleia Geral Extraordinária da Autora que decidiu proceder à venda do prédio descrito em FACTO PROVADO 2.

XXIII. Mais está provado que a venda em causa foi realizada por um preço abaixo do valor do mercado do imóvel (FACTO 22) e que a Autora recusou as propostas indicadas em factos provados 10 e 11 (FACTO 19), para aceitar a do 1.º R., de facto provado 8, porquanto o 1.º R. fez uma proposta distinta das apresentadas em fls. 42 e 43 dos autos, porquanto para além do pagamento do preço do prédio, obrigar-se-ia o 1.º Recorrido a dar o seguinte destino: previa a construção das instalações do Instituto Superiores de Estudos Empresariais, a construção de um Hotel, a construção de parque desportivo polivalente de apoio ao Hotel, ao ISEE e à comunidade local e a habitação, se possível, em zonas marginais e em conjunto com áreas anexas cuja aquisição se torne viável (facto provado 11).

XXIV. Compulsados os documentos sob fls. 45 a 49, e como acima se referiu, o que aqui se considera reproduzido por economia processual (conclusões X a XIX), verifica-se que, para a recorrente, foi condição sine qua non da celebração do negócio jurídico dado comprovado em 12 o destino a dar aos terrenos alienados (conforme facto provado 18), sendo que em primeira instância o Tribunal decidiu, assertivamente, que o Recorrido Eng. AA incumpriu o contrato celebrado com a Autora.

XXV. Sendo que a apreciação jurídica sub judice traduz um caso de responsabilidade contratual, conforme o decidido pelo Tribunal Judicial da Maia[5], sendo que esta decisão da primeira instância é jurídica e factualmente inatacável, não tendo o Tribunal da Relação do Porto, com todo o respeito, esgrimido qualquer argumento no sentido de derrubar a análise lógica e de Direito em causa.

XXVI. Para sustentar a decisão recorrida, o Tribunal a quo explica o inexplicável: que a proposta em facto provado 8 é uma “proposta” com aspas e que, como não consta da escritura, não resulta que os fins a dar ao prédio tenham sido motivo determinante para a celebração do negócio e uma obrigação à qual se obrigou o 1.º Recorrido, acrescentando, ainda, que o caso sub judice não se subsume a responsabilidade contratual.

XXVII. Não pode a Autora, com todo o respeito que o Douto Tribunal da Relação do Porto lhe merece, concordar com esta apreciação realizada, pois, a PROPOSTA apresentada pelo 1.º R e melhor descrita em ponto 8 da matéria de facto dada como provada não é uma mera declaração desprovida de qualquer valor jurídico ou vinculativo.

XXVIII. Socorrendo-nos do dicionário jurídico da Professora Ana Prata, “proposta” (que está em facto provado 8!) para efeitos de declaração negocial ou “proposta de contrato” em Direito Civil, é a “declaração de uma pessoa a outra exprimindo uma vontade séria e definitiva de com ela celebrar um contrato, cujos elementos essenciais específicos a declaração consubstancia, sendo simultaneamente feita na forma necessária ao contrato em causa, de tal modo que uma aceitação incondicional do destinatário baste para a conclusão do contrato”. “(…) Os efeitos de uma proposta de contrato são a constituição do proponente em estado de sujeição e a correlativa atribuição ao destinatário do direito potestativo de aceitar a proposta, assim formando o contrato, sem que o proponente possa opor-se a essa conclusão e aos seus efeitos na sua esfera jurídica (…)” – cfr. Ana Prata, Dicionário Jurídico, I Volume, 5.ª Edição, Almedina, pp. 1138-1139.

XXIX. Como sabemos, “a proposta e a aceitação de um contrato são declarações de vontade, dizendo-se geralmente que o contrato resulta do encontro ou da fusão da vontade das partes” (cfr. Enzo Roppo, O Contrato, Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes, Almedina, Janeiro de 2009, p. 93), postulando o art. 224.º n.º 1 do CC que a declaração negocial tem um destinatário e torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.

XXX. Dúvidas não existem que a proposta em causa foi aceite pela A., conforme FACTO PROVADO 11, em assembleia geral, cujas actas se encontram fls. 47 e 49 dos autos, como dúvidas não existem, pelo que acima de expendeu, que o destino a dar aos bens constituía (e constitui) uma condição essencial para a aceitação da proposta do 1.º Réu.

XXXI. Condição essa que, conforme consta na documentação junta, nomeadamente  escritura de aquição e acta anexa à mesma, foi do conhecimento dos RR., pelo que não se aceita, de forma alguma, o desapreço do Tribunal recorrido relativamente à proposta sob  facto provado 8, na medida em que esta constituía uma manifestação pública da vontade de contratar nos termos constantes na proposta. (que foi aceite pela A, pois, a proposta contratual do 1.º R. tinha esse objectivo)[6].

XXXII. Refere, ainda, o Tribunal que a escritura é que constitui o momento da celebração do contrato e do encontro de vontades e que, no acto notarial de fls. 51 e ss, não constam as obrigações de que destino dar ao prédio vendido, sendo que tal argumentação reporta-se, com todo o respeito, totalmente inusitada.

XXXIII. Com efeito, compulsada a escritura de compra e venda em fls. 51 e ss resulta que a sociedade que adquiriu o prédio referido em facto provado 2, por indicação do 1.ª R., fê-lo justificada e com base nas premissas/propostas elencadas na proposta de fls. 41.

XXXIV. Atente-se, que está vertido na escritura que a venda era realizada “de harmonia com o deliberado na citada assembleia geral extraordinária da associação que representam, em nome desta pela presente escritura vendem à sociedade “BB – Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, S.A”, que os segundos outorgantes representam, entidade indicada pelo senhor Eng. AA, signatário da proposta vencedora de alienação” (sublinhado e negrito nosso).

XXXV. Ou seja: há uma referência expressa, clara e inequívoca à proposta contratual dada como provada em ponto 8, sendo que o contrato celebrado é realizado de acordo com a deliberação da assembleia geral extraordinária citada, cujo teor resulta que a A. aceitou a proposta do 1.º R pelos destinos a serem dados ao prédio, já que os objectivos de utilidade publica que a A. prossegue assim impunham.

XXXVI. Ou seja, conforme resulta dessa escritura (e acta apensa), dúvidas não existem de que as RR tiveram perfeito conhecimento que a sua proposta foi aceite e a escritura foi realizada pelo facto do 1.º R se ter comprometido a efectuar as construções referenciadas nas propostas que apresentou, sendo que tudo isto que a Recorrente aqui alega constitui prova plena, já que resulta da escritura (cfr. art. 371.º do Cód. Civil).

XXXVII. Acresce que, se certo é que o 1.º Recorrido não intervém na escritura, o certo é que não o faz porque acordou com a A. que era ele quem indicaria a entidade que iria adquirir o imóvel, uma empresa do GRUPO EE da qual o Eng. AA é o principal acionista, conforme resulta dos autos, sendo, aliás, facto notório que carece de ser demonstrado (cfr. art. 5.º n.º 2 a) do CPC).

XXXVIII. Na verdade, resulta da proposta sob fl. 41 que o 1. R. confirmou no seu depoimento de parte ser da sua autoria, que a “escritura de compra e venda será realizada entre a Associação Recreativa do Clube da … e uma entidade constituída ou a constituir que lhe será por mim oportunamente indicada”, pelo que se o Réu não interveio na escritura directamente, fê-lo indirectamente através de empresas controladas por si, o que significa que é totalmente inusitado o entendimento vertido no acórdão em crise, que não há lugar à aplicação da responsabilidade contratual ao caso sub judice pelo facto do Eng. BB não ser interveniente no negócio.

XXXIX. Como vimos, é falso que não seja interveniente, pois, a proposta é feita pelo Eng. AA, tendo este indicado o comprador, empresa que controlava e integrada no grupo EE, pelo que que constitui um manifesto abuso de direito que se argui nos termos do art. 334.º do CC alegar que o R. AA não é interveniente no contrato para não lhe ser assacada qualquer responsabilidade, quando a compra foi feita por ele com a intervenção de uma das empresas do seu grande grupo de sociedades!

XL. Para além disso, o regime da responsabilidade contratual é de aplicar ao regime da responsabilidade pré-contratual do art. 227.º do CC, o que significa, que se o caso sub judice não se subsume a responsabilidade contratual, dúvidas não podem existir, então, que nos encontramos na responsabilidade pré-contratual que, no fundo, consubstancia o mesmo resultado vertido na sentença que condenou o 1.º R, pois, conforme é sabido, a doutrina é unânime ao atribuir a natureza contratual à responsabilidade pré-contratual (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações, Vol. I, 10.º Ed., Almedina, 2005, p. 271; António Menezes Cordeiro, Da Boa fé no Direito Civil, Colecção Teses, Almedina, 2001, p. 29; Carlos Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Coimbra, Almedina, 1982, pp. 359 e ss.; Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2007, p. 102), pelo que, sempre a obrigação de indemnização a cargo do 1.º R. existiria.

XLI. Saliente-se, ainda, que está dado como provado dúvidas não existem, pelo que supra já se alegou e que aqui se considera integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos que o 1.º Recorrido agiu ao arrepio da boa-fé contratual, pois, violou, de forma totalmente aguda os princípios da boa-fé e da confiança, que se encontram vertidos nos arts. 334.º do CC e 762.º n.º 2 do Cód. Civil[7].

XLII. Como referiram já os Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra: “(…) 2. No contexto, cada vez mais amplo e complexo, do universo negocial é consensualmente aceite que deve ser exigível aos agentes envolvidos num processo contratual que respeitem uma série de deveres relevantes para a decisão de concluir ou não esse mesmo processo, devendo, desde o seu início e até ao seu termo, actuar com lealdade, honestidade, lisura, transparência, agindo, no fundo, com correcção, sem subterfúgios, prestando as informações necessárias para que a contraparte forme uma vontade esclarecida.3. Viola esse dever a parte que, para além de omitir dados relevantes para a formação da vontade da contraparte, presta informação enganosa com influência na formação dessa mesma vontade, levando-a, deste modo, a concluir o contrato (…)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de Janeiro de 2011, processo n.º 1548/08.4TBGRD.C1 em www.dgsi.pt), pelo que ao julgar como julgou o Tribunal a quo violou, entre outras, as disposições dos arts. 224.º n.º 1, 371.º, 334.º , 227.º, 762.º n.º 2 do Cód. Civil, para além do art. 5.º n.º 2 a) do CPC.

XLIII. Pelo exposto, deverá o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que confirme a decisão da 1.ª Instância, condenando o 1.º R. no pagamento à Autora da quantia de 15.000.00$00 convertida em euros e actualizada de acordo com os índices de preços no consumidor fornecidos pelo “INE” desde 2.3.1990 até à data da citação do primeiro dia para os termos dos autos sub judice, acrescida, a partir da citação de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento daquele quantitativo.

XLIV. Sem prescindir, sempre importará abordar a questão julgada improcedente pelo Tribunal a quo, quanto ao segundo pedido subsidiário deduzido pela A. contra todos os RR, o qual não foi apreciado pela 1.ª Instância por se mostrar prejudicado pela apreciação do 1.º pedido subsidiário, que foi, assertivamente, julgado procedente.

XLV. Na verdade, peticionou a A., subsidiariamente, a condenação de todos os RR. a restituírem-lhe o valor correspondente entre o preço pelo qual o imóvel foi vendido à 2.ª Ré e o seu valor real, a liquidar em sede de execução de sentença, com fundamento em enriquecimento sem causa, tendo o o Tribunal a quo entendeu, sumariamente, que não estavam reunidos os requisitos do enriquecimento sem causa do disposto no art. 473.º do Cód. Civil e que não haveria lugar a qualquer pretensão da Recorrente por enriquecimento sem causa, relativamente ao 1.º R., por este não ter “sido interveniente na conclusão do negócio que permitiu a transferência do aludido imóvel a favor da 2.ª Ré” (cfr. fls. 40 do Acórdão recorrido).

XLVI. Sucede, porém, que tal entendimento reporta-se totalmente inusitado, pois, analisada a factualidade considerada PROVADA, que aqui se considera integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos e verifica-se, manifestamente que o prédio aludido em FACTO PROVADO 2 foi objectivamente alineado por um preço inferior ao de mercado (FACTO PROVADO 21), tendo por base os fins dados pela proposta sob FACTO PROVADO 8, o que levou a Recorrente aceitasse a proposta do 1.º R. em prejuízo de outras de valor superior (Facto provado 19).

XLVII. O que traduz um enriquecimento sem causa da 2.º Ré, que sem causa válidamente justificada locupletou-se à custa da Autora na diferença de 15 mil contos, respeitante ao valor mais alto que a A. recusou receber para o vender àquele que iria dar o destino elencado na proposta descrita em facto provado 8, valor indemnizável pela 2.º Ré à Autora porque sem qualquer causa justificativa enriqueceu-se, concomitantemente empobrecendo a Recorrente.

XLVIII. Para que haja lugar a uma pretensão de enriquecimento sem causa (art. 473.º do Código Civil), isto é, uma obrigação em que é devedor o enriquecido e credor aquele que suporta o enriquecimento mostra-se indispensável a verificação cumulativa de três requisitos: a existência de um enriquecimento (1); que esse enriquecimento se obtenha à custa de outrem (2); e que este surja com a falta de causa justificativa (3) (requisitos, que pelo que supra se alegou e aqui se considera integralmente reproduzido, se verificam). ´

XLIX. O imóvel apenas foi vendido por um preço inferior ao do seu valor de mercado, na convicção de que o mesmo dito prédio seria afecto aos fins indicados na proposta apresentada pelo 1.º R., venda essa que a Autora não teria realizado pelo preço de 160.000 contos, se tivesse conhecimento que este imóvel seria afecto à construção de habitação, sendo que o 1.º R., através da empresa adquirente do imóvel enriqueceu à custa da Autora, pois adquiriu um imóvel abaixo do preço de mercado – enriquecimento à custa de outrem; E fê-lo porque prometeu a execução determinada obra que não fez – falta de causa de justificativa válida; Se uma causa não existisse, a Recorrente não teria feito o negócio com as RR pois teria vendido o imóvel à proposta mais alta.

L. Para além disso, conforme bem referiu a primeira sentença proferida nestes autos, “acresce que foi o Réu AA que indiciou a segunda Ré para ser com ela celebrada a escritura. Por outro lado, foi aquela sua proposta que determinou os termos do negócio. Tanto assim é que vem expressamente referida na escritura de compra e venda, que, aliás, foi celebrada de harmonia com o deliberado na assembleia-geral extraordinária da Autora que a aprovou (cfr. escritura de fls. 51 a 55, concretamente a fls. 52)” – cfr. sentença do Tribunal Judicial da Maia), pelo que dúvidas não existem que o Eng. AA era (e é) um dos principais acionista do grupo EE, onde se integravam as empresas Rés, e, em especial a segunda Ré que adquiriu o imóvel por indicação deste.

LI. Se o Réu Eng. AA não interveio na escritura foi porque a título principal não pretendeu figurar como comprador, quando na prática seria quem compraria o prédio em apreço, indicando uma empresa sua, pelo que dúvidas não existem que se o enriquecimento não foi directo, sempre indirecto seria, já que uma das empresas do GRUPO EE, da qual o 1.º R. era (e é) acionista, adquiriu o imóvel por um preço mais baixo, locupletando-se à custa da Autora, nos termos acima enunciados.

LII. O que apesar de tudo, dá, também, respaldo à pretensão indemnizatória da Autora nos termos do disposto no art. 473.º do Cód. Civil, chamando-se aqui à colacção o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Maio de 1996, em Colectânea de Jurisprudência, 1996, p. 71: “(…) II - No enriquecimento sem causa, a atribuição visada para restituição tanto pode ser directa (se se verificar uma deslocação patrimonial directa do empobrecido para o enriquecido), como indirecta (caso em que o enriquecimento é apenas um reflexo ou efeito de uma prestação diferente efectuada pelo empobrecido (…)”.

LIII. Para além disso, sempre o argumento de que o 1.º R. não sendo interveniente não poderia ser considerado enriquecido traduz uma defesa abusiva face ao art. 334.º do Cód. Civil, já que traduz um abuso de direito, pois se o R. Eng. AA não figurou na escritura foi porque assim não pretendeu, sabendo todos os intervenientes que seria ele a comprar o prédio, indicando uma das suas empresas, in casu, a 2.ª Ré, pelo que pela desconsideração da personalidade jurídica, poderia, também, o Tribunal a quo ter considerado a pretensão deduzida contra os RR. a título de enriquecimento sem causa[8].

LIV. Pelo que, ao julgar como julgou, o Tribunal recorrido violou, entre outras, as disposições dos arts. 473.º e 334.º do Cód. Civil, devendo, subsidiariamente, conhecer este Supremo Tribunal de Justiça do 2.º pedido formulado contra todos os RR, a restituir à A. o valor correspondente entre o preço pelo qual o imóvel foi vendido à 2.ª Ré e o seu valor real, a liquidar em execução de sentença.

Nestes termos e nos mais de Direito, que Vª Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao Recurso de Revista porquanto:

I) Subsiste a nulidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º n.º 1 do CPC, cognoscível por este Tribunal nos termos do art. 666.º e 674.º n.º 1 c) do CPC, em virtude do acórdão não

II) especificar os fundamentos da apreciação de facto para a alteração da resposta dada ao ponto 20 dos factos provados;

III) O Acórdão recorrido encontra-se enfermado de erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, os quais ofenderam de forma clara e inequívoca a matéria de direito probatório constante nos arts. 362.º e ss e ss do Código Civil – cfr. art. 722.º n.º 3 CPC, o que pressupõe a alteração da resposta à matéria de facto dada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, mantendo-se o considerado PROVADO sob ponto 20, doutamente fixado pelo Tribunal de 1.ª Instância;

IV) O Acórdão recorrido padece de uma errada apreciação da prova produzida e ainda incorrecta interpretação e aplicação da Lei aos factos concretos, o que consubstancia a anulação da decisão em apreço, mantendo-se a decisão proferida pela 1.ª Instância que condenou o 1.º R. a pagar à Autora a quantia de 15 milhões de escudos (quinze mil contos), convertida em Euros e devidamente actualizada, de acordo com os índices de preços no consumidor fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatistica, até à data em que foi citado o réu, acrescida, a partir dessa data, de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal e até integral pagamento;

Sem prescindir,

V) Deverá, subsidiariamente, conhecer este Supremo Tribunal de Justiça do 2.º pedido formulado contra todos os RR, a restituir à A. o valor correspondente entre o preço pelo qual o imóvel foi vendido à 2.ª Ré e o seu valor real, a liquidar em execução de sentença.


Por sua vez, os RR. contra alegaram, concluindo nos termos seguintes:

1.ª — O douto Acórdão recorrido contém fundamentação detalhada das razões pelas quais alterou para “não provado” o julgamento do ponto 13 da base instrutória, que constituía o facto n.º 20 dos fundamentos de facto da sentença da Primeira Instância, pelo que não se verifica a nulidade invocada pela A..

2.ª — Face ao disposto no art. 674.º, n.º 3, do C. P. C., sobre a inadmissibilidade de recurso de revista com fundamento no erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, deve recusar-se conhecer, por não estarem preenchidos os pressupostos legais para o efeito, o pedido de reapreciação do julgamento feito pela Relação relativamente ao ponto 20 da matéria que havia sido dada como provada em Primeira Instância.

3.ª — Caso se entenda poder conhecer desse pedido, deve, de todo o modo, ser julgada improcedente, por completamente infundada, a pretensão da A. de que seja dada como provada a matéria daquele facto n.º 20, uma vez que o documento de fls. 51 e segs. não contém qualquer declaração confessória do 1.º R. (nem das demais RR., aliás) que possa pôr em crise a livre apreciação da prova produzida em juízo que foi feita pela Relação e cuja revisão não está ao alcance do Supremo Tribunal.

4.ª — Não tem qualquer fundamento a pretensão da A. de que o 1.º R. seja condenado em indemnização por alegado incumprimento culposo do contrato de compra e venda.

5.ª — Uma vez que o 1.º R. não foi parte no contrato de compra e venda nem se vinculou, por ele, a quaisquer obrigações, nunca poderia incorrer em responsabilidade pela alegada violação desse contrato.

6.ª — Acresce que não se verificam os pressupostos da responsabilidade contratual.

7.ª — Do contrato de compra e venda nada resulta relativamente à assunção de qualquer obrigação de destinação do prédio por parte da sociedade compradora, que genericamente declarou, apenas e só, destinar o mesmo à execução de programas de construção — o que, por si só, afasta do conteúdo do contrato a pretensa obrigação de afectação do prédio a uma específica destinação.

8.ª — Mesmo que se pudesse considerar que foi assumida pela sociedade compradora ou pelo 1.º R. alguma obrigação relativamente ao destino a dar ao terreno — e não o foi —, não se verificou qualquer incumprimento culposo dessa pretensa obrigação; pelo contrário, a factualidade provada demonstra que o 1.º R. e as adquirentes do terreno, ainda que sem terem consciência de qualquer vinculação contratual, fizeram efectivamente os esforços que lhes eram razoavelmente exigíveis para a concretização dos fins mencionados no documento de fls. 41 ou equivalentes, pelo que a sua conduta não se afastou daquele que seria o comportamento que, atentas as circunstâncias do caso, adoptaria a pessoa normalmente zelosa, cuidadosa e capaz.

9.ª — Ora, não havendo comportamento ilícito nem culpa do 1.º R., nunca se poderia dar como preenchidos os pressupostos da responsabilidade contratual.

10.ª — Ainda que se entendesse que existe alguma violação contratual culposa por parte do 1.º R. por não ter sido dada certa afectação ao terreno — no que não se concede —, em parte alguma ficou demonstrado que tivesse ocorrido um incumprimento definitivo dessa obrigação, pelo que nunca poderia dar-se por verificados os pressupostos da responsabilidade civil e condenar o 1.º R. em indemnização como se tal incumprimento definitivo efectivamente existisse em tais que legitimassem a condenação em indemnização.

11.ª — Não ficou demonstrada na acção a existência e o montante do dano que para a A. alegadamente teria decorrido da não afectação do terreno aos fins mencionados pelo 1.º R. a fls. 41.

12.ª — Não existe, também, fundamento para imputar ao 1.º R. a prática de um ilícito culposo que pudesse ser fonte de responsabilidade pré-contratual.

13.ª — O 1.º R., ao apresentar o documento de fls. 41, agiu em conformidade com os ditames do princípio da boa fé, de forma honesta, correcta e leal, mencionando a intenção que tinha, que era verdadeira, de destinar o terreno que pretendia adquirir a determinados fins.

14.ª — O 1.º R. não se apercebeu nem teve consciência de que a afectação do terreno aos fins aludidos na sua proposta tivesse sido fundamental para a escolha dessa mesma proposta pela A. — o que conduz, também, a excluir qualquer juízo de censura relativamente à actuação do 1.º R. no período que antecedeu a conclusão do contrato.

15.ª — O 1.º R. apresentou uma proposta de aquisição de um terreno e nela mencionou quais eram as suas intenções relativamente ao destino a dar a esse terreno; a proposta foi aceite sem mais e o contrato de compra e venda foi concluído com a sociedade indicada pelo 1.º R.; ora, a motivação subjectiva da A., que o 1.º R. não conhecia nem tinha de conhecer, não poderá nunca ser causa de responsabilização deste na eventualidade de não ser dado ao terreno um fim conforme com as expectativas da A..

16.ª — Acresce que o propósito do 1.º R. de utilizar o terreno para os fins mencionados a fls. 41 teve efectiva correspondência nas sucessivas tentativas que foram feitas, que estiveram sempre em consonância com a letra e com o espírito daquilo que é mencionado na proposta do 1.º R..

17.ª — Fica, assim, de todo excluída a culpa na actuação do 1.º R. no período que antecedeu a conclusão do contrato de compra e venda e, concretamente, no acto de apresentação da proposta pré-contratual de fls. 41.

18.ª — Quanto ao segundo pedido subsidiário deduzido pela A., de condenação dos RR. na restituição do enriquecimento sem causa, este não tem também qualquer fundamento.

19.ª — A aplicação do regime da norma do art. 473.º, n.º 2, do Código Civil suporia o preenchimento de um conjunto de pressupostos que não se verificam na situação em análise.

20.ª — A obrigação de pagamento do preço de 160.000.000$00 existe e tem uma causa jurídica bastante, que é o contrato de compra e venda, pelo que nenhuma razão existe para a pôr em crise em sede de enriquecimento sem causa.

21.ª — A relevância da condictio ob rem supõe sempre, como requisito indispensável, que exista um acordo das partes sobre o fim secundário da obrigação, que acresceria ao fim principal ou típico — o que, no caso, em face da matéria provada e não provada, é manifesto que não existe.

22.ª — Outro pressuposto incontornável da aplicação do regime do art. 473.º, n.º 2, do Código Civil, é que se possa dar como assente que o fim visado pelas partes não se verificou por se ter tornado impossível ou por outra razão, o que também não se verifica na situação sub judice.

23.ª — Ainda que assim não fosse, não existe qualquer enriquecimento injustificado por parte do adquirente do terreno, e também não se pode considerar verificado qualquer empobrecimento da A..

24.ª — Improcedem, por isso, todos os fundamentos da alegação da A..

Termos em que deverá julgar-se improcedente o recurso e confirmar-se o douto Acórdão recorrido, que absolveu os RR. de todos os pedidos contra eles formulados.


5. Começa a recorrente por questionar o modo como a Relação exerceu o duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto impugnada, particularmente ao considerar não provado o facto que constava do ponto 20, imputando a tal decisão o vício de falta de fundamentação e pretendendo que este STJ reaprecie tal segmento decisório, já que a alteração dessa factualidade teria representado ofensa a disposições legais que fixam um valor legal ou tarifado para meio probatório que, só por si, implicaria a demonstração do facto eliminado pela Relação.

  A argumentação da entidade recorrente é, porém, manifestamente improcedente, não se enquadrando no objecto próprio de um recurso de revista, obrigatoriamente circunscrito à estrita dirimição de questões de direito.

  Note-se, desde logo, que não tem qualquer consistência à imputação ao acórdão recorrido do vício de falta de fundamentação: na verdade, a decisão da Relação, proferida no âmbito do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, está fundamentada, em termos bastantes, a fls. 2685, especificando a Relação – perante uma apreciação crítica das provas relevantes, particularmente de determinados depoimentos gravados, - a ratio da sua convicção acerca da factualidade em causa, neste ponto diversa da alcançada pelo julgador de 1ª instância: tratando-se, como é óbvio, de matéria situada plenamente no perímetro da livre apreciação do tribunal, é evidente que as considerações ali expendidas – revelando uma análise crítica e substancial das provas gravadas - fundamentam, em termos perceptíveis pelos destinatários de tal decisão jurisdicional, as razões que levaram a inflectir a convicção que o julgador formara em 1ª instância .


  Saliente-se, por outro lado, que a matéria em causa – traduzida em saber se o R., pessoa física que não outorgou pessoalmente na escritura de venda do imóvel , tinha consciência ou conhecimento psicológico de que a afectação do prédio aos fins aludidos na originária proposta contratual foi, na vontade da A., essencial ou fundamental para a escolha dessa mesma proposta negocial – tem uma dimensão puramente factual, não podendo, nomeadamente, tal efectiva consciência ou conhecimento psicológico inferir-se automática ou necessariamente do teor dos documentos invocados pela recorrente: ou seja, não é seguramente pela mera circunstância de, na proposta contratual que apresentou, o 1º R. ter especificado qual era o fim construtivo a que pretendia destinar o imóvel em via de aquisição que é possível, sem mais, inferir um efectivo e necessário conhecimento da essencialidade que tais fins apresentariam para a A.

  Na verdade, pela própria natureza das coisas, estamos confrontados com realidades factuais bem diversas e autónomas: uma coisa é o futuro adquirente do imóvel ter indicado na proposta quais os fins construtivos a que pretende destiná-lo; outra coisa, bem diversa, é o mesmo ter consciência ou efectivo conhecimento de que a realização de tais fins seria absolutamente essencial à vontade de contratar da entidade vendedora; como é óbvio, este juízo acerca da consciência psicológica do comprador acerca da essencialidade de certo fim para a contraparte exige seguramente o apelo a outros meios probatórios, para além da análise do simples documento que titula a proposta inicialmente apresentada pelo 1º R. Tal como se não basta com a mera invocação do conteúdo da acta associativa que está na base dos pontos 18 e 19 da matéria de facto – isto é: não se duvida que, na óptica dos órgãos sociais da A., foi determinante para as condições do negócio de venda o fim indicado na proposta apresentada pelo 1º R.; só que daí não se pode obviamente inferir que este tivesse necessariamente um efectivo conhecimento do teor de tal acta, em termos de bem conhecer tal essencialidade para a A. dos fins construtivos anteriormente especificados (não sendo obviamente a simples circunstância de tais actas terem sido anexadas à escritura de compra e venda, em que o 1º R. nem sequer interveio, que é susceptível de formar convicção segura sobre a ocorrência do dito conhecimento, enquanto facto do domínio psicológico).

   Não resulta, por outro lado, dos autos que sobre esta factualidade, traduzida no conhecimento psicológico por parte do 1º R. da essencialidade para a vontade de contratar da A. da realização de determinados fins construtivos, tenha ocorrido qualquer confissão- realçando-se, mais uma vez, que traduzem realidades factuais bem diversas a feitura de uma proposta envolvendo a realização de determinados fins construtivos e a consciência ou o conhecimento de que, para a contraparte, a efectiva realização de tais fins é essencial à própria vontade de contratar.

  Deste modo, não se vislumbrando minimamente que a livre convicção, formada pela Relação acerca da factualidade vertida no ponto 20, haja ofendido quaisquer provas dotadas de valor legal ou tarifado, está obviamente essa matéria excluída do objecto da presente revista, na qual se não pode naturalmente pretender obter uma reapreciação do mérito da convicção que as instâncias formaram acerca de meios probatórios sujeitos à livre apreciação do julgador.

   E, assim, a reapreciação das questões jurídicas suscitadas pela entidade recorrente far-se-á com base na factualidade que as instâncias tiveram por definitivamente fixada.


       6. Como decorre das conclusões da alegação, a recorrente abandonou a tese subjacente ao pedido principal de invalidade do negócio, através da qual pretendia obter a reversão do bem vendido, pela circunstância de o mesmo não ter sido afectado aos fins construtivos a que o 1º R. se havia comprometido na proposta contratual originariamente apresentada – pretendendo agora, em primeira linha, obter um conteúdo decisório idêntico ao alcançado na sentença proferida na 1ª instância: a condenação do 1º R. no pagamento do diferencial entre o preço acordado na escritura e o que teria sido obtido pela A. se tivesse aderido à proposta contratual mais favorável (de valor pecuniário mais elevado mas que não contemplava os específicos fins construtivos a que se vinculou o 1º R.) – cfr. conclusão  XLIII.

   Como dá nota o acórdão recorrido, na especificidade do caso dos autos a responsabilidade civil a imputar ao 1º R. só poderia situar-se no perímetro da responsabilidade pré contratual: na verdade, a actuação desse demandado esgotou-se na fase preliminar da formação do contrato, ao ter apresentado a proposta de aquisição do imóvel constante do doc. de fls. 41, oferecendo um valor total de  160.000 contos e assumindo que a utilização do prédio se destinaria a construção das instalações do ISEE, de um hotel, de um parque desportivo polivalente e, subsidiariamente,  de habitação em zonas marginais.


   O interesse colectivo subjacente àquelas finalidades construtivas teria levado a A.– como resulta da acta da deliberação associativa  junta aos autos –a optar pela proposta apresentada pelo 1º R., desconsiderando outras, pecuniariamente mais favoráveis, mas que não contemplavam a realização dos referidos fins, ainda conexionados com a prossecução de interesses colectivos locais.

  Como decorre da matéria de facto provada, o 1º R. – tendo efectivamente assumido a realização de tais fins construtivos na proposta de aquisição que apresentou – não teria, contudo, a consciência ou conhecimento efectivo da essencialidade que tais fins revestiam para a vontade de contratar da A., já que o facto – 20 – em que se afirmava tal conhecimento efectivo foi tido pela Relação por não provado.

  Por outro lado, o negócio de compra e venda foi formalizado por escritura pública em que outorgaram a A. e a sociedade indicada pelo 1º R., nos termos já referidos na proposta de fls 41; ou seja: o 1º R. participou efectivamente na fase de formação do contrato, formulando a referida proposta para a aquisição do imóvel, mas não outorgou como parte na escritura pública que titula a compra e venda, não podendo, assim, ter-se por comprador do imóvel.

  Saliente-se que não emerge, expressa e claramente, da escritura de compra e venda a vinculação da sociedade compradora aos referidos fins construtivos, enunciados na precedente proposta contratual do 1º R., já que apenas ficou clausulado que a SGII destinava o prédio adquirido directamente à execução de programas de construção (fls. 53) – e não sendo obviamente a mera circunstância de o notário ter arquivado uma fotocópia da acta de deliberação da vendedora, para demonstração da legitimação dos respectivos representantes, que permite incorporar, como verdadeira cláusula contratual integradora do negócio formal de compra e venda, as finalidades subjacentes à formação da vontade associativa, tal como resultam da referida acta.

   Esta circunstância – adicionada ao facto de as instâncias sempre terem considerado como não provada a factualidade que resultava dos quesitos 8 a 14, em que se perguntava nomeadamente se as sociedades 2º e 3º RR. tinham conhecimento do fim a que o dito prédio tinha de ser afecto, nos termos da proposta apresentada pelo 1º R., sabendo que tal proposta foi escolhida pela indicação desses mesmos fins- explica, aliás,  a inviabilidade jurídica de obter das ditas sociedades, enquanto partes no negócio formal de compra e venda, qualquer indemnização alicerçada no incumprimento culposo do contrato.


   No que se refere à pretensão indemnizatória ainda em controvérsia, imputada pessoalmente ao 1º R., parece evidente que o seu fundamento, a existir, terá de ser situado no plano da responsabilidade pré contratual – não se vendo como imputar-lhe, sem ter sido parte no negócio de alienação do imóvel e sem que se mostrem alegados, de forma consistente, factos susceptíveis de ditarem a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade outorgante na escritura, uma responsabilidade pessoal pelo incumprimento de obrigações contratuais, eventualmente resultantes de negócio jurídico em que não figura como parte.

  E, nesta perspectiva, o comportamento ilícito e culposo, imputado ao 1º R., envolvendo violação do princípio da boa fé contratual, ter-se-ia traduzido em formular proposta contratual, contemplando determinados fins construtivos de interesse colectivo e vinculando-se pessoalmente à respectiva realização futura – influenciando, com tal proposta, a vontade de contratar da A. nas precisas condições acordadas quanto ao preço devido, - sem que ulteriormente tivesse providenciado diligentemente (influenciando nomeadamente a actuação das sociedades que formalmente adquiriram o prédio) pela efectiva realização desses fins .

   Sucede, porém, que não é seguramente esta a situação material litigiosa plasmada na matéria de facto tida por assente.

   Desde logo – e como atrás se salientou – na sequência do decidido pela Relação , ao exercer o duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, não pode ter-se por demonstrado que o 1º R. tinha efectivo conhecimento da essencialidade que representava para a vontade de contratar da A. a realização dos específicos fins construtivos que havia assumido na proposta de aquisição apresentada. Ou seja: o proponente indicou efectivamente na proposta contratual o fim a que destinava o imóvel a adquirir, sem que, todavia, se possa inferir da matéria de facto assente que bem sabia que a realização de tal fim construtivo condicionava, de modo essencial, às condições acordadas quanto ao preço que era contrapartida da aquisição.

   Isto não significa obviamente que se possa considerar que o assumir de tais fins não traduza qualquer vinculação juridicamente relevante para o proponente: sucede, porém, que o exacto âmbito e sentido dessa vinculação têm de ser determinados por interpretação do teor da proposta, face à natureza da obrigação assumida na proposta apresentada e à teoria da impressão do destinatário - não podendo, na apreciação de tal força vinculativa, deixar de se ter ainda em consideração a asserção factual segundo a qual o proponente desconhecia que a afectação do imóvel aos fins explicitados na referida proposta tinha sido fundamental para a decisão de escolher e aprovar essa mesma proposta.

  Na verdade, numa situação material com os contornos e a configuração da dos autos, é, desde logo, evidente que a efectiva realização dos fins construtivos explicitados na proposta não dependia exclusivamente da vontade do proponente.

   Em primeiro lugar, tendo sido compradora do imóvel uma sociedade indicada pelo proponente, a futura afectação do imóvel a tais fins dependia primacialmente de decisão dos órgãos sociais da entidade compradora – significando a vinculação assumida pelo proponente –que não tinha qualquer poder de gozo ou disposição sobre o imóvel adquirido - que ele se obrigava a exercer sobre os órgãos sociais a sua influência, no sentido de tais fins construtivos prometidos serem mantidos e alcançados.

   Depois, é manifesto que esses específicos fins construtivos implicavam a adesão ou interesse por parte de outros terceiros – nomeadamente do estabelecimento de ensino cujas instalações deveriam ser construídas no terreno em causa.

   Finalmente, é evidente que a adjudicação do terreno aos peculiares fins urbanísticos referidos na proposta contratual (construção de um hotel e de anexo parque desportivo) implicava naturalmente - para além da existência de interessado na exploração de tal empreendimento - a satisfação de exigentes requisitos urbanísticos e ambientais, dependentes de aprovação e licenciamento pelas entidades públicas competentes.

  Ou seja, a vinculação a determinados fins construtivos que efectivamente constava da proposta de aquisição apresentada, dependendo decisivamente de factos externos à vontade do proponente, tem de ser interpretada como traduzindo a assunção de uma obrigação de meios – e não de resultado – pelo proponente: este assumiu, com tal vinculação, a obrigação, por um lado, de diligenciar junto dos órgãos da sociedade compradora, por ele indicada, pela afectação do imóvel adquirido aos fins prometidos; e, por outro lado, a obrigação de encetar, de forma diligente e consistente, os procedimentos destinadas a identificar possíveis interessados no referido projecto imobiliário e a obter as indispensáveis autorizações ou licenças urbanísticas que possibilitassem a efectivação do peculiar empreendimento previsto.


 Porém, e como é típico das obrigações de meios, não pode imputar-se ao proponente/devedor a frustração do projecto imobiliário projectado – e prometido – por circunstâncias que transcendam a sua própria vontade e se liguem decisivamente a factos ou decisões de terceiros, por ele não controláveis: ou seja, não pode, em termos de proporcionalidade e adequação, imputar-se ao 1º R. uma responsabilidade subjectiva pela frustração do projecto imobiliário assumido na proposta se ele praticou diligentemente actos preparatórios idóneos à realização do empreendimento a que afirmou destinar o imóvel, frustrando-se este essencialmente em consequência de actos ou decisões de terceiros, que não podia razoavelmente controlar.

   Ora, percorrida atentamente a matéria de facto, é esta a situação que nela vemos fundamentalmente retratada.

   Assim, depois de adquirido o prédio, foi projectada a construção no mesmo do edifício destinado às instalações de uma escola superior de gestão, tendo, porém, a instituição em causa preferido construir as suas instalações num outro terreno, situado nas imediações ( pontos 23 e 24 da matéria de facto);

   E a adquirente dos Lotes 2 e 3 propôs-se construir na área dos mesmos um hospital, cujo projecto contemplava ainda uma unidade geriátrica segundo um modelo de “aparthotel”, com serviços especializados de apoio, que incluía entre outros equipamentos um “healt club”, tendo a adquirente do terreno despendido nesse projecto, entre 1991 e 1996, cerca de 300.000 contos – sendo que tal projecto hospitalar não foi concretizado por impossibilidade de obtenção de condições financeiras e de enquadramento institucional ( pontos 26 e 26 A da matéria de facto)


    Decorre, pois, desta factualidade que, por um lado, o 1ª R. conseguiu influenciar a vontade dos órgãos sociais da sociedade adquirente do imóvel, em termos de se manterem de pé as finalidades construtivas de interesse colectivo por ele assumidas na proposta contratual. Porém, a frustração prática de tal projecto imobiliário deveu-se a circunstâncias externas à vontade e actuação, quer do 1º R., quer das sociedades compradoras: o desinteresse da escola superior cujas instalações estavam concretamente projectadas para o local; e a inviabilidade de realização da outra construção de interesse colectivo projectada, que se frustrou por motivos financeiros e de enquadramento institucional, apesar de terem sido despendidos nesse projecto mais de 300.000 contos.


  E, assim, perante este concreto quadro factual, não pode considerar-se que o 1º R. tenha violado o princípio da boa fé contratual, ao desafectar dos projectos imobiliários de interesse colectivo, assumidos na proposta contratual, o imóvel em causa, uma vez que a frustração de tal projecto não resultou de actuação pessoal culposa, mas antes de circunstâncias externas por ele não controláveis: como notam, aliás, os recorridos na respectiva contra alegação, realizaram estes os esforços que lhes eram razoavelmente exigíveis para a concretização dos fins mencionados no documento de fls. 41, pelo que a sua conduta não se afastou daquele que seria o comportamento que, atentas as circunstâncias do caso, adoptaria a pessoa normalmente zelosa, cuidadosa e capaz.

  Não estão, deste modo, verificados os pressupostos da responsabilidade pré contratual, delineada pela A., pelo que terá de improceder a respectiva pretensão indemnizatória.


     7. Questiona ainda a recorrente o decidido pela Relação, ao ter por improcedente o pedido subsidiário de enriquecimento sem causa, formulado contra os RR.

  Considera-se que, também aqui, é claramente improcedente a argumentação esgrimida pela A./recorrente.

   Em primeiro lugar – e quanto ao 1º R., que não figura como parte no contrato de compra e venda, apenas tido intervenção, como se referiu, na fase de formação do negócio – não se vê sequer onde situar o enriquecimento patrimonial que é pressuposto essencial da figura; note-se que não é obviamente a circunstância de aquele ser accionista do Grupo EE, onde se integravam as empresas RR., que pode legitimar a conclusão de que a aquisição pela sociedade do imóvel, por valor inferior ao constante de outras propostas apresentadas, traduz um enriquecimento patrimonial do sócio: não existindo nos autos qualquer factualidade relevante para desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade que outorgou na escritura de compra e venda e adquiriu juridicamente o prédio, é manifesto que não pode, para este efeito, confundir-se o património social com o património individual dos respectivos sócios.

   E – no que se refere à sociedade compradora, que efectivamente adquiriu o imóvel pelo preço convencionado na escritura – não vemos como possam ter-se por preenchidos os pressupostos da figura do enriquecimento sem causa, já que não é obviamente a circunstância de as partes terem, por motivos pessoais e subjectivos, acordado num preço inferior ao de mercado, que é susceptível de integrar a referida figura.


   Como atrás se realçou, não pode considerar-se sequer, face ao teor do clausulado na escritura de venda, que a compradora haja assumido nesse negócio uma específica vinculação a determinado fim construtivo – secundária à funcionalidade da obrigação principal assumida – e cuja frustração se pudesse subsumir à parte final do nº 2 do art. 473º do CC: na verdade, não emerge claramente da escritura de compra e venda a vinculação da sociedade compradora aos específicos fins construtivos, enunciados na precedente proposta contratual do 1º R., apenas tendo ficado clausulado que a SGII destinava o prédio adquirido directamente à execução de programas de construção fls. 53) – e não sendo obviamente a mera circunstância de o notário ter arquivado uma fotocópia da acta de deliberação da vendedora, para demonstração da legitimação dos respectivos representantes, que permite incorporar, como verdadeira cláusula contratual integradora de tal negócio formal, as finalidades subjacentes à formação da vontade associativa, tal como resultam da referida acta.

    Esta circunstância – adicionada ao facto de as instâncias sempre terem considerado como não provada a factualidade que resultava dos quesitos 8 a 14, em que se perguntava nomeadamente se as sociedades 2º e 3º RR. tinham conhecimento do fim a que o dito prédio tinha de ser afecto, nos termos da proposta apresentada pelo 1º R., sabendo que tal proposta foi escolhida pela indicação desses mesmos fins - implica que não possa ter-se por verificada a existência de um específico e adicional fim da prestação, comum a ambas as partes, cuja frustração pudesse desencadear o funcionamento do instituto da conditio ob rem .

   E, nesta perspectiva, considera-se que nenhuma censura merece o decidido pela Relação, não se verificando as violações de lei imputadas pela recorrente ao acórdão recorrido.


   8. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando o decidido no acórdão recorrido.

Custas da revista pela entidade recorrente.

Lisboa, 23 de Junho de 2016


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor

__________________
[1] A exigência e necessidade na fundamentação das decisões dos Tribunais prende-se com a própria garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial em si mesma, conforme o referido pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 55/85, de 25.3.1985 - Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional, 5.º - 467 e ss.

[2] “(…) ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final (…)” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Dezembro de 2012, processo n.º 2/08.9TTLMG.P1S1 em www.dgsi.pt.

[3] Este normativo é atinente à excepção do conhecimento apenas da matéria de Direito por parte do Supremo Tribunal de Justiça. Como refere o Conselheiro António Abrantes Geraldes “assim acontece, designadamente, quando o confronto com os articulares revelar que existe acordo das partes quanto a determinado facto, que o facto alegado por uma das partes foi objecto de declaração confessória com a força probatória plena que não foi atendida, ou que encontra demonstração plena em documento junto aos autos, naquilo que dele emerge com força probatória plena incluindo eventual confissão nele manifestada” (cfr. António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 321).  Conforme salienta António Santos Abrantes Geraldes, o Supremo Tribunal de Justiça poderá cassar uma decisão sustentada em determinado facto, que, “dependendo de documento escrito, foi, no entanto, considerado provado a partir de prova testemunhal, de documento de valor inferior, de confissão ineficaz ou até de presunção judicial” (Vd. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, p. 722).

[4] Conforme ensina Fernando Amâncio Ferreira, “inquestionavelmente que a qualificação jurídica dos factos ou, como dizem outros, a subsunção dos factos ao direito e as consequências jurídicas dela resultantes estão sujeitas ao controlo do STJ” (Cfr. FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, Novembro de 2006, p. 261). O mesmo autor, citando o Professor Alberto dos Reis refere que “desde que o juiz tem de enquadrar os factos numa certa categoria legal, desde que tem de os sujeitar a uma disciplina jurídica, o seu trabalho não pode deixar de estar sujeito à inspecção e censura do Supremo Tribunal de Justiça (…)” (idem).

[5] “O que aconteceu, considerando o factualismo dado como provado, foi tão só e apenas o não cumprimento por uma das partes (o Réu Eng. Belmiro de Azevedo) de obrigações expressamente assumidas e, aliás, essenciais para o outro contraente, a Autora” Tal resulta do factualismo dado como provado. Efectivamente ficou provado que os motivos que presidiram à aprovação e escolha da proposta apresentada pelo réu Eng. Belmiro de Azevedo em detrimento da proposta de valor mais elevado para a aquisição do imóvel e subsequente venda pelo preço de 160.000.000$00 foram o preço oferecido e a utilização do prédio para: construção das instalações do Instituto Superior de Estudos Empresariais; construção de um Hotel; construção de parque desportivo polivalente de apoio ao Hotel, ao ISEE e à comunidade local; habitação, se possível, em zonas marginais e em conjunto com áreas anexas cuja aquisição se torne viável”.

[6](…) Constitui elemento imprescindível de cada proposta contratual a sua susceptibilidade de ser aceite” (cfr. Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 2.ª Reimpressão da Edição de 1992, p. 457).

[7] O princípio da boa-fé, “tem um sentido moral profundo e pode exprimir-se pelo mandamento de que cada um fique vinculado em fé da palavra dada, que a confiança que constitui a base imprescindível de todas as relações humanas não deve ser frustrada nem abusada e que cada um se deve comportar como é de esperar de uma pessoa honrada, de uma pessoa de bem. (…) Numa perspectiva subjectiva decide-se da boa ou má fé em que se encontra certa pessoa perante uma situação jurídica própria.” (cfr. Prof. Pedro Paes de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, 6.ª ed., 2010, p. 22 e Prof. Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, 1984). Já o princípio da confiança supõe uma componente ética a não defraudar as expectativas no relacionamento entre as pessoas (cfr. Prof. Baptista Machado – “Tutela da Confiança e Venire contra factum proprium” apud “Obra Dispersa”, I, 352 e Doutor Carneiro da Frada, “Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil”, 2001). “(…) 10. Os princípios da boa-fé e da confiança impõem-se num plano ético-juridico exigindo este que uma parte não defraude as expectativas da outra e aquele que o “iter” negocial decorra com a lisura normalmente exigível às pessoas de bem.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Junho de 2011, processo n.º 7580/05. 2TBVNG.P1.S1 em www.dgsi.pt). “Para efeitos do disposto no artº 334º C.Civ., o conceito de boa fé coincide com o princípio da confiança; por sua vez, este princípio da confiança tende para a preservação da posição do confiante; no conteúdo material da boa fé surge, como segundo princípio, o da materialidade da regulação jurídica, historicamente detectável na luta contra o formalismo” (cfr. Acordão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 26 de Maio de 2004, processo n.º 902/04-2 em www.dgsi.pt).

[8] A este propósito atente-se no já decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães: “I – Na vertente do abuso da responsabilidade limitada (que não se confunde com a do abuso da personalidade), estão mais ou menos sistematizadas as condutas societárias que podem conduzir à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade, avultando, de entre elas: a confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas das sociedades e dos sócios; a subcapitalização, originária ou superveniente, da sociedade, por insuficiência de património necessário para concretizar o objecto social e prosseguir a sua actividade; as relações de domínio grupal; II – Para além destas situações, também se podem perfilar outras em que a sociedade comercial é utilizada pelo sócio para contornar uma obrigação legal ou contratual por ele assumida individualmente, ou para encobrir um negócio contrário à lei, funcionando como interposta pessoa; III – Na desconsideração da personalidade jurídica é necessário determinar se existe e com que potencialidade uma actuação em fraude à lei. Esta verificar-se-á aquando da existência de um efeito prejudicial a terceiros (…)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17 de Novembro de 2011, processo n.º 798/08.8TBEPS.G1 em www.dgsi.pt).