Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CARLOS PORTELA | ||
Descritores: | NULIDADE DA DECISÃO OBJETO DIVERSO DO PEDIDO EXCESSO DE PRONÚNCIA PRINCÍPIO DO PEDIDO PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO RECURSO DE REVISTA | ||
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Data do Acordão: | 09/18/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | Sumário (cf. art.º 663º, nº2 do CPC): I. A decisão que ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objectiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está ferida da nulidade prevista na alínea e) do art.º 615º do Código de Processo Civil, pois, o acórdão não pode conhecer de objecto diverso do pedido. II. Tal significa que o Tribunal não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes, não podendo ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido, sendo que não havendo coincidência entre o decidido e o pedido, estar-se-á face a uma extra petição, vício que produz a referida nulidade da decisão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório: AA e BB intentaram acção declarativa de condenação contra CC, alegando, em suma, terem abordado o Autor para adquirirem, em compropriedade, uma fracção autónoma que viriam a locar, pagando cada um metade do preço de aquisição e partilhando os encargos em idêntica proporção e que, pese embora o Réu tenha figurado como único comprador, o preço foi pago, em parte, com fundos do Autor. Mais referiram que, subsequentemente, ambos fixaram a sede dos respectivos escritórios na fracção adquirida e arrendaram a terceiros as respectivas salas, sendo usual que o Réu apresentasse um relatório para que, estando o Autor no ..., esses valores fossem partilhados, invocando ainda que este sempre pagou a sua quota-parte nas despesas, numa relação contratual que classificaram de pública, pacífica e de boa-fé. Alegaram ainda que, na sequência de ter sido decidido, pelo Autor e pelo Réu, a venda da fracção em causa, o primeiro constatou que a mesma fora vendida por este por € 320.000,00 (e, subsequentemente, vendida pelo adquirente a terceiro por € 365.000), não tendo aquele prestado quaisquer explicações ao Autor, apesar de, por escrito, o Réu ter reconhecido que o mesmo era comproprietário da referida fracção e de ter mesmo proposto ao Autor a venda da respectiva metade indivisa. Advogaram, também que, em prejuízo do Autor ou para ocultar o enriquecimento do Réu, existiu simulação de preço, pois a referida fracção tem o valor de mercado de € 800.000 e que a conduta do Réu levou a que os Autores sentissem um dano moral muito considerável, pois tinham aquele como uma pessoa séria, honrada e honesta. Concluíram pedindo em síntese que: 1) Seja reconhecida a validade dos acordos entre os autores e réu relativamente à compra em compropriedade de uma fracção que identificam; 2) Seja reconhecida a validade dos compromissos entre as partes em relação à dita fracção, a sua actualidade e vinculação para as partes; 3) Seja reconhecido que o comportamento do réu constitui uma quebra dolosa e grave do acordo e efectivo incumprimento contratual para efeitos de pedido de indemnização por via desta acção. 4) Que tendo contribuído oportunamente com metade do valor para a compra da fracção assim como partilharam na proporção de metade em todas as despesas anuais de conservação do imóvel junto da administração do condomínio, nas despesas de Sisa (hoje IMT) da compra e IMI anuais, assim como nas despesas de água e luz da fracção e demais encargos anuais, como se proprietário fosse, há um locupletamento efectivo e indevido do réu na hora em que este procedeu à venda da mesma fracção e não entregou a metade do valor devida aos autores. 5) Que tendo agido unilateralmente e sem qualquer comunicação sobre a referida venda sabia que causava forte dano moral aos autores pessoas que confiaram durante décadas no réu e o consideravam amigo e pessoa séria, honrada e honesta e cumpridora da sua palavra, tendo direito à reciprocidade de tratamento, valor que foi lesado gravemente e causa de dano moral que se mantem como ferida dolorosa e deve ser ponderado num mínimo de 25.000 €. 6) A indemnização pelo valor global de 150.000 € pelos danos materiais e morais sofridos pelos autores é fundamentada, legal e mais que justa e devida, 7) Afigura-se que há um dano que deve ser calculado e que resulta do apuramento da diferença entre o valor declarado na escritura de venda e o valor real de mercado, que se reserva ser determinado após a vistoria e avalização a fazer e corresponde à compensação do dano pela gestão danosa dos interesses dos autores e eventual alienação abaixo do valor real do mercado, valor que terá de ser liquidado posteriormente em função da prova a realizar. * Na contestação, o Réu excepcionou a incompetência relativa em razão do território e a ineptidão da petição inicial e impugnou, directa e de forma motivada, a factualidade vertida na petição inicial, alegando, em suma, que a fracção foi adquirida unicamente com o seu dinheiro, que foi o seu exclusivo proprietário no período compreendido entre Abril de 1982 e 8 de Abril de 2016 e que apenas consentiu ao Autor o uso de uma sala daquela fracção. Invocou ainda a prescrição do crédito indemnizatório (dado que os factos ocorreram em 1990 e apenas foi citado em 11 de Dezembro de 2018) e defendeu que os Autores agem em abuso do direito - pois bem sabem que não existiu qualquer contrato que lhes permitissem ser ressarcidos pelo seu incumprimento – alegando que os mesmos litigam de má-fé, já que sabem não ter direito a qualquer indemnização. Impugnou ainda a genuinidade da assinatura de um dos documentos juntos à petição inicial e a veracidade dos demais. Pugnou pela procedência das excepções (com as consequentes absolvições da instância e/ou do pedido), pela improcedência da acção e pela condenação dos Autores como litigantes de má-fé em multa e indemnização. * Os Autores responderam ao pedido de condenação como litigantes de má-fé e, na sequência de convite do tribunal, às excepções aduzidas, sustentando, em resumo, que a presunção que resulta do registo será ilidida, alegando que agiram a partir do momento em que tiveram conhecimento da alienação à revelia dos Autores que foi protagonizada pelo Réu. * Proferida decisão sobre a excepção dilatória da incompetência relativa, foram os autos remetidos ao tribunal recorrido, no qual foi proferido despacho de aperfeiçoamento a que os Autores corresponderam, aduzindo, em suma, que pretendem ser ressarcidos pelos proventos que deixaram de auferir com a venda da fracção em virtude da violação grosseira do acordado. Mais alegaram que a respectiva aquisição foi negociada pelo Autor pelo valor de Esc. 4.000.500$00 e que, antes da data da escritura pública, o Autor entregou ao Réu metade do preço. Defenderam ainda que o Autor obteve para o Réu facilidades que lhe permitiram recurso a crédito bancário (o que levou a que aquele figurasse na escritura pública como adquirente) e que exerceram conjuntamente a posse sobre a fracção, pagando em partes iguais as despesas e as benfeitorias e que, aquando do acordo para a sua venda, afirmando que o Réu pretendia apenas receber € 320.000, sendo o remanescente do preço para os Autores. O Réu arguiu a ininteligibilidade do pedido e invocou, em suma, que não foram alegados factos que sustentem o direito exercido, o que compromete o exercício do contraditório. Procedeu-se ao saneamento do processo - julgando-se improcedente a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial – sendo fixados os temas da prova. No decurso da causa, o Réu faleceu, tendo sido habilitadas as suas herdeiras DD, EE e FF. Após produção de prova pericial, procedeu-se à audiência de julgamento no culminar da qual foi proferida sentença na qual se decidiu julgar improcedentes as excepções peremptórias invocadas pelas habilitadas DD, EE e FF; Mais se decidiu julgar a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolver as habilitadas DD, EE e FF dos pedidos formulados pelos Autores AA e BB nos presentes autos; Decidiu-se ainda julgar improcedente por não provado o incidente de impugnação da genuinidade do documento n.º 2 junto com a petição inicial; Por último, decidiu-se indeferir o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má-fé. * Desta decisão vieram os Autores interpor recurso de Apelação, no âmbito do qual foi proferido acórdão onde se julgou o recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida apenas na parte em que julga improcedente a pretensão dos autores em serem indemnizados pela não entrega da parte do preço que lhes competia na venda de Abril de 2016 feita pelo réu, e em substituição dessa parte da sentença se condenaram as rés, enquanto habilitadas no lugar do réu, a pagar aos autores a quantia de 106.666,67 €, mantendo-se a sentença em tudo o mais. * Desta decisão vieram as Rés interpor recurso de Revista, apresentando desde logo e nos termos legalmente previstos as suas alegações. Os Autores responderam. Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo. Foi proferido acórdão onde foi apreciada e julgada não verificada a nulidade suscitada pelas Rés no seu recurso. Recebido o processo neste Supremo Tribunal de Justiça, porque foram cumpridas todas as formalidades legais quanto à admissão do recurso e nada obsta ao conhecimento do mesmo, cumpre pois decidir. * II. Enquadramento de facto e de direito: É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelas rés/recorrentes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC). Nos autos é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões: a) As recorrentes entendem que a sentença original, que as absolvia, se encontrava devidamente fundamentada, tanto na apreciação da matéria de facto como na aplicação do direito, não padecendo de qualquer vício ou nulidade, pelo que ficaram estupefactas quando confrontadas com o presente acórdão que condena as recorrentes a pagar aos recorridos 106.666.67€. b) O aditamento de factos pela decisão do tribunal a quo não tem qualquer influência num diferente desfecho da causa, sendo certo que as recorrentes entendem que a sentença tinha decidido correctamente não incluir estes factos nos factos provados. c) No douto acórdão expende-se “Como já se disse, daqui não decorre qualquer compropriedade do imóvel pelos autores e pelo réu: o pagamento do preço não é uma fonte de aquisição do direito: é o contrato de compra e venda, do qual o autor não é parte, que é causa de aquisição (art.º 1316 do CC).”, no parágrafo mais adiante diz-se “Mas o facto de os autores não serem comproprietários da fracção, com efeitos reais, não impede que entre si considerassem que cada um deles tinha uma quota parte do imóvel e que, por isso, o réu, que era o proprietário do imóvel, se tenha obrigado a respeitar a parte do autor” e, salvo o devido respeito, as recorrentes entendem que existe contradição entre o primeiro parágrafo e os seguintes desta fundação. d) Se os recorridos não são comproprietários, obviamente não têm direito a receber uma parte do preço recebido na venda, negócio em que, à semelhança da compra originária, não são partes. e) Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que “E com isso, o réu incorreu em responsabilidade civil, obrigacional, também dita contratual, pelo qual fica obrigado a indemnizar o autor dos prejuízos que lhe causou (artigo 798 do CC).”. f) Neste ponto e salvo o devido respeito, os colendos Srs. Juízes Desembargadores extrapolam o pedido formulado pelos recorridos, que peticionaram uma indemnização nos termos do artigo 483º CC. g) Ao contrário do expendido no douto acórdão, os termos usados pelos AA. ora recorridos não sugerem que estavam a invocar uma responsabilidade civil por factos ilícitos, antes os recorridos invocaram explicitamente essa responsabilidade e não responsabilidade civil contratual. h) No fulcro desta questão estão dois contratos de compra e venda em que os recorridos não são parte. i) O julgador é limitado pelo pedido formulado pela parte, não podendo ir além do mesmo. j) A sentença originária limitou-se a apreciar o pedido formulado pelos recorridos, tendo julgado o mesmo improcedente face à prova produzida. k) Na sentença originária expende-se e as recorridas concordam que “Pese embora a formulação dos pedidos vertidos na PI nos remeta para o plano contratual, como inequivocamente se colhe na PI aperfeiçoada, não foi, todavia, essa a via escolhida pelos autores para obter o ressarcimento dos montantes a que crêem ter direito, já que ali se alude especificadamente ao regime da responsabilidade civil extracontratual. “ l) A decisão do tribunal de primeira instância apreciou o pedido tal como foi formulado pelos AA. ora recorridos, que pediram explicita e inequivocamente a condenação do originário Réu no pagamento de uma indemnização com base em facto ilícito nos termos do artigo 483º CC, obviamente diferente da responsabilidade contratual a que o douto acórdão faz alusão, tendo requisitos diferentes. m) As recorrentes acabam condenadas no pagamento de uma indemnização por incorreram em responsabilidade civil contratual, respaldado no artigo 498º CC, acórdão que incorre em nulidade. n) A douta sentença entendeu bem que não existia responsabilidade civil por facto ilícito, que era o que foi peticionado e não pode agora vir o tribunal superior condenar em objecto diverso do pedido. o) Ao fazê-lo, incorre na nulidade prevista no artigo 615.º nº 1, alínea e) do CPC, legislação que se mostra violada pelo dispositivo do douto acórdão. p) Deve o presente recurso de revista ser julgado procedente por provado e, ser a douta decisão do tribunal a quo revogada, sendo substituída por uma decisão que mantenha a douta sentença originária, que absolve as recorrentes de todos os pedidos formulados pelos recorridos. * Quanto às contra alegações dos autores é o seguinte o teor das suas conclusões: A. Consideram os Recorridos que não enferma o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de qualquer nulidade. B. No seu pedido, os Recorridos peticionam expressamente pelo reconhecimento dos acordos celebrados entre as partes, sua violação pelo Réu e condenação do Réu, e aqui Recorrentes, pelo incumprimento contratual em sede de indemnização civil. C. O Tribunal a quo, no Acórdão proferido retira as devidas consequências dos factos provados, e em consequência condena as Recorrentes no pagamento aos Autores de 1/3 (um terço) do valor da venda do imóvel, fundamentando a decisão no incumprimento contratual/ obrigacional pelas Recorridas. D. Ou seja, a decisão do Acórdão encontra-se devidamente balizada dentro do pedido, causa de pedir e prova nos autos. E. O que está em causa no recurso em análise, não é qualquer nulidade do Acórdão, mas apenas e tão só uma discordância das Recorridas quanto à decisão proferida. * Das instâncias vem definida a seguinte matéria de facto (provada e não provada): Factos provados: 1. O Autor, quando trabalhava no ..., fez amizade com CC. 2. A fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra "Q", que constitui o sexto andar esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida 1 e Avenida 2, concelho de Lisboa foi adquirida por CC pelo valor de Esc. 4.000.500$00. 3. Por estar no ..., o Autor enviou para CC quantia de Esc. 1.333.500$00 para a aquisição da fracção autónoma e este recebeu-a, tendo concluído o negócio. 4. Dada a relação de amizade e confiança entre o Autor e CC e por aquele ter já adquirido uma casa com recurso a crédito bancário de poupança emigrante, foi acordado entre ambos que a fracção autónoma identificada no ponto n.º 2 ficaria unicamente registada a favor deste até ser conveniente para o Autor. 5. O Autor tinha as chaves da fracção autónoma identificada no ponto n.º 2 e ele e CC tiveram aí os respectivos escritórios. 6. CC arrendava as demais salas disponíveis e o Autor pagou despesas da fracção autónoma identificada no ponto n.º 2. 7. O Autor e CC decidiram vender fracção autónoma identificada no ponto n.º 2, tendo este dito que apenas pretendia receber € 320.000, tendo o réu vendido a fracção sem dar conhecimento ao autor. 8. Em escrito datado de 8 de Abril de 2016, CC, aí identificado como “Primeiro Outorgante” e GG, aí identificado como “Segundo Outorgante”, declararam que «(…) para todos os devidos e legais efeitos que é dono e legítimo possuidor da fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra "Q", que constitui o sexto andar esquerdo, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Localização 3, na Avenida 1 e Avenida 2, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número TRÊS MIL TREZENTOS E TRINTA E UM, da freguesia de Localização 3 (…) com o valor patrimonial actual para a fracção de 135.970,00€ (…) vende ao Segundo Outorgante a fracção autónoma supra identificada pelo valor de 320.000,00€ (…) já (…) recebido, dando assim a respectiva quitação. (…) e «(…) que aceitam o presente contrato (…)». 9. A fracção autónoma identificada no ponto n.º 2 foi vendida em 16 de Dezembro de 2016 por € 365.000. 10. CC apôs a sua assinatura no escrito junto sob o n.º 2 com a petição inicial. 11. CC foi, na presente acção, citado para contestar em 11 de Dezembro de 2018. 12. A fracção tinha, em Abril de 2016, um valor a rondar os 350.000€. * Factos não provados: i. Na sequência do referido no ponto n.º 1, CC propôs ao Autor que investissem na aquisição de uma fracção autónoma, pagando cada um metade do respectivo preço, constituindo a compropriedade sobre a mesma e partilhando, em idêntica proporção, os encargos com condomínio, impostos, taxas municipais, água e electricidade. ii. O Autor já havia negociado com o dono do prédio sito na Avenida 1 e Avenida 2 a aquisição da fracção autónoma identificada no ponto n.º 2 pelo preço de Esc. 4.000.500$00. iii. A quantia referida no ponto n.º 3 ascendeu a Esc. 2.000.250$00. iv. Foi acordado entre o Autor e o CC que seria constituída uma sociedade para arrendar a fracção autónoma identificada no ponto n.º 2. v. Os Autores tinham CC como uma pessoa séria, honrada, honesta e cumpridora da sua palavra. vi. O Autor e CC partilhavam entre ambos o valor das rendas e pagavam, em partes iguais, o IMI, as despesas de condomínio, água e electricidade e as despesas com benfeitorias. vii. CC apresentava ao Autor, então no ..., um relatório dos valores recebidos. viii. A fracção autónoma identificada no ponto n.º 2 tinha um valor de mercado superior a € 800.000. ix. Na ocasião referida no ponto n.º 7, CC disse que o remanescente do preço obtido com a venda da fracção autónoma identificada no ponto n.º 2 ficaria para os Autores. x. CC deixou de atender o Autor e o seu filho e nunca prestou explicações ao primeiro. xi. O Autor apenas em Janeiro de 2018 tomou conhecimento do facto referido no ponto n.º 8. xii. O valor referido no ponto n.º 8 foi apenas aposto no escrito ali parcialmente reproduzido para não revelar o ganho auferido por CC com o negócio. xiii. Em virtude da conduta de CC, os Autores sentiram-se intensamente desrespeitados e destratados. xiv. Os Autores sabem não ter existido qualquer contrato entre si e CC e sabem não ter direito a qualquer indemnização. * Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas no presente recurso: 1ª) A nulidade da decisão recorrida por condenação em objecto diverso do pedido; 2ª) A revogação da decisão proferida e a “repristinação” do que foi decidido em 1ª instância. * Vejamos, pois, da pertinência de tais pretensões. Quanto à nulidade por condenação em objecto diverso do pedido o que cabe referir, citando o seguinte segmento do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2019, no processo 2827/14.7T8LSB.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Oliveira Abreu e publicado em www.dgsi.pt.: “Considerando o objecto do recurso, devemos adiantar que nos termos da lei adjectiva civil (art.º 615º do Código de Processo Civil) é nulo o acórdão quando o Tribunal condene em objecto diverso do pedido (n.º 1 e) in fine, do art.º 615º do Código de Processo Civil). A propósito, o nosso direito adjectivo civil determina que o Tribunal está impedido de condenar em objecto diverso do que for pedido (art.º 609º n.º. 1 do Código de Processo Civil), pelo que, o Tribunal não só, não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, nomeadamente, no que respeita ao seu próprio objecto, sob pena de o aresto a proferir ficar afectado de nulidade. Como sustenta, Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, página 362, “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art.º 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art.º 661°, n° 1). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art.º 668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (art.º 668°, n° 1, al. e))”, e no mesmo sentido, “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”, Salvador da Costa, in, Os incidentes da instância, Almedina, página 296. A nulidade do acórdão quando o Tribunal condene em objecto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio dispositivo que atribui às partes, a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor. A decisão que ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objectiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está eivada de nulidade prevista na consignada alínea e) do art.º 615º do Código de Processo Civil, pois, o acórdão não pode conhecer de objecto diverso do pedido, o que significa que o Tribunal não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes, não podendo ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido, sendo que não havendo coincidência entre o decidido e o pedido, estar-se-á face a uma extra petição, vício que produz nulidade do aresto. O vício da nulidade do acórdão, nos termos enunciados, encerra um desvalor que excede o erro de julgamento, por isso, inutiliza o julgado na parte afectada.” Regressando ao caso concreto, constamos que os Autores formulam o(s) seu(s) pedido(s) da seguinte forma: 1) Que seja reconhecida a validade dos acordos entre os autores e réu relativamente à compra em compropriedade de uma fracção que identificam; 2) Que seja reconhecida a validade dos compromissos entre as partes em relação à dita fracção, a sua actualidade e vinculação para as partes; 3) Que seja reconhecido que o comportamento do réu constitui uma quebra dolosa e grave do acordo e efectivo incumprimento contratual para efeitos de pedido de indemnização por via desta acção. 4) Que tendo contribuído oportunamente com metade do valor para a compra da fracção assim como partilharam na proporção de metade em todas as despesas anuais de conservação do imóvel junto da administração do condomínio, nas despesas de Sisa (hoje IMT) da compra e IMI anuais, assim como nas despesas de água e luz da fracção e demais encargos anuais, como se proprietário fosse, há um locupletamento efectivo e indevido do réu na hora em que este procedeu à venda da mesma fracção e não entregou a metade do valor devida aos autores. 5) Que tendo agido unilateralmente e sem qualquer comunicação sobre a referida venda sabia que causava forte dano moral aos autores pessoas que confiaram durante décadas no réu e o consideravam amigo e pessoa séria, honrada e honesta e cumpridora da sua palavra, tendo direito à reciprocidade de tratamento, valor que foi lesado gravemente e causa de dano moral que se mantem como ferida dolorosa e deve ser ponderado num mínimo de 25.000 €. 6) Afirmando que a indemnização pelo valor global de 150.000 € pelos danos materiais e morais sofridos pelos autores é fundamentada, legal e mais que justa e devida, 7) Referindo que existe um dano que deve ser calculado e que resulta do apuramento da diferença entre o valor declarado na escritura de venda e o valor real de mercado, que se reserva ser determinado após a vistoria e avalização a fazer e corresponde à compensação do dano pela gestão danosa dos interesses dos autores e eventual alienação abaixo do valor real do mercado, valor que terá de ser liquidado posteriormente em função da prova a realizar. * Perante tais pedidos, a 1ª instância entendeu o seguinte: “Pese embora a formulação dos pedidos vertidos na petição inicial nos remeta para o plano contratual, como inequivocamente se colhe na petição inicial aperfeiçoada, não foi, todavia, essa a via escolhida pelos Autores para obter o ressarcimento dos montantes a que crêem ter direito, já que ali se alude especificadamente ao regime da responsabilidade civil extracontratual. Deparamo-nos, pois, com o concurso das duas formas de responsabilidade, confluindo as mesmas na fundamentação de um pedido de indemnização. Sendo de afastar, de imediato, a possibilidade de, em correspondência às duas supra referidas espécies de ilícito civil, o lesado receber uma dupla indemnização, importa determinar se ambas podem concorrer entre si ou se se cumulam. A este respeito, Romano Martinez considera que estamos perante um mero concurso de normas que fundamentam uma única pretensão indemnizatória e que é susceptível de ser resolvido mediante a alteração da qualificação jurídica dos factos e até pela superação das diferenças de regime. Por sua vez, Almeida Costa propende a considerar insatisfatória a teoria da opção - i.e. deixar-se ao lesado a escolha de uma acção baseada no ilícito contratual ou no ilícito extracontratual - e defende que o regime da responsabilidade contratual “consome” o regime da responsabilidade extracontratual. No entanto, não podemos partilhar este entendimento, sob pena de estarmos a forçar o impetrante a trilhar um caminho que ele nunca quis trilhar. Recorde-se, por sua vez, que o preceituado no n.º 3 do artigo 5.º do Código de Processo Civil apenas faculta ao tribunal a liberdade de qualificar juridicamente os factos que integram a causa de pedir, não lhe sendo, pois, lícito convolá-la para uma outra totalmente diversa. Nestes moldes, considerando que estamos verdadeiramente perante pretensões com fundamentos distintos, perfilha-se, pois a teoria da opção supra enunciada. Daí que, na esteira do sustentado pelos Autores, devamos encarar a questão enunciada à luz do preceituado no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil, preterindo-se, consequentemente, a aplicação da norma contida no artigo 309.º do mesmo diploma, a qual rege sobre a prescrição no domínio da responsabilidade contratual.” Mais adiante consignou o seguinte: “Valorando os factos contidos nos pontos n.ºs 1 a 7 temos, em suma, que, tendo estabelecido uma relação de amizade com CC, o Autor prestou um contributo no valor de Esc. 1.333.500$00 para a aquisição, por aquele, da referida fracção autónoma, a qual ficou unicamente registada a favor daquele por acordo entre ambos. Não obstante, o Autor tinha as respectivas chaves, instalou, nessa fracção, o respectivo escritório e, ao longo dos tempos, pagou despesas a ela respeitantes. Foi, depois, decidido, entre o Autor e CC, vender a identificada fracção autónoma - tendo este dito que apenas pretendia receber € 320.000 -, valor pela qual aquela veio a ver efectivamente vendida por este último. Apreciemos. Primeiramente, deve-se assinalar que a contribuição para a compra de um imóvel e/ou para o pagamento de despesas a ele atinentes não constitui um modo ou título idóneo para a aquisição de um direito de propriedade sobre ele incidente (cfr. artigo 1316.º do Código Civil). E, por outro lado, deflui do exposto no artigo 32.º da petição inicial que os Autores não pretendem ver reconhecida a aquisição, por usucapião, do direito real de compropriedade sobre a identificada fracção. Daí que, num primeiro relance, seja dificilmente identificável o direito absoluto que os Autores estimam ter sido violado pela identificada conduta de CC. Mas, mesmo que, atentando na factualidade provada, se pudesse, ainda assim, reconhecer a aquisição originária do direito de compropriedade (correspondendo a quota ideal dos Autores, em consonância com a confissão extrajudicial vertida no aludido documento n.º 2, a 1/3) sobre aquela fracção autónoma e, consequentemente, o jus ao recebimento da correspondente parcela do preço, é de assinalar que não foi alegado que foi estipulado, entre o Autor e CC, que a referida fracção apenas poderia ser vendida por um valor que excedesse € 320.000 ou que o Autor se opôs à pretensão por aquele verbalizada de receber integralmente esse valor (cfr. a parte final do ponto n.º 7 do elenco supra), o que, pelo menos, seria congruente com os contributos que prestou para a aquisição da fracção e para a sua manutenção. Ficou, por outro lado, por demonstrar que esse valor foi aposto no contrato de compra e venda para ocultar aos Autores o proveito verdadeiramente auferido por CC e, em todo o caso, que este tivesse aceite que os Autores quinhoassem, seja em que medida for, no preço por ele recebido, o que poderia ser inteligível como forma de os compensar pelos ditos contributos. Por isso, a falta de entrega do valor correspondente a metade do preço recebido não constitui um acto que contrarie qualquer um ajuste anteriormente firmado com o Autor e, sobretudo, não representa um locupletamento indevidamente obtido por aquele. Não se apuraram, por sua vez, factos que sejam idóneos a integrar o conceito de danos não patrimoniais. Estas considerações conduzem-nos à irrefragável conclusão de que, no elenco dos factos provados, não é identificável qualquer dano que seja causalmente atribuível à conduta de CC. Ora, como refere José Aguiar Dias «(…) não pode haver responsabilidade sem existência de um dano; e é um verdadeiro truísmo sustentar esse princípio, porque resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente não pode concretizar-se onde nada há a reparar (…)» . Assim e em conclusão, temos que não se verifica o pressuposto basilar da obrigação de indemnizar, pelo que, forçosamente, improcedem os pedidos formulados pelos Autores nos pontos n.ºs 4 a 7 do petitório. Voltemos a nossa atenção para os demais pedidos vertidos na petição inicial. Como transparece do elenco factual provado, ficou por demonstrar o conteúdo dos acordos que terão sido ajustados entre o Autor e CC e que terão respeitado à aquisição da referida fracção autónoma, pelo que é logicamente inviável tomar posição sobre a sua validade, vinculatividade e putativo inadimplemento por aquele. Devem, por isso, improceder os pedidos formulados pelos Autores nos pontos n.ºs 1 a 3 do petitório.” Quanto à decisão da Relação é o seguinte o teor do segmento da mesma que se considera mais relevante: “O que os autores queriam e com base no quê era o seguinte: autor e réu acordaram pagar, metade cada um, o preço da compra de um imóvel, mas a compra e o registo dele eram feitos apenas em nome do réu (resulta, por exemplo, dos artigos 1 a 3, 6 e 22 da PI). Em 2016, decidiram vender o imóvel (1.ª parte do art. 12 da PI). O imóvel foi vendido pelo réu por 320.000€ (artigos 14 e 29 da PI). O preço que foi pago ficou só para o réu (resulta, p.e., dos artigos 17 e 18). Os autores querem que o réu lhes dê a parte do preço que cabia ao autor, tendo em conta a proporção em que o pagamento tinha sido feito por eles os dois para a compra de 1982 e uma indemnização pelo incumprimento do acordado (p.e., pedidos 4 a 6), acrescentando que o preço indicado pelo réu na venda de 2016 não é o verdadeiro (artigos 33 a 35 da PI), pois que o imóvel valia mais de 800.000€ (artigo 35 da PI), querendo ser indemnizados pela diferença (artigos 33 a 36 pedido 7). Outros acordos e compromissos alegados pelos autores são irrelevante para as reais pretensões que estão em causa (o que se desenvolverá à frente). A propósito daqueles factos, os autores falaram em contratos, ultimamente em parceria atípica, em responsabilidade civil (no recurso dizem que é extracontratual), em compropriedade, no enriquecimento sem causa, em gestão de negócios, e no recurso ainda em nulidades e obrigações de restituição, e na petição inicial aperfeiçoada até invocaram mais um contrato do qual resultaria que não teriam direito a parte do preço na proporção em que o autor tinha contribuído para o pagamento do preço pelo imóvel em 1982, mas sim naquilo que excedesse os 320.000€ da venda efectuado em 2016. Mas o que importa não são as qualificações dadas, ou as construções jurídicas feitas pelas partes (em articulados posteriores ou em alegações de recurso), se estiverem erradas frente aos factos provados, nem os factos alegados em articulados posteriores que representem contratos diferentes dos que estavam em causa na PI, se não tiver havido alteração da causa de pedir em termos legalmente admissíveis (mais à frente dir-se-á algo mais sobre isto). Por outro lado, não está em causa, nos autos, a aquisição do imóvel pelos autores, em compropriedade – apesar de agora os autores dizerem o contrário -, seja qual fosse a causa de aquisição que eles pudessem invocar - porque os factos invocados e o pedido não tinham nada a ver com isso (sendo por isso irrelevante a agora invocada, pelos autores, nulidade do negócio e as consequências que pretendem que sejam retiradas da nulidade). Posto isto, Dos factos alegados provou-se que o autor pagou parte do preço da compra do imóvel feita em nome do réu em 1982 e que a compra e o registo do imóvel foram feitos apenas em nome do réu por acordo entre eles (factos 2 a 4 e 10). Em 2016, decidiram vender o imóvel (1.ª parte do facto 7). O imóvel foi vendido pelo réu por 320.000€ (facto 8). O preço que foi pago ficou só para o réu (o réu não põe em causa este facto, ele está na lógica da contestação e era ao réu que, tendo entregue parte do preço ao autor, caberia alegar esse facto como facto extintivo do direito dos autores; ou seja, era este facto que tinha de constar dos factos, como em qualquer outro caso: aos credores cabe alegar e provar a constituição da obrigação e (apenas) alegar o não cumprimento; aos devedores cabe alegar e provar o cumprimento) e o réu entende que não tem de entregar nada aos autores. Como já se disse, daqui não decorre qualquer compropriedade do imóvel pelos autores e pelo réu: o pagamento do preço não é uma fonte de aquisição do direito: é o contrato de compra e venda, do qual o autor não é parte, que é causa de aquisição (art.º 1316 do CC). Mas o facto de os autores não serem comproprietários da fracção, com efeitos reais, não impede que entre si considerassem que cada um deles tinha uma quota parte do imóvel e que, por isso, o réu, que era o proprietário do imóvel, se tenha obrigado a respeitar a parte do autor (como resulta expressamente do declarado pelo réu no documento transcrito no facto 10 – que funciona como documento escrito confessório extrajudicial com força probatória plena qualificada desses factos contrários aos interesses do réu: artigos 376/2, 352 e 358, todos do CC: que o autor pagou 1/3 do preço da compra e que o réu se obrigou nos termos que aí constam). É isso que explica que a decisão da venda tenha sido tomada em conjunto (facto 7), e com isso o réu estava de novo reconhecer ao autor a sua parte no imóvel, ou seja, que, em relação ao autor, o seu direito estava restringido, não podendo fazer do imóvel o que quisesse. Por isso, o reconhecimento do correspectivo direito do autor e a decisão conjunta da venda do imóvel, tem implícito o entendimento de que o produto da venda seria repartido entre eles, na proporção existente, não se concordando com a sentença quando ela nega a existência de tal acordo. A possibilidade de um acordo naqueles termos e com estes efeitos resulta dos artigos 405 [(Liberdade contratual). Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.] e 1306 do CC [(«Numerus clausus») 1. Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional.] O acordo (tácito – art.º 217 do CC) de estabelecimento de restrições ao direito do réu, como proprietário, apenas com efeitos obrigacionais (isto é, apenas entre as partes – não oponível a terceiros, inclusive às suas herdeiras como tal, não enquanto rés habilitadas no lugar do réu) não está sujeito a qualquer forma especial (por não haver norma que o imponha: art.º 219 do CC), pelo que não há qualquer nulidade (pelo que, também por aqui, não têm razão os autores ao falarem de nulidades). Note-se que se duas pessoas se unem em união de facto e depois pagam ambas coisas que apenas são formalmente compradas e registadas em nome de um deles, quando deixam de viver em união de facto se põe a questão de saber como é que se hão-de compor os interesses patrimoniais existentes. E se, na maior parte dos casos, a questão se resolve através do regime do enriquecimento sem causa, esta é apenas uma solução subsidiária [e é por causa desta subsidiariedade, entre o mais, que tal regime não se aplica no caso dos autos, não por aquilo que a sentença refere] para a hipótese de não haver acordos entre eles que dêem solução à questão, aceitando-se, em princípio, a validade desses acordos. Como diz, por exemplo, Guilherme de Oliveira “[e]xtinta a relação [entre os unidos de facto], provavelmente há que […] proceder à liquidação e partilha do património do casal […] As regras a aplicar são, naturalmente, as normas legais que existam, as que tenham sido acordadas no ‘contrato de coabitação’ [que não há razões para considerar nulo, em geral] eventualmente celebrado e, na sua falta, o direito comum das relações reais e obrigacionais.” (Manual de direito da família, 2020, Almedina, páginas 353-354 e 350-351). Não há qualquer parceria atípica – hipótese de que falam agora os autores, pois que tal pressuporia (artigos 1121 a 1128 do CC), que o autor tivesse entregue a sua parte no imóvel ao réu para que este o frutificasse com o objectivo de repartirem entre si os lucros futuros em certa proporção, e os autores não alegaram nada disto. Também não há qualquer sociedade, que é provavelmente aquilo que os autores estariam a pensar, pois que o contrato de sociedade pressupõe (art.º 980 do CC) que duas pessoas exerçam em comum “certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade” e também nada disto foi alegado pelos autores. Assim, esquecendo todas estas hipóteses alternativas sem qualquer viabilidade, a venda do imóvel pelo réu, ficando com a parte do preço que devia corresponder ao autor, representa a violação de uma obrigação existente entre eles (não havendo qualquer razão para que os autores tragam à liça a questão da gestão de negócios, já que os autores não alegaram que o réu tivesse assumido a direcção de negócio do autor no interesse e por conta do autor – art.º 464 do CC). E com isso, o réu incorreu em responsabilidade civil, obrigacional, também dita contratual, pelo qual fica obrigado a indemnizar o autor dos prejuízos que lhe causou (artigo 798 do CC). Os termos utilizados pelos autores podiam sugerir que eles estavam a invocar uma responsabilidade civil por factos ilícitos (art.º 483 do CC), como o entendeu a sentença; mas como eles falavam em violação de acordos e em incumprimentos contratuais e tiravam consequências dessa violação, o que estava em causa, como se viu, era uma responsabilidade por incumprimento de obrigações assumidas. Por isso, não tem interesse a análise dos vários pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, de que se ocupou a sentença, o réu e os autores, sendo certo, no entanto, que todos eles se podem considerar verificados se aplicados à responsabilidade civil contratual (é evidente, por exemplo, que não há um direito de propriedade do autor ou autores que se possa dizer violado pelo réu – não tendo qualquer razão os autores ao dizerem o contrário no recurso -, como acto ilícito da responsabilidade civil extracontratual, mas já é evidente que se verifica o acto ilícito pressuposto da responsabilidade civil contratual que é o incumprimento do acordo). O prejuízo dos autores, que pode ser superior ou diverso, é, pelo menos, correspondente à não entrega da parte que lhe caberia no preço pelo qual a coisa foi vendida (que os autores vêem na perspectiva do enriquecimento sem causa do réu, o que não tem interesse para o caso). Se se provasse que a coisa foi ou podia ter sido vendida por um preço superior e só não o foi por culpa do vendedor, a indemnização podia incluir a diferença, mas no caso nada disto se provou, já que o simples caso de a coisa ter um valor possivelmente superior (no caso provou-se apenas um valor muito pouco acima do preço pelo qual o imóvel foi vendido) não é o mesmo que conseguir-se esse preço por ela. Admite-se que o prejuízo pudesse também abranger um dano não patrimonial, mas no caso a venda da coisa foi decidida pelos dois, pelo que o autor não pode dizer que tenha sofrido com a venda dela. E o único facto do incumprimento do implicitamente acordado – a não entrega da parte do preço – não dizia respeito a uma prestação que tivesse a ver com valores de ordem não patrimonial, pelo que não deve dar lugar a indemnização por danos dessa natureza (art.º 496 do CC). A meio do processo (e agora no recurso), os autores introduziram nova causa de pedir (sem alterarem o pedido), na petição inicial aperfeiçoada: agora o acordo seria outro: o de o réu ficar com 320.000€ e os autores ficarem com o valor restante que fosse obtido. Mas não houve acordo para a alteração da causa de pedir, nem ela ocorreu em consequência de confissão feita pelo réu, nem foi admitida pelo tribunal e, como tal, não tem qualquer valor (artigos 264 e 265 do CC). Teria o potencial de diminuir aquilo que podia ser retirado dos factos anteriormente alegados e dos provados, mas esse potencial não se concretizou, nem ao nível dos factos provados, nem daquilo que é possível retirar destes (o dito do réu, referido na 2.ª parte do facto 7, não representa um acordo com o autor quanto ao que aí consta). Não importa, por isso, as objecções colocadas pela sentença ao direito dos autores a pretexto desta matéria. Ou as consequências que os autores agora querem retirar dela. * Quanto aos demais pedidos dos autores: os autores confundem os pressupostos das pretensões deduzidas em juízo com as próprias pretensões: os autores terão direito ou não ao que pretendem se provarem os pressupostos desse direito, mas estes não fazem parte dos pedidos. Assim, os pedidos são, de facto, apenas dois: i\ a condenação do réu a pagar aos autores uma indemnização correspondente à metade que cabia ao autor no preço da venda do imóvel feita em 2016 pelo réu, e ao dano moral sofrido com a actuação do réu, no total de 150.000€, dos quais pelo menos 25.000€ pelo dano moral. ii\ a condenação no valor correspondente à diferente entre o valor declarado na escritura de Abril de 2016 e o valor real de mercado do imóvel que os autores diziam ser de pelo menos 800.000€. Ora, quanto ao pedido i\, ele procede parcialmente, já que a parte do autor era apenas de 1/3 e não se provou nenhum dano moral. Quanto ao pedido ii\, ele improcede totalmente, visto que não se prova que o imóvel tenha sido vendido por valor inferior ao valor real de mercado (foi apurado apenas que o valor aproximado do imóvel era de 350.000€). Os outros “pedidos” são irrelevantes como tal, tendo já sido apreciados como pressupostos dos pedidos reais.”. Perante o exposto, impõe-se pois concluir que em nenhum momento a decisão da Relação se pronuncia sobre pedidos diferentes dos formulados pelos Autores na petição inicial, pedidos esses que são como já vimos os seguintes: o reconhecimento dos acordos celebrados entre as partes, a violação pelo Réu do acordado e a condenação deste último na indemnização que deriva de tal incumprimento. Ou seja, não foi proferida decisão que condene o Réu (e agora as habilitadas) em objecto diverso do pedido. A ser assim, há que concluir que não enferme o acórdão recorrido da nulidade invocada. Nestes termos e não padecendo tal decisão de tal vício não existem quaisquer razões para revogar a mesma e repristinar a sentença proferida pela 1ª instância. * III. Decisão: Pelo exposto, vai negada a revista. * Custas a cargo das rés/recorrentes (art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC). * Notifique. Lisboa, 18 de Setembro de 2025 Relator: Carlos Portela 1º Adjunto: Fernando Baptista de Oliveira 2º Adjunto: Emídio Francisco Santos |