Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISTA INSOLVÊNCIA REGIME APLICÁVEL OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS ÓNUS DA PROVA ACORDÃO FUNDAMENTO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO CERTIDÃO DOCUMENTO ELECTRÓNICO | ||
Data do Acordão: | 10/13/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : | I. O recurso de revista, estribado na previsão excepcional do art. 14º, 1, do CIRE, invoca «conflito jurisprudencial» que se pretende ver resolvido, sendo previsão que se enquadra na hipótese do normativo contemplado pelo art. 637º, 2, do CPC, razão pela qual necessita a pretensão recursiva de ser instruída pela junção de cópia (ainda que não certificada, num primeiro momento, com nota de trânsito em julgado) do acórdão fundamento. Essa junção documental para instrução necessária e insuprível do recurso corresponde a um ónus processual mínimo a cargo do recorrente, que, em rigor, envolve um requisito preliminar à apreciação dos demais requisitos, gerais e especiais, de admissibilidade (enquanto pressupostos de acesso ao conhecimento do objecto do recurso). Por isso, e por causa disso, a lei prescreve, no caso de inobservância desse ónus, uma sanção letal na sindicação do modo como se interpõe o recurso, a montante do conhecimento ou não do objecto do recurso – rejeição imediata do recurso. II. Uma vez notificado o recorrente a suprir a omissão da junção de cópia do acórdão fundamento, através de convite ao aperfeiçoamento do recurso através do expediente do art. 639º, 3, do CPC, a indicação pelo recorrente do acesso a certidão electrónica do acórdão fundamento, com disponibilidade de chave para esse acesso, não é procedimento legítimo como forma de instrução sucedânea do recurso, implicando um juízo de censura reservado a omissão indesculpável no exercício do seu ónus de fundamentação e comprovação do recurso e a consequente rejeição do recurso. III. O ónus processual de entrega de cópia certificada do acórdão fundamento para os recursos fundados em “conflito jurisprudencial”, determinado cogentemente pelo art. 637º, 2, in fine, do CPC, sob pena de «imediata rejeição» do recurso, sobreleva a faculdade do art. 10º, 4, da Portaria n.º 209/2017, de 13 de Julho («A disponibilização pelo requerente, a qualquer entidade, pública ou privada, do código único de acesso referente a certidão emitida substitui, para todos os efeitos, a entrega da certidão.»). | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 561/19.0T8LSB-A.L1.S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa, 1.ª Secção Recorrente: “Rei – Representações, Exportação e Importação, Unipessoal, Lda.” Reclamação de Despacho Singular do Relator: art. 652º, 3, ex vi art. 679º, CPC Relatora anterior: Juiza Conselheira Maria da Assunção Raimundo
Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça 6.ª Secção
I. RELATÓRIO
1. Notificada da decisão singular da Ex.ma Senhora Juíza Conselheira Relatora a quem foi originariamente distribuído o presente processo, proferido então a 7/7/2020, que julgou o não conhecimento do recurso, veio a Recorrente, aqui Reclamante, “REI – Representações, Exportação e Importação, Unipessoal, Lda.” (doravante, “Rei Lda.”) apresentar Reclamação para a conferência (fls. 656 e ss), invocando: “ 1. Estatui o art. 637º, n.º 2: “… o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”. 2. A recorrente deu estrito cumprimento a este normativo legal. 5. Consta no Portal da Certidão Judicial Eletrónica: “Este Portal permite requerer, obter e consultar, nos termos previstos no artigo 170º do Código do Processo Civil, regulamentado pela Portaria n.º 209/2017, de 13 de julho, certidões eletrónicas referentes a processos judiciais, administrativos e fiscais e da competência do Ministério Público”. 6. Consta no preâmbulo da Portaria n.º 209/2017, de 13 de julho (negrito da reclamante): A presente portaria vem, assim, regulamentar o pedido, emissão e consulta de certidões eletrónicas no âmbito dos processos dos tribunais judiciais, dos tribunais administrativos e fiscais e dos processos da competência do Ministério Público. Com a certidão é igualmente disponibilizado um código único de acesso que permite a qualquer entidade pública ou privada a quem esse código seja entregue aceder à certidão em formato eletrónico, sendo que a apresentação desse código substitui, para todos os efeitos, a entrega de uma certidão em papel. Deste modo, a certidão eletrónica admite múltiplas utilizações, sem custos acrescidos.” 7. Estatuindo o art. 10º da citada Portaria: “2 – A certidão eletrónica pode ainda ser consultada, pelo requerente ou por terceiro a quem tenha sido disponibilizado o respetivo código único de acesso, no portal eletrónico referido no n.º 1 do artigo 5º, mediante a introdução do referido código único de acesso. 3 – O código único de acesso é válido durante o período de seis meses após a sua disponibilização. 4 – A disponibilização pelo requerente do código único de acesso a qualquer entidade, pública ou privada, substitui, para todos os efeitos, a entrega de certidão.” 8. A reclamante disponibilizou o código único de acesso. 9. Com efeito, consta no seu requerimento a fls. 642: “a recorrente vem indicar/explicitar que disponibiliza o Código de acesso: 9Y3T-HFBE-ASXF-VQQ1, à certidão emitida em 10.02.2020, pelo Juízo do Comércio de Coimbra, Juiz 2, do Acórdão proferido no processo n.º 5408/16.7T8CBR-C, com indicação do seu trânsito em julgado.” 11. O Colendo Supremo Tribunal de Justiça é uma entidade Pública. 12. Devendo os Venerandos Juízes Conselheiros que o integram obediência à Lei, e, por conseguinte ao disposto no art.º 10º da Portaria 209/2017, porquanto não existe qualquer exceção. 13. Não se alcançando a referência na Decisão Sumária à Portaria 280/2013 que se tem por espúria. 14. Não se podendo contudo olvidar o disposto no seu artigo 22º. 15. Não distinguindo o art.º 637º, n.º 2, entre a junção de certidão em papel ou eletrónica, não se alcançando a razão de ser recusada a certidão eletrónica ao se entender que a reclamante não juntou cópia do acórdão fundamento. “Código de acesso1: 9Y3T-HFBE-ASXF-VQQ1 1. O código de acesso da certidão permite: 1. A consulta da certidão, durante o período de seis meses, em 18. Porquanto confia na Lei e na Justiça. 20. E tem um custo bastante inferior. 23. Pelo que interpretação implícita do art. 637º, n.º 2 do CPC, de que a cópia do acórdão fundamento a ser junta no recurso é obrigatoriamente em papel é inconstitucional por violação dos arts 13º, n.º 2 e 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. ” 2. Perante o acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 28/1/2020 (fls. 563 e ss), a declarada insolvente «Rei Lda.» interpôs para o STJ recurso de revista excepcional (fls. 582 e ss), fundando-se no art. 672º, 1, a) e c), do CPC: “- alínea a): está em causa se deve ser declarada insolvente uma sociedade quando tendo uma dívida, tem também um direito de crédito do mesmo montante. Com efeito, a decisão recorrida alterou a matéria de fato contida no n.º 14, mas não ponderou nas suas consequências, entre as quais avulta a circunstância de a ora recorrente ter direito à restituição do que foi indevidamente pago; - alínea c): a decisão recorrida estar em oposição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 5408/16.7T8CRR-C.C1, proferido em 24.01.2017, transitado em julgado em 14.02.2017, e de que se indica ainda o respetivo código de acesso:9Y3T-HFBE-ASXF-VQQ1”. Visava ser dado provimento a final ao recurso, decidindo-se pela improcedência do pedido de insolvência da recorrente.
4. A requerente credora veio apresentar contra-alegações perante a revista excepcional junto do STJ (fls. 594 e ss), pugnando pela negação de provimento e manutenção da decisão recorrida, “dado que não se verificam os pressupostos processuais de necessidade de melhor aplicação do Direito nem de contradição de acórdãos, que fundamentem o presente recurso, bem como a situação da Insolvente/Requerente, por todo o exposto, não se alterou desde a data em que a sua insolvência foi pedida”.
5. Atenta a convolação do recurso de revista excepcional fundado no art. 672º, 1, c), do CPC em recurso de revista especial e atípico fundado exclusivamente no art. 14º, 1, do CIRE (arts. 6º, 2, 193º, 3, CPC) – que resulta do expresso pelo despacho singular da Ex.ma Juíza Relatora a fls. 638: “O recurso em apreço integra a especificidade dos recursos aludidos no art. 14º, n.º 1, do Código das Insolvência e da Recuperação de Empresas” –, a questão preliminar que afectava a admissão do recurso era o cumprimento do ónus previsto e exigido pelo art. 637º, 2, do CPC, aplicável à admissibilidade do recurso previsto nesse art. 14º, 1, do CIRE [juntar cópia do acórdão-fundamento], enquanto recurso fundado em “conflito jurisprudencial”. O que motivou despacho de convite ao aperfeiçoamento, proferido em 26/5/2020: “Trazendo a recorrente à colação um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, com o qual encontra oposição de julgados, não juntou aos autos o referido acórdão, com certificação do trânsito em julgado (…). Assim sendo, para o efeito, concede-se ao recorrente o prazo de 10 dias.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em Conferência a Reclamação.
II. APRECIAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO
8. O despacho reclamado, na sua parte decisória, fundou-se em jurisprudência do STJ para basear o seu julgamento e, em especial, afirmou:
“(…) a Portaria 280/2013, de 26 de agosto, alterada pela Portaria 267/2018, de 20 de setembro, não abrange os Conselheiros do Supremo Tribunal Justiça na obrigatoriedade de praticar (ou consultar) os atos processuais eletronicamente, no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (Citius) – art. 19°, n°3. Mas, independentemente da estatuição de tal diploma legal, a situação em apreço enquadra-se na falta de uma exigência processual que interfere na admissibilidade do recurso, tal como ele é previsto e regulado (…). Ora, não obstante, posição relevante no Supremo Tribunal Justiça, exemplificada nos acórdãos citados, e as disposições legais citadas fazerem crer entender que a falta de junção do acórdão fundamento, na espécie, implica a imediata rejeição do recurso, a relatora do processo, seguindo alguma jurisprudência do Tribunal Constitucional, como seja o recente Acórdão de 4-3-2020, Proc. 505/19, convidou a recorrente a juntar o documento em falta, concedendo-lhe um ónus de facílima execução. Não tendo a recorrente satisfeito o aludido ónus, ignorando (ex abundanti) as normas legais citadas e a mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, incorreu na cominação dos arts. 637º, nº 2 e 672º, nº 1, al. c), in fine [será 652º, 1, h), in fine: lapso de escrita aqui rectificado], do Código de Processo Civil.” (sublinhado nosso) Não existem motivos para afastar o essencial da fundamentação do despacho nem vício ou motivação que motive o seu falecimento; antes reiterar nesta sede e oportunidade processual o que ficou explanado na decisão singular da anterior Relatora, ainda para mais quando a própria Senhora Juíza Relatora deu oportunidade à Recorrente de suprir o vício da instrução da sua pretensão recursiva, convite esse ignorado e desperdiçado, o que, note-se, não pode deixar de atribuir à sua conduta processual um grau mais intenso de censura para o efeito da decisão nos autos. De todo o modo, acrescente-se algo mais à fundamentação do despacho reclamado.
9. O especial regime dos recursos previsto no art. 14º, 1, do CIRE («No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.») tem sido objecto de uma apurada e fundamentada aplicação por parte deste Supremo Tribunal e nesta 6.ª Secção. Em primeira linha, no que respeita ao âmbito de aplicação da disciplina restritiva nele contido em razão da matéria – logo, da amplitude da inibição de acesso de Acórdãos proferidos por Tribunal da Relação ao terceiro grau de jurisdição do STJ, tendo em conta a especialidade da referida norma de recorribilidade –, tem-se uniformemente julgado e decidido que a revista “normal” – independentemente do juízo sobre a condição negativa da “dupla conformidade decisória”, tal como prevista no art. 671º, 3, do CPC – está vedada a todas as decisões proferidas no processo de insolvência (e, extensivamente, no processo especial de revitalização), incluindo-se as decisões tomadas nos incidentes que do ponto de vista formal e estrutural integram o referido processo e nele se tramitam (excluindo-se portanto da irrecorribilidade todas as acções e incidentes processados por apenso ao processo de insolvência e PER, a não ser, por expressa previsão legal e constituindo apenso nos termos do art. 41º, 1, do CIRE, os embargos opostos à sentença de declaração de insolvência): v., por ex., os Acs. do STJ de 13/11/2014[1] e de 12/8/2016[2], absorvendo igualmente a posição e os fundamentos da doutrina, focada com acerto na relação do n.º 1 com o n.º 2 (quando neste se faz referência a «todos os recursos interpostos no processo ou em qualquer dos seus apensos») do art. 14º do CIRE[3]. Em suma, a razão visada na restrição (ao art. 671º, 1 e 2, do CPC), centrada na particular celeridade e desejada estabilidade processual nas matérias da insolvência (cfr. Preâmbulo, ponto 16, do DL n.º 53/2004, que aprovou o CIRE) e da revitalização pré-insolvencial, aplica-se à tramitação endógena dos processos e deixa de fora a tramitação apensa e adjectivamente autonomizada desses mesmos processos, cujos litígios correm o regime comum (como induz justamente o referido art. 14º, 2, do CIRE). Para essa tramitação endógena tão-só se admite que se precluda a limitação do direito de recurso a um grau apenas nos casos de oposição de acórdãos em matéria relativamente à qual não exista ainda uniformização de jurisprudência (2.ª parte do art. 14º, 1). Em segunda linha, no que toca à relação com o regime comum de recursos perante o STJ, a jurisprudência desta 6.ª Secção não deixa margem para dúvidas: “[o regime do art. 14º, 1, é] um regime especialíssimo o qual, a se, afasta o regime geral recursivo e ainda todas as impugnações gerais excepcionais prevenidas no artigo 629º do CPCivil, assim como afasta o regime recursório atinente à Revista excepcional” (por todos, cita-se exemplarmente o Ac. do STJ de 13/7/2017[4]). Se assim igualmente é, tal asserção tem o significado elementar de não poder serem seguidos o regime e o procedimento decisório da revista excepcional, plasmados nos arts. 671º, 3 (incluindo com isso o afastamento das impugnações excepcionais do art. 629º, previstas na 1ª parte desse normativo [“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível (…)”][5]), e 672º, 1 e 2, do CPC, quando está em causa um recurso interposto nos termos do artigo 14.º, 1, do CIRE. Daqui resulta, em síntese, que a revista (que não deixa de ser) normal mas (por força da opção da lei) especial do art. 14º, 1, do CIRE: — é atípica, na exacta medida em que apenas e exclusivamente poderá ser apreciada tendo em conta a oposição de julgados invocada para a sua viabilização, nos termos determinados pela 2.ª parte do n.º 1 do art. 14º do CIRE, e, como sua condição, em cumprimento das normas aplicáveis à regularidade de recurso fundado em “conflito jurisprudencial”; — não prescinde de ser comum ou ordinária, uma vez que a admissibilidade da revista, mesmo que especial, implica necessariamente a verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade das decisões judiciais (arts. 629º, 1, relativo, em figurino cumulativo, à relação entre o valor da causa e da sucumbência e a alçada dos tribunais da Relação; 631º; 638º; 641º; CPC), tal como não dispensa a verificação dos requisitos próprios de admissibilidade legal do recurso de revista, tal como indicados no art. 671º, 1 (para as decisões finais sobre o mérito ou que colocam termo ao processo) e 2 (para as decisões interlocutórias com incidência exclusiva sobre a relação processual), do CPC, sempre por força da remissão operada pelo art. 17º, 1, do CIRE, desde que estejamos submetidos ao campo de aplicação do art. 14º, 1, do CIRE.[6]
10. Se assim é, in casu, a declaração de insolvência da requerida «Rei Lda.» é, em termos recursivos de terceiro grau, depois de proferido o acórdão da Relação em segundo grau, abrangido exclusivamente pelo art. 14º, 1, do CIRE (em rigor, pelo conjunto de decisões integradas no processo[7] de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, finais ou não, susceptíveis de não serem inibidas do recurso em terceiro grau ao STJ), desde que se invoque conflito jurisprudencial relevante. Se assim é, o fundamento de admissibilidade do recurso depende da existência de “contradição jurisprudencial”, caindo inequivocamente tal fundamento na abrangência de aplicação do «conflito jurisprudencial» a que alude o art. 637º, 2, do CPC, seja pela natureza do art. 14º, 1, do CIRE, seja pela remissão do art. 17º do CPC.
11. Para permitir aferir desse conflito, o n.º 2 do artigo 637º do CPC obriga o recorrente à junção de cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento, sob pena de rejeição imediata do recurso, assim se determinando ex professo: «O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento». Essa junção documental para instrução do recurso corresponde a um ónus processual mínimo a cargo do recorrente[8], que, em rigor, envolve um requisito preliminar à apreciação dos demais requisitos, gerais e especiais, de admissibilidade (enquanto pressupostos de acesso ao conhecimento do objecto do recurso). Por isso, e por causa disso, a lei prescreve, no caso de inobservância desse ónus, uma sanção letal em sindicação do modo como se interpõe o recurso, a montante do conhecimento ou não do objecto do recurso – rejeição imediata do recurso. No caso, portanto, para além e antes de se revelar e apreciar se a questão jurídica indicada pelo recorrente, sendo essencial para ambos os arestos, foi resolvida contraditoriamente, é imprescindível a apresentação de cópia, ainda que não certificada num primeiro momento, do acórdão-fundamento transitado em julgado, sem a qual os recursos devem ser rejeitados[9]. Ou seja, estamos a aferir de condição essencial para a admissão da revista, em momento anterior ao da eventual apreciação dos requisitos de admissibilidade e, em caso afirmativo, do conhecimento do objecto recursivo. Em síntese: No âmbito restrito e atípico do recurso de revista para o STJ do acórdão da Relação de despacho proferido em processo de insolvência, a sua admissibilidade depende exclusivamente da existência de oposição de julgados entre o decidido nesse acórdão e o decidido noutro acórdão da Relação ou do STJ quanto à mesma questão fundamental de direito e no âmbito da mesma legislação, sendo certo que, para permitir aferir dessa oposição, e antes de tudo o mais em termos adjectivo-processuais, o n.º 2 do artigo 637º do CPC obriga o recorrente à junção de cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento, sob pena de rejeição imediata do recurso.
12. Tendo em conta a convolação operada nos autos – 672º, 1, c), CPC para art. 14º, 1, do CIRE –, para aproveitamento da impugnação recursiva, a Recorrente identifica em abono da sua pretensão recursiva a oposição do acórdão recorrido do TRL com acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 24/1/2017, referindo o processo n.º 5408/16.7T8CRR-C.C1 e alegando o seu trânsito em julgado. Todavia, e independentemente da existência ou não dessa contradição sobre a mesma questão fundamental de direito: Consultados os autos – fls. 565v a 588v –, verifica-se manifestamente que a Recorrente não juntou com as alegações da revista a pertinente cópia (mesmo que não instruída com a nota de trânsito em julgado) do acórdão fundamento. Ora: Independentemente da posição que se possa ter sobre a possibilidade de sanação da falta de junção de cópia do acórdão-fundamento para efeitos de admissão do recurso através de convite ao recorrente para proceder supervenientemente a essa junção por “despacho para aperfeiçoamento” ex art. 639º, 3, do CPC, o certo é que esta diligência, verificada a omissão, foi levada a cabo por acto processual da Ex.ma Senhora Relatora, que assim pretendeu sanar o vício originário, tendo como fito o convite ao Recorrente a suprir a falta. O que foi ignorado pelo Recorrente, salvaguardando-se na disponibilidade de certidão electrónica do acórdão fundamento como forma de cumprimento do ónus que lhe incumbia. Todavia, o acesso a essa certidão electrónica, com disponibilidade da respectiva chave de acesso, se fosse legítima como instrução sucedânea do recurso, implicaria que o ónus instrutório da impugnação recursiva se transferisse para o julgador (ou para os funcionários de justiça), cabendo-lhe a obtenção de cópia que ao recorrente cabia juntar. Ora, ao julgador não cabe substituir-se à parte recorrente na completude da sua instrução documental do recurso, tal como enuncia o art. 637º, 2, do CPC, traduzido numa consequência correspondente a um juízo de censura reservado a omissão indesculpável – em segunda oportunidade, reitere-se – no exercício do seu ónus de fundamentação e comprovação do recurso.[10] O ónus é manifesta e indiscutivelmente do recorrente: ou cópia certificada em papel ou cópia certificada electronicamente (requerida, emitida e disponibilizada nos termos da Portaria n.º 209/2017, de 13 de Julho, em esp. art. 7º, em conjugação com o art. 170º, 3 a 5, do CPC), mas cópia entregue pelo recorrente na instrução do seu recurso e para utilização na respectiva tramitação (v., neste caso, o art. 14º, 3, do CIRE: «Para consulta pelos interessados será extraída das alegações e contra-alegações uma única cópia, que fica à disposição dos mesmos na secretaria judicial.»). Assim é porque é claro que o ditame processual do art. 637º, 2, do CPC sobreleva a faculdade proporcionada pelo art. 10º, 4, da Portaria n.º 209/2017 e esta não pode ser compreendida como uma exclusão do cumprimento de ónus com base legal. Se assim fosse, o legislador não teria deixado de o dizer. Não o tendo feito, não é viável que o intérprete considere um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, como impõe o art. 9º, 2, do CCiv.
13. Por fim, no que toca à suposta violação do artigo 20º da CRP, recorde-se que tal normativo garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efective através de um processo equitativo (n.º 4). É nesta última dimensão que se enquadra a questão da inconstitucionalidade invocada, porquanto o caso reporta-se a uma situação em que é imposto um ónus processual à parte recorrente e em que a lei prevê uma determinada cominação, grave e severa, para o incumprimento de tal ónus. Quanto ao art. 13º, 2, da CRP, igualmente sustentado na Reclamação apresentada, prevê-se que «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito» em razão das condições legalmente enunciadas. Não cremos que, em qualquer daquelas perspectivas, assim suceda no caso da rejeição do recurso, uma vez aplicada a sanção do art. 637º, 2, do CPC, nomeadamente depois de convidado o recorrente a suprir a omissão originária. Vejamos o que nos afirma para sustento da nossa posição a precípua e avisada jurisprudência do TC, por intermédio do Ac. n.º 462/2016, de 14 de Julho[12]: “(…) a respeito das exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais, o Tribunal Constitucional tem afirmado que tal garantia não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, não sendo incompatível com a imposição de ónus processuais às partes (cf., neste sentido, entre outros, por exemplo, os Acórdãos n.os122/02 e 46/05). No entanto, com também tem sido salientado pelo Tribunal, a ampla liberdade do legislador no que respeita ao estabelecimento de ónus que incidem sobre as partes e à definição das cominações e preclusões que resultam do seu incumprimento está sujeita a limites, uma vez que os regimes processuais em causa não podem revelar-se funcionalmente inadequados aos fins do processo (isto é, traduzindo-se numa exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável) e têm de se mostrar conformes com o princípio da proporcionalidade. Ou seja, os ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a actuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (…).
Ricardo Costa (Relator) Ana Paula Boularot José Rainho
SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC)
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