Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
476/18.0PIPRT-AR.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR FURTADO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
PROVA PROIBIDA
EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
METADADOS
MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA
DIREITOS FUNDAMENTAIS
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 03/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Deve ser examinada também à luz da al. f) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, a admissibilidade do pedido de revisão de sentença que, invocando apenas a al. e) do n.º 1 do art. 449.º, do CPP, radica na sustentação de que a retroactivade dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de normas aplicadas pela decisão implica a nulidade das provas em que se fundou a condenação.
II - Com a introdução, pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, do fundamento de revisão de sentença constante da al. f) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, o legislador veio resolver o problema da inexistência no ordenamento infraconstitucional de um meio processual especificamente ordenado à repercussão, nas sentenças penais transitadas, das decisões do TC que declarem, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma, de conteúdo menos favorável ao arguido, que tenha integrado a ratio decidendi da condenação.
III - A vinculatividade e os efeitos das decisões do TC são os estabelecidos pela Constituição. Por força do n.º 1 do art. 282.º da CRP, a regra é a de que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.
IV - Porém, nos termos do n.º 3 do art. 282.º da CRP, ficam ressalvados os casos julgados (excepção à regra dos efeitos ex tunc), salvo decisão em contrário do TC (excepção à excepção).
V - A al. f) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, tem de ser interpretada restritivamente, em conformidade com a totalidade do sistema e a teleologia que a determinou, no sentido de que é seu pressuposto que a decisão do TC por efeito da qual, directa ou indirectamente, se pretende ver afastado o caso julgado penal tenha conferido esse alcance à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
VI - A superveniência da decisão de inconstitucionalidade com força obrigatória geral contida no acórdão n.º 268/2022 do TC não basta para justificar o pedido de revisão ao abrigo de qualquer dos fundamentos do n.º 1 do art. 449.º do CPP, hipoteticamente convocáveis. Ao abrigo da al. e), o pedido não é admissível porque não há descoberta inovatória do carácter proibido da prova utilizada, podendo a inconstitucionalidade ter sido arguida e conhecida perante o tribunal que proferiu a decisão revidenda. E, também, o não é ao abrigo da al. f), porquanto a decisão do TC não afastou o limite à retroactividade resultante do respeito pelos casos julgados.
VII - O que prejudica a análise subsequente no sentido de averiguar se pode considerar-se que as normas declaradas inconstitucionais integram a ratio decidendi da decisão condenatória e em que medida o eventual recurso, pelas autoridades judiciárias e órgãos de polícia criminal, a “metadados” disponibilizados ao abrigo das referidas normas foi, em concreto, determinante dos termos da condenação.
Decisão Texto Integral:


Recurso de Revisão

Processo: n.º 476/18.0PIPRT-AR.S1

5ª Secção Criminal

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA, foi condenado, por acórdão de 04/11/2020, proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., neste Proc. NUIPC 476/18.0PIPRT, nas seguintes penas:

- pela prática de cada um dos dois crimes de roubo qualificado ps.ps. pelo art. 210, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204, nº 2, als. e) e f), a que se refere o apenso U, a pena de 4 anos e 6 meses de prisão (para cada um dos dois crimes).

- pela prática do crime de furto qualificado na forma tentada p.p. pelos arts. 22, 23, 73, 202, al. d), 203, n.º 1, e 204, n.º 2, al. e), a que se refere o apenso G, a pena de 1 ano de prisão.”.

Esta decisão condenatória foi confirmada pelo Ac. de 24/03/2021, do Tribunal da Relação do Porto, conforme certidão Ref.ª ...3, junta aos autos de recurso.

2. O arguido vem agora requerer a revisão dessa sentença condenatória em recurso extraordinário de revisão, mediante requerimento, apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, em 22/09/2022, invocando o fundamento previsto na al. e), do n.º 1, do art.º 449.º, do Código de Processo Penal (CPP), condensando a respectiva motivação nas seguintes conclusões:

1- o arguido/Recorrente foi condenado em coautoria pela prática de cada um dos dois crimes de roubo qualificado p. e p. pelo art. 210, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204, nº 2, als. e) e f), todos do Código Penal, a pena de 4 anos e 6 meses de prisão (para cada um dos dois crimes) e pelo crime de furto qualificado na forma tentada p. e p. pelos arts. 22, 23, 73, 202, al. d), 203, n.º 1, e 204, n.º 2, al. e), todos do Código Penal na pena de 1 ano de prisão.

2- Em concurso de todos estes crimes referidos - na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

3- O arguido, ora recorrente, deveria ter sido absolvido dos crimes pelos quais vinha acusado, pela falta de prova segura e inequívoca de que o arguido foi o coautor dos crimes em questão.

4- Isto porque, foi considerada prova com recurso à utilização a metadados que influenciou a decisão condenatória do tribunal, contribuindo para a essencialidade da aplicação da pena de prisão.

5- Por douto acórdão n.º 268/2022, do Tribunal Constitucional, foi declarada: a) a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma constante do artigo 4º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, conjugada com o artigo 6º da mesma lei, por violação do disposto nos. números 1 e 4 do artigo 35º e do n.º 1 do artigo 26º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18º, todos da Constituição da República Portuguesa. b) a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma constante do artigo 9º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja susceptível de comprometer as investigações nem a vida ou a integridade física de terceiros, por violação do n.º 1 do artigo 35º e do n.º 1 do artigo 20º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa.

6- Este Tribunal considerou, igualmente, que guardar os dados de tráfego e localização de pessoas restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade e da vida privada.

7- A conservação dos dados fornecidos pelas operadoras de comunicações e acesso e seu uso para a apreciação de prova, nestes autos, é INCONSTITUCIONAL.

8- Assim, é nula toda a prova obtida com recurso aos METADADOS recolhidos e guardados pelas operadoras telefónicas para provada alegada utilização, pelos arguidos, de equipamentos telefónicos e respectivas geolocalizações celulares.

9- Tendo o tribunal, a quo, lançado mão de prova NULA para dar como provados determinados factos e culminando na condenação do arguido , ora recorrente , sempre terá de se considerar que esta decisão está ferida de nulidade.

10- Assim, é nula toda a prova produzida nos autos resultante da recolha e conservação de dados móveis e metadados fornecidos pelas operadoras de comunicações, nos termos do disposto no acórdão n.º 26268/2022 do Tribunal Constitucional conjugado com os artigos 125º, à contrário; 126º, n. 2 e 3 todos do Código de Processo Penal a qual é, desde já, arguida.

11- Relativamente, à aplicação da inconstitucionalidade da norma aos casos julgados, sempre se terá de lançar mão ao art. 29º, nº 4, da CRP, afirma que ‘Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, «aplicando-se retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido»’”.

12- Assim, a decisão do Tribunal Constitucional tem, efetivamente, eficácia retroativa.

13- Não há nenhum valor constitucional absoluto do caso julgado de leis penais menos favoráveis, como resulta do Artigo 282.º da Constituição. Seria, aliás, uma grosseira violação da Constituição a falta de possibilidade legal da revisão de sentença no caso de condenação, devido a erro, de inocentes.

14- A reabertura do caso julgado para aplicar lei mais favorável é uma decorrência da igualdade, da necessidade de pena e, em suma, da Justiça. O que todos aceitavam quanto à situação em que um facto deixa de ser crime tem de se aplicar nas restantes situações de lei penal mais favorável.

15 – Desta Forma. Deverão os autos Baixar à primeira instância para se proceder à reabertura da audiência de julgamento, considerando que a prova resultante da recolha e conservação de dados móveis e metadados fornecidos pelas operadoras de comunicações, é NULA, pelo que, deve o acórdão a proferir fundamentar-se, apenas e só, na restante prova válida.

Consequentemente, deverá absolver o arguido pelos factos pelos quais vinha acusado.”.

3. O Ministério Público respondeu, em síntese, que o pedido de revisão deve ser indeferido, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. O arguido AA foi nos presentes autos condenado como autor de dois crimes de roubo qualificado, previstos e punidos pelo artigo 210º n.s 1 e 2 al. b), por referência ao artigo 204º n.º 2, al.s e) e f) do CP e de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 73º, 202,º al. d), 203º, n.º1 e 204º, n.º 2 al. e), também do CP, na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, decisão que foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto;

2. O condenado vem agora recorrer extraordinariamente de revisão, invocando como fundamento a nulidade da prova que diz ter fundamentado a sua condenação e estabelecendo como base da sua pretensão a declaração, pelo Tribunal Constitucional, da inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas constantes dos artigos 4º (conjugada com o artigo 6º do mesmo diploma) e 9º da Lei n.º 32/2008 de 17.7;

3. Começa-se por assinalar que na motivação do recurso extraordinário de revisão, ao recorrente caberá alegar e demonstrar que o(s) fundamento(s) invocado(s) se verifica(m) em concreto, por relação com a decisão cuja revisão é pedida, demonstração essa que tem de ser concretizada, não bastando a tessitura de considerações vagas e genéricas, antes sendo de exigir que se demonstre que aqueles, não só ocorreram, como foram determinantes na decisão cuja revisão se pretende, não sendo pois meramente acessórios, de tal modo que a decisão revidenda, deles

estripados, não seria exactamente a mesma;

4. O que desde já se aponta não acontecer no caso sujeito;

5. Não tendo o recorrente logrado demonstrar o contrário, a verdade é que bem ressalta dos autos que a prova essencial e determinante da base da convicção do Tribunal Colectivo assentou na conjugação de muitos outros elementos que não os indicados e questionados no recurso ora interposto, suficientes aqueles para, por si, sustentarem essa mesma convicção;

6. Com efeito, e como se afirma na decisão condenatória, a prova foi obtida através da conjugação de todos os elementos recolhidos, entre depoimentos das testemunhas inquiridas, visionamento de imagens com fixação de fotogramas, conversações mantidas entre os arguidos e apreensões efectuadas, sendo pois marginais os elementos resultantes da utilização de equipamentos telefónicos e respectivas geo-localizações celulares;

7. Assinala-se ainda que nunca o recorrente expressamente alegou que a norma do art. 4.º, conjugada com a norma do art. 6.º ou a norma do art. 9.º, todos da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, foram aplicadas no processo em que foi proferida a decisão revivenda e serviram de fundamento à decisão;

8. E na verdade é patente que a mencionada Lei n.º 32/2008,de 17.7, não foi aplicada ou considerada neste processo, nem foi fundamento da condenação;

9. Com efeito, a obtenção de prova digital nos presentes autos, nomeadamente a identificação dos titulares e localização celular, não assentou nas normas declaradas inconstitucionais, antes foi autorizada por despacho judicial ao abrigo do disposto nos arts. 187º, n.º 1, al. a), 189º e 269º, al. e), do CPP e nos arts. 187º, n.ºs 1, al. a), e 4, al. a), 189º, n.º 2, e 269º, n.º 1, al. c), do CPP;

10. Não se tendo jamais nos autos invocado o artigo 9º da Lei 32/2008 de 17 de Julho, igualmente não teria que ser dado conhecimento ao arguido de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal. E embora também não se coloque a questão da conservação dos dados, sobre a qual o recorrente consideração alguma teceu, sempre se dirá que os dados acedidos, cuja conservação não excedeu 6 meses, estavam armazenados em território português;

11. Em suma, nenhuma nulidade se verifica pois quanto a tais meios de prova, que foram obtidos nos autos ao abrigo dos artigos 187º a 189º do CPP;

12. Mais se dirá que à pretensão do ora recorrente sempre seria ainda de opor a ressalva do caso julgado.

13. Com efeito, é patente que do dispositivo do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19.04.2022, inexiste qualquer declaração quanto aos efeitos, sendo que, de acordo com a parte final do n.º 3 do art. 282º da CRP, se deve entender que só constituirá fundamento de revisão a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral relativamente aos casos julgados determinados pelo Tribunal Constitucional;

14. Saliente-se que no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19.04.2022, foram apreciadas normas que não têm natureza substantiva, nem afectam o núcleo essencial do meio de obtenção de prova em causa, ou os direitos fundamentais do arguido, motivo pelo qual inexiste razão para que a declaração de inconstitucionalidade contemplasse a necessária e expressa excepção à ressalva dos casos julgados;

15. Em suma, não resultando do acórdão invocado pelo recorrente qualquer tomada de posição quanto ao caso julgado, nos termos do artigo 282º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, o mesmo encontra-se ressalvado, - também por este motivo não podendo senão falecer a pretensão do ora recorrente.”

4. O processo foi remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, com a informação a que se refere o art.º 454.º, do CPP, secundando os termos da resposta do MP, o tribunal pronunciou-se sobre o mérito do pedido no sentido de ser negada a revisão, por não se verificar o fundamento invocado e os pressupostos para a revisão, nos seguintes termos:

Cumpre agora exarar a informação a que alude o art. 454 do Código de Processo Penal.

*

O condenado, pretende, ao abrigo do fundamento previsto no art. 449, n.º 1, al. e), do CPP, recorrer extraordinariamente de revisão.

Uma decisão é passível de revisão, nos termos do disposto no art, 449, n.º 1, al. e), do CPP, se se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126, do mesmo diploma. Nos termos do art. 126 do CPP “1- São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. 2- São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei; d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto; e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível. 3- Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular.”

Invoca o condenado como fundamento da revisão a nulidade da prova que fundamentou a sua condenação – nulidade essa plasmada na declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas constantes dos arts. 4 (conjugada com o art. 6 do mesmo diploma) e 9 da Lei n.º 32/2008, de 17.7.

Antes de mais, dir-se-á que, como refere o Digno Magistrado do Ministério Público na resposta, para além das considerações vagas e genéricas e referências à inconstitucionalidade declarada no Acórdão do Tribunal Constitucional, não estão alegados concretizadamente no recurso, com referência à norma invocada, os fundamentos da nulidade de prova considerada na formação da convicção do tribunal.

No mais, acompanha-se em tudo nesta informação, a resposta apresentada pelo Digno Magistrado do Ministério Público e que aqui se dá por reproduzida.

Em primeiro lugar, a convicção do Tribunal coletivo formou-se, como se pode ler na motivação do acórdão proferido, com base nos vários meios de prova conjugados entre si – depoimentos das testemunhas inquiridas, visionamento de imagens com fixação de fotogramas, conversações mantidas entre os arguidos e apreensões efetuadas, sendo apenas mais uns os elementos resultantes da utilização de equipamentos telefónicos e respetivas geo-localizações celulares.

Depois, como diz o Digno Magistrado do Ministério Público “nunca o recorrente expressamente alegou que a norma do art. 4.º, conjugada com a norma do art. 6.º ou a norma do art. 9.º, todos da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho [as normas declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral], foram aplicadas no processo em que foi proferida a decisão revivenda e serviram de fundamento à decisão; (…) E na verdade é patente que a mencionada Lei n.º 32/2008, de 17.7, não foi aplicada ou considerada neste processo, nem foi fundamento da condenação; (…) Com efeito, a obtenção de prova digital nos presentes autos, nomeadamente a identificação dos titulares e localização celular, não assentou nas normas declaradas inconstitucionais, antes foi autorizada por despacho judicial ao abrigo do disposto nos arts. 187º, n.º 1, al. a), 189º e 269º, al. e), do CPP e nos arts. 187º, n.ºs 1, al. a), e 4, al. a), 189º, n.º 2, e 269º, n.º 1, al. c), do CPP.” – cfr. a este propósito junta-se cópia do expediente referente à obtenção das informações prestadas através das operadoras.

Finalmente, não pode deixar de concluir-se, no nosso entendimento, que estão ressalvadas da inconstitucionalidade com força obrigatória geral declarada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19/4/2022, as decisões transitadas em julgado. Ou seja, ainda que o âmbito da proibição de prova atingisse a fundamentação da condenação proferida nestes autos, sempre seria de afastar a revisão por não ter sido prevista no acórdão a sua aplicação aos casos já julgados por decisões transitadas em julgado. Como se diz na resposta do Ministério Público “no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19.04.2022, foram apreciadas normas que não têm natureza substantiva, nem afectam o núcleo essencial do meio de obtenção de prova em causa, ou os direitos fundamentais do arguido, motivo pelo qual inexiste razão para que a declaração de inconstitucionalidade contemplasse a necessária e expressa excepção à ressalva dos casos julgados; (…) Em suma, não resultando do acórdão invocado pelo recorrente qualquer tomada de posição quanto ao caso julgado, nos termos do artigo 282º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, o mesmo encontra-se ressalvado(…)”.

Em nosso entender, pois, não se verificam os pressupostos para a revisão.

Notifique.”.

5. O Exmo. Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer, essencialmente com o seguinte teor:

(…)

Conjugando, pois, a doutrina do citado acTC n.º 268/2022 com as demais normas que nos pareceu pertinente chamar à colação, cremos que continua a ser admissível a obtenção de (meta)dados, por parte de uma autoridade judiciária, quando se trate de:

•Dados de subscritor e acesso requisitados ao abrigo da Lei do Cibercrime ou da Lei n.º 41/2004;

•Dados de tráfego e localização requisitados ao abrigo da Lei n.º 41/2004 relativamente a crimes de “catálogo” e àqueles a que se referem os nºs 1 e 4 do art.º 187º do Código de Processo Penal;

•Dados de tráfego e localização requisitados ao abrigo da Lei n.º 32/2008 relativamente a crimes de “catálogo” e àqueles a que se referem os nºs 1 e 4 do art.º 187º do CPP, que pudessem ter sido, igualmente, obtidos ao abrigo da Lei n.º 41/2004 (no prazo de 6 meses).

Ora, no decurso do inquérito, foram cumpridas todas as normas processuais que prevêem a obtenção e garantem o controle deste tipo de elementos de prova por parte das autoridades judiciárias competentes. E, sobretudo, os elementos em que se funda parte da matéria de facto dada como provada foram previamente autorizados e, posteriormente, validados pela entidade a quem compete a respectiva fiscalização: o Juiz de Instrução Criminal.

De resto, foi vasto o acervo da prova em que se fundou a condenação – e que nada teve a ver com dados obtidos electronicamente.

Em suma, a investigação não cometeu qualquer irregularidade passível de apreciação por parte deste Supremo Tribunal.

6. Recorde-se, ainda, que a decisão revidenda transitou em julgado em 2021, em data muito anterior à prolação do acórdão do Tribunal Constitucional a que vimos fazendo referência. Ora, dispõe o n.º 1 do art.º 282º da Constituição da República Portuguesa que a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral, de uma norma, produz efeitos desde a respectiva entrada em vigor.

Porém, o n.º 3 do preceito excepciona os casos em que tenha ocorrido o trânsito em julgado, salvo decisão – expressa – em contrário, do próprio Tribunal Constitucional.

(…) o citado acórdão n.º 268/2022 nada dispôs relativamente à intocabilidade das decisões transitadas em julgado que, porventura, tivessem aplicado normas, entretanto, declaradas inconstitucionais; o que, aliás, nem sequer terá acontecido in casu.

Aliás, mesmo que tal tivesse sucedido, a própria Constituição da República Portuguesa impediria, pelo mecanismo acima referido, que daí se pudesse retirar o efeito pretendido pelo arguido.

(…) os fundamentos invocados pelo arguido não se afiguram suficientemente ponderosos para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, desde logo, porque esta se não fundou em prova de natureza proibida ou, de alguma forma, ilegalmente obtida; pelo que, em conformidade e acompanhando, na íntegra, a exaustiva e bem elaborada resposta do Exmo. Colega junto da 1ª Instância, nos parece dever ser negada a requerida revisão.”.

6. Notificado deste parecer, o ora recorrente nada respondeu.

7.Colhidos os vistos, cumpre decidir se estão verificados os requisitos para que a revisão de sentença seja concedida (juízo rescindente), designadamente se se descobriu que serviram de fundamento à condenação provas proibidas, no sentido previsto no art.º 126.º, n.ºs 1 a 3, do CPP, ou se a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral decretada pelo acórdão n.º é susceptível de aplicação ao presente processo com efeito invalidante de provas decisivas para os termos da condenação.

II. FUNDAMENTOS

1. De facto

Quanto ao arguido AA, com relevância para esta decisão, o acórdão recorrido considerou a seguinte a matéria de facto, dada como provada:

A- Da acusação:

1. A partir de, pelo menos, data indeterminada de Março de 2018 mas anterior a 21 e até 16 de outubro de 2018 (data da sua detenção), os arguidos BB e CC conceberam um plano tendente a assenhorearem-se, pelo exercício da força física ou psicológica, sobre ofendidos previamente selecionados, de bens valiosos – em especial, em ouro, prata e relógios, fazendo incidir a sua atuação em pessoas especialmente vulneráveis, como era o caso de pessoas mais velhas, por saberem que, em geral, são mais frágeis, com menor capacidade física e emocional para se operem às ações de constrangimento psicológico e físico de que possam ser alvo e, assim, que menor resistência poderão oferecer ao desapossamento dos seus bens.

2. Para garantir o sucesso da sua atuação, os arguidos BB e CC, de forma concertada, agiram em comunhão de esforços, com, pelo menos, um terceiro elemento, o que, em alguns casos, infra descritos, coube a DD e, noutros, a AA.

3. Planearam, de igual forma, executar os atos de assenhoreamento nos próprios domicílios dos ofendidos, selecionando as residências que, pela sua aparência, localização ou até pela apresentação dos ofendidos residentes, se lhes afigurava como sendo aquelas que poderiam conter mais bens valiosos – como joias, peças antigas em prata, libras – e dinheiro.

4. Na maior parte das vezes escolheram residências unifamiliares, compostas, por regra, por rés-do-chão, primeiro andar e segundo andar, circundadas por muros, com pátios ou jardins interiores.

5. Desta forma, antes de executarem os factos era frequente vigiarem as residências-alvo por forma a melhor se aperceberem sobre quem eram os aí residentes, que hábitos e usos os caracterizavam, em que momentos se encontravam em casa e em que alturas se ausentavam e se possuíam sinais exteriores de riqueza ou se se apresentavam com peças em ouro ou prata e relógios de valor.

6. Mais conceberam que esses atos de assenhoreamento de bens ocorreriam, por regra, durante a noite, nos momentos em que esses ofendidos idosos estivessem mais desprotegidos e desacautelados o que visava diminuir a sua capacidade de reação e de pedido de socorro.

7. Com efeito, procuraram atuar de noite quando sabiam que os ofendidos estariam mais sozinhos, deitados e desprotegidos e, assim, à sua mercê.

8. Quando o faziam durante dia, procuravam os momentos em que calculavam pudessem estar sós e, assim, igualmente à sua mercê.

9. Apesar de terem necessariamente consciência do impacto que a sua atuação delituosa produzia sobre os ofendidos, todos os arguidos eram indiferentes às consequências da sua atuação, importando-lhes, outrossim, arrecadar os proventos daí resultantes.

10. Para não serem identificados pelos ofendidos e obstarem à sua identificação por parte das autoridades, todos os arguidos usavam roupa escura, passa-montanhas/gorros com que ocultavam o rosto e luvas para evitar deixar vestígios identificáveis, impedindo, com isso, a recolha de vestígios lofoscópicos.

11. Noutras alturas, porém, os arguidos BB e CC acabaram por executar atos de assenhoreamento de bens no interior de residências na ausência dos respetivos ofendidos.

12. Para maximizar o sucesso da sua atuação, o arguido BB decidiu destinar o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca “Mercedes CLA”, de cor preta, com a matrícula 00-TU-00 à execução do plano delituoso que se vem descrevendo, o que obteve a concordância do coarguido CC e demais comparticipantes – conhecidos e desconhecidos que, assim, o usavam nas suas deslocações – quer nos momentos prévios de vigilância e seleção de alvos quer nos momentos de execução dos factos que se descreverão infra, sabendo que, por um lado, face às suas características, não levantaria facilmente suspeitas nas imediações dos lugares que observavam e que, por outro lado, lhes garantiria uma rápida fuga dos locais e transporte do produto dos crimes que executassem.

13. Em grande parte dos factos que se descreverão infra, coube aos arguidos BB e CC a decisão acerca da prévia seleção dos alvos, o momento em que executariam o seu plano e que arregimentariam para a sua execução, recorrendo, normalmente, como aludido supra, a um terceiro elemento – que, nos casos que foi possível apurar, coube aos arguidos DD e AA - consoante a disponibilidade, que se aliaram a si para executarem em conjunto os factos que – de forma predefinida – decidiram executar.

14. A arguida EE adquiriu luvas e passa-montanhas, acessórios estes destinados a serem usados pelos arguidos e demais comparticipantes para ocultarem o rosto e protegerem as mãos por forma a não serem identificados pelas vítimas e pelas autoridades policiais e judiciárias.

15. Já o arguido FF, foi quem, nos casos infra descritos, recebeu das mãos dos arguidos BB e CC, o produto da prática dos atos de assenhoreamento e que o escoava no “mercado”, fazendo-o ciente da proveniência dos bens – que sabia serem o resultado da prática de factos delituosos contra o património – e com intuito de daí retirar – para si - vantagem de conteúdo patrimonial proibida e punida por lei.

16. Na verdade, na posse do produto dos factos delituosos acabados de cometer, os arguidos BB e CC contactavam telefonicamente com o arguido FF – que tratavam por “Sr. GG” - combinando a hora e local para se encontrarem, denotando, as mais das vezes, a preocupação em rapidamente se desfazerem dos bens para não serem surpreendidos pelas autoridades policiais.

Posto isto:

(…)

28- NUIPC 753/1... ... (Apenso G)

388. Entre as 23H00 de 26-07-2018 e as 01H10 de 27-07-2018, dirigiram-se os arguidos BB, CC e AA, vestidos de escuro e com garruços a tapar a cara e luvas, à residência da ofendida HH, sita na Avenida ..., tendo, para o efeito, estroncado a fechadura do portão de entrada situado nas traseiras, abrindo-o. Pela abertura assim obtida, penetraram no jardim envolvente à residência, caminhando pelo mesmo, a fim de, em ato contínuo, alcançarem a porta de entrada da residência e penetrarem no seu interior.

389. Contudo, quando caminhavam pelo jardim com o fito acima indicado, foram surpreendidos pelo aparecimento súbito e inesperado do vigilante II que se apercebeu da presença dos três intrusos no jardim e encaminhou-se na sua direção ao mesmo tempo que gritava por auxílio.

390. Esta reação do vigilante provocou a fuga imediata dos arguidos pelas traseiras, pelo local por onde antes haviam entrado.

391. Não fora tal circunstancialismo, de todo alheio à vontade dos arguidos, estes ter-se-iam assenhoreado de bens e dinheiro existentes – seguramente – no interior da residência em foco, de valor não apurado, mas superior a 102,00 Euros.

392. Os arguidos agiram sempre concertadamente e em conjugada comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado e por todos aceite.

393. A EE, a pedido dos arguidos BB e CC, adquiriu as luvas e os gorros que aqueles envergaram nos descritos factos, sabendo previamente da finalidade em que seriam empregues tendo, dessa forma, pretendido auxiliá-los na execução do crime.

394. Os arguidos atuaram com o propósito, não concretizado, de se assenhorearem de bens e dinheiro existentes – seguramente – no interior da residência em foco, para integrá-los na sua esfera patrimonial, bem sabendo que não lhes pertenciam e que atuava contra a vontade e sem o consentimento da respetiva dona.

395. Agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

29- NUIPC 783/1... (Apenso U)

396. No dia 27-07-2018, entre as 00H45 e as 01H05, deslocaram-se os arguidos BB, CC e AA, trajando roupas escuras, com o rosto encoberto com capuzes e envergando luvas escuras, à residência dos ofendidos JJ e KK, nascidos em .../.../1932 e .../.../1933, então, com 86 anos e 85 anos, respetivamente, sita no n.º 199 da Rua ....

397. Aí situados, partiram o vidro da porta da cozinha, destrancando a porta, acedendo, desse modo, ao seu interior, percorrendo-o, fazendo-o numa altura em que os ofendidos se encontravam no interior da residência, recatados no seu quarto, a dormir.

398. Os arguidos encaminharam-se para o quarto de dormir dos ofendidos, acordando-os bruscamente, tendo um deles, empunhado e apontado uma arma de fogo à cabeça da KK, ordenando-lhe, em tom sério, autoritário e intimidatório que lhes revelasse os locais onde estava o dinheiro e o ouro.

399. Aterrados com a presença e o comportamento dos arguidos, JJ pediu clemência e disse-lhes que lhes entregava tudo o que de valor tivesse, indicando-lhes os locais.

400. Com os ofendidos assim subjugados, os arguidos remexeram em gavetas e armários em busca de dinheiro e bens.

401. Os arguidos retiraram da habitação e levaram consigo:

- 1 aliança, em ouro, relativa aos cinquenta anos de casado (aliança do marido);

- 1 anel em ouro de homem, com uma pedra ao centro;

- 1 volta em ouro (fio grosso); - 1 pulseira em ouro;

- 1 pulseira em ouro denominada 'escrava';

- 1 anel de ouro branco, com duas pedras, uma safira e um rubi;

- 1 anel de ouro branco, com uma pedra de cor vermelha,

- 1 anel em ouro branco com uma pedra,

- 1 anel em ouro branco, com uma pérola;

- 1 anel de ouro branco, com uma pérola;

- 1 anel de prata, com pedras azuis;

- 1 anel de prata com uma pedra vermelha;

- 2 gargantilhas, em prata com pedras;

- 2 voltas em ouro, cada uma delas com um crucifixo;

- 1 volta grossa em ouro com uma bola, também em ouro, com pedras;

- 2 pares de brincos, um com perolas e outro com argolas;

- pelo menos, 250€ em notas do BCE,

402. Tudo num valor não inferior a €3.000,00, pertença dos ofendidos.

403. Os ofendidos em momento algum ofereceram resistência aos arguidos, sentindo-se amedrontados pela postura por aqueles assumida, ficando manietados pelo medo de poderem ser gravemente atingidos na sua integridade física – ou até perderem a vida - caso adotassem outro comportamento perante os mesmos.

404. Os arguidos agiram sempre concertadamente e em conjugada comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado e por todos aceite.

405. Os arguidos bem sabiam que o dinheiro e as peças em ouro e prata de que se assenhorearam não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade e sem o consentimento dos respetivos donos e que só por terem usado de tom e postura intimidatórias, apontando-lhes, inclusive, um objeto, em tudo idêntico a uma arma de fogo real, deixando-os assustados e temerosos de serem gravemente atingidos na sua integridade física ou, até, de poderem perder a vida, é que lograram levar a cabo os seus intentos.

406. Agiram de forma livre, deliberada e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

(…)

C- Condições de vida e antecedentes criminais:

(…)

Arguido AA:

677. O processo de socialização de AA decorreu junto dos progenitores e de uma irmã mais velha, em estrutura familiar referenciada como funcional e com uma prática educativa orientada para um quotidiano pró-social, dispondo o agregado de razoáveis condições económicas.

678. O pai trabalhou vários anos na área da restauração e a mãe, ainda laboralmente ativa, como telefonista no Centro de Saúde ....

679. Iniciou o seu percurso escolar em idade regulamentar, concluindo o 9º ano, contudo por desmotivação/desinteresse registou duas retenções, optando por integrar um curso profissional de técnico de Eletrónica e Equipamentos, na S..., Lda., onde concluiu o 12º ano com aproveitamento.

680. Encetou a sua vida profissional com 19 anos de idade, experienciando atividades diversificadas, tais como técnico de refrigeração, sapateiro, técnico de montagem de cabines de hidromassagem e distribuidor de produtos alimentares.

681. Durante a adolescência AA iniciou consumos de haxixe e posteriormente de cocaína, de forma esporádica, os quais ocorriam em contexto de grupo de pares.

682. AA desvalorizava o impacto dos consumos no seu quotidiano.

683. Com cerca de 21 anos estabeleceu um relacionamento afectivo, tendo dessa relação 2 filhos menores.

684. O relacionamento foi iniciado em 2008, passando o casal a viver em coabitação. À data dos factos de que vem acusado no presente processo, AA integrava o agregado familiar constituído pelo próprio, pela então companheira, dois filhos do casal de 10 e 2 anos de idade e duas filhas de anterior relacionamento daquela, com 16 e 15 anos de idade.

685. O agregado ocupava uma habitação localizada numa artéria de características urbanas na cidade de .... Tratava-se de um apartamento arrendado, de tipologia 2, com boas condições de habitabilidade, próximo da habitação da progenitora do arguido.

686. À data da detenção AA tinha ficado recentemente desempregado, após trabalhar cerca de um ano e meio numa serralharia, localizada em ....

687. A então companheira estava laboralmente ativa na empresa ....

688. A situação económica do casal era tida como equilibrada, auferindo o casal dois vencimentos mensais equivalentes ao ordenado mínimo nacional, acrescido do abono dos filhos e pensão de alimentos das filhas da ex-companheira.

689. Como despesas fixas foram apresentadas a renda mensal no valor de 350€, acrescido das despesas domésticas e educacionais dos filhos.

690. Nos tempos livres AA privilegiava o convívio com a família, nomeadamente com o agregado constituído e de origem, sendo descrito pela progenitora e pela então companheira como um pai dedicado.

691. Mantinha um círculo de sociabilidade constituído por alguns indivíduos com um quotidiano associado a práticas criminais.

692. Estabelecia contactos regulares com os coarguidos BB e CC, referindo uma relação de amizade com convívios frequentes.

693. O arguido apresenta historial aditivo, tendo sido acompanhado no Centro de Respostas Integradas de ..., ainda em período anterior à reclusão, sem que lhe tenha sido prescrito tratamento farmacológico.

694. AA cessou os consumos há cerca de 2 anos e meio, considerando não carecer de tratamento terapêutico.

695. Desde que se encontra em situação de reclusão terminou o relacionamento afetivo que mantinha, pelo que a ligação ao exterior tem sido assegurada pelas visitas de elementos da família de origem, que reiteram a disponibilidade para o acompanhar e apoiar em situação de privação de liberdade, bem como no regresso ao meio livre.

696. O arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional ... em 25-10-2018, na situação de prisão preventiva à ordem dos presentes autos.

697. Colocado em liberdade condicional a 03-10-2017, no decorrer do acompanhamento da medida o arguido colaborou com estes serviços, registando investimento ao nível ocupacional/laboral.

698. Relativamente à natureza dos factos pelos quais está acusado, identifica a ilicitude e censurabilidade penal dos mesmos, porém sem verbalizar um discurso reflexivo ao nível dos danos para as vítimas de tal tipologia de crime.

699. Vivencia com penosidade a presente situação jurídico-penal, nomeadamente pela privação da liberdade, tendo ainda a mesma consequências negativas ao nível da sua união de facto, que cessou após a sua reclusão.

700. Mantém um comportamento de acordo com o normativo prisional, investido na manutenção de ocupação laboral como serralheiro, o que contribui para a sua estabilidade pessoal.

701. AA continua a usufruir do enquadramento e aceitação dos familiares, consubstanciado no apoio afetivo, económico e nas visitas efetuadas ao estabelecimento Prisional ....

702. Sofreu as seguintes condenações:

- No processo 27/0..., do extinto 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, pela prática em 17/11/2008 de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por decisão de 20/6/2011, transitada em julgada em 17/5/2012, a condenação na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano e 9 meses;

- No processo 934/1..., do JC Criminal de ..., J4, pela prática em 2010 de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por decisão de 27/6/2012, transitada em julgada em 23/7/2012, a condenação na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano e 10 meses, já extinta;

- No processo 25/1..., do extinto 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, pela prática6676777 em 9/2010 de um crime de tráfico de estupefacientes, por decisão de 13/7/2012, transitada em julgada em 2/7/2014, a condenação na pena de 4 anos e 8 meses de prisão.

- No processo 849/1...-A do Tribunal Execução de Penas, 2º Juízo, foi concedida liberdade condicional ao arguido de 3-10-2017 até 31-03-2019 (pena aplicada no processo 25/1...), encontrando-se o incidente de revogação de liberdade condicional a aguardar a decisão final no âmbito destes autos.

(…).

II- Factos não provados

Com relevância para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que:

30- NUIPC 582/1... (Apenso E)

zzz) Os factos foram praticados pelos arguidos BB, CC e AA, vestidos de escuro e com garruços a tapar a cara e luvas, com intenção de se assenhorearem dos bens e dinheiro existentes, tendo a atuado livre, voluntária e consciente, de forma concertada e em conjugada comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado e por todos aceite.

(…)

2.1.3. O mesmo Tribunal motivou a decisão de facto do seguinte modo:

“O tribunal formou a convicção quanto à matéria de facto com base na prova produzida em audiência de julgamento, analisada de fora conjugada e crítica, à luz das regras da experiência comum.

Neste contexto foram ponderadas quer globalmente, quer relativamente a cada inquérito, todas as provas produzidas e constantes dos autos – sendo certo que o conjunto das situações julgadas permitiu obter uma imagem geral do comportamento dos arguidos BB e CC ao longo dos meses, que se mostrou definitivamente confirmada com última situação, de 16/10/2018, em que os arguidos são subsequentemente detidos após a fuga.

Assim, ponderou-se a seguinte prova documental junta aos autos:

- Auto de Apreensão a CC (inclusive, com a apreensão do Cartão de Cidadão do BB (irmão gêmeo)) – fls. 1449;

- Auto de Apreensão a BB (inclusive, com a apreensão da viatura Mercedes CLA 00-TU-00, de duas armas de fogo e das quantias de €9.900,00 e €479,95) – fls. 1450;

- Auto de Busca e Apreensão na Praceta ... – fls. 1493;

- Auto de Busca e Apreensão no Largo ... – fls. 1525;

- Auto de Busca e Apreensão na Rua ... – fls. 1539;

- Auto de Apreensão a FF – fls. 1542;

- Auto de Busca e Apreensão na Rua ... – fls. 1544;

- Auto de Busca e Apreensão na Rua ..., busca efetuada à viatura de FF, após autorização formal a fls. 1546 – fls. 1574;

- Auto de Apreensão ao BB da quantia de €45.500.00 – fls. 1789;

Auto de Apreensão referente a um lote de moedas em prata, vendido pela EE no estabelecimento N... – fls. 2248;

- Relatório de Visionamento e Tratamento de Imagens com fixação de fotogramas, onde foi monitorizado o encontro do BB com FF, que se fazia transportar na viatura Seat Ibiza 00-CL-00 – fls. 384 a 382.

- Relatório de Visionamento e Tratamento de Imagens da R..., Av. ..., ..., com monitorização do encontro ocorrido no dia ...-...-2018, entre o LL e o FF – fls. 597 a 605;

- Relatório de Visionamento e Tratamento de Imagens preservadas na D..., ..., onde se identifica a EE, na aquisição de quatro passa montanhas e quatro pares de luvas – fls. 685 a 694;

- Reportagem Fotográfica referente à apreensão pessoal do BB – fls. 1453;

- Reportagem Fotográfica referente à viatura 00-TU-00 – fls. 1468;

- Reportagem Fotográfica referente à busca domiciliária na Praceta ... – ... –fls. 1504;

- Reportagem Fotográfica referente à busca domiciliária no Largo ... – ... – fls. 1530;

- Reportagem Fotográfica eferente à busca domiciliária na Rua ... – fls. 1557;

- Reportagem Fotográfica à viatura 00-BG-00 – fls. 1830;

- Relatório de Vigilância elaborado por elementos da 3ª EIC, no dia 28-09-2018, após deslocação de FF à Avenida ..., ... – fls. 1590;

- Documento da Ascendi com as passagens em pórticos daquela empresa pela viatura 00-TU-00 – de fls. 2252;

- Documento – no dia 30-11-2018 juntou-se aos autos relação de visitantes dos presos preventivos neste inquérito.

- Informação da Segurança Social sobre os arguidos - fls. 2326;

- Ofício 86170/2018 da Altice com informações sobre os IMEIS ...8, ...2, ...9 e ...3 – fls. 2344;

- Ofício com informação sobre os Números de Identificação Fiscal dos arguidos – fls. 2350;

- Ofício do Banco de Portugal com informações sobre contas dos arguidos – fls. 2356;

- Ofício da Vodafone informação da sobre titularidade de telemóveis apreendidos – fls. 2415 a 2420;

- Ofício da NOS referente aos aparelhos apreendidos – fls. 2276;

- Ofício da Via Verde com informações de passagens da viatura 00-TU-00 – fls. 2618;

- Emails trocados com a ... onde consta fatura de aquisição de telemóveis por parte da MM, com IMEI ...7, IMEI ...3 – fls. 2676 a fls. 2678;

- Ofício da Direção Geral dos Serviços Prisionais com listagem de visitas autorizadas aos reclusos 773 – AA, 787 – NN, 802 – CC e 986 – BB – fls. 2682 a fls. 2713.

- Ofício do Montepio com extrato da conta de AA – fls. 3297 a 3300;

- Ofício do Banco CTT com extrato da conta de AA – fls. 3304 a 3308;

- Ofício do Banco Caixa Geral de Depósitos com extrato da conta de BB – fls. 3326 a 3325;

- Ofício do Banco BPI com extrato da conta de BB – fls. 3327 a 3331;

- Ofício do Banco Santander Totta com extrato da conta de MM – fls. 3408 a 3411;

- Ofícios enviados às operadoras para obtenção da titularidade dos cartões nºs ...1, ...3 e ...4 – fls. 3572 a 3574.

- Autos de transcrição de sessões de conversações gravadas:

- Anexo I referente ao Alvo 99152040 (OO);

- Anexo II referente ao Alvo 99153050 (DD;

- Anexo III referente ao Alvo 99155040 (BB);

- Anexo IV referente ao Alvo 99811080 (BB);

- Anexo V referente ao Alvo 99814040 (CC);

- Anexo VI referente ao Alvo 99813040 (MM);

- Anexo VII referente ao Alvo 100268040 (AA);

- Anexo VIII referente ao Alvo 100269040 (CC);

- Anexo IX referente ao Alvo 99987040 (AA);

- Anexo X referente ao Alvo 100673050 (BB);

- Anexo XI referente ao Alvo 101400060 (FF);

- Anexo XII referente ao Alvo 101399050 (EE);

- Anexo X referente ao Alvo 100673050 (BB);

- Anexo XIII referente ao Alvo 102609040 (BB);

- Anexo XIV referente ao Alvo 99154040 (PP);

- Anexo XV referente ao Alvo 100269050 (CC);

-Anexo XVI referente ao Alvo 102606080 (MM);

- Anexo XVII referente ao Alvo 102076040 (EE);

- Anexo XVIII referente ao Alvo 101617040 (EE);

-Anexo XIX referente ao Alvo 102608040 (MM);

- Anexo XX referente ao Alvo 102607080 (BB);

- Anexo com relatório de informações criminais – Leitura de eventos de rede pelo Núcleo de Análise Criminal do Departamento de Investigação Criminal da Direção Nacional da P.S.P.;

- Relatório pericial ao material apreendido contendo dados informáticos – fls. 3753 a 3774;

- Relatório pericial aos aparelhos apreendidos – fls. 2555;

- Auto de exame e avaliação a objetos – fls. 4552 a 4571; e

- documentos juntos em audiência de julgamento referentes à certificação da data de nascimento dos ofendidos.

A prova antecedentemente referida foi conjugada com os depoimentos das testemunhas e com as declarações do assistente e demandante prestados relativamente a cada inquérito, tendo a globalidade das conversações telefónicas, relevante para compreender o nível de envolvência, conhecimento e participação dos arguidos BB, CC, DD e AA em toda a atividade relacionada com os furtos e roubos.

Foi ainda a prova antecedentemente referida apreciada à luz dos depoimentos das testemunhas que tiveram intervenção nas diligências de investigação – chefe e agentes da PSP.

Depuseram estes nos seguintes termos:

- QQ, ... P.S.P., NM ..., com domicílio profissional na 3ª EIC, Rua ..., o qual disse conhecer todos os arguidos do processo, tendo estado no início das diligências e nas vigilâncias de 28 de Setembro e de 3 de Outubro, tendo elaborado os respetivos relatórios e participado na coordenação de investigação. Esclareceu que o processo nasceu por causa de um aumento de assaltos a residências durante a noite a pessoas de idade, tendo tido conhecimento da situação de 21/3/2018. Nessa situação, os indivíduos utilizaram o cartão de multibanco, designadamente em duas bombas de gasolina. Disse que visualizaram as imagens de vídeo vigilância – identificaram o OO e o DD. Posteriormente, verificaram que o DD vinha numa viatura Mercedes. Fizeram diligências e verificaram que o DD e o OO moravam na mesma zona residencial. Tiveram conhecimento que o DD acompanhava pessoas que se faziam transportar num Mercedes, cuja matrícula era TU. Tentaram verificar se eram vistos ou não, mas foram informados que a viatura estava na Mercedes. Com esses dados apuraram que estava uma viatura com o nome de BB na N... – conforma relatório de diligência externa de fls. 112. O DD foi identificado na vídeo vigilância e já o conheciam na polícia. Iniciou-se, então, a investigação através das interceções telefónicas ao BB – com o número fornecido pela Mercedes. O padrão de assaltos era idêntico. Pessoas fragilizadas sozinhas no interior de residências. Disse que se percebe que havia cuidado com as conversações telefónicas, o que atribuiu ao facto se os arguidos terem já tido processos em que foram escutados e estavam, por isso, alerta para essa circunstância e tinham cuidado com os telefones – usando descartáveis, designadamente. Com as interceções começaram a tentar fazer vigilâncias, o que era difícil porque eram conhecidos e os arguidos faziam “contra-vigilâncias”. Confirmou que nunca verificou o ilícito a ser cometido - só sabiam depois. Quanto aos relatórios de vigilância disse que no dia 28 de setembro viu o FF a entregar um envelope ao CC (que já conhecia) e confirmou o teor do relatório de 3 de Outubro, descrevendo o que viu. Disse que coordenou as buscas, mas não teve nelas intervenção. Quanto à fuga, ficaram a saber do destino e através de escutas souberam que eles compraram dois telemóveis, tendo pedido interceções, tendo identificado no dia seguinte o parque de campismo de .... Foram recapturados e apreendida quantia de 45 500,00 no bolso do BB (em notas de €500,00 enroladas em papel celofane), confirmando o auto de apreensão. Disse que o telemóvel usado pelo CC era da RR que era a namorada ao tempo. Não há localizações dele. As escutas são através do telemóvel da companheira. O CC e a SS moravam na .... O CC viveu em ... algum tempo, desconhecendo que ele estivesse cá até às interceções. Fez referência às interceções e às localizações, bem como às videovigilâncias. Finalmente, disse, com relevo que o número do AA surge na sequência de uma escuta do Emanuel.

- TT, Agente ... da 3ª E.I.C. da P.S.P., o qual disse que foi quem tratou as interceções telefónicas

Disse que já conhecia o NN de outros inquéritos. Com os outros teve contacto através interceções. Fez audição das escutas e expediente. Disse que, sabendo-se o modus operando faziam uma triagem de expediente e faziam a ligação entre eles para saber se os alvos tinham estado naquele local. A partir daí faziam as diligências para perceber a intervenção de cada um – designadamente de escutas (conversas anteriores e posteriores). Tinham sempre algum ponto que os ligava ao local. O CC nunca levava o telemóvel dele. Só o BB levava. Conversas anteriores entre o CC e o BB. Depois em algumas situações há visionamentos. Fez referência à situação na ..., em que o CC nessa situação não terá estado presente, tendo apenas cedido o material – conversa telefónica. A partir do momento em que é furtada uma arma começam a ser usadas armas nos assaltos. Nas situações do DD (dois casos), elas foram precedidas de interceções telefónicas (chamadas entre DD e BB) e depois há localizações do BB. Há também conversas entre o BB e o CC a dizer que o DD meteu os pés. Quanto ao AA relevaram as escutas e uma localização nos assaltos. Na segunda vez em que foi inquirido, esclareceu as condições em que foram feitas as interceções telefónicas, designadamente o modo como foram obtidos os restantes números – a partir das conversas que o arguido BB mantinha, confirmando o referido pela testemunha QQ quanto ao modo como foi obtido o telefone do arguido Emanuel

- UU, Agente ...da P.S.P., NM ..., com domicílio profissional na 3ª EIC.

A testemunha confirmou que participou na interceção aos arguidos no dia 16/10 e depois na busca à residência do CC. Depois da interceção apreendeu um telemóvel ao CC e o cartão de cidadão do BB. Fez a busca à residência do CC: encontrou uma peruca no wc, na cozinha uma balança de precisão e uma arma de fogo com carregador e 6 munições. A casa tinha dois quartos. O CC disse-lhe que o quarto era dele, aí se encontrando o ouro. O outro quarto não recorda.

- VV, NM ..., Agente ... da P.S.P., com domicílio profissional na 3ª EIC;

A testemunha disse que participou na busca domiciliária em domicílio pertencente ao arguido CC e na apreensão a que se refere o auto de fls. 1493, confirmando-o e esclarecendo que descreveu os objetos que foram apreendidos. Identificou o croquis fls. 1503, referindo que se tratava da habitação que foi buscada, e as fotografias de fls. 1505 onde consta a fls. 1509, balança de precisão, telemóvel, quantia monetária e na última gaveta, entre a gaveta e o fundo do móvel, de 20 000,00 (fls. 1510). Foram ainda encontrados reagentes para metais preciosos. Finalmente, disse que no local havia roupa de mulher e de homem.

- WW, Agente ... da P.S.P., NM ..., com domicílio profissional na 3ª EIC;

A testemunha confirmou o que buscou na sala e corredor, sendo apenas isso que descreveu.

- XX, NM ..., Agente ... da P.S.P., à data dos factos com domicílio profissional na 3ª EIC.

A testemunha disse que participou nas buscas e apreensões a que se referem os autos de fls. 1544 e 1547 (residência do arguido FF), confirmando-os. Apreendeu vários sacos. Foi tudo ensacado e fotografado e levado para a esquadra. Foi feita uma busca aos veículos. Havia material desfeito, mas os objetos encontravam-se tal qual se visualizam nas fotografias (designadamente, os relógios, que se encontravam em caixas).

Conforme resulta dos antecedentes depoimentos, prestados de forma objetiva e consistente (com referência às diligências e que cada um participou), a partir da primeira situação investigada (a do inquérito principal), que permitiu reconhecer e relacionar com ela os arguidos DD e BB, a investigação teve o seu curso com base nas interceções telefónicas, localizações geográficas, eventos de rede, reconhecimentos fotográficos, seguidos de reconhecimentos pessoais (nos termos do disposto nos art.º 147, n.ºs 1, 2 e 5 do CPP), e reconhecimentos de objetos (nos termos do disposto no art.º 148.º do CPP), identificando-se as correspondentes vítimas. A prova obtida a partir das interceções telefónicas, localizações e eventos de rede, permitiu obter grande parte da prova relevante para efeitos de determinação em julgamento da autoria dos factos nos termos que se consideraram provados.

A propósito desta prova obtida nos autos através das interceções telefónicas, localizações celulares e eventos de rede, veio o arguido BB, na sequência, aliás, do já manifestado em audiência pelo arguido CC, apresentar o seguinte requerimento:

“1. Por douto despacho proferido a 22-09-2020, no seguimento de se terem suscitados dúvidas quanto titularidade de determinados números de telefone, constantes das transcrições das escutas telefónicas juntas aos autos, foi determinado ouvir novamente a testemunha, TT, agente principal da PSP, a exercer funções na 3ª Esquadra de Investigação Criminal, responsável pela elaboração dos relatórios de interceção de comunicações.

Audição que veio a ocorrer no dia 23-09-2020, na 9ª sessão, e cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 10 horas, 16 minutos e 04 segundos e o seu termo pelas 11 horas, 41 minutos e 36 segundos.

2. Dali resultou expresso que com vista à prova e à forma da obtenção de números de telemóveis, identificação dos respetivos titulares foi utilizada a localização celular através de pedidos de listagens de todas as comunicações e eventos de rede (acesso, acionamento ou registo) realizadas entre determinados dias e horas e locais. Sem que existissem suspeitos ou arguidos.

3. Informação que coincide com o Anexo [Anexo – Relatório de Informações criminais] (apoio e, leitura de Eventos de Rede)

Neste relatório é possível, além do mais, aferir que:

Método Página 1 “2. MÉTODO Dado o volume de dados presentes, bem como as diferentes formatações que cada operadora envia utiliza para disponibilizar a informação, para um estudo mais rigoroso e na tentativa de se obter melhores resultados, a análise da informação foi efetuada de duas formas: .análise dos IMI´s (…) .Análise dos números de telemóvel (…) Os dados foram numa primeira fase tratados através de (..) Apuradas possíveis correlações de equipamentos /cartões telefónicos ativos entre os diferentes locais de interesse.”(..) “os dados (…) são provenientes de cinco locais/antenas referentes à localização e ao espaço temporal onde tiveram lugar os acontecimentos que deram origem ao presente inquérito.

IMI´s e números de telemóveis página 2 “da análise efetuada aos dados de comunicação fornecidos pelas operadoras, foram detetados dois IMII´s de interesse: o IMI-...7 – que está associado ao número ...3 (..) Foi possível apurar ainda que o IMSI atrás mencionado a dois equipamentos moveis distintos IMEI ...0 IMEI ...0 (..) IMSI ...8 está associado ao IMEI ...0” página 3 “n.º de Telefone móvel ...4 (..) ...3 (..) ...3 (..) ...1.”

Daí que aquele depoimento, no segmento adiante indicado, seja, e em sede de suscitadas dúvidas quanto à titularidade de determinados números de telefone, coincidente com o relatório de Informações Criminais. Em ambos se identifica o método, a forma e os dados considerados, bem como a forma de Obtenção daqueles, tudo com vista à identificação:

IMI- ...7

Equipamentos moveis IMEI ...0 e IMEI ...0, IMSI ...8, IMEI ...0

E, ainda números de telefones móveis ...3, ...4, ...3, ...3, ...1.

4. Afere-se assim que foi coeva a obtenção dos números de telemóveis e identificação dos respetivos titulares com o relatório.

5. Acontece que o relatório de Informações criminais [Anexo] não se encontra datado. Pelo que o conforto da apontada coincidência entre o depoimento da testemunha e do referido relatório deixa uma dúvida desconfortável.

5. Vejamos:

Apesar de o referido relatório não estar datado é possível aferir com o recurso a outros elementos do processo, datas que com toda a segurança apontam para a sua elaboração, ou pelo menos datas anteriores às quais o mesmo não poderia ter sido elaborado.

Dito de outra forma é possível aferir a partir de que data é que passou a investigação a dispor ou a obter os números de telemóveis e a identificação dos respetivos titulares.

Tal data terá necessariamente que ser posterior à data em que foram pedidas as listagens de todas as comunicações e eventos de rede ás respetivas operadoras.

6. A título de exemplo:

Apenso AO – NUIPC 2149/1..., factos ocorridos no dia 03.08.2018, cerca das 01:00 horas, na residência dos ofendidos YY e ZZ, sita na RUA GUINÉ, Nº 88, PEDROUÇOS.

Assim, consta de fls. 81 do indicado apenso, ofício enviado à NOS com solicitação de listagem de comunicações e eventos de rede. Da análise ocular ao ofício constata-se que o mesmo tem aposta a Data de 01-10-2018.

Do relatório consta aturadamente (páginas 2, 3 4, 5, 7 e 8) a referência à utilização destes dados requeridos em 01-10-2018. Por uma simples inferência lógica pode constatar-se com segurança que o relatório não poderia ter sido elaborado em data anterior a 01-10-2018.

Ora se os números de telefones móveis ...3, ...4, ...3, ...3 e ...1 identificação dos respetivos titulares apenas foram obtidos aquando do relatório (e pelo menos em data posterior a 01-10-2018) e a como seria possível que dos autos constem escutas com datas anteriores [?]

Ainda a título meramente exemplificativo o n.º de telefone ...3 identificado na investigação como sendo da titularidade do arguido BB tem escutas com datas anteriores. Anexo III, Alvo 99155040 (BB), Em 2018-09-27 pelo responsável AAA consta auto

de transcrição de interceção de comunicações, com um total de 264 sessões, sendo a primeira 05161 com data inicial 2018-05-15 e as restantes todas com datas posteriores.

Acresce que de fls. 169, 173, 185, 190, 229, 233, 262 265, 348, se retira igual conclusão este nº de telefone já estava sob escuta e o seu titular estava identificado.

7. Assim, ou este n.º de telefone não foi identificado pelo método que a testemunha indicou ou outro relatório terá sido feito em data anterior que tivesse permitido aquela identificação.

8. A informação que, consta de fls. 133, não qual se diz ser percetível visualizar as letras “TU” da matrícula da mercedes, que permitiu o acesso ao registo na oficina, resultado de acidente de viação, não pode colher. Analisadas as imagens no posto de abastecimento, não é de todo possível visualizar qualquer elemento da matrícula. Aliás no próprio relatório de visionamento das imagens elaborado por aquele OPC, em momento algum, é referido qualquer elemento da matrícula daquela viatura. Ao invés, e porque visível, consta a matrícula do táxi.

9. Em todo o caso, crê-se salvo melhor opinião, que as listagens obtidas de todas as comunicações e eventos de rede nas respetivas operadoras para a elaboração do relatório de Informações criminais [Anexo] e que permitiram aferir prova por localização celular estão feridas de nulidade. Vejamos

10. A medida de Localização celular está prevista no artigo 252.º - A do Código de Processo Penal:

“1 - As autoridades judiciárias e as autoridades de polícia criminal podem obter dados sobre a localização celular quando eles forem necessários para afastar perigo para a vida ou de ofensa à integridade física grave.

2 - Se os dados sobre a localização celular previstos no número anterior se referirem a um processo em curso, a sua obtenção deve ser comunicada ao juiz no prazo máximo de quarenta e oito horas.

3 - Se os dados sobre a localização celular previstos no n.º 1 não se referirem a nenhum processo em curso, a comunicação deve ser dirigida ao juiz da sede da entidade competente para a investigação criminal.

4 - É nula a obtenção de dados sobre a localização celular com violação do disposto nos números anteriores.”[s.n.]

Assim, o Código de Processo Penal apenas admite o recurso a esta medida para proteção de bens de natureza pessoal (perigo para a vida ou ofensas à integridade física grave). Não é admitido o recurso a esta medida cautelar para acautelar bens de natureza patrimonial.

O artigo 189.º, n.º 2, do Código de Processo Penal refere:

“2 - A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo.” [s.n.]

Expressa o referido n.º 4 do artigo 187º do Código de Processo Penal:

- “A interceção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:

A) Suspeito ou arguido;

B) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou

C) Vítima de crime, mediante o respetivo consentimento, efetivo ou presumido. [s.n.]

Artigo 126.º sob a epigrafe Métodos proibidos de prova faz constar no n.º 3 que: 3 -

Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular.

Do que vai dito e porque só são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. (artigo 125.º do código de processo penal) as provas constantes do Relatório de informações criminais [anexo], bem como as respetivas listagens obtidas de todas as comunicações e eventos de rede nas respetivas operadoras que permitiram aferir prova por localização celular estão feridas de nulidade.

Igualmente estão feridas de nulidade as informações obtidas por relatórios informais e que não constem do processo, mas que permitiram aferir os números de telemóvel.

Por terem sido obtidos ilegalmente os números de telefone e respetivos imei´s

São por tal via, igualmente, nulas as escutas telefónicas.

Tudo o que expressamente se invoca ao abrigo do disposto nos artigos 125, 282-A, 189º, 187º e 126, n.º 3 do código de processo penal.”

Sobre as invocadas nulidades, pronunciou-se o Ministério Público nos seguintes termos: “Na primeira sessão de julgamento, a Testemunha ... QQ referiu que já conhecia o arguido BB e que o processo 476/18.0PIPRT (os presentes autos) se iniciou no dia 21.03.2018 quando, chamados em virtude de um assalto,

verificaram terem sido realizadas compras com um cartão. Dirigiram-se aos locais e visualizaram, nas imagens, o arguido DD e a testemunha OO. Como fossem conhecidos e residissem próximos, deslocaram-se à área de residência deles e, num café frequentado pelo DD, apuraram que ultimamente, principalmente à noite, o DD tinha sido visto com outros indivíduos que se faziam transportar numa viatura mercedes, sendo que as letras da matrícula, no meio, eram “TU”, Porque souberam que a viatura tinha sido interveniente num acidente, deslocaram-se às reparadoras da mercedes e a única viatura com as letras “TU” que estava a arranjar esta em nome do arguido BB. Obtiveram o contacto desse arguido porque foi o contacto que deixou na concessionária onde o carro ficou a reparar.

Foi pois, claramente, a partir dessa data (21.03.2018) que foram solicitadas as interceções e as localizações a esse arguido (cfr. ainda fls. 140 a 144) e não através da recolha de qualquer evento de rede.

É aliás a mesma explicação que havia sido dada a fls. 133 (citadas pelo ora requerente no ponto 8. do seu requerimento).

Acresce que, na nossa opinião, labora o requerente em lapso e confunde “medidas cautelares de polícia” com “meios de prova”, quando se refere, nos pontos 9. e 10 à Localização celular prevista no artigo 252.º - A.

É que esta traduz-se numa medida cautelar de polícia (atenda-se inclusivamente à inserção sistemática), prevista para medidas de prevenção criminal, tratando-se de um meio excecional de – estando em causa a vida ou a integridade física – permitir a expedita localização da vítima, para sua proteção.

Mas não é este o caso dos autos.

Trata-se de meio de prova, ao abrigo das disposições dos artigos 187.º e 189.º do CPP, tendo sido legitimamente obtida e validada, quer por se tratar de crimes de catálogo, quer por visar suspeitos determinados.

E mesmo que assim não fosse e de nulidade se tratasse, nos termos avançados pelo requerente (art.º 252.º-A n.º 4), sempre se impõe concluir que – não se tratando de nulidade insanável (cfr. als. do art.º 119.º) – seria extemporânea a sua arguição, nos termos do 119.º, n.ºs 1 e 3, al. c) do CPP.

Veja-se, a respeito das questões levantadas, a importante jurisprudência do STJ, constante do Ac. de 25.05.2016, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/B00C47722FC7767080257FD50030C7BD:

“A localização celular é, assim, configurada no processo penal numa perspetiva dual:- por um lado, é um meio de obtenção de prova, previsto no artigo 189º, nº 2; por outro, é uma medida cautelar e de polícia, prevista no Artigo 252º-A, agora acrescentado ao Código de Processo Penal.

Segundo Pedro Verdelho (Técnica no novo CPP: Exames, perícias e prova digital Revista do CEJ 1ºSemestre 2008 nº9 pag. 169 e seg.) no que concerne à primeira destas duas vertentes, prevista no Artigo 189º, nº 2 (ao referir-se a obtenção de dados sobre a localização celular), constrói-se um novo meio de obtenção de prova….. O conhecimento de dados que revelem a chamada localização celular do telemóvel de um determinado indivíduo identifica o percurso físico que o mesmo fez - ou está a fazer -, ou revela a sua mobilidade ou permanência num determinado local. A localização celular revela, por via da observação da sua ligação à rede telefónica móvel, a localização do detentor de um determinado aparelho telefónico. Em última análise, e como acentua o autor citado, obter a localização celular tem o mesmo intuito probatório de uma vigilância tradicional efetuada por agentes policiais sobre um determinado indivíduo sendo certo que a eficácia é potenciada pelos meios eletrónicos e de telecomunicações a que recorre. Nesta matéria a opção do Código revisto foi a de exigir, para a obtenção da informação em causa, a intervenção do juiz de instrução. Foi também a de aplicação do modelo de funcionamento das interceções telefónicas, designadamente limitando-se a obtenção desta informação aos "crimes previstos no nº 1 do artigo 187° e em relação às pessoas referidas no nº 4" do mesmo artigo. Ou seja, a obtenção de informação celular apenas é permitida quando se investiguem os chamados crimes de catálogo, nas mesmas circunstâncias em que seria permitida a interceção de comunicações. A outra modalidade possível de localização celular, prevista no Artigo 252°-A assume-se como uma medida cautelar e de polícia. Sendo uma medida cautelar muito peculiar e especificamente dirigida a situações em que seja "necessário afastar perigo para a vida ou ofensa à integridade física grave" (artigo 252°-A, nº 1) tal medida visa a proteção da própria vítima do crime cujo paradeiro se desconhece e tem aplicação naqueles casos em que a deslocação da mesma vítima integra o modus operandi da atividade criminosa (rapto, sequestro) ou, eventualmente, em circunstâncias em que o conhecimento da localização é condição para impedir a consumação do crime.

A iniciativa compete às autoridades policiais ou ao Ministério Público (e também ao juiz, em fase de instrução). Os nº 2 e 3 do normativo citado supõe sempre a intervenção do juiz de instrução, a quem a iniciativa deve ser comunicada a medida no prazo máximo de quarenta e oito horas sob pena de a mesma ser nula (nº 4). No caso concreto a localização celular efetuada inscreve-se nos limites proposto pelo artigo 189º do Código de Processo Penal pelo que não tem cabimento o recurso a um conceito de “evento de rede” que não concretiza para sustentar a existência dum meio não previsto legalmente.

Mas, mesmo admitindo por mera hipótese, que nos encontramos perante o recurso a um meio com inexistência legal tal não significa necessariamente a sua proibição pois que este conceito não converge necessariamente com o de prova atípica. Efetivamente este tipo de prova assume hoje uma particular importância em função das constantes inovações tecnológicas e do desenvolvimento do conhecimento científico. A mesma é admissível face ao disposto no artigo 125º do Código de Processo Penal. A atipicidade será um princípio legítimo,

respeitadas determinadas condições, para recorrer a meios de prova que não se encontrem, de todo, regulados pela lei, permitindo o legislador que se utilizem, nomeadamente, meios de aquisição de prova que o progresso tecnológico desvende- Pressuposto para a assunção de uma prova atípica é a falta de um meio probatório típico apto a alcançar um resultado cognoscitivo. Consequentemente, a necessidade de recurso à prova atípica constitui condição da admissibilidade da mesma, reconhecendo-se a existência duma subsidiariedade face aos meios tipificados. Tal como refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal: à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição atualizada, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011) «a admissibilidade das provas não previstas na lei rege-se pelos critérios substantivos gerais do artigo 340.º» e acrescenta que «os meios atípicos estão subordinados aos demais limites constitucionais e legais de admissibilidade da prova, como os resultantes do artigo 126». Na verdade, muitos dos saberes importados para o processo corporizam-se através duma aquisição probatória que não está previamente determinada na lei o que convoca o tema da prova atípica e, nomeadamente, da prova atípica de natureza científica. A admissibilidade desta filia-se num critério de proporcionalidade, que parametriza toda a produção de prova, do ponto de vista da sua adequação à finalidade com a mesma prosseguida: a descoberta da verdade. Consequentemente, a necessidade de recurso a meio atípico de prova dá corpo e expressão ao do princípio da investigação, consagrado no art.º 340º do CPP, ou seja, toda a prova, seja oficiosamente ordenada, seja requerida pelos sujeitos processuais, terá de se afigurar necessária, apropriada e idónea para se alcançar a verdade judicial.

À idoneidade, e necessidade, do meio junta-se o requisito do respeito pela dignidade da pessoa humana, ou seja, a consideração fundamental em que assentam as liberdades, direitos e garantias dos cidadãos e pilar essencial do sistema processual penal. Considerada como relevante, e admissível, a mesma prova atípica fica sujeita ao exercício do contraditório que consubstancia uma garantia da defesa e uma forma de construção da verdade judicial. Verificados tais pressupostos deve atribuir-se à prova atípica a mesma eficácia probatória que é reconhecida à prova típica, não sendo legítimo estabelecer qualquer hierarquia quanto aos efeitos e resultados probatórios obtidos através de uma e outra prova, sob pena de se limitar abusivamente o princípio da liberdade de prova. Consequentemente, os efeitos probatórios da prova atípica, tal como acontece com os meios típicos de prova, serão concretamente apreciados pelo juiz, de acordo com a liberdade, legalmente conferida, de formação da sua convicção, na qual influem regras de experiência comum.” Em função da evolução tecnológica serão os meios técnicos científicos que mais frequentemente justificarão a aplicação do princípio da liberdade de prova consagrado no art.º 125º do CPP na medida em que é a ciência que vai desvendando os métodos e instrumentos técnicos cuja inovação não permitiu uma previsão legal. Importa aqui diferenciar os métodos e instrumentos técnico-científicos que assumem natureza meramente instrumental derivada da experiência consolidada na prática judiciária, particularmente através da perícia ou de exames, daqueles meios que consubstanciam algo de inovador sem paralelo nem complementaridade no já existente. É exatamente nessa natureza especifica, nesse caracter inovatório e diferenciador, que assenta, também, a diferenciação entre a prova pericial e a prova atípica surgida por força da evolução dos tempos, diferenciando-se a hipótese em que a prova é produzida com recurso exclusivo ao conhecimento do perito daqueles casos em que o “perito” é apenas “gestor” de um procedimento ou método científico, ultrapassando a produção de prova os conhecimentos técnico-científicos da pessoa que a supervisiona; neste último caso, temos, de acordo com Rici uma prova não regulada na lei, atípica. (Confrontar Inês Robalo “Verdade e Liberdade: a atipicidade da prova em processo penal” htp://www. fd. lisboa. ucp. pt /resources/ documents/ RESEARCH/ Dissertations/ Ines_Robalo.[3]”.

E assim foi, efetivamente. Tanto a testemunha QQ, na primeira sessão de julgamento, como a testemunha TT, na sessão de julgamento do dia 23/9, foram claros quando, como se disse já, esclareceram em que contexto foi obtido o número de telefone do arguido BB, confirmando a diligência externa a que alude fls. 112 dos autos. É, pois, como diz o arguido, verdade que as suas interceções telefónicas são anteriores a 1/10/2018 – foram autorizadas, como a localização celular, por despacho de 3/5/2018, constante de fls. 144 do processo principal. Conclui-se, pois, que não foi através dos designados eventos de rede que se obteve o número de telefone do arguido BB, já sendo este inclusivamente suspeito no processo principal à data em que, designadamente, em 28/9/2018 foi proferido despacho a determinar fosse fornecido, além do mais, a listagem das comunicações e eventos de rede no apenso AO (cfr. fls. 75 a 77). Assim, com este esclarecimento, porque se subscreve integralmente o referido pelo Ministério Público, estando as interceções telefónicas, localizações geográficas e obtenção de eventos de rede, autorizados por despacho judicial ao abrigo do disposto nos arts. 187, n.º 1, al. a), 188 e 269, al. e), do CPP e nos arts. 187, n.ºs 1, al. a), e 4, al. a), 189, n.º 2, e 269, n.º 1, al. c), do CPP, nenhuma nulidade se verifica quanto aos indicados meios de prova.

Ainda a propósito do requerimento apresentado pelo arguido CC em sede de julgamento (sessão de 23 de setembro) – de acordo com o qual o mesmo manifestou o seu entendimento no sentido de que a prova não pode fundamentar-se nas escutas e localizações geográficas, porquanto a testemunha TT disse que foram solicitados todos os dados de tráfego relativamente a cartões que operaram num determinado período de tempo em determinadas antenas sem que estivesse concretizado um alvo determinado (tendo sido atingido um número ilimitado e indiferenciado de cidadãos que não se integram no conceito de suspeitos), cumpre esclarecer o seguinte. A testemunha em momento algum referiu, como se disse já, que os números de telemóvel intercetados foram obtidos através dos pedidos feitos às operadoras pela PJ para indicação dos números registados nas antenas onde ocorreram crimes. Antes disse que tais pedidos foram feitos por aquela autoridade policial relativamente a antenas qua abrangiam locais específicos onde ocorreram crimes por forma a obter-se um número reduzido de números de telefone registados em antena – tendo-se depois feito a comparação para verificar se os alvos já existentes neste processo ali estavam registados. Esta diligência em nada compromete as interceções telefónicas dos números obtidos pela forma antes referida e nem as localizações geográficas obtidas através dos pedidos referentes aos concretos alvos ou tão pouco através dos eventos de rede - poucos e apenas referentes aos apensos AH, AO, U, AG. É que mesmo quanto a estes a diligência teve um âmbito restrito (limitado no tempo e espaço geográfico) e concretizou-se posteriormente com a comparação de alvos já existentes com os números registados nas antenas dos concretos locais do crime. De resto, naturalmente, em todos os casos a diligência foi efetuada na sequência de despacho judicial que autorizou aquele registo (fls. 12,13 e 54 do apenso AH, fls. 75 a 77 do apenso AO, fls. 63 e 64 do apenso U e fls. 63 do apenso AG), concordando-se com o teor da fundamentação exarada a fls. 63 e 64 do apenso U, no qual se pode ler que: “Tendo presente os elementos disponíveis, e nomeadamente (…), reúnem os autos neste momento, fortes indícios da prática por três indivíduos de identidade desconhecida, de um crime de roubo agravado, previsto pelo art.º 210/2b), em conjugação com o art.º 204/2 e) e f), ambos do Código Penal, de um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo art.º 86/1 c) ou d) da Lei 5/2006, de 23/02. Dito isto, há que notar: (i) que estamos diante criminalidade que, logo no plano abstrato, mas também sobretudo no contexto da específica forma de execução concreta, apresenta-se-nos com contornos bastante graves (de madrugada, no interior de habitação alheia, após introdução mediante arrombamento, surpreendendo-se as vítimas a dormir, e apontando-se uma arma de fogo à cabeça de uma delas) – pensamos nos efeitos previsivelmente traumáticos na pessoa das vítimas e pelo contributo substancial para um sentimento geral de insegurança na comunidade; (ii) que a diligência cuja autorização nos é requerida afigura-se indispensável a um avanço na investigação, de modo a apurar quem poderá ter sido participante nos ilícitos em presença; (iii) que a ingerência na esfera pessoal dos ditos participantes encontra-se plenamente justificada e é proporcional, face à gravidade do crime, à necessidade de aquisição de prova e ao âmbito geográfico e temporalmente muito limitado da ingerência para que se aponta. Dir-se-á que a feitura da diligência de prova em presença poderá eventualmente resultar a recolha de informação quanto a terceiros que nada tenham a ver com o ilícito. Tal é verdade e constitui um risco não desprezível. Todavia, importa sublinhar em primeiro lugar o já assinalado âmbito geográfico e temporal muito limitado da informação em presença, que bem sugere um esforço de contenção máxima da ingerência; em segundo lugar, que a finalidade da recolha de prova não deixa de ser a do apuramento de elementos quanto aos suspeitos, que se sabe existirem mas ainda não estão identificados, sendo que quem houver estado nas imediações do local à hora do evento ilícito não deixará de ser categorizável, pelo menos a uma primeira aproximação como suspeito; em terceiro lugar, que não é caso único, antes constituindo um dado inevitável da vida e dos procedimentos criminais, este tipo de situação e que de uma diligência inteiramente necessária, adequada, proporcional e legal e judicialmente autorizada resulte por via reflexa a recolha de elementos referentes a terceiros que vem a constatar-se não terem a ver com os ilícitos sob investigação (por exemplo, no âmbito da captação de voz e imagem ao abrigo do art.º 6º da Lei 5/2002, de 11/01, poderá suceder uma recolha incidental de voz e/ou imagem de terceiros pela mera posição em que os mesmos ocasionalmente se encontrem em face dos suspeitos; ou ainda quando é autorizada uma busca domiciliária a duas habitações contíguas, por haver a certeza de que numa delas se encontra uma vítima de sequestro ou rapto e não haver meio de apurar-se e qual das habitações está; e, por fim, sempre haverá que ter presente que a informação que venha a recolher-se quanto a terceiros que reconhecidamente nada tenham que ver com os ilícitos sob investigação será normalmente objeto da maior reserva possível, não transpirando do círculo restrito dos presentes autos.” . Cremos, por isso, que, não se tratando de meio proibido de prova – estando legalmente fundada no preceituado nos arts. 187/1 a) e 4 a), 189/2 e 269/1 c) e f), do CPP e nos arts. 2/1 g) e 9 da Lei 32/2008, de 17/07 –, a obtenção dos números de telefone registados nas antenas referentes ao local onde ocorreram os crimes não se mostrou nem mostra, no caso concreto, desproporcional e desadequada. Antes, pelo contrário.

Os demais números de telefone, para além do arguido BB foram sendo obtidos através das interceções telefónicas a este último, como foi referido pelas testemunhas TT e QQ, tendo-se apurado, em conjugação com o relatório pericial efetuado aos telefones apreendidos a titularidade de cada um.

O telemóvel apreendido no quarto do CC Samsung S9, cor preta e com o imei ...8, tem identificado na lista, além de um número atribuído ao próprio CC (...3), os números de “irmão ...3” (número pertencente ao arguido BB) e “Mana ...4” – cfr. fls. 3771 e 3772. E nas sessões 003, de 08-06-2018, e 092, de 10-06-2018, ambas do alvo 99814040, em que é destinatário o número ...3, enquanto são feitas combinações o arguido BB chama o destinatário de CC.

O telemóvel apreendido na casa do CC Samsung S9 rosa (com exceção do Samsung dourado os restantes Samsung, designadamente S9, foram aprendidos em casa do CC) com o imei ...6 possui na lista de contactos “emanuel ...3” e “SS ...6”. Este último número é frequentemente usado em conversações com o arguido BB pelo arguido CC (v.g., entre muitas outras sessões a ...9...21, de 05-07-2018, do alvo 99814040, em que o arguido BB, que é o chamador, chama CC ao destinatário, que diz “Sim!”.

O número de telefone do arguido AA (...9 – identificado na participação junta a fls. 6779/80) surge em conversações do arguido BB para o identificado número em que o destinatário é identificado como “BBB” (cfr., v.g, sessão 13034, de 30/5/2018, do alvo 99155040), sendo que, como foi confirmado pela testemunha CCC, vizinha do arguido que identificou e julgamento, este era também assim conhecido. Acresce que, designadamente nas sessões 19372 e 19393, de 14-08-2018, do Alvo 99813040 (MM), esta chama claramente o destinatário de GG. Não restam, pois, dúvidas de que o número de telefone surge em conversas mantidas designadamente com o arguido BB.

Por seu turno, também o número de telefone da arguida MM (...9) surge em conversas mantidas com o arguido BB. Veja-se, designadamente, a sessão 2897, de 11-06-2018, do alvo 99811080 (BB). E na sessão 20352, de 22-08-2018, do alvo e conversa com o chamador n.º ...3 e destinatário ...4, a conversa inicia-se com o destinatário dizendo “Tou DDD” e o chamador responde “Tou MM”. De seguida, a MM, fornece a pedido da DDD a morada dele “Largo ....

À arguida EEE surgem atribuídas várias chamadas em que surgem identificados os números ...2, ...5, ...3 e ...1. Os dois primeiros são números do telefone que a arguida alterou, conforme se depreende da conversação referente à sessão 13426, de 12-09-2018, do alvo 101617040 (sendo que na sessão 0436, de 27-09-2018, do alvo 102076040, a arguida informa o destinatário que vai (novamente) mudar de número agora). Percebe-se, por isso, que a arguida com relativa frequência altera o número de telefone. O último número, é também indicado com sendo utilizado pela MM, sendo que na sessão 11988, do dia 23-05-2018, em conversação com o arguido BB, este identifica-a expressamente, chamando-a de MM. Conforme resultou do depoimento da testemunha TT, da sessão de julgamento do dia 13/9/2020, este, que procedeu à audição, seleção e transcrição das escutas telefónicas, é capaz de reconhecer a voz de cada um dos interlocutores – tendo-o feito, relativamente a uma sessão em que existiam dúvidas sobre quem participava na conversa, tendo a testemunha identificado prontamente com segurança e se qualquer dúvida o interveniente, reconhecendo a voz. Daí que se compreenda que consiga reconhecer e identificar a voz de cada interveniente nas conversas.

O arguido DD era já conhecido da polícia, como o seu número de telefone. A autorização para interceção do seu número foi solicitada logo aquando do pedido feito ao arguido BB. Com o pedido de interceção e gravação ao número indicado foi pedida a interceção do imei associado, tendo na sequência sido dado início às interceções pedidas com o número entretanto associado (alvo 99153050) (sendo que logo na primeira conversa o arguido informa o destinatário que esse é o seu novo número). Este novo número de telefone do DD ...3 é detetado logo nas conversas iniciais do arguido BB (sessão 14922, de 09-06-2018 e sessão 14987, de 16-06-2018, ambas do alvo 9155040 (BB), sendo que nesta segunda conversa o BB dirige-se ao seu interlocutor chamando-o de DD.

O arguido FF confirmou que ligava sempre para o mesmo número e que, de vez em quando eles ligavam de um número diferente (não atendia, mas eles a seguir mandavam mensagem a dizer que era para atender. Esclareceu que o número que tinha no seu telemóvel era o do arguido BB. E várias das sessões de interceções telefónicas em que intervém, é chamado pelo nome, sendo inequívoco ser o número que lhe está atribuído o seu, tendo o mesmo reconhecido as conversas.

Quanto a esta matéria há que realçar que a testemunha TT, que diligenciou pela quase integralidade das escutas, referiu que após todo o trabalho que desenvolveu conseguia identificar as vozes de cada um dos visados nas interceções, conforme o demonstrou em julgamento a propósito de uma escuta em que é interveniente a companheira do arguido GG (FFF) – daí resultando a identificação de cada pessoa nas transcrições efetuadas, como resulta de tudo quanto referiu.

Deste modo, a convicção do tribunal foi formada com base nas conversações telefónicas mantidas entre os arguidos (conversas em que se marcavam encontros, designadamente), localizações geográficas, que, quando conjugadas com outra prova (designadamente com conversas anteriores), situavam os arguidos próximos dos locais dos factos, nas apreensões efetuadas nas residências dos arguidos, designadamente do arguido CC – das quais constavam alguns dos objetos que vieram a ser reconhecidos, bem como armas que tinham sido furtadas –, reconhecimentos pessoais por parte das testemunhas dos arguidos com quem anteriormente às ocorrências tinham mantido contacto (perguntando aqueles pela GGG costureira ou pela oficina) e depoimentos das testemunhas.

Esta prova permitiu obter uma imagem global da atuação dos arguidos BB, CC, DD, GG e EEE durante o período que mediou entre março e outubro do 2018. Permitiu ainda concluir que as quantias apreendidas foram o resultado da atuação dos arguidos. Com efeito, não só ficou demonstrado, como se verá, que os arguidos subtraíram elevadas quantias de dinheiro e venderam grande volume de objetos valiosos subtraídos, como se desconhece qualquer atividade remunerada aos arguidos durante tão longo período de tempo que pudesse justificar a detenção dos montantes apreendidos. Como, finalmente, permitiu concluir que, nas situações identificadas os arguidos utilizaram efetivamente armas de fogo – não só a existência das armas foi expressamente referida pelos respetivos ofendidos, como, foram apreendidas armas de fogo – as identificadas nos factos provados (sendo que as apreendidas ao arguido BB tinham sido subtraídas e situações anteriores) – e não quaisquer outros objetos que assim aparentassem.

Quanto ao arguido FF, também a sua atuação ao longo deste período surge denunciada pelas interceções telefónicas. Além disso, o próprio arguido em audiência de julgamento admitiu que fazia feiras, onde vendia artigos usados e antiguidades e que comprava “umas coisinhas” ao arguido BB, que conheceu através de uma pessoa amiga. A este propósito disse que comprou tudo, com exceção dos relógios, canetas, garrafas, armas de fogo, máquina de barbear e que apenas à segunda ou terceira vez começou a desconfiar da conduta do arguido BB (apesar de, como disse, nunca ter pensado que a situação fosse tão grave). Estas ressalvas do arguido, contudo, não mereceram credibilidade, uma vez que aquando da busca à sua residência e veículo foram apreendidos vários objetos, conforme autos de apreensão de fls. 1544 e ss. e 1547, entre eles se incluindo relógios e canetas, não tendo o arguido sido capaz de justificar a razão para a não aquisição de tais

produtos ao arguido Emanuel se, como disse, vendia desses produtos nas feiras. De igual modo, não se mostraram minimamente credíveis as declarações do arguido quando refere que não conhecia a origem dos objetos que comprava – na verdade, se atentarmos no teor das conversas telefónicas mantidas com o arguido BB, claramente se percebe que o mesmo mantém conversas em código com aquele, compreendendo claramente o que o arguido BB queria apesar de este não ser explícito (a título de exemplo, veja-se a sessão 25389, de 6/8/2018, 99155040, em que o BB tenta dizer ao FF para se encontrar, sempre com frases inacabadas, mas que este percebe claramente) – tal traz à evidência que, tendo a conversa de ser parca e com o mínimo de referências para evitar a sua compreensão por terceiros, o arguido não podia deixar de saber o que se estava a esconder. Como se não mostra credível, como o arguido FF tentou fazer crer, que não conhecia o arguido CC – veja-se a conversa mantida na sessão 35869, de 8/10/2018, alvo 99155040, em que o BB lhe pergunta se foi ter com o irmão dele e ele responde que ele não lhe atendeu (o que claramente denuncia que o arguido FF não só sabia da existência do CC, como o conhecia). Quanto ao preço pago pelos valores, embora não tenha sido apurado o concreto valor em cada situação, resulta à evidência que, no contexto e nas circunstâncias de aquisição, o valor seria necessariamente inferior ao valor de mercado dos objetos – doutro modo não faria sentido a aquisição dos bens fora do mercado e sujeita a tanto sigilo (como o que resulta das conversas mantidas entre os arguidos).

No que respeita aos pedidos de indemnização civil e factos referentes ao estado em que os ofendidos ficaram, consideraram-se, além do que os próprios referiram, as regras da experiência comum, que permitem sem qualquer reserva considerar como assente o medo, pânico, inquietação no momento e posteriormente, e a perturbação subsequente da vida. Os factos que quanto a esta matéria se consideraram como não provados resultaram da ausência de prova nesse sentido, designadamente, dir-se-á que não foi produzida qualquer prova no sentido de que as libras apreendidas fossem as que foram subtraídas ao ofendido HHH – tanto mais que a leiloeira juntou aos autos cópia do documento de compra e do documento de identificação da vendedora, que nada tem a ver com os arguidos.

Posto isto, far-se-á agora a apreciação crítica da prova relativa a cada um dos inquéritos.

(…)

28- NUIPC 753/1... (Apenso G)

– Notificação para preservação das imagens captadas no local do ilícito, constante de fls. 4 do apenso.

- Aditamento referente ao visionamento das imagens preservadas, constante de fls. 8 do apenso.

- Relatório de Visionamento, com extração de fotogramas, onde são identificados BB e CC, os quais se fazem acompanhar de um terceiro indivíduo, constante de fls. 11 a 25 do apenso.

- Interceções telefónicas: Alvo 99155040 – BB Sessão 22921, 2018-07-26, 13:04:18 Sessão 22948, 2018-07-26, 19:01:18 Sessão 22962, 2018-07-26, 19:40:23

Alvo 100269040 – CC Sessão 3707, 2018-07-26, 15:52:29 Sessão 3713, 2018-07-26, 16:44:50 Sessão 3722, 2018-07-26, 18:44:21

Alvo 99987040 – AA Sessão 9414, 2018-07-26, 16:30:36 Sessão 9345, 2018-07-26, 19:01:19 Sessão 9473, 2018-07-27, 02:33:21

- Depoimento da testemunha HH, ofendida e proprietária da habitação, prestado de forma objetiva, espontânea e credível. A testemunha disse que estava no ... quando os factos ocorreram, tendo deles sabido pelo telefone. Confirmou, como já referido, que a casa tem sistema de videovigilância e que no seu interior tinha joias, algum dinheiro e prata.

- Depoimento da testemunha II, segurança na casa da ofendida HH, prestado forma objetiva, espontânea e credível. Disse que fazia segurança àquela residência. Os indivíduos apareceram por trás cerca das 23.45h, depois de ter feito a ronda na casa. Quando se apercebeu dos indivíduos fez barulho para os afugentar e eles fugiram, saindo pelo portão.

- Depoimento da testemunha III, empregada da ofendida HH, prestado de forma espontânea e credível. Disse que uns dias depois da primeira tentativa voltou a ouvir uns barulhos e de manhã soube pelo segurança que três pessoas tinham tentado entrar. Viu o portão danificado. A casa tem uma entrada nas traseiras e um portão grande.

A totalidade da prova constante dos autos e acima referida, conjugada criticamente, permitiu apurar os factos tal qual se consideraram provados. A testemunha JJJ descreveu o sucedido na noite dos factos, tendo a testemunha KKK referido que o portão estava danificado. A conversa telefónica mantida entre os arguidos BB e EEE, a que se refere a sessão 22962, de 26/7/2018, 19:40:23, conjugada com os fotogramas de fls. 688 a 693 e talão de compra de fls. 693, permitiu apurar os factos relativos à aquisição dos gorros e luvas. Visualizado o CD do inquérito, que contém as imagens captadas pela câmara de vigilância instalada na moradia e a que pertencem os fotogramas insertos no relatório de visionamento constantes daquele apenso, claramente se distingue a presença no espaço exterior da casa de três indivíduos, sendo que, como se visualiza na imagem, dois têm a mesma estrutura física e modo de caminhar e um é mais magro, trajando roupas escuras e capuz passa-montanhas. Analisados o teor das conversas referentes aos alvos 99155040 (sessões 22921, 22948 e 22962), 100269040 (3707 e 3713) e 99987040 (9430, 9433 e 9435) - referentes, respetivamente, aos arguidos BB, CC e AA – claramente se percebe que os participantes nas conversas mantiveram entre si contacto telefónico em que fazem combinações para se encontrarem, designadamente o alvo BB e GG entre si. De resto, mais tarde, como adiante se verá, o arguido vem a ser localizado perto de uma outra moradia onde ocorreu um roubo, onde também é localizado o arguido BB (à conclusão obtida por esta prova quanto à intervenção do arguido GG não é alheio o facto de se surpreenderem nos alvos referentes ao arguido BB diversas outras conversas entre ambos, denunciadoras de uma atuação conjunta relacionada com a atividade a que o último se vinha dedicando – veja-se, v.g. a conversa a que se refere a sessão 34669, de 01-10-2018, do alvo 99155040, em que o GG, usando dos cuidados que envolveram sempre as comunicações, diz ao BB que lhe mandou uma mensagem com uma coisinha fixe para os dois, não para os três, para ele e para a fotocópia dele). Esta prova permitiu, assim, apurar a autoria dos factos que se consideraram provados.

29- NUIPC 783/1... (Apenso U)

- Relatório de Diligências Iniciais elaborado pela Polícia Judiciária, Diretoria ..., constante de fls. 4 do apenso.

- Relatório de Exame Pericial nº 785/2018 da Polícia Judiciária, com Fotogramas da residência alvo, constante de fls. 45 do apenso.

- Ofícios enviados às operadoras móveis, com solicitação de registo de todas as comunicações telefónicas realizadas em que tenham sido acionadas as antenas mencionadas a fls. 19 a 23 do apenso, constantes de fls. 65 a 67 do apenso.

- Ofícios da Altice e da NOS (com a informação solicitada a fls 65 a 67), constantes de fls. 90 e 91.

- Aditamento pela entrega, por parte do lesado, da relação dos artigos furtados, constante de fls. 1405.

- Relatório de Informações Criminais (anexo) - analisados os eventos de rede das operadoras móveis, se verifica a fls. 6 que o nº ...3, referente ao BB, registou actividade no local pelas 00H34.

- ANÁLISE - LOCALIZAÇÕES GEOGRÁFICAS

Consta de fls. 429 análise de localização celular do alvo 99987040, referente a AA, onde se apercebe que a sessão 9471, pelas 00:37:02, daquele dia, foi registada na antena da operadora no local.

- Interceções telefónicas: Alvo 99155040 – BB Sessão 22921, 2018-07-26, 13:04:18 Sessão 22948, 2018-07-26, 19:01:18 Sessão 22962, 2018-07-26, 19:40:23

Alvo 100269040 – CC Sessão 3707, 2018-07-26, 15:52:29 Sessão 3713, 2018-07-26, 16:44:50 Sessão 3722, 2018-07-26, 18:44:21

Alvo 99987040 – AA Sessão 9414, 2018-07-26, 16:30:36

Sessão 9345, 2018-07-26, 19:01:19 Sessão 9473, 2018-07-27, 02:33:21

- Depoimento da testemunha KK, ofendida, proprietária da casa, prestado de forma espontânea e credível. A testemunha disse que no dia foi chamada a polícia. Quanto aos factos disse que nessa noite se tinham deitado e que acordou com uma pistola encostada à cabeça – seriam cerca das 00.30/0045h. Estavam 3 pessoas no quarto com a cara tapada e com luvas, tendo um uma arma que não pode dizer se é verdadeira. Perguntavam pelo ouro. Remexeram tudo. Para entrar, saltaram o muro e partiram o vidro da porta da cozinha. Eram jovens com 20/30 anos, altos, com pouco menos de 1,80m, e magros.

- Depoimento da testemunha JJ, ofendido, casado com a testemunha KK, prestado de forma espontânea e credível. A testemunha disse que eram 23.50h, mais ou menos, quando se deitaram. Cerca das 00.40h a mulher acordou-o a dizer que estavam a ser assaltados. Eram três encapuzados, sendo que um deles já tinha a mulher presa pelo pescoço e uma pistola encostada à cabeça. Pediu-lhe que não fizessem mal. Disse que já tinham feito a limpeza na casa toda, tendo virado tudo de pernas para o ar. Ainda viu os 3 indivíduos a fugir. Não ouviu partir o vidro. Tiraram uma tranca e fugiram para o lado de .... Esclareceu ainda que tentaram tirar-lhe a aliança do dedo, mas não conseguiram. Disse que eram indivíduos altos e elegantes. Todos vestidos de escuro. Levaram cerca de €300,00 e objetos de valor muito superior a €102,00 (embora não saiba o valor concreto).

A totalidade da prova constante dos autos e acima referida, conjugada criticamente, permitiu apurar os factos tal qual se consideraram provados. As testemunhas descreveram os factos tal qual ocorreram e confirmaram os objetos subtraídos, sendo que o valor foi considerado atenta a quantidade de objetos e o valor consabido do ouro, prata e pedras preciosas. Quanto à autoria dos factos, além da conjugação com as conversas telefónicas já referidas, é registado um evento de rede relativo ao telemóvel 93408843, utilizado pelo arguido BB, verificando-se registo de atividade no local pelas 00.34h (anexo de Relatório de informações criminais). A fls. 429 do processo, é feita a análise de localização celular do alvo 99987040 (GG), dela constando que no dia em causa a sessão 9471 foi registada na antena da operadora no local, pelas 00:37:02. Em período muito próximo (diferença de 3 minutos), pois, os dois arguidos GG e BB, que tinham mantido as conversas a que respeitam as sessões supra identificadas, estiveram no mesmo local próximo da moradia que veio a ser objeto deste segundo assalto.

30- NUIPC 582/1... (Apenso E)

Interceções telefónicas: Alvo 99155040 – BB Sessão 22921, 2018-07-26, 13:04:18 Sessão 22948, 2018-07-26, 19:01:18 Sessão 22962, 2018-07-26, 19:40:23

Alvo 100269040 – CC Sessão 3707, 2018-07-26, 15:52:29 Sessão 3713, 2018-07-26, 16:44:50 Sessão 3722, 2018-07-26, 18:44:21

Alvo 99987040 – AA Sessão 9414, 2018-07-26, 16:30:36 Sessão 9345, 2018-07-26, 19:01:19 Sessão 9473, 2018-07-27, 02:33:21

- Depoimento da testemunha LLL, proprietário da habitação, prestado de forma objetiva, espontânea e credível. A testemunha disse que estava a dormir e que, cerca das 2.00h da manhã, acordou com o barulho do alarme da casa. Acendeu as luzes do hall e das escadas, levantou-se e percorreu o espaço com cautela de acordo com o que era livre e visível. Foi avançando e chegou ao r/c. Dirigiu-se à sala de jantar onde está a central de segurança, abriu a porta e percebeu que a janela da frente estava aberta e os cortinados a voar. Não viu ninguém. Foi à janela e pôde observar que tinha sido estroncada. O fecho estava partido e as persianas presas com o auxílio de umas molas. No interior da residência tem objetos em prata e ouro de valor superior a €102,00.

A totalidade da prova constante dos autos e acima referida, conjugada criticamente, permitiu apurar os factos tal qual se consideraram provados. A testemunha descreveu sucedido nessa noite e confirmou os objetos que possuía no interior da residência e bem assim que os mesmos tinham valor superior a € 102,00. Quanto à autoria, nenhuma prova coloca os arguidos no local dos factos – não o sendo o simples facto de o arguido GG ligar para a companheira meia hora depois da ocorrência a dizer que já ia. O simples facto de nessa noite terem participado nos factos respeitantes aos antecedentes inquéritos não permite concluir, só por si, que participaram em todos as ocorrências dessa noite, não o permitindo concluir as conversas telefónicas ocorridas a que se referem as intersecções supra identificadas, que podem bem respeitar apenas às duas outras ocorrências em que outras provas objetivas se conjugam.”.

E, apreciando o recurso interposto pelo arguido recorrente, que impugnou a decisão da 1ª instância alegando insuficiência da matéria de facto provada para a sua condenação, devendo por isso ter sido absolvido, afirmou-se no acórdão recorrido:

O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada pressupõe a indicação de um qualquer facto concreto que devesse ter sido investigado pelo Tribunal a quo, considerado relevante para a decisão do mérito da causa, e que o mesmo não o tivesse sido3, sendo que o que resulta dos autos é o contrário disso, ou seja, que o Tribunal, no âmbito dos poderes de cognição que lhe competiam, face aos factos que constituíam o objeto do processo, e nessa medida também o objeto da prova, nos termos previstos no art.º 124º do CPP, não deixou de fora da sua apreciação nenhum deles, não tendo ficado fora do objeto do seu julgamento nenhum outro facto que importasse conhecer. Facto esse que o recorrente, por seu turno, não invoca, nem nós vislumbramos.

O que resulta ou se depreende da motivação do recurso é que o recorrente confunde o vício referido com a mera discordância que revela ao longo da motivação do recurso relativamente à decisão recorrida.

Razão por que, também nesta parte, irá ser negado provimento ao recurso.

(…)

Centra o recorrente a sua argumentação fundamentalmente na escalpelização que faz dos fundamentos deduzidos pelo Tribunal a quo, valorando claramente em seu favor as transcrições das conversações telefónicas resultantes das sessões 09414; 09430; 09433; 09435; 09473, de fls. 9 a 13 do anexo IX.

Diz o recorrente que da primeira conversa “percebe-se que, o arguido trabalha e teve um contratempo nessa manhã. Percebe-se também que, tem algo para contar à mulher e não quer falar ao telefone. Também é percetível que tem intenção de ir ajudar uma pessoa.”

E da segunda afirma que “dura vinte e seis segundos e não é mais do que o arguido AA a informar o coarguido BB que está a sair de casa para ir ao seu encontro.”

Olvida referir que as conversações registadas são idiossincraticamente encriptadas, de forma deliberada, e designadamente que o “ajudar alguém” não surge na primeira conversa como algo axiologicamente neutro, ou ingénuo, puro, ou mesmo altruístico, e que “o vou-te contar uma coisa depois”, se deva a qualquer razão de oportunidade ou necessidade de outro contexto de comunicação, mas muito plausivelmente algo que se tem de esconder de terceiros, de que não se pode falar ao telefone, circunstancialismo que, ao contrário do que pretende o recorrente, em vez de pôr em causa as ilações de prova produzidas pelo Tribunal a quo, que seria o que permitiria sustentar o erro que incumbe ao recorrente demonstrar para que se imponha decisão diversa da recorrida, pelo contrário, lhe dá bastante plausibilidade, sobretudo quando conjugado tal meio de prova com os demais considerados pelo mesmo Tribunal, nos termos expressos na motivação da decisão recorrida.

As mesmas considerações valendo para as demais ilações que o recorrente interpretativamente extrai das restantes conversações, a si naturalmente favoráveis, baseadas em detalhes por si escolhidos, como se tais conversações, no seu conteúdo e forma fossem portadoras de um mínimo rigor em termos comunicativos que permitisse com um mínimo de transparência uma tal significação, obnubilando assim aquilo que patentemente delas resulta, isto é, que os interlocutores, comunicam apenas, no campo do inevitável, o estritamente necessário, não querendo, deliberadamente, no próprio contexto da comunicação, deixar rastro do que efetivamente querem dizer, como se acautelassem a hipótese de alguém poder estar a ouvi-los. Por isso as conversações são criativas e os conceitos não são usados com o sentido comum, como “tá turbo”?, nem com um valor denotativo e sintático claramente concordante, como se de um discurso normal, logicamente coerente, transparente e claro se tratasse,(…)

(…)

Relativamente ao apenso U, vem invocar o relatório de eventos de rede pelo Núcleo de Análise Criminal do Departamento Criminal da Direção da PSP. Começando por afirmar que o relatório não está datado, jogando de seguida com uma inconspícua retórica: “este relatório não está datado, pelo que, não sabemos se é anterior ou posterior à análise da localização geográfica, a fls. 429, referente ao alvo 99987040 -AA (…) Em nenhum momento neste relatório aparece o número do arguido AA, aqui recorrente.”

Concluindo de seguida usando a conjunção “se”, a condicionar o valor da própria conclusão que enuncia:

“Se o tribunal assenta a prova do Apenso U neste relatório, então sempre se dirá que o arguido GG não esteve naquele local.”

Mas é precisamente o “se” que é determinante, pois o Tribunal a quo, relativamente à factualidade em causa não assenta a sua convicção em tal relatório, como meridianamente resulta da respetiva motivação (…)

E especificamente quanto ao apenso U, que:

“Consta de fls. 429 análise de localização celular do alvo 99987040, referente a AA, onde se apercebe que a sessão 9471, pelas 00:37:02, daquele dia, foi registada na antena da operadora no local.

- Interceções telefónicas: Alvo 99155040 – BB Sessão 22921, 2018-07-26, 13:04:18 Sessão 22948, 2018-07-26, 19:01:18 Sessão 22962, 2018-07-26, 19:40:23

Alvo 100269040 – CC Sessão 3707, 2018-07-26, 15:52:29 Sessão 3713, 2018-07-26, 16:44:50 Sessão 3722, 2018-07-26, 18:44:21

Alvo 99987040 – AA Sessão 9414, 2018-07-26, 16:30:36

Sessão 9345, 2018-07-26, 19:01:19 Sessão 9473, 2018-07-27, 02:33:21

- Depoimento da testemunha KK, ofendida, proprietária da casa, prestado de forma espontânea e credível. A testemunha disse que no dia foi chamada a polícia. Quanto aos factos disse que nessa noite se tinham deitado e que acordou com uma pistola encostada à cabeça – seriam cerca das 00.30/0045h. Estavam 3 pessoas no quarto com a cara tapada e com luvas, tendo um uma arma que não pode dizer se é verdadeira. Perguntavam pelo ouro. Remexeram tudo. Para entrar, saltaram o muro e partiram o vidro da porta da cozinha. Eram jovens com 20/30 anos, altos, com pouco menos de 1,80m, e magros.

- Depoimento da testemunha JJ, ofendido, casado com a testemunha KK, prestado de forma espontânea e credível. A testemunha disse que eram 23.50h, mais ou menos, quando se deitaram. Cerca das 00.40h a mulher acordou-o a dizer que estavam a ser assaltados. Eram três encapuzados, sendo que um deles já tinha a mulher presa pelo pescoço e uma pistola encostada à cabeça. Pediu-lhe que não fizessem mal. Disse que já tinham feito a limpeza na casa toda, tendo virado tudo de pernas para o ar. Ainda viu os 3 indivíduos a fugir. Não ouviu partir o vidro. Tiraram uma tranca e fugiram para o lado de .... Esclareceu ainda que tentaram tirar-lhe a aliança do dedo, mas não conseguiram.

Disse que eram indivíduos altos e elegantes. Todos vestidos de escuro. Levaram cerca de €300,00 e objetos de valor muito superior a €102,00 (embora não saiba o valor concreto).

A totalidade da prova constante dos autos e acima referida, conjugada criticamente, permitiu apurar os factos tal qual se consideraram provados. As testemunhas descreveram os factos tal qual ocorreram e confirmaram os objetos subtraídos, sendo que o valor foi considerado atenta a quantidade de objetos e o valor consabido do ouro, prata e pedras preciosas. Quanto à autoria dos factos, além da conjugação com as conversas telefónicas já referidas, é registado um evento de rede relativo ao telemóvel 93408843, utilizado pelo arguido BB, verificando-se registo de atividade no local pelas 00.34h (anexo de Relatório de informações criminais). A fls. 429 do processo, é feita a análise de localização celular do alvo 99987040 (AA), dela constando que no dia em causa a sessão 9471 foi registada na antena da operadora no local, pelas 00:37:02. Em período muito próximo (diferença de 3 minutos), pois, os dois arguidos AA e BB, que tinham mantido as conversas a que respeitam as sessões supra identificadas, estiveram no mesmo local próximo da moradia que veio a ser objeto deste segundo assalto.”

Daí que a conclusão extraída pelo recorrente (de que “Existem 4 contactos ditos de “interesse” no anexo de informações criminais. Um deles é do arguido BB. Os outros três são “desconhecidos”. Mas, se o AA estava a fazer assaltos com o BB, porque não aparece o seu número de telemóvel nestes dados de rede???”), é inócua para pôr em causa a decisão recorrida, sobretudo porque desvaloriza a localização celular de fls. 429 dos autos e a circunstância de o Tribunal a quo não se basear apenas nesses meios de prova. São elementos corroborantes, como o são os fotogramas que o recorrente de seguida disseca numa contraposição argumentativa à motivação da decisão de facto, essencialmente de caráter hermenêutico, não apresentando qualquer erro, qualquer meio probatório que imponha decisão diversa da recorrida. A partir da mera desconstrução de caráter argumentativo que faz das ilações probatórias produzidas na motivação da decisão de facto, e da consideração parcial, separada dos demais meios de prova, e desconsiderando a relação de complementaridade entre eles, de modo a pretender retirar-lhes valor probatório, vai concluindo pela ausência de prova dos factos. Esquecendo que tais meios de provas, se isoladamente considerados, dificilmente poderiam ter esse valor, como por exemplo afirmar que os fotogramas não são suficientes para concluirmos que se trata do recorrente, mas que quando conjugados entre si, como o fez o Tribunal a quo, ganham uma força probatória que vai além da mera soma das suas partes.

E as mesmas considerações valem para a argumentação que o recorrente tece na motivação do recurso à volta das conversações referentes ao alvo 99155040 – sessões 22921 (aquela ocorrida precisamente no dia 26/07/2018, 15:52:28, na qual BB fala com CC sobre a necessidade de comprar mais dois passa-montanhas, precisamente pouco mais de 30 minutos antes de o recorrente ter a conversa com a sua mulher, já acima referida, de que ia ajudar uma outra pessoa, com o encriptado sentido que também já deixámos referido supra), 22948 (que revela o encontro na mesma data entre o recorrente e o arguido BB), e 22962, entre BB e EEE, que, apesar dos múltiplos indícios, que mais uma vez ostensivamente ignora e muito menos conjuga entre si, numa mera consideração atomística, alienada da realidade revelada pelos demais meios de prova, considerados e atendíveis, leva o recorrente a dizer que tal conversa “sobre a compra dos gorros, que nada tem a ver com o arguido AA, aqui recorrente, e a sua intervenção nos factos”. O que se compreende, na perspetiva de que tem de construir uma versão da realidade a si favorável, mas que se estranharia se assim fosse produzida por quem, com o sentido do dever de investigação objetiva da verdade dos factos, tivesse que analisar tal meio de prova, conjugadamente com a quantidade e qualidade dos demais produzidos. As mesmas considerações valendo para a argumentação alternativa propugnada pelo recorrente, relativamente às sessões 3707 (que é de teor igual à já mencionada sessão 22921) e 3713, relativas ao alvo 100269040, sessões 9430, 9433 e 9435, referentes ao alvo 99987040.

E sendo certa a conclusão do recorrente de que “está feita prova de que o BB e o arguido AA estiveram juntos pelas 19H00”, não vemos como possa a seguir, desconsiderar, quer a dramaturgia dos acontecimentos que as diferentes conversações entre os vários atores vai revelando, quer o sentido prospetivo das mesmas, e recusar a plausibilidade, senão mesmo a forte plausibilidade de o recorrente ter também estado junto com os demais arguidos, quando mais tarde se deram os assaltos, porquanto tudo aponta para ter sido essa a dinâmica dos acontecimentos, sendo certo que seria estranho, ou só aceitável num espírito mais ingénuo, que algo de mais explícito pudesse ter sido obtido da prova recolhida, porquanto é evidente o caráter codificado, comummente codificado, com que todos comunicam entre si, e o caráter concordante desse modus operandi com a criminalidade violenta e organizada que as conversações registadas visavam preparar.

São despiciendas as ilações que o recorrente tece sobre a motivação da decisão de facto no tocante à sessão 34669, e às descodificação aí operada, sobre a “coisinha fixe” partilhada, que mais uma vez o recorrente escalpeliza dos demais meios de prova produzidos, criando artificialmente um contexto, mais uma vez de evidente segmentação, para assim tentar retirar valimento à valoração plausivelmente operada pelo Tribunal a quo, ou seja, e mais uma vez, não com base naquilo que pudesse ser o oferecimento de um meio de prova que impusesse decisão diversa da recorrida, mas a apresentação de uma crença ou de uma convicção, ainda por cima espartilhada, alternativa à que fundamentada e plausivelmente foi explicitada pelo Tribunal a quo na decisão recorrida.

Depois o que o recorrente afirma quanto “à eventualidade, de ser tido em consideração a análise da localização celular do alvo referente ao arguido AA, a fls. 429” acrescentando que tal não se concebe, “desde logo, porque como já foi amplamente referido este relatório não pode ser contraditado. Não sabemos quem o fez, nem em que data.” Arvora mais uma vez as suas ilações num facto não verdadeiro, porquanto resulta do relatório de interceção de comunicações de fls. 474 a 509, e mais precisamente a fls. 507 que “efetuada uma análise de localização celular do alvo 99987040, referente a AA, onde se percebe que a sessão 9471, pelas 00:37:02, daquele dia, foi registada na antena da operadora local. Junta-se Análise de Localização Geográfica, bem como cópias do expediente elaborado a título informativo.” E tal relatório foi elaborado pelo órgão de polícia criminal competente, está devidamente assinado e tem a data de 30/07/2018, podendo assim saber-se quem o fez e quando, encontrando-se junto aos autos já na fase de inquérito e sendo a localização geográfica de fls. 429, expressão ilustrada do que consta nesse relatório, podendo assim concluir-se que o recorrente ou o conhecia ou tinha o dever de o conhecer, e assim também ter exercido relativamente a ele o contraditório, no momento próprio, que era o da instrução em julgamento, até se considerar finda a produção de prova e se determinar o encerramento da audiência. Sendo que tal relatório foi elaborado com base nos dados de localização constantes dos CD’S com os dados de tráfego apensos aos autos que constituem o apenso U, enviados após solicitação pelo Tribunal, como resulta dos ofícios mencionados na motivação da decisão de facto, ou seja: “- Ofícios enviados às operadoras móveis, com solicitação de registo de todas as comunicações telefónicas realizadas em que tenham sido acionadas as antenas mencionadas a fls. 19 a 23 do apenso, constantes de fls. 65 a 67 do apenso. - Ofícios da Altice e da NOS (com a informação solicitada a fls. 65 a 67), constantes de fls. 90 e 91.de fls. 90 e 91.”

Por outro lado, no tocante aos fundamentos da impugnação assentes exclusivamente nas considerações de caráter meramente conclusivo que o recorrente produz sobre os depoimentos das testemunhas HH, II, III, KK e JJ, sem a extração de qualquer excerto que permitisse afirmar a existência de fundamento, com base nele, de que se impunha decisão diversa da recorrida, são por isso anódinos para que com base em tais considerações fosse possível pôr em causa a decisão recorrida.

(…)

Assim sendo, não vemos no caso dos autos que fundamento pudesse existir para se considerar, face à prova produzida e à convicção sobre ela criada pelo Tribunal a quo, estarmos perante uma dúvida relevante, persistente e insanável sobre se o arguido tinha ou não comparticipado na autoria dos factos, nos termos em que o considerou o Tribunal recorrido, nem vemos por outro lado, como o mesmo Tribunal tivesse violado as regras da experiência comum, e assim o disposto no art.º 127º do CPP, ou seja, que as ilações de plausibilidade, do ponto de vista lógico, a partir da análise criteriosamente produzia sobre a prova ou sobre os factos por esta diretamente demonstrados, não pudessem ser sufragadas como plausíveis, acima de qualquer dúvida razoável, aos olhos de qualquer cidadão comum, honesto, razoável, prudente e minimamente sagaz e inteligente.

(…)

Ou seja, produzindo sempre conclusões, cujos pressupostos não têm nos meios de prova obtidos o acolhimento de inocuidade que o recorrente pretende fazer crer que têm.

Nos termos do art.º 412º, nº 3, al. a) e b), do CPP a impugnação da decisão de facto, além de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, deve ainda especificar as concretas provas que imponham decisão diversa da recorrida, por referência ao “conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova” invocado5, com o sentido e alcance dados pelo art.º 412º, nº 3, al. b), e nº 4, do CPP. Possibilitando desse modo ao tribunal de recurso, ainda que cotejando tais meios de prova com a demais prova produzida, segundo a avaliação que com base neles e nas regras da experiência comum seja plausível fazer, concluir ou não que as mesmas impõem uma decisão diversa da recorrida. Sendo certo, como é sabido, que subjacente às disposições normativas do art.º 412º, nº 3, al. a) e b), do CPP, está o facto de o recurso da decisão da matéria de facto visar a correção de erros de julgamento concretamente identificados pelo recorrente e não um novo julgamento ou a repetição do julgamento já realizado, e já que nesse novo julgamento este Tribunal não gozaria das vantagens advenientes da oralidade e da imediação na produção da prova de que goza o tribunal da primeira instância, estando nessa medida menos apetrechado que aquele tribunal para formar devidamente a sua convicção, e com ela alcançar mais eficazmente a descoberta da verdade material. Sendo por isso que só nos casos devidamente descriminados, em que a análise da prova concretamente requerida imponha clara e necessariamente decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo, é que seria possível alterar o que por este foi decidido. Não sendo esse claramente o caso dos autos.

Como é bom de ver, pela técnica usada na motivação do recurso, o que o recorrente faz reiteradamente foi procurar uma nova apreciação de toda a prova considerada pelo Tribunal a quo, segmentando-a, atomizando-a para desse modo lhe retirar valor ou dar-lhe um valor insignificante, ao contrário do que sucederia quando integrada numa análise conjunta, globalmente considerada com a restante, e apelando assim, de facto a um novo julgamento e não propriamente à existência um erro que impusesse (pois é isso que a lei determina), e não apenas permitisse, nomeadamente por tal se afigurar plausível, uma decisão diversa da recorrida. O que sai corroborado pela técnica de dissecação desconstrutiva, em boa parte hermenêutica, que vai fazendo da motivação da decisão recorrida, apelando verdadeiramente a um novo julgamento, tendo por objeto toda a factualidade que o Tribunal deu como provada, baseando-se para tal na plausibilidade ou naquela que acha ser a maior plausibilidade da realidade dos factos, sustentando uma convicção a si favorável, alternativa à que foi criada, fundamentadamente, pelo Tribunal a quo.

Razão por que irá ser julgada improcedente a impugnação da decisão de facto.”. – negritos nossos.

2. De direito

2.1.Relativamente às sentenças condenatórias, o recurso extraordinário de revisão, regulado nos art.ºs 449.º e sgs. do CPP, concretiza o direito fundamental dos cidadãos à revisão das sentenças injustas, inscrito no art.º 29.º, n.º6, da Constituição da República (CRP). Trata-se de um meio processual em cuja configuração legal se reflecte, de modo particularmente intenso, a tensão entre o princípio da justiça, por um lado, e o da certeza e segurança do direito e o da intangibilidade do caso julgado, que destes últimos é instrumental, por outro lado. Estes últimos princípios, também eles estruturantes do Estado de Direito, cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento ou procedimento susceptíveis de pôr em causa a justiça da decisão.

O regime de admissibilidade da revisão traduz o difícil ponto de equilíbrio encontrado pelo legislador, na margem da credencial constitucional – “(…) nas condições que a lei prescrever” –, entre a imutabilidade da sentença transitada em julgado e a dúvida fundada e comunitariamente insuportável acerca da justiça da decisão penal ou do modo como foi atingida. Assim, reflectindo o carácter excepcional que qualquer alteração do caso julgado pressupõe, o art.º 449.º, do CPP, enuncia, de modo taxativo, as hipóteses em que pode ser concedida pelo Supremo Tribunal de Justiça a revisão da sentença penal transitada em julgado. Em suma, como este Supremo Tribunal disse no acórdão de 20/01/2021, Proc. 374/11.8FAMD-B.S1, em www.dgsi.pt, de entre muitos de uma jurisprudência constante, “(…) o recurso de revisão, dada a sua natureza excepcional, ditada pelos princípios da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado, não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário. Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada”.” – doravante todos os acórdãos citados encontram-se, em www.dgsi.pt.

No caso, o Requerente invoca o fundamento de revisão previsto na al. e), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, que admite a revisão da sentença transitada em julgado quando, “Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º” – negrito nosso. E retira a verificação deste pressuposto de revisão, i.e., a qualificação das provas como proibidas, não da ocorrência, posterior ao trânsito em julgado da sentença revidenda – rectius, do momento em que a pretensa nulidade fosse cognoscível – de qualquer facto ou circunstância até então processualmente desconhecida mas, do mero efeito retroactivo que atribui à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, operada pelo acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, da norma do art.º 4.º, conjugada com o art.º 6.º e da norma do art.º 9.º, todas da Lei 32/2008, de 17 de julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, os chamados metadados.

Os parâmetros constitucionais que o TC considerou violados foram os princípios constitucionais da proporcionalidade na restrição da reserva da intimidade da vida privada e da autodeterminação informativa e o direito a uma tutela jurisdicional efectiva.

Recorde-se que o art.º 126.º, do CPP, sob a epígrafe “Métodos proibidos de prova” dispõe o seguinte:

Artigo 126.º

Métodos proibidos de prova

1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.

2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:

a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;

b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;

c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;

d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;

e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.

3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

4. – (…).”.

Neste contexto, assentando a argumentação do Requerente na sustentação de que a retroactivade da declaração de inconstitucionalidade das referidas normas implica a nulidade das provas em que se fundou a condenação, deve admitir-se que o presente pedido de revisão, radicando embora na pretensa utilização de modos proibidos de prova, não pretende acolher-se estritamente à hipótese da al. e), mas também à da alínea f), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, que dispõe que a revisão de sentença é também admissível quando “seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação”.

2.2. Com efeito, confinando-se estritamente à alínea e), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, a pretensão estaria liminarmente condenada ao insucesso. Na aplicação deste fundamento de revisão, sempre este Supremo Tribunal tem sublinhado que o preceito legal deve ser interpretado no sentido de que, só se pode considerar verificada a situação prevista na hipótese normativa, se a «descoberta» de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas tiver ocorrido num momento em que o vício já não podia ser considerado na decisão condenatória ou nos recursos ordinários que dela couberam. Só pode dizer-se que foi descoberta uma situação com relevo para a decisão de condenar ou absolver se ela era, ou também era, processualmente desconhecida do tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado. Se o tribunal conhecia toda a envolvência da situação, mas fez dela uma errada apreciação houve um erro de julgamento, para cuja correcção a lei pressupõe serem suficientes as vias ordinárias admissíveis – cfr. Ac. do STJ, de 16/01/2014, Proc. 370/08.2.TAOM.E1.S.

Esta interpretação tem um sólido arrimo, desde logo, no teor literal da norma, sendo o único sentido possível da expressão “se descobrir”, paralela à da al. d), que significa a emergência de um facto novo desconhecido até ao termo da discussão da causa e, por isso, insusceptível de ter sido invocado pelo interessado em sede de recurso ordinário. Nessa hipótese, o recurso extraordinário de revisão apresenta-se como o único meio de defesa do condenado, um meio que não pode considerar-se excessivamente penalizador do caso julgado, dado o especial desvalor das provas proibidas – cfr. Ac. do STJ, de 04/07/2018, Proc. n.º 1006/15.0JABRG-D.S1.

E, é também confortada pelo elemento teleológico, da função do regime do recurso de revisão no sistema jurídico, como remédio instituído para situações de injustiça intolerável da decisão. Como se disse no Ac. do STJ, de 25/07/2014, Proc. 145/10.9JAPDL-B.S1, “(…) o texto legal não estabelece como seu requisito integrante a mera ocorrência de condenação baseada em provas proibidas. Com efeito, ao dispor que a revisão de sentença é admissível quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126º, a lei estabelece como requisito, a par de condenação baseada em provas proibidas, a circunstância de esse vício só vir a ser conhecido posteriormente. Não basta, pois, à verificação deste pressuposto de revisão de sentença a ocorrência de condenação baseada em provas proibidas tout court. A imposição de que o uso ou utilização e a valoração de provas proibidas só releva em matéria de revisão de sentença quando descobertos posteriormente, tem a sua justificação na excepcionalidade da revisão, na restrição grave que a mesma admite e estabelece [ … ], ou seja, ao caso julgado enquanto instituto que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, a intangibilidade do definitivamente decidido pelo tribunal. Na ponderação de interesses que sempre implica a resolução do conflito existente entre o valor do caso julgado e a admissibilidade de revisão de uma sentença, o legislador de 2007, possibilitando a quebra daquele perante um vício decisório resultante da utilização e valoração de provas proibidas, no entanto, entendeu limitá-la aos casos em que da ocorrência da anomia probatória só posteriormente se deu conta. Das considerações tecidas ter-se-á de concluir que o fundamento de revisão constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 449º só é relevante quando descoberto após a prolação da decisão, sendo que, tal como sucede relativamente ao fundamento previsto na alínea d) (novos factos ou meios de prova), só será atendível em recurso de revisão se o recorrente provar que só depois da condenação teve conhecimento da existência da prova proibida. De outro modo estar-se-ia a transformar o instituto de revisão de sentença em outro grau de recurso …”.

Ora, está fora de qualquer dúvida que o recorrente ficou a saber, no momento da sua prolação quais os elementos de prova que foram valorados no acórdão revidendo e o sentido em que o foram. E também que, quer o arguido, quer o tribunal colectivo conheciam, no momento da audiência de julgamento e da valoração dos aludidos elementos de prova, as circunstâncias em que foram utilizados os elementos probatórios resultantes das intercepções telefónicas e dos documentos fornecidos pelas operadoras, as circunstâncias de tempo, de modo e de lugar, em que esses elementos de prova relevantes foram obtidos e os respectivos relatórios produzidos e trazidos ao processo – tendo sido devidamente autorizados por despacho judicial ao abrigo do disposto nos art.ºs 187.º, 189.º, 252.º-A e 269.º, do CPP – , a fonte ou razão de ciência dos depoimentos dos agentes da autoridade policial que foram ouvidos nessa fase processual e, consequentemente, o nexo com os mesmos elementos probatórios. A fundamentação do acórdão condenatório é clara e suficiente nessas referências.

2.3. Deste modo, o que o Requerente pode invocar para justificar a revisão, e deve entender-se que invoca, não é um qualquer efeito inovatório no plano cognoscitivo, da persuasão ou conhecimento (cfr. um caso deste género, Ac. do STJ, de 28/04/2022, Proc. n.º 9492/05.0TDLSB-N.S1), mas o efeito normativo ou prescritivo que, na sua interpretação, a ordem jurídica atribui às declarações de inconstitucionalidade de normas com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional. Por outro ângulo, embora sempre materialmente reportado à qualificação das provas relevantes para a condenação como proibidas, em substância o Requerente quer fazer valer um fundamento de revisão enquadrável na al. f), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP.

Com a introdução, pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, do fundamento de revisão de sentença penal transitada constante da al. f), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, o legislador veio resolver o problema da inexistência no ordenamento infraconstitucional de um meio processual especificamente ordenado à repercussão, nas sentenças penais transitadas, das decisões do Tribunal Constitucional que declarem, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma, de conteúdo menos favorável ao arguido, que tenha integrado a ratio decidendi da condenação. Aliás, com propósito de completude do sistema semelhante à introdução da al. g), para as sentenças vinculativas do Estado Português proferidas por uma instância internacional. É em conformidade com esta teleologia que o alcance da norma da referida alínea f) deve ser determinado, pelo que importa, antes de mais, precisar o efeito das declarações de inconstitucionalidade normativa com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional.

A vinculatividade e os efeitos das decisões do Tribunal Constitucional enquanto órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa – a competência de controlo abstracto sucessivo da constitucionalidade – são os estabelecidos pela Constituição. Neste domínio, dispõe o n.º 1, do art.º 282.º, da CRP, que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado. Portanto, a regra é, efectivamente, a da retroactividade ex tunc.

Ficam, porém, ressalvados os casos julgados, i) salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional, ii) quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e, iii) for de conteúdo menos favorável ao arguido. É o que dispõe o n.º 3, do art.º 282.º, da CRP, que contém uma excepção ou limite à regra da retroactividade (ressalva dos casos julgados) e uma excepção a esse limite ou excepção, permitindo atingir os casos julgados mediante decisão nesse sentido do Tribunal Constitucional.

Outra faculdade de manipulação de efeitos das suas decisões com força obrigatória geral outorgada ao Tribunal Constitucional, que não vem ao caso porque não foi exercida e se menciona apenas para compreensão da amplitude do sistema, é a de alterar os efeitos retroactivos e os efeitos repristinatórios decorrentes do regime regra, ao abrigo do n.º 4, do art.º 282.º, por razões de segurança jurídica, de equidade ou de interesse público de excepcional relevo.

Parafraseando o que se disse no acórdão n.º 232/2004, do Tribunal Constitucional, colocado entre dois campos de interesses opostos – de um lado, a consideração do interesse da certeza e segurança jurídicas, a demandar respeito pelo caso julgado e, do outro lado, a afirmação da primazia da Constituição que reclamaria o afastamento de todos os efeitos jurídicos produzidos à sombra da norma que a violava –, o legislador constituinte sobrepôs o primeiro ao segundo, colocando como limite ao efeito ex tunc a existência de caso julgado formado relativamente às situações em que tenha ocorrido a aplicação da norma declarada inconstitucional. Não totalmente, porque no n.º 3, do art.º 282.º, da CRP, se consagra uma “excepção à excepção”, permitindo atingir os casos julgados, mas dependente de decisão expressa do Tribunal Constitucional.

Como se disse no mesmo acórdão, o afastamento do princípio do respeito pelo caso julgado não opera ope júris. Funda-se em razões de justiça, igualdade e equidade que são especialmente sensíveis nos domínios contemplados – o penal, o disciplinar e o contraordenacional. A atribuição desse poder ao Tribunal Constitucional explica-se pelo facto de tal solução envolver sempre a formulação de um concreto juízo de ponderação, com referência à concreta norma jurídica em causa, daquelas razões de justiça, ao qual não poderão ser alheios os princípios da adequação e proporcionalidade.

Importa ter presente que, o respeito pelo sistema de fiscalização da constitucionalidade e da correspondente repartição de poderes e competências, implica que ao conceito de força obrigatória geral corresponda a vinculatividade da decisão do Tribunal Constitucional para todos os órgãos constitucionais, incluindo todos os tribunais – vd. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. II, 4ª ed., pág. 966. Essa vinculação abrange todos os elementos que integram a estatuição da sentença constitucional, incluindo a modelação de efeitos, não competindo aos demais órgãos de soberania, no exercício das correspondentes competências, sobrepor-se ou substituir as ponderações que competem ao Tribunal Constitucional.

4. De tudo o que antecede resulta que a al. f), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, tem de ser interpretada restritivamente, em conformidade com a totalidade do sistema e a teleologia que a determinou, no sentido de que é seu pressuposto que a decisão do Tribunal Constitucional por efeito da qual, directa ou indirectamente, se pretende ver afastado o caso julgado penal tenha conferido esse alcance à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral .

Assim sendo, tendo o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 268/2022, se limitado a declarar a inconstitucionalidade das normas apreciadas com força obrigatória geral, sem modulação de efeitos, ficam preservados os casos julgados, porque só mediante decisão expressa desse Tribunal a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral os poderia atingir.

Consequentemente, não pode conceder-se a revisão, seja ao abrigo de qualquer dos fundamentos do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, hipoteticamente convocáveis. Ao abrigo da al. e), o pedido não é admissível porque não há descoberta inovatória do carácter proibido da prova utilizada. E, também, o não é ao abrigo da al. f), porquanto a decisão de inconstitucionalidade com força obrigatória geral contida no acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional não afasta o limite à retroactividade resultante do respeito pelos casos julgados.

O que prejudica a análise subsequente no sentido de averiguar se pode considerar-se que as normas declaradas inconstitucionais integram a ratio decidendi da decisão condenatória e em que medida o eventual recurso a “metadados” pelas autoridades judiciárias e órgãos de polícia criminal disponibilizados ao abrigo das referidas normas foi, em concreto, determinante dos termos da condenação.

5. De todo o modo, tendo presente a invocação pelo Requerente do disposto no n.º 4, do art.º 29.º, da CRP, sempre se dirá, acompanhando o Ac. do STJ, de 10/11/2022, Proc. n.º 35/15.9PESTB-Z.S2, que remete para a fundamentação do Ac. do STJ, de 6/9/2022, Proc. 4243/17.0T9PRT-K.S1, que o respeito pelo princípio constitucional da aplicação retroactiva das leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido não impõe que se ponha em causa o que antecede, nem exige maiores desenvolvimentos, porquanto “(…), conferindo as normas que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais, verificamos que estas não são de natureza penal, nem tão pouco podem ser consideradas normas de natureza processual penal e, nem sequer têm natureza substantiva (isto é, não podem ser consideradas normas de natureza penal, nem normas de natureza processual penal e, muito menos de cariz material), como foi bem explicado no acima citado ac. do STJ de 6.09.2022 (para cuja fundamentação se remete e aqui se dá por reproduzida), não afetando os meios de obtenção de prova obtidos de acordo com a lei do processo penal, nem tão pouco os direitos fundamentais do arguido”.

III. DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da 5.ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

a. Negar a revisão;

b. Condenar o Recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC – artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 09 de Março de 2023 (processado e revisto pelo relator)

Leonor Furtado (Relatora)

Agostinho Torres (Adjunto)

José Eduardo Sapateiro (Adjunto)

Eduardo Loureiro (Presidente)