Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
186/09.9TTLRA.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE
TRABALHO SUBORDINADO
TRABALHADOR INDEPENDENTE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ÂMBITO PESSOAL DE APLICAÇÃO
PERITO
Data do Acordão: 03/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- No domínio da LAT, aprovada pela Lei n.º 100/97, de 13/09, aplicável a um acidente ocorrido em 13/2/2009, são equiparados, para efeitos de reparação, a trabalhadores por conta de outrem os trabalhadores na dependência económica da pessoa ou entidade servida (art. 2.º n.º 2, da citada lei).

II- Não definindo a lei o conceito de dependência económica, terá de ser a jurisprudência, com os contributos da doutrina, a delimitar o mesmo.

III- Ora, de acordo com a jurisprudência e doutrinas mais relevantes, podemos dizer que um trabalhador se encontra na dependência económica quando se encontra integrado na estrutura organizativa de outrem, prestando a sua atividade em proveito dessa pessoa, com caráter de regularidade, e não apenas de forma esporádica ou acidental, recebendo dela a remuneração, que constitui o seu exclusivo ou principal meio de subsistência.

IV- Independentemente de a relação estabelecida entre as partes configurar ou não um contrato de trabalho subordinado.

V- O facto de o prestador de serviços emitir recibos verdes não é, por si só, determinante para o considerar como trabalhador independente e, assim, fora da estatuição do art. 2.º, da Lei n.º 100/97, se, nomeadamente, existirem outros elementos indiciadores, em maior número, como a exclusividade de emprego e de salário, o caráter de regularidade da sua atividade profissional em proveito da pessoa ou entidade que recebe o produto da sua atividade.

Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 186/09.9TTLRA.L1.S1, da 4.ª Secção

(Recurso de revista)

   

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I - Relatório

AA, por si e como representante legal da sua filha menor, BB e CC, representado por sua mãe, DD, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, intentaram, no Tribunal de Trabalho ..., ação especial, emergente de acidente de trabalho, contra Luso – Roux, Consultores, S.A. (presentemente, denominada Uon, Consulting, S.A.), formulando os seguintes pedidos:

a. Seja reconhecido e declarado como sendo um acidente de trabalho face ao regime legal da Lei n.º 100/97 de 13.09 e do Dec. Lei n.º 143/99 de 30.04;

b. Condenar a ré “Luso – Roux, Consultores, SA” a pagar, com início em 14.02.2009, à companheira do sinistrado e beneficiária legal, AA, até atingir a idade da reforma, a pensão anual e vitalícia de € 3.775,46;

c. Condenar a ré “Luso – Roux, Consultores, SA” a pagar, com início em 14.02.2009, aos filhos do sinistrado a pensão anual e temporária no valor de € 5.033,95, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o superior (arts. 20º n.º 1 al. c) da Lei 100/97 de 13.09 e 49º n.º 1 do Dec. Lei n.º 143/99 de 30.04);

d. Condenar a ré “Luso – Roux, Consultores, SA” a pagar nos termos do art. 22º, n.º 1, al. b), da Lei 100/97 de 13.09, um subsídio por morte no valor de € 5.400,00 sendo metade para a AA e metade para os filhos;

e. Condenar a ré “Luso – Roux, Consultores, SA” a pagar à beneficiária legal AA a quantia de € 1.800,00 (mil oitocentos euros) dado que não houve trasladação (art. 22º n.º 3 da Lei 100/97 de 13.09);

f. Juros de mora à taxa legal.

A Ré contestou.

Foi proferido despacho saneador.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida, em 15/07/2014, sentença pelo ... Juízo, ... Secção, do Tribunal de Trabalho ..., com o seguinte dispositivo (transcrição):

4.1. Nos termos e fundamentos expostos julgo a acção procedente e, em consequência decide-se:

4.1.1. Reconhecer o acidente dos autos como acidente de trabalho.

4.1.2. Condenar a ré “Luso-Roux, SA” a pagar:

I. a AA:

i. uma pensão anual e vitalícia no montante de € 3.775,46 (três mil, setecentos e setenta e cinco euros e quarenta e seis cêntimos), devida desde 14 de Fevereiro de 2009, passando a ser computada com base em 40% da retribuição após a idade da reforma ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a capacidade de trabalho da autora, a pagar em 14 prestações mensais até ao 3.º dia de cada mês, devendo as prestações correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada da pensão anual, ser pagas nos meses de Maio e Novembro de cada ano, e ainda juros de mora, à taxa legal, desde o fim de cada mês a que o duodécimo atrasado respeita e até integral pagamento;

ii. a quantia de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), a título de despesas de funeral, acrescida de juros, à taxa legal, desde 29 de Junho de 2010 e até integral pagamento;

iii. a quantia de € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), a título de subsídio por morte, acrescida de juros, à taxa legal, desde 29 de Junho de 2010 e até integral pagamento;

II. a BB e CC:

i. uma pensão anual e temporária no montante de € 5.033,95 (cinco mil, trinta e três euros e noventa e cinco euros), devida desde 14 de Fevereiro de 2009 até perfazerem 18, 22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentarem respectivamente, o ensino secundário ou equiparado ou o ensino superior, a pagar em 14 prestações mensais até ao 3.º dia de cada mês, devendo as prestações correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada da pensão anual, ser pagas nos meses de Maio e Novembro de cada ano, e ainda juros de mora, à taxa legal, desde o fim de cada mês a que o duodécimo atrasado respeita e até integral pagamento;

ii. a quantia de € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros), a título de subsídio por morte, acrescida de juros, à taxa legal, desde 29 de Junho de 2010 e até integral pagamento.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação, vindo o Tribunal da Relação ... a proferir acórdão, em 21/05/2014, posteriormente retificado por acórdão de 10/09/2014, que revogou a sentença recorrida e, consequentemente, absolveu a referida Ré dos pedidos deduzidos pelos Autores, fundamentando a sua posição, em síntese, por o sinistrado se comportar perante a Administração Fiscal como trabalhador independente e, desta forma, recair sobre ele o dever de, nessa mesma qualidade, ter de celebrar o seguro a que se refere os arts. 3.º da LAT e 1.º do DL n.º 159/99, de 11/05, para em caso de acidente de trabalho, garantir para si, e seus familiares, as indemnizações e prestações em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares.

Vieram, agora, os Autores interpor o presente recurso de revista, com as seguintes Conclusões, que passamos a transcrever:

l. No douto acórdão recorrido, o Tribunal da Relação ..., revogando a sentença proferida na primeira instância, afastou a responsabilidade da Ré pela reparação dos danos decorrentes do acidente de trabalho que vitimou o sinistrado e julgou a acção improcedente.

2. O Tribunal a quo fundamentou tal decisão no facto de a vítima emitir recibos verdes contra a entrega das quantias que lhe eram pagas pela Ré e de, em sede de IRS, declarar os seus rendimentos de trabalho englobados na categoria B, pelo que, concluiu o Tribunal, que «(...) comportando-se o sinistrado perante a Administração Fiscal como um trabalhador independente, sobre ele recaía o dever de nessa mesma qualidade celebrar o seguro a que se refere o artigo 3º da LAT e o artigo Io do DL 159/99, para em caso de acidente de trabalho, garantir para si e para os seus familiares, as indemnizações e prestações em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares, nos termos estabelecidos naquele último diploma.»

3. Porém, esses elementos, eventualmente com relevo indiciário para caracterizar determinada relação laboral, perdem a sua relevância em matéria de acidentes de trabalho cuja abrangência legal é muito mais lata.

4. Já que, nos termos do art. 2º, n° 2 da LAT, são também considerados trabalhadores por conta de outrem aqueles que, considerando-se na dependência económica da pessoa servida, prestem, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço.

5. E o art. 3o do mesmo diploma legal que, no seu n° 1, estabelece a necessidade de os trabalhadores independentes efectuarem um seguro que garanta as prestações previstas na LAT, contém, no seu n° 2, e para este efeito, a noção de trabalhadores independentes como sendo aqueles que trabalham por conta própria.

6. Está assente que o sinistrado trabalhava para a Luso - Roux desde Junho de 2008, tendo o acidente de trabalho ocorrido em Fevereiro de 2009, quando executava uma peritagem para a Ré, num local indicado por esta e onde ocorrera uma infiltração.

7. E que, sempre que ocorria um sinistro coberto por uma seguradora cliente da Ré, esta seleccionava um dos peritos que consigo trabalhavam, comunicava-lhe a realização da perícia através do seu portal informático e transmitia-lhe as instruções de execução da peritagem especificadas pela sua cliente.

8. E que, desde Junho de 2008, a Ré era a única empresa para a qual o sinistrado exercia a sua actividade profissional, de forma regular, e que as quantias que a Ré lhe pagava mensalmente eram a sua única fonte de subsistência, não tendo qualquer outra actividade remunerada.

9. Ou seja, o sinistrado prestava a sua actividade profissional exclusivamente em proveito da Ré, com carácter de regularidade, não esporádico ou acidental, sendo remunerado todos os meses em função dessa actividade.

10. Em presença de todos esses elementos, conclui-se que o sinistrado prestava a sua actividade na dependência económica da Ré, sendo, portanto, abrangido, pelo disposto no art. 2º, n° 2 da LAT.

11. E tal conclusão ocorre, quer se considere que a dependência económica de que a LAT se socorre para alargar o conceito de trabalhador com direito à reparação por acidente de trabalho, significa, tão-só, que o trabalhador depende, em absoluto, da remuneração que lhe é paga pela empresa para a qual presta actividade para prover ao seu sustento e dos seus familiares, como entendeu o tribunal de primeira instância;

12. Quer, numa visão quiçá mais abrangente, tal dependência económica seja entendida como pressupondo a integração do prestador da actividade profissional no processo empresarial de outrem (a pessoa servida), não podendo essa actividade, se rejeitada por quem a recebe, ser aproveitada por terceiros (Ac. do STJ, de 27.5.2004, Relator Conselheiro Fernandes Cadilha);

13. O certo é que, atenta a factualidade assente nos autos, e seja qual for a interpretação por que se opte, prestando o sinistrado a sua actividade profissional, com carácter de regularidade, exclusivamente para a Ré, da qual recebia mensalmente os únicos proventos de que necessitava para o seu sustento e dos seus familiares, sendo a Ré a beneficiária exclusiva da actividade profissional prestada pelo sinistrado, a qual se integrou no seu processo produtivo, e não podendo tal actividade, em caso de rejeição, ser aproveitada por terceiros, haverá que concluir que o sinistrado se encontrava na dependência económica da Ré, pelo que o acidente dos autos sempre terá de ser enquadrado no âmbito da LAT e reconhecido como acidente de trabalho.

14. Assim, e ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, o sinistrado não era um trabalhador independente (não exercia actividade profissional por conta própria - art. 3º, n° 2 da lei de acidentes de trabalho), antes devendo considerar-se um trabalhador na dependência económica da Ré, equiparado a trabalhador por conta de outrem, para efeitos do exercício do direito à reparação de danos por acidente de trabalho, nos exactos e abrangentes termos configurados no n° 2 do art. 2º da LAT.

15. Pelo que, atenta a restante factualidade, a Ré "Luso-Roux Consultores, SA" é a responsável pela reparação do acidente de trabalho que vitimou o sinistrado EE, tal como foi decidido na primeira instância.

16. Com a prolação do douto Acórdão recorrido, o Tribunal a quo incorreu em erro de interpretação das normas legais aplicáveis ao caso, violando, designadamente, os artigos 2°, nº 2 e 30,n°s l e 2, da LAT.

17. Termos em que, concedendo-se a Revista, deverá o mesmo Acórdão ser revogado, repristinando-se a decisão proferida na primeira instância que julgou a acção procedente e condenou a Ré nos termos peticionados.

Por despacho da Senhora Desembargadora Relatora, datado de 15/2/2022, foi o recurso admitido, com efeito devolutivo.

Submetidos os autos à Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Objeto do recurso

De acordo com o conteúdo das Conclusões do recurso apresentado pelos Autores e o teor do acórdão recorrido, e sempre sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso que cumpra conhecer, a questão crucial a decidir, neste recurso, é saber se o sinistrado EE devia, ao tempo do sinistro, ser considerado trabalhador na dependência económica da ora recorrida, a Ré Uon, Consulting, S.A., e, assim, os seus familiares poderem beneficiar da reparação dos danos, à semelhança do que acontece, relativamente aos familiares dos trabalhadores por conta de outrem, atenta a equiparação estabelecida na norma do art. 2.º n.º 2, da LAT, ao tempo em vigor.

III – Fundamentação

Começamos por dizer que estamos em sintonia com as instâncias que a legislação aplicável, no caso concreto, será a Lei n.º 100/97[1], de 13/09, que aprovou o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, atendendo à data em que ocorreu o acidente que vitimou o sinistrado – 13/02/2009.

Ora, nos termos do art. 2.º, da citada lei, têm direito à reparação os trabalhadores por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos (n.º 1). Consideram-se trabalhadores por conta de outrem para efeitos do presente diploma os que estejam vinculados por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado e os praticantes, aprendizes, estagiários e demais situações que devam considerar-se de formação prática, e, ainda os que, considerando-se na dependência económica da pessoa servida, prestem, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço (n.º 2). É aplicável aos administradores, diretores, gerentes ou equiparados, quando remunerados, o regime previsto na presente lei para os trabalhadores por conta de outrem (n.º 3).

Para o caso sub judice, é relevante o segmento do n.º 2 da norma em causa, que faz menção aos trabalhadores que se encontram na situação de dependência económica da pessoa ou entidade servida, uma vez que será, neste âmbito, que se poderá, porventura, enquadrar a situação do sinistrado.

Com efeito, parece-nos ponto assente, em consonância, aqui, com ambas as instâncias, de que inexistia, na verdade, uma relação de trabalho subordinado, designadamente, por ausência do elemento de subordinação jurídica, entre o sinistrado e a Ré.

Mas, será que se poderá considerar que o mesmo, em face da matéria de facto que foi dada como provada, estava numa situação de dependência económica relativamente à Ré?

A resposta a esta questão ditará o destino do recurso em análise.

Vejamos, então.

Na parte que ora nos interessa, as instâncias deram como provados os seguintes factos:

- Em 20 de junho de 2008 EE e a ré "Luso-Roux - Avaliadores Empresariais, SA" subscreveram o acordo designado por "contrato de prestação de serviços" junto a fIs. 309 a 313 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;

- O sinistrado nas funções de perito deslocava-se aos locais para recolha de elementos de elaboração do relatório;

- Desde junho de 2008 o sinistrado exerceu as funções de perito apenas para a ré sendo as quantias por esta pagas a sua única fonte de subsistência;

- A ré era a única empresa para quem o sinistrado fazia peritagens de seguro com o esclarecimento que não tinha outra atividade remunerada;

- Os relatórios das perícias indicadas pela ré eram realizados em casa do sinistrado;

-A ré indicava ao sinistrado as peritagens a realizar e locais;

- O sinistrado emitia recibos verdes contra a entrega das quantias peia ré;

- Os honorários pagos pela ré a EE eram em função do número de processos de peritagens concluídas;

- No período entre 20 de julho de 2008 e 31 de janeiro de 2009, a ré pagou a EE as seguintes quantias e nas seguintes datas:

- No dia 30 de julho de 2008 a quantia de € 629,00;

- No dia 29 de agosto de 2008 a quantia de € 1.243,45;

- No dia 30 de setembro de 2008 a quantia de € 659,00;

- No dia 31 de outubro de 2008 a quantia de € 1.548,45;

- No dia 30 de novembro de 2008 a quantia de € 593,45;

- No dia 31 de dezembro de 2008 a quantia de € 822,00;

- No dia 31 de janeiro de 2009 a quantia de € 797,10;

- A ré escolhia um dos muitos peritos que lhe prestam serviços para realizar a respetiva peritagem e encomendava-lhe a realização;

-A ré assim procedia com EE;

- As peritagens a realizar são transmitidas aos peritos através do portai informático da ré;

- EE podia aceitar ou recusar as peritagens que a ré lhe encomendou;

- Competia a EE, marcar as peritagens de acordo com a sua disponibilidade e a do segurado;

- Era EE que definia a(s) zona(s) geográficas onde pretendia exercer os seus serviços;

- As normas relativas à execução da peritagem, prazos, procedimentos administrativos e demais regras variavam consoante a seguradora cliente da ré;)

- As indicações dadas pela ré a EE tinham como fim cumprir prazos e objetivos das peritagens que eram adjudicadas à ré por parte dos seus clientes;

-A ré apenas transmitia a EE aquilo que lhe era comunicado a si pelas seguradoras;

- As indicações transmitidas pela ré a EE quanto ao modo como os serviços devem ser realizados e de regras relativas às peritagens correspondiam às prévias instruções fornecidos pelos clientes à ré;

- O sinistrado elaborava os relatórios na sua residência ou no local que quisesse;

- O EE nunca teve uma secretária, uma mesa, uma cadeira nas instalações da ré;

- Todos os instrumentos de trabalho utilizados pelo EE, como o automóvel, o computador e respectivos periféricos, acesso à internet e máquina fotográfica eram propriedade sua;

- Era ainda o EE quem custeava todas as despesas de combustível, portagens, refeições, telemóvel e consumíveis;

- Era EE que definia o tempo e data do seu período de férias;

-  O computador que EE usava era de sua propriedade;

- A ré nunca fixou qualquer horário a EE;

- EE deslocou-se em número de vezes não concretamente apurado às instalações da ré;

- A ré nunca fez qualquer desconto nos honorários de EE a título de contribuições para entregar na Segurança Social;

-A ré nunca controlou a assiduidade de EE ou falta dela;

- A ré nunca pagou a EE qualquer quantia a título de subsídio de férias e de Natal.

Importa, a propósito, salientar que o conceito de dependência económica não se encontra definido na lei, pelo que terá de ser a jurisprudência, naturalmente, com os preciosos contributos da doutrina mais significativa, a delimitar o mesmo.

E, na esteira da jurisprudência mais abalizada, a dependência económica pressupõe, nomeadamente, i) a integração do prestador, de modo tendencialmente duradouro e exclusivo, no processo empresarial de outrem, sendo com ela incompatíveis situações de prestação de serviços sem contrapartida retributiva ou, por outro lado, meramente casuais ou esporádicos; e ii) a inaproveitabilidade por terceiro da atividade desenvolvida, não sendo determinante, embora possa revelar, que o trabalhador não tenha outro emprego, outro salário ou outro benefício da sua atividade profissional (Cfr., nesse sentido, o acórdão do TRC de 13/11/2019, no Proc. n.º 716/14.4TTCBR.C1, cujo relator é o Senhor Desembargador Jorge Loureiro, in www.dgsi.pt).

Não muito diferentemente, os acórdãos do STJ de 18/11/1999, no Proc. n.º 99S215, do qual é Relator o Senhor Conselheiro Diniz Nunes, e de 27/5/2004, no Proc. n.º 04S013, relator o Senhor Conselheiro Fernandes Cadilha, decidiram que a subordinação económica relaciona-se com a natureza da remuneração, tendo esta de constituir para o trabalhador o seu exclusivo ou principal meio de subsistência - primeiro aresto - e que, provando-se que o sinistrado em acidente de trabalho prestava a sua atividade profissional em proveito de uma outra pessoa, com caráter de regularidade, e não apenas de forma esporádica ou acidental, deverá considerar-se como trabalhador dependente, para efeito do exercício do direito à reparação de danos por acidente de trabalho, independentemente de a relação jurídica estabelecida entre as partes configurar ou não um contrato de trabalho  - segundo aresto.

Saliente-se, igualmente, que já José Augusto Cruz de Carvalho, no seu incontornável livro Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, 1983, pg. 11, em comentário à Base II, da velhinha Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, escrevia que não sendo fácil dar de dependência económica – que se distingue da subordinação jurídica – uma noção precisa com correspondência a uma situação social bem definida, é possível, em termos aproximados, dizer que tal dependência existe, quando o trabalhador vive da remuneração do seu trabalho, quando deste deriva o seu exclusivo ou principal meio de subsistência, sendo a respetiva atividade utilizada integral e regularmente por quem a remunera.

E, mais à frente, a pgs. 12, rematava que a dependência económica é um status, uma situação de vida em que um dos contraentes se acha subalternizado relativamente ao outro.

Por seu turno, para António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 2017, pgs. 132 e 133, a dependência económica revela-se por dois traços fundamentais e normalmente associados: o facto de quem realiza o trabalho, exclusiva e continuamente, para certo beneficiário, encontrar na retribuição o seu único ou principal meio de subsistência (há assim uma dependência da economia do trabalhador perante a do mesmo beneficiário; e, de outro ângulo, o facto de a atividade exercida, ainda que em termos de autonomia técnica e jurídica, se inserir num processo produtivo dominado por outrem (verificando-se pois dependência sob o ponto de vista da estrutura do mesmo processo).

Daí, uma certa proximidade material entre trabalho juridicamente subordinado e trabalho autónomo economicamente dependente[2], sendo que nesta modalidade o trabalhador auto-organiza-se e autodetermina a atividade exercida em proveito próprio, induzindo necessidades idênticas de proteção (ob. cit., pg. 153).

Ora, dito isto, o acórdão recorrido, em nossa opinião, sobrevalorizou, em demasia, o facto de o sinistrado se comportar perante a Administração Fiscal como trabalhador independente, ao emitir recibos verdes - sem dúvida, um elemento indiciador forte de trabalho independente, que fica de fora da estatuição do art. 2.º, da LAT -,  em detrimento, porém, de outros elementos também dados como assentes, como ele trabalhar, em exclusivo, para a Ré - pese embora não estar obrigado a tal, nos termos do contrato -, com caráter de regularidade, ou seja, não de uma forma ocasional ou eventual, e por um período relativamente longo, interrompido apenas pelas razões conhecidas, e ainda receber daquela o seu único salário, fatores que, devidamente conjugados, apontam precisamente no sentido da sua dependência económica em relação à Ré.

Assim, feita uma ponderação, um balanceamento, do conjunto de todos estes elementos, temos de concluir que há mais indiciações na direção da tese da dependência económica, com o alcance que atrás delineámos, do que no sentido do trabalho independente.

Nesta conformidade, bem andou a primeira instância em ter considerado que o sinistrado estava na dependência económica da Ré e, de harmonia com este entendimento, haver lugar à reparação dos pedidos reivindicados pelos seus familiares, por força da extensão constante no art. 2.º n.º 2, da mencionada Lei n.º 100/97, de 13 de setembro.

Assiste, pois, razão aos recorrentes.

IV – Decisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso dos Autores, concedendo a revista e, em consequência, repristinar o sentenciado na primeira instância.

Custas do recurso pela recorrida/Ré.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 30 de março de 2022

(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Ramalho Pinto

Júlio Manuel Vieira Gomes

Sumário (art. 663.º n.º 7, do C.P.C.)

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[1] Revogada, posteriormente, pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, mas esta aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos depois de 1/1/2010 (arts. 187.º e 188.º).
[2] Trabalho autónomo com traços de dependência económica é, apesar de tudo, no dizer do autor italiano Adalberto Perrulli, citado por Júlio Manuel Vieira Gomes, na sua obra Direito do Trabalho, Vol. I, 2007, pg. 192, um fenómeno complexo e ambíguo.