Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
120/06.8TBGDL.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OBRAS URGENTES
ARRENDATÁRIO
SUSPENSÃO DO CONTRATO
OBRAS DE RECONSTRUÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Apenso:
Data do Acordão: 01/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / LOCAÇÃO / OBRIGAÇÕES DO LOCATÁRIO / OBRAS DE RECUPERAÇÃO DO EDIFÍCIO.
Doutrina:
- Adelaide Menezes Leitão, “Regime jurídico das obras em locais arrendados”, em O Direito - Temas de Direito ao Arrendamento, nº 7, 2013, p. 171 e segs..
- Assunção Cristas, “Regime de obras e sua repercussão na renda e na manutenção do contrato de arrendamento”, em Themis, nº 15, p. 27 e segs..
- Pais de Sousa, “Obras no locado e sua repercussão nas rendas”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Inocência Galvão Teles, vol. III, p. 159 e segs..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1038.º, N.º 1, AL. E).
DEC. LEI Nº 157/06, DE 8-8: - ARTIGOS 5.º. E 8.º.
LEI Nº 2.088, DE 3-6-1957 (ENTRETANTO REVOGADA E SUBSTITUÍDA PELO DEC. LEI Nº 157/06, DE 8-8).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 2-10-10, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1. O facto de o arrendatário, depois de receber uma notificação avulsa requerida pelos senhorio, não proceder à entrega do imóvel arrendado, a fim de serem realizadas obras de recuperação profunda do prédio que exigiam a sua desocupação por um período dilatado de tempo, não configura uma situação de incumprimento da obrigação de “tolerar as reparações urgentes” a que alude o art. 1038º, al. e), do CC, geradora de responsabilidade civil.

2. No domínio da Lei nº 2.088, de 3-6-1957 (entretanto revogada e substituída pelo Dec. Lei nº 157/06, de 8-8), na falta de acordo entre o arrendatário e o senhorio para a suspensão do contrato de arrendamento para realização de obras de reconstrução do edifício, tal efeito apenas poderia ser obtido através de decisão judicial, não bastando a mera notificação judicial avulsa.

A.G.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - AA,

BB e mulher CC

e

DD

intentaram acção declarativa de condenação contra

EE

e

HERANÇA INDIVISA de FF (representada por GG e EE)

pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 82.173,60e juros, depois ampliado em mais € 38.358,17, com o fundamento em que os RR. recusaram desocupar o local arrendado para efeitos de realização de obras, o que determinou prejuízos decorrentes do aumento dos custos.

Os RR. contestaram alegando que não se verificam os pressupostos do direito de indemnização, uma vez que os AA. sempre pretenderam a demolição e reconstrução do prédio e não a sua conservação, não sendo a notificação avulsa instrumento adequado para satisfazerem a sua pretensão de desocupação do locado.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Os AA. apelaram e a Relação revogou a sentença, condenando os RR. no pagamento da quantia de € 82.173,60 e juros de mora desde a citação.

Os RR. interpuseram recurso de revista em que concluíram que:

a) Os RR. intentaram acção com vista a exigir a reparação do telhado, opondo-se à reconstrução do edifício, porque sabiam que isso os privaria do locado.

b) O locado foi usado e fruído pelos RR. até à entrega das chaves para a realização de obras, sendo deste modo totalmente infundadas, salvo o devido respeito, as considerações expressas no acórdão sob censura quanto à pertinência dessa acção.

c) Razão tinham os RR. para recearem que a verdadeira intenção dos locadores era obter o andar livre e desocupado, como infelizmente foi confirmado pela realidade.

d) Os AA. deliberadamente não procederam à impermeabilização da cobertura, em devido tempo, porque tinham projectado demolir o edifício e reconstruir de novo, conforme flui da prova produzida nas instâncias e nem sequer autorizaram os inquilinos a executarem obras de reparação da cobertura.

e) Dado que os RR. apenas ocupavam o r/c e por cima destes havia ainda o 1º andar e as águas furtadas, é facto notório que a reparação atempada da dita cobertura evitaria as infiltrações que originaram a degradação do edifício.

f) Em devido tempo, era viável a reparação da cobertura do edifício, o que teria evitado a infiltração das águas pluviais.

g) Caso as obras consistissem apenas na reparação da cobertura do edifício, não seria necessária a desocupação do r/c.

h) É facto notório que um edifício não se degrada ao fim de 6 anos ao ponto de necessitar de ser reconstruído de novo.

i) Os AA. tudo fizeram para "correr com os inquilinos" que constituíam um estorvo aos seus intentos, sendo os RR. obrigados a recorrer a Tribunal para conseguirem a decisão proferida no procedimento cautelar, onde os AA. foram condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos susceptíveis de diminuir a fruição e gozo do locado por parte dos requerentes, designadamente de despejar água no tecto que cobre sobre a habitação e estabelecimento comercial destes.

j) Os AA. não lograram provar que “após a entrega do locado os autores tiveram que abordar as obras a efectuar no prédio de uma forme diferente, pois que o seu estado já não era de degradação, mas sim de ruína”, que mereceu a resposta de “não provado”, matéria determinante para a sustentação do pedido indemnizatório e provou-se, ao invés que foi intenção dos demolirem para reconstrução o prédio e não repará-lo.

k) Os AA. não disponibilizaram aos RR. qualquer espaço alternativo para o comércio, constituindo a declaração constante da notificação avulsa uma declaração não séria e um mero pretexto para obterem a desocupação do locado.

l) Os AA. fundamentam a condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que alegam ter sofrido derivado do facto de não terem entregue o locado que pretendiam reconstruir quando para tanto foram notificados em 23/04/97, para entregarem o locado livre e devoluto de pessoas e bens de modo a permitirem a realização de obras até ao fim do mês de Junho de 1997.

m) Fundamentam o petitório com base num contrato-promessa de compra e venda a troco da reconstrução do locado, onde foi negociado um prazo de forma definitiva, derradeira e improrrogável que terminava em 3/3/03.

n) A negociação é feita durante a pendência da acção nº 312/99, no pressuposto que o locado estava habitada pelos inquilinos, sendo certo que a fixação do dito prazo, face ao normal andamento e incerteza de uma decisão com trânsito em julgado, é no mínimo imprudente e que não pode ser assacada aos ora recorrentes.

o) Os factos constantes da resposta ao art. 18º (“se os réus tivessem entregue o locado em 1997, ter-se-ia observado o contrato constante de fls. 173 e segs., o qual, além do mais, prevê que o custo das obras de restauração do edifício seja feito pelo valor de 24.000.000$00"), revelam obscuridade e estão em contradição com a prova produzida.

p) O contrato em causa era inexistente em 1997, uma vez que foi negociado e produzido em 18-6-01, uns anos depois, sendo, por isso, absurdo e impossível ponderar a sua observação ou cumprimento, pelo que tal matéria não pode fundamentar a condenação dos RR., porque está contraditado pela prova documental existente nos autos e não se provou, não tendo sido apresentada nenhuma outra prova, nomeadamente orçamento relativo ao provável custo da obra no locado relativo a 1997.

q) A Relação disse que “os apelados, ao não terem apresentado recurso da decisão, nem dela terem apresentado recurso subordinadamente, não têm agora, qualquer legitimidade para pedir a reapreciação da matéria de facto, seja em relação a que quesito for. E, por outra parte, também não há nenhum motivo para o Tribunal o fazer oficiosamente”, mas é por demais óbvio a lei só permite recurso das decisões desfavoráveis, o que não se verifica no presente caso, uma vez que os RR., foram absolvidos do pedido.

r) A Relação tinha o dever de conhecer desta matéria oficiosamente e para revogar a decisão da 1ª instância tinha de fundamentar o acórdão em factos concretos susceptíveis de alicerçar a condenação no montante peticionado, o que não se verifica.

s) No caso em apreço a C. M. não tomou nenhuma iniciativa no âmbito das suas competências administrativas específicas que a lei lhe confere com vista à realização coerciva das obras e o projecto carecia do parecer favorável do IPPAR, que aquando da notificação avulsa não existia conforme já se mencionou, carecendo de fundamentação o acórdão recorrido.

t) No caso em apreço, inexiste qualquer decisão da autoridade administrativa;

u) Expressamente referem os AA. que, “assim, se tivessem desocupado o prédio no fim de Junho de 1997, como lhes havia sido pedido, ter-se-ia mantido o contrato de arrendamento em vigor e ocupariam uma casa renovada.”

v) Como é possível sustentar tal tese quando está demonstrado que os AA., desde o início, já em 1997, haviam projectado a demolição do prédio para reconstruir de raiz.

w) Então, nesse caso não havia caducidade do contrato?

x) Foram os AA. que optaram por fazer obras de reconstrução desde o início, sendo que os RR. sempre defenderam e exigiam obras de reparação do telhado, a fim de evitar a infiltração das águas pluviais que originaram a degradação do edifício e para o efeito intentaram a competente acção judicial, após terem esgotado todas as outras alternativas porque sabiam que os RR, pretendiam demolir o edifício.

y) Ora os RR., são condenados no pedido indemnizatório porque ousaram intentar acção judicial e por terem exercido o direito de recurso.

z) O gabinete responsável pela obra elaborou a seguinte calendarização para a execução faseada da obra: 1ª fase: casa C, com a duração de 6 meses; 2ª fase: casa 8, com a duração de 6 meses; 3ª fase: casa A, com a duração de 7 meses.

aa) O licenciamento da obra deveria ser precedido de loteamento, ficando ainda sujeito a aprovação prévia por parte do IPPAR.

bb) No projecto em causa, o prédio objecto de arrendamento aparece identificado como Casa A.

cc) Em 28-6-00, o IPPAR emitiu parecer no sentido da não aprovação do projecto, parecer que foi mantido, apesar dos pedidos de reapreciação dirigidos quer pela CMG, quer pelo construtor.

dd) Ainda assim, viram os AA. o projecto ficar condicionado a novo parecer do IPPAR quanto à casa A, ou seja, não poderiam iniciar as obras sem que aquele Instituto desse parecer favorável dos factos.

ee) Em 15/5/01, o A. BB apresentou novo programa da execução faseada da obra, no qual previa a conclusão da 1ª fase (casa C) até Novembro de 2001, a 2ª fase (casa 8) até Junho de 2002, e a 3ª fase (casa A) até Junho de 2003 e só em 14-8-02 veio a ficar concluída a 2ª fase da obra, sendo que só em 24-12-03 o A. BB requereu a renovação do projecto relativo à 3ª fase, mas sem que tenha sido solicitada nova intervenção do IPPAR.

ff) O IPPAR só em 12/3/04, emitiu parecer favorável em relação ao projecto apresentado pelo AA, e só em 15/7/04 foi emitido alvará de obras de alteração relativo à 3ª fase (casa A);

gg) Caso os RR. tivessem desocupado o prédio na data em que os AA. os interpelaram para tal, na melhor das hipóteses, só em 14-8-02 os AA. poderiam iniciar as obras na Casa A, dado que só nessa data ficou concluída a 2ª fase da obra, estando os AA. vinculados a cumprir o plano de calendarização apresentado e aprovado pela CMG, mas para isso seria necessário o parecer favorável do IPPAR, que só foi obtido em 12/3/04 e o alvará de obras apenas foi emitido em 15/7/04.

hh) Mesmo que a notificação avulsa fosse o meio idóneo para obter o despejo dos recorrentes, os AA., não estavam autorizados a proceder às obras pretendidas, face aos condicionalismos impostos pelo IPPAR, donde resulta que os entraves ao projecto impostos pelo IPPAR (parecer negativo de 2000), licenciamento e emissão do respectivo alvará de obras na parte respeitante ao locado, face ao que consta da certidão integral emitida pela CMG sobre o projecto que fundamentou a fixação da matéria provada, só foram resolvidos, posteriormente à desocupação do locado que ocorreu em 20/11/03.

ii) Nos 8 meses contados desde a data da desocupação, os AA. não fizeram qualquer obra de conservação do edifício.

jj) No início dos anos 90, o prédio começou a apresentar sinais de degradação na cobertura e pavimento do 1º andar, o que impunha a realização de obras na cobertura e no pavimento do 1º andar.

kk) Os AA., pelo menos durante os 30 anos anteriores ao início das obras, não realizaram quaisquer obras de conservação do edifício, nem sequer autorizaram os inquilinos a executarem obras de reparação da cobertura.

ll) Em data não apurada, os RR. pediram à firma de HH que apresentasse um orçamento relativo às obras de reparação do telhado do prédio, tendo sido estimado um custo de cerca de 400 contos.

mm) Em devido tempo, era viável a reparação da cobertura do edifício, o que teria evitado a infiltração das águas pluviais.

nn) Caso as obras consistissem apenas na reparação da cobertura do edifício, não seria necessária a desocupação do r/c.

oo) A degradação do imóvel foi motivada pelo facto de não terem sido efectuadas obras de conservação durante, pelo menos, 30 anos.

pp) Os AA. não exerceram o direito de denúncia do contrato nos termos do disposto no art. 69°, nº 1, al. d), do RAU, sendo que, nos termos desta Lei, só com o recurso à acção própria seria possível obterem a desocupação do imóvel, não sendo exigível aos RR. que abandonassem o locado aquando do recebimento da notificação judicial avulsa.

qq) Não exerceram os AA. este direito de denúncia na acção que decidiu suspender o contrato de arrendamento pelo período de 8 meses, necessário à realização de obras no prédio e condenou os RR., a entregarem o imóvel locado, livre e devoluto de pessoas e bens.

rr) Os RR. entregaram o locado aos Recorrentes em 20-11-03, em cumprimento da sentença judicial para a realização das obras necessárias.

ss) Nesse prazo, os AA. não só não fizeram quaisquer obras como, no último dia desse prazo (20/7/04) apresentaram requerimento de produção antecipada de prova com vista a instaurar a acção 384/04.

tt) Resultou demonstrado que sempre foi um e o mesmo projecto de obras que esteve na base da acção 312/99, da acção 384/04 e da presente e nunca foi intenção dos AA. procederem a quaisquer obras de conservação do prédio em causa, antes quiseram tirar partido do estado de degradação a que deixaram o mesmo chegar para procederem à sua demolição e reconstrução, para depois o constituírem em propriedade horizontal, obtendo assim considerável valorização patrimonial.

uu) Como não viram a sua pretensão integralmente satisfeita na acção nº 312/99 (dado que na sentença se considerou ser viável a substituição da cobertura, inviabilizando a execução do projecto de demolição quase total, e este "quase" diz respeito às paredes exteriores), vieram na acção 384/04, imputar a necessidade de demolição do prédio aos RR., por não o terem entregado quando para tal foram interpeladas por notificação judicial avulsa. E isto, repita-se quando em 1997 haviam projectado a demolição do prédio».

vv) Acabou por ser o avançado estado de degradação a que o prédio chegou que permitiu que os AA. vissem o IPPAR resignar-se e dar parecer favorável, autorizando a demolição.

ww) Sempre foi intenção dos AA. demolirem o prédio e não repará-lo, sendo que os AA. delinearam consciente e propositadamente uma estratégia processual para se eximirem ao cumprimento da sentença proferida na acção nº 312/99, que lhes impunha a substituição da cobertura do prédio.

xx) A decisão proferida naquela acção já teve em conta as más condições do locado.

yy) Ao contrariar aquilo que sempre prometeram e pretenderam fazer, tal actuação, além do mais, consubstancia um manifesto abuso de direito, ofendendo os mais elementares princípios de direito e da boa fé.

zz) Em vez de honrarem os seus compromissos e cumprirem a decisão do Tribunal, procedendo à reparação do edifício, vieram tirar partido da situação que eles próprios criaram.

aaa) Razão tinham os recorrentes para recearem que a verdadeira intenção dos locadores era obter o andar livre e desocupado, como infelizmente foi confirmado pela realidade.

bbb) A Relação ao revogar a decisão da 1ª instância não teve em consideração toda a factualidade apurada e não subsumiu correctamente os factos no direito aplicável.

ccc) Os RR. não praticaram qualquer acto ilícito, não agiram com culpa, não existe nexo de causalidade entre a conduta dos RR., e o eventual acréscimo do custo da obra, não se verificando os requisitos da responsabilidade civil subjectiva.

Houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Factos provados:

1. Os AA. são proprietários do prédio urbano sito na R. Mouzinho da Silveira, nºs 28 e 30, em Grândola, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 8499º, e descrito na CRP de Grândola sob o n.º 3382/260101, sendo que a 1ª R. e o marido e, posteriormente, a herdeira deste, GG, tinham conhecimento de que os AA. são os actuais proprietários e senhorios – D) e G);

2. Em 1-1-71, a A. AA e o marido II deram de arrendamento à 1ª R. e marido o r/c do referido prédio, tendo como fim principal o comércio e finalidade subordinada a habitação – E);

3. Em 17-9-93, a 1ª A. contactou por escrito a C. M. de Grândola no sentido de se informar sobre a viabilidade da realização de obras no edifício, na sequência do que, por carta de 12-10-93, foi convidada a comparecer na divisão de habitação e urbanismo daquela edilidade – H) eI);

4. Tendo sido pedido Parecer Técnico à C. M. de Grândola relativamente à possibilidade ou não da permanência dos RR. no locado durante a execução da obra, a mesma pronunciou-se no sentido da não permanência de pessoas estranhas à obra durante a sua execução – M);

5. Em 28-2-94 a mesma A. recebeu uma carta da C. M. de Grândola referindo concordância do seu Presidente sobre o Parecer Técnico da obra – J);

6. Em reunião de Câmara realizada a 30-4-97 foi deliberado por unanimidade aprovar o projecto, de acordo com o aludido Parecer Técnico – L);

7. De acordo com projecto aprovado na C. M. de Grândola, as obras de recuperação consistiam no seguinte:

- Execução de superestrutura em betão armado;

- Execução de sapatas de pilares, pilares, vigas e lajes;

- Reforço e consolidação das paredes exteriores;

- Demolição da cobertura existente;

- Execução de nova cobertura em telha cerâmica;

- Demolição de paredes interiores na sua quase totalidade;

- Execução de novas alvenarias;

- Picar, rebocar e pintar as paredes sobrantes (praticamente só exteriores);

- Demolição dos pavimentos existentes;

- Execução de novos pavimentos em toda área de implantação do prédio;

- Construção de nova rede eléctrica, águas e esgotos - 1º;

8. Através de notificação judicial avulsa à 1ª R. e marido, e cumprida em 23-4-97, os AA. fixaram o fim do mês de Junho de 1997 como prazo para os notificados entregarem o locado livre e devoluto de pessoas e bens, de modo a permitirem a realização das obras, constando igualmente dessa notificação que colocariam à sua disposição um espaço alternativo na mesma zona, a não mais de 40 m do locado – N) e O);

9. Em 2-11-99 a 1ª R. e seu marido intentaram uma acção judicial contra os AA., que correu termos no Trib. Jud. de Grândola sob o n.º 312/99, pedindo que fossem condenados a realizar obras no locado – doc. fls. 42 e segs. - P);

10. Os ora AA. contestaram essa acção e deduziram pedido reconvencional, pedindo, além do mais, a condenação dos arrendatários a entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens – Q);

11. No referido processo, o Tribunal deu como provados, entre outros, os seguintes factos:

12 – Os RR. (AA. nesta acção) notificaram os AA. (nesta acção a 1ª R. e o falecido marido) para desocuparem o r/c do prédio supra referido;

13 – A notificação aludida em 12. destinava-se à realização de obras de beneficiação do edifício;

15 – A não realização de obras dificulta a realização dos fins comerciais e habitacionais do locado;

16 – O 1º andar do prédio em questão não é habitado pelos RR. (ora AA.) desde 1997 devido ao estado de degradação que o mesmo apresenta;

20 – É urgente a realização de obras de recuperação do edifício, dado o estado de degradação que o mesmo apresenta;

21 – Para a execução da superestrutura, nomeadamente elaboração e betonagem da laje do tecto do rés-do-chão, é necessário um escoramento do mesmo;

22 – Para a execução de tal trabalho é imprescindível a disponibilidade total do espaço que se encontra sob o tecto;

23 – Para a execução do pavimento é necessária a total disponibilidade do espaço;

28 – Desde que os RR. (ora AA.) têm prevista a execução da obra que têm estabelecido contactos com os AA.(ora 1ª R. e falecido marido)no sentido de estes desocuparem o rés-do-chão temporariamente;

29 – Da impossibilidade de permanência dos AA. (ora 1ª R. e falecido marido) no locado durante a execução da obra foi dado conhecimento a estes através de notificação judicial avulsa cumprida em 23-4-97;

30 – A não desocupação do r/c pelos AA. (ora 1ª R. e falecido marido) acarreta prejuízos para os RR. (ora AA.).” (doc. fls. 42 e segs. dos autos) – R);

12. O Tribunal julgou improcedente a acção referida em 9.e parcialmente procedente o pedido reconvencional referido em 10., condenando os aí AA. (ora 1ª R. e o falecido marido) a entregarem aos reconvintes (ora AA.)o locado, livre e devoluto de pessoas e bens, pelo prazo de 8 meses, o necessário à realização de obras no mesmo, com todas as consequências daí advenientes para o contrato de arrendamento celebrado entre as partes – S);

13. Na sequência de uma vistoria efectuada ao prédio pela Comissão de Vistorias da C. M. de Grândola, os ora AA. foram notificados por esta edilidade, em Julho de 2003, de que o prédio em causa se apresentava na iminência de ruir, devido ao seu estado de degradação essencialmente ao nível de estruturas, pavimentos e cobertura – 11º;

14. Da decisão referida em 12. recorreu a ora 1ª R. e seu falecido marido, sendo confirmada pela Relação de Évora e, depois, pelo STJ, por acórdão transitado em julgado em 6-11-03 – T) e U);

15. No dia 20-11-03, em cumprimento desta decisão, a 1ª R. e o falecido marido desocuparam o locado e entregaram as chaves no Tribunal de Grândola – V);

16. Nos 8 meses contados, desde 20-11-03, os AA. não fizeram qualquer obra de conservação no edifício – W);

17. Desde data não apurada, mas que se situa em 1997, e até a 1ª R. e marido entregaram as chaves do prédio:

- A cobertura do edifício abateu na sua quase totalidade sobre o tecto do 1º andar – 2º;

- Cerca de 30% do tecto do 1º andar desabou sobre o tecto do espaço onde se encontra a loja – 3º;

- Devido à ruína da cobertura, a parede exterior da fachada que dá para a Praça Marquês de Pombal apresentava sinais de deslocamento da parede adjacente – 4º;

- No piso térreo, onde se situa a loja, o tecto só não abateu devido ao sustentáculo exercido pelos armários que estavam a servir como escoramento – 5º;

- A água escorria pelas paredes interiores da loja e todo o travejamento (barrotes) encontrava-se podre – 6º e 7º;

- Para protecção da água que se infiltrava pelo tecto os RR. fizeram uns buracos no tecto, para suporte de eventual protecção, que se tornou escorredor de água, tendo fragilizado todo o sistema de sustentação do tecto do piso térreo – 8º;

- Todas as paredes exteriores e interiores encontravam-se em risco de ruir ou apresentavam patologias de difícil solução – 9º;

- As serralharias e caixilharias não tinham já restauro possível – 10º;

18. Pelo decurso do tempo, foi necessário aos AA. reformular todo o licenciamento e pedir novos pareceres ao IPPAR, o que atrasou o início das obras por cerca de 9 meses -13º e 14º;

19. Por imposição do IPPAR e da C. M. de Grândola, só as paredes exteriores ficaram de pé, sendo que o que restava do “miolo” do edifício teve que ser deitado abaixo – 15º;

20. As paredes exteriores foram objecto de intervenção ao nível da sua consolidação – 16º;

21. Foram ainda executadas as seguintes obras no edifício:

- Execução de superestrutura em betão armado;

- Execução de sapatas de pilares, pilares, vigas e lajes;

- Demolição do que restava da cobertura existente;

- Execução de nova cobertura em telha cerâmica;

- Demolição de paredes interiores na sua quase totalidade;

- Execução de novas alvenarias;

- Picar, rebocar e pintar as paredes sobrantes (praticamente só exteriores);

- Demolição dos pavimentos existentes;

- Execução de novos pavimentos em toda área de implantação do prédio;

- Construção de nova rede eléctrica, águas e esgotos – 17º;

22. Os AA. conseguiram efectuar as obras de recuperação pelo preço global de € 201.885,10 que já pagaram - 20º e 21º;

23. Se os RR. tivessem entregue o locado em 1997 ter-se-ia observado o contrato constante de fls. 173 e segs., o qual, além do mais, previa que o custo das obras de restauração do edifício fosse feito pelo valor de PTE 24.000.000$00 – 18º;

24. Dado o estado de degradação que o edifício foi sofrendo pelo decurso do tempo e o aumento do preço dos materiais, o custo da sua recuperação sofreu um aumento – 19º;

25. A 1ª R. EE era casada com FF, que faleceu em 14-4-04, sucedendo-lhe o cônjuge sobrevivo e a filha do casal, GG – A) e B);

26. Na sequência da morte do marido da 1ª R., sucederam-lhe esta e a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito daquele, representada pelos seus herdeiros EE e GG – F);

27. Por carta datada de 14-7-04, endereçada à A. AA, EE e GG comunicaram pretender exercer o seu direito a ocupar a posição do primitivo inquilino, o falecido FF – C);

28. À data da entrada em juízo da presente acção o edifício em causa já se encontra reconstruído – X).

III – Decidindo:

1. Suscita-se no caso a apreciação do direito de indemnização invocado pelos AA. sustentado no facto de os RR. não terem procedido à entrega do locado para a realização de obras de remodelação profundas.

Tal depende essencialmente da resposta que for dada a duas questões:

a) A norma do art. 1038º, nº 1, al. e), do CC, abarca todas as obras urgentes que o senhorio pretenda realizar?

b) Considerando que a realização das obras pressupunha a disponibilização do locado por prazo não inferior a 8 meses, era bastante a notificação judicial avulsa do arrendatário para esse efeito ou, pelo contrário, era exigida sentença judicial?

2. A apreciação de cada uma das questões não dispensa uma síntese da litigiosidade em que os sujeitos têm estado envolvidos demonstrada pelas decisões judiciais que se encontram certificadas nos autos.

a) No processo nº 81/98, os ora AA. demandaram a 1ª R. e seu falecido marido, pretendendo que lhes fosse reconhecido que o local arrendado era para o exercício do comércio e que se declarasse a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na mudança do destino.

Por sentença datada de 12-4-99, foi declarado que prevalecia o fim comercial do arrendamento, mas foi julgado improcedente o pedido de resolução do contrato fundado no uso do locado para fim diverso do contratado (fls. 72).

b) A acção nº 312/99 (certificada a fls. 42 e segs.) foi intentada em 2-11-99 pelos arrendatários contra os ora AA., pedindo a sua condenação na reparação do telhado e da cobertura do prédio, a absterem-se de despejarem baldes de água e a pagarem uma indemnização pelos prejuízos causados.

Os ora AA. deduziram reconvenção, pretendendo a condenação dos arrendatários na entrega do locado, mediante prévia declaração de suspensão do contrato de arrendamento pelo período de 8 meses, e a condenação dos mesmos no pagamento de uma quantia de, pelo menos, PTE 15.000$00 diários. Já então deixaram claro que, uma vez que os prejuízos decorrentes do atraso do início das obras ainda não eram contabilizáveis, reservavam para ocasião posterior a reclamação da indemnização correspondente aos prejuízos decorrentes da demora na entrega do arrendado (fls. 58, vº, e 59), o que foi executado através da presente acção.

Em tal acção foi decidido que não havia mora dos senhorios quanto à realização de obras, sendo, por isso, os RR. reconvintes absolvidos do pedido; aos RR. foi reconhecido o direito à desocupação temporária do locado, nos termos do art. 1038º, nº 1, al. e), do CC, declarando-se a suspensão do contrato de arrendamento pelo período de 8 meses, sentença que foi confirmada pela Relação, em 6-2-03 (fls. 113) e pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 23-10-03 (certidão a fls. 118).

c) Entretanto os ora AA. intentaram contra a 1ª R. e sua filha a acção nº 384/04 pedindo a declaração de caducidade do contrato de arrendamento, devido à perda da coisa locada por causa da sua ruína.

Esta acção veio a terminar por acórdão do STJ, de 10-1-12, que declarou a caducidade do contrato, considerando o estado em que o mesmo se encontrava antes da realização das obras (certidão a fls. 380).

d) Através da presente acção os AA. pretendem a condenação da 1ª R. e da herança do seu falecido marido no pagamento de uma indemnização correspondente à diferença entre o custo das obras na ocasião em que foi executada a notificação judicial avulsa para entrega do locado e na data em que entregaram o locado, depois de terem sido condenados por decisão judicial.

3. No caso concreto, os AA. promoveram junto da C. M. de Grândola diligências relacionadas com a realização de obras que pretendiam efectuar no prédio cujo r/c estava arrendado, conseguindo a aprovação do correspondente projecto.

Essas obras consistiam no seguinte:

- Execução de superestrutura em betão armado;

- Execução de sapatas de pilares, pilares, vigas e lajes;

- Reforço e consolidação das paredes exteriores;

- Demolição da cobertura existente;

- Execução de nova cobertura em telha cerâmica;

- Demolição de paredes interiores na sua quase totalidade;

- Execução de novas alvenarias;

- Picar, rebocar e pintar as paredes sobrantes (praticamente só exteriores);

- Demolição dos pavimentos existentes;

- Execução de novos pavimentos em toda área de implantação do prédio;

- Construção de nova rede eléctrica, águas e esgotos.

Os AA. obtiveram ainda Parecer Técnico da mesma entidade no sentido da não permanência de pessoas estranhas à obra durante a sua execução.

Com base nesses elementos os AA. requereram a notificação judicial avulsa dos arrendatários, a qual foi cumprida em 23-4-97; através da mesma fixaram aos arrendatários o fim do mês de Junho de 1997 para a entrega temporária do locado livre e devoluto de pessoas e bens, de modo a permitirem a realização das obras num período de 9 meses. Constava ainda dessa notificação que os AA. colocariam à sua disposição um espaço alternativo na mesma zona, situado nas imediações do locado.

4. Nos termos do art. 1038º, nº 1, al. e), do CC, o arrendatário está legalmente obrigado a tolerar as reparações urgentes que o senhorio pretenda realizar, tendo sido na violação de tal obrigação que os AA. fundaram a sua pretensão indemnizatória correspondente ao acréscimo de despesas que a recusa determinou.

Formulando sobre aquele preceito um pré-juízo assente em padrões de razoabilidade que supostamente estarão subjacentes às soluções legalmente consagradas, torna-se evidente que o respectivo âmbito de cobertura não coincide com o enunciado no acórdão recorrido, não permitindo sustentar uma pretensão assente num comportamento unilateral dos senhorios e que se traduziu na intimação dos arrendatários para efectuarem o despejo do local arrendado, por um período de 8 meses, sem a garantia judicial de que algum dia poderiam retomar o uso do locado nos termos em que o contrato de arrendamento o previa. Consequentemente, a recusa dos arrendatários, perante tal notificação judicial avulsa, não configura actuação ilícita capaz de fundamentar o pedido de indemnização que os AA. formularam.

É verdade que os AA. comunicaram aos RR. que lhes entregariam, durante esse período, um espaço alternativo. Mas uma tal indicação não passava de um simples factor a ponderar no âmbito de um eventual acordo dos interessados, não tendo energia bastante para se qualificar como como ilícita a recusa de entrega, por forma a gerar uma obrigação de indemnização.

Decorre dos autos que, perante a recusa por parte dos arrendatários da proposta apresentada, os AA. conseguiram obter o reconhecimento judicial do direito à suspensão do contrato de arrendamento, sendo os arrendatários condenados a realizar essa entrega.

Porém, este elemento funciona contra a tese propugnada pelos AA., já que, na falta de norma expressa que prevenisse tal possibilidade, tal suspensão não foi baseada na aplicação directa do art. 1038º, al. e), do CC, assim se revelando a temeridade da afirmação da ilicitude do comportamento dos arrendatários assente na mera recusa de aceitação da proposta extrajudicial que os AA lhes dirigiram através de notificação judicial avulsa.

5. O preceito do art. 1038º, al. e), do CC, destina-se a permitir que o senhorio realize obras de reparação urgentes, mas não legitima que, através de mera notificação judicial avulsa, se intime o arrendatário para o despejo temporário do locado a fim de realizar obras de efectiva reconstrução do prédio, determinando a desocupação prolongada.[1]

Também não pode bastar para qualificar como ilícita a recusa do arrendatário quando, como se verificava no caso concreto, os AA. pretendiam efectivamente a suspensão do contrato de arrendamento para realização de obras que se traduziam na remodelação profunda do prédio, envolvendo designadamente a demolição de todas as paredes interiores do prédio e dos soalhos e a colocação de um novo telhado com estrutura em betão armado.

Enfim, a obrigação de tolerância do arrendatário relativamente às obras urgentes que o senhorio pretenda realizar não confere a este a faculdade de unilateralmente obrigar o arrendatário a abandonar o locado para realização de obras que, não se qualificando sequer como de mera conservação ordinária ou extraordinária, sejam de verdadeira reconstrução do prédio, tornando-se imprescindível a resolução do conflito de interesses mediante decisão judicial.

Ora, atento o projecto que os senhorios pretendiam executar, verifica-se que do prédio existente apenas restariam as paredes exteriores, ainda assim submetidas a novos reforços em betão armado, sendo possível asseverar que, depois da conclusão das obras, teríamos um prédio substancialmente diverso do anterior.

6. Os acontecimentos posteriores acabam por demonstrar a justificação da aludida recusa, sendo que a ilicitude desta constituía um elemento imprescindível para a constituição da obrigação de indemnização.

Para além de os senhorios terem deduzido na acção nº 312/99 pedido reconvencional que foi convolado para suspensão do contrato de arrendamento e despejo temporário do locado, as obras projectadas nem sequer se iniciaram nos 8 meses que foram fixados na sentença transitada em julgado em 20-11-03.

Por outro lado, ainda antes de iniciarem as obras projectadas que correspondiam sensivelmente às que de início se propuseram realizar, os ora AA. intentaram contra os arrendatários a acção nº 384/04, em que pediram – e acabaram por conseguir – a declaração de caducidade do contrato de arrendamento, com fundamento no estado de ruína em que o prédio se encontrava.

As aludidas circunstâncias demonstram, por um lado, que nada garantia aos arrendatários que viesse a ser cumprido pelos senhorios o prazo fixado para a realização de obras ou mesmo que fosse assegurada a reocupação de um espaço semelhante no prédio renovado e, por outro lado, que a verdadeira intenção dos AA. era a de obterem a desocupação definitiva do locado, depois de concluída a remodelação do prédio.

Este juízo, formulado a posteriori, permite compreender e justificar o comportamento defensivo que os arrendatários adoptaram numa situação em que,na falta de acordo, o conflito de interesses não poderia deixar de ser regulado, como veio a ser, pelos Tribunais, no âmbito de um processo judicial, garantindo a defesa contraditória dos seus interesses.

Seja como for, atentando apenas na pretensão que os AA. deduziram e nos fundamentos fácticos e jurídicos enunciados, não é legítimo encontrar na recusa de aceitação da proposta por parte dos arrendatários base suficiente para a qualificar como ilícita e constitutiva de um direito de indemnização.

7. Os posteriores desenvolvimentos legislativos reforçam o acerto desta solução.

No regime legal que vigorava na data em que ocorreram os factos (Abril de 1997) apenas estava expressamente assegurado ao senhorio o direito de obter a denúncia judicial do contrato de arrendamento para reconstrução do prédio e aumento dos locais destinados a arrendamento (Lei nº 2088, de 3-6-57, que substituiu o regime previsto no referido art. 69ºda Lei nº 2030), regime que nem sequer se modificou com a aprovação do Regime do Arrendamento Urbano.

Apenas com Dec. Lei nº 157/06, de 8-8 (que revogou a Lei nº 2088), aprovado já depois dos factos terem ocorrido, se passou a prever a possibilidade de o senhorio obter a suspensão do contrato de arrendamento para realização de obras que imponham o abandono temporário do locado. Nos termos do art. 5º, passou a conceder-se ao senhorio o direito de denunciar ou de suspender o contrato de arrendamento com fundamento     na    realização    de     obras    de    remodelação    ou    de    restauro   profundos,  direito que, ainda assim, deve ser apreciado no âmbito de acção judicial (art. 8º), mostrando-se insuficiente a notificação judicial avulsa.[2]

Ou seja, atenta a natureza, a dimensão e os efeitos das obras que os AA. pretendiam realizar, em conexão com o período de tempo que era necessário para a sua realização, na data em que ocorreram os factos não bastava uma notificação avulsa promovida pelos senhorios para obrigar à entrega do locado. Afinal, tratava-se de um acto unilateral, não contraditório e desjurisdicionalizado, que de modo algum conferia aos arrendatários as garantias proporcionadas por uma decisão judicial como aquela que posteriormente veio a ser proferida no âmbito da reconvenção que formularam.

Outras possibilidades poderiam conjecturar-se para alcançar o mesmo resultado.

Destaca-se uma eventual intervenção da Câmara Municipal, entidade a quem era e é atribuída competência para decretar o despejo administrativo de prédios carecidos de obras de reparação, designadamente quando constituam perigo para a segurança dos ocupantes ou do público. Uma intimação proveniente dessa entidade municipal, sustentada no exercício daqueles poderes, no âmbito do correspondente procedimento administrativo, poderia despoletar também a responsabilidade civil do arrendatário, ao abrigo do art. 1038º, al. e), in fine, do CC.

Mas não foi isso que aconteceu no caso concreto, já que apenas existiu um projecto particular de obras que os senhorios pretenderam executar e com o qual confrontaram os arrendatários, intimando-os a abandonar o locado.

Ademais, ao invés do que se depreende do acórdão recorrido, não pode ser estabelecida a equivalência entre uma eventual actuação da entidade municipal, ao abrigo dos poderes que detinha em matéria de execução de obras em prédios urbanos e de decretamento de despejos administrativos, e a mera aprovação de um projecto de obras apresentado pelo senhorio, sem qualquer intervenção do arrendatário, ainda que acompanhado da emissão de um Parecer Técnico que qualificava as obras projectadas como urgentes.

Outra possibilidade que poderia ter despoletado o mesmo resultado envolveria o recurso a medidas cautelares de natureza antecipatória. Com efeito, a verificar-se, já em 1997, uma situação de urgência na realização das obras, designadamente por estar em causa a segurança dos ocupantes ou o risco para quem circulava na via pública, poderia ajustar-se ao caso uma providência cautelar que, assegurando os interesses dos senhorios, fizesse jus também aos interesses dos arrendatários.

Uma vez que nenhuma destas alternativas foi accionada e dado que os senhorios se quedaram por uma mera notificação judicial avulsa, não pode ser confirmado o direito de indemnização que o acórdão recorrido reconheceu aos AA., mostrando-se bem mais correcta e razoável a sentença de 1ª instância que julgou a acção improcedente e absolveu as RR. do pedido.

IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a revista e consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido, prevalecendo a sentença de 1ª instância que julgou improcedente a acção e absolveu os RR. do pedido.

Custas da revista e em ambas as instâncias pelos AA.

Notifique.

Lisboa, 23-1-14


Abrantes Geraldes

Bettencourt de Faria

Pereira da Silva


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[1] O preceito foi aplicado pelo Ac. do STJ, de 2-10-10 (www.dgsi.pt), a uma situação em que estava em questão a colaboração do locatário para a realização de obras urgentes que dependiam do acesso ao locado.


[2] Sobre a matéria cfr. Adelaide Menezes Leitão, Regime jurídico das obras em locais arrendados, em O Direito - Temas de Direito ao Arrendamento, nº 7, 2013, págs. 171 e segs., Pais de Sousa, Obras no locado e sua repercussão nas rendas, em Estudos em Homenagem ao Prof. Inocência Galvão Teles, vol. III, pág. 159 e segs., e Assunção Cristas, Regime de obras e sua repercussão na renda e na manutenção do contrato de arrendamento, em Themis, nº 15, págs. 27 e segs.