Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7842/21.1T8VNG.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CONSUMIDOR
DIRETIVA COMUNITÁRIA
ABUSO DO DIREITO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
ÓNUS DA PROVA
DIREITOS DO CONSUMIDOR
DIREITO A REPARAÇÃO
DEFEITOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, que aprova o regime da venda de bens de consumo, configura a transposição para a ordem jurídica portuguesa da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, havendo que interpretá-lo em conformidade com esta Directiva.

II. Ao contrário da Directiva que se lhe seguiu, a Directiva n.º 1999/44/CE, não define contrato de compra e venda mas é possível entender que a noção que tem implícita é a que veio depois a constar expressamente daquela – como “um contrato ao abrigo do qual o vendedor transfere ou se compromete a transferir a propriedade dos bens e o consumidor paga, ou se compromete a pagar, o respectivo preço” (cfr. artigo 2.º da Directiva 2019/771/UE).

III. Assim, deve considerar-se que o DL n.º 67/2003 se aplica não só ao contrato de compra e venda tal como definido no artigo 874.º do CC (“contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”), mas também ao contrato-promessa de compra e venda tal como definido no artigo 410.º, n.º 1, do CC (“convenção pela qual alguém se obriga a celebrar [um] contrato [de compra e venda”).

IV. Não há abuso do direito de resolução do contrato por parte do consumidor, designadamente, quando, perante a falta de conformidade do imóvel ao acordado, o profissional não prova que, sendo a reparação possível e proporcionada, se disponibilizou para a fazer nos termos exigidos pelo artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 67/2003 (i.e., gratuitamente, em prazo razoável e sem grave inconveniente para o consumidor) ou que a falta de conformidade era insignificante para o efeito da redução adequada do preço, nos termos previstos no n.º 1 da mesma norma.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA




I. RELATÓRIO


Recorrente: Wlf Investment, Lda.


Recorrido: AA


1. AA, residente na Rua ..., 59, B1, 2.º frente, ..., intentou contra Wlf Investment, Lda., com sede Rua da ... 135, Loja 4, Fracção D, ...; Imobot - Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., 268, ..., acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo:


a) condenação da 1.ª ré a pagar a quantia de €144.000, acrescida de juros vincendos, desde a citação, à taxa legal ao tempo em vigor, até integral pagamento, contados sobre o capital.


b) condenação solidária da 2.ª ré na quantia de €72.000, acrescida de juros vincendos, desde a citação, à taxa legal ao tempo em vigor, até integral pagamento, contados sobre o capital.


Em síntese, alega que:


- a 1.ª ré dedica-se à construção de edifícios e a 2.ª ré a mediação imobiliária;


- decidiu comprar uma fracção no imóvel em construção pela 1.ª ré, pelo preço de € 240.000, celebrando contrato de promessa de compra e venda em 14/07/2020;


- qualquer alteração ao contrato deveria revestir a forma escrita, em documento assinado por todas as partes;


- pagou entre 15/07/2020 e 18/03/2021, a quantia de €72.000 a título de sinal e princípio de pagamento;


- em 21/07/2021, o imóvel era diferente daquele que havia sido contratado entre as partes;


- a 1.ª ré incumpriu o contrato;


- a 1.ª ré celebrou com a 2.ª ré um contrato de mediação imobiliária;


- esta sabia que ocorreram as apontadas alteração ao acordado e que tinha de lhas comunicar;


- sofreu assim um dano patrimonial: a entrega do sinal pelo que a 1.ª ré tem de devolver o mesmo em dobro, sendo a 2.ª ré responsável solidariamente com a 1.ª ré pelo valor do sinal em singelo.


2. As rés, regularmente citadas, apresentaram contestação.


A Wlf Investment, Lda. (1.ª ré) alegou que:


- a petição inicial é inepta;


- não há motivo relevante para suscitar a resolução do contrato;


A Imobot - Mediação Imobiliária, Unipessoal Lda. (2.ª ré) alegou que:


- celebrou contrato de mediação imobiliária com a 1.ª Ré e não com o Autor;


- é alheia a qualquer alteração feita pela 1.ª Ré;


- cumpriu todos os seus deveres.


3. Foi requerida e admitida a intervenção acessória provocada de Ageas Seguros Portugal – Companhia de Seguros, S. A., e de Seguradoras Unidas, S.A. (actualmente Generali Seguros, S. A.) para intervirem como auxiliares na defesa da 2.ª ré no que respeita à verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, bem como ao apuramento e à quantificação dos danos alegadamente sofridos pelo autor.


4. A interveniente Generali apresentou articulado onde alega aceitar a celebração de contrato de seguro com a 2.ª ré e impugnou a matéria de facto alegada na petição inicial.


5. A interveniente Ageas aceitou a celebração de contrato de seguro com a 2.ª ré, em vigor no período de 1/04/2021 a 31/03/2022 e impugnou a matéria de facto alegada na petição inicial.


Alega ainda que as alegadas omissões que são imputadas pelo autor à 2.ª ré são anteriores ao início de vigência do contrato de seguro da interveniente.


6. A final, foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente.


7. Inconformado, recorreu o autor, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido Acórdão em que se decidiu:


Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, condena-se a Ré Wlf Investment, Lda. a restituir ao Autor a quantia de 72 000 EUR, acrescida de juros de mora, a contar da citação da mesma Ré, à taxa de 4% até pagamento.


Mantém-se a parte restante da decisão”.


8. Inconformada, por sua vez, interpõe a 1.ª ré Wlf Investment, Lda., recurso de revista em que enuncia as seguintes conclusões:


A) O regime relativo à venda de bens de consumo do Decreto-lei nº 67/2003, de 8 de Abril, está previsto para os contratos de compra e venda, dos quais decorre a obrigação de entrega da coisa.


B) A obrigação de entrega é requisito de aplicação regime relativo à venda de bens de consumo do Decreto-lei nº 67/2003, de 8 de Abril, na medida em que, expressamente, a desconformidade só se presume com a entrega;


C) Uma vez que dos contratos promessa de compra e venda não emerge uma obrigação de entrega da coisa, é de verificação impossível o requisito que faz presumir a desconformidade, a não ser nos casos de promessa com tradição da coisa.


D) Consequentemente, o regime do Decreto-lei nº 67/2003, de 8 de Abril, não é aplicável aos contratos promessa de compra e venda, em que não haja tradição da coisa.


E) O acórdão recorrido, ao aplicar o regime do Decreto-lei nº 67/2003, de 8 de Abril, viola o disposto no artigo 410º, nº 1, do CC.


Sem prescindir:


F) A prova que está nos autos exige que se conclua no sentido de que queria o autor comprar o imóvel em causa para sua habitação se, e só se, a autora acedesse aos seus pedidos de alteração; caso contrário destinaria o imóvel para revenda, como de facto destinou.


G) Consumidor, para efeitos da aplicação do regime do Decreto-lei nº 67/2003, de 8 de Abril, é aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios; o AUJ nº 4/2019, de 25 de Julho, define o conceito pela negativa, ou seja, não é consumir que compra um imóvel para revenda ou o afecta a uma actividade profissional ou lucrativa.


H) O autor destinou o imóvel para revenda, conforme resulta necessariamente da matéria factual, e da prova junta aos autos, pelo que não existem fundamentos de facto que permitam a conclusão de que o autor é consumidor, para efeitos da aplicação do regime relativo à venda de bens de consumo do Decreto-lei nº67/2003, de 8 de Abril.


I) Nada havendo nos autos que permita concluir ser o autor consumidor, deveriam os Senhores Desembargadores concluir, logicamente, pela inaplicabilidade do Decreto-lei nº 67/2003, de 8 de Abril; ao terem decido no sentido inverso, fizeram-se em manifesta oposição com os fundamentos de facto, o que é causa de nulidade do acórdão recorrido.


Sempre sem prescindir:


J) Estão os autos suficientemente documentados para que se conclua que o autor, há muito conhecedor das desconformidades, nunca delas reclamou à autora, nem mesmo depois de ser notificado para a escritura;


K) De resto, quando o autor revê conhecimento de que a recorrente pretendia agendar a escritura, o que fez foi solicitar elementos para tratar do empréstimo bancário.


L) O autor só reclamou das desconformidades depois da avaliação bancária.


M) O comportamento do autor gerou na autora a legitima convicção de que as desconformidades não constituíam para ele nenhuma causa de reclamação.


N) De modo que é ilegítima a resolução do contrato promessa de compra e venda pelo autor, por constituir evidente abuso de direito.


Donde,


O) Resultam violadas as disposições dos artigos 410º, nº 1, do CC e, bem assim, à contrário, 1º-B, al. b) e 4º, nº 5, do Decreto-lei nº 67/2003, de 8 de Abril.


P) Esta revista ter por fundamento a violação de lei substantiva, previsto no artigo 674º, nº 1, e a nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c), ex vi artigo 674º, nº 1, alínea c), todos do CPC”.


9. O autor apresenta contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:


1º. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto é justo e claro, fundamentado na lei e na matéria de facto provada, não merecendo por isso qualquer reparo. O recurso de revista interposto pelo Recorrente, por ser infundado e desprovido de sustentação legal, não merece provimento como adiante se verá.


2º. Como se verá, não assiste qualquer razão ao Recorrente em qualquer um dos seus argumentos utilizados, estando aqueles, por isso, destinados a naufragar por completo.


3º. Importará desde já dizer que não deverão ser tidas em consideração por este douto Supremo Tribunal as alegações vertidas sob as alíneas f), h) e j) presentes nas conclusões das alegações do Recorrente.


4º. A Recorrente pretende, ao cabo e ao resto, questionar a valoração da prova produzida, sujeita à livre apreciação, por parte da Instância recorrida, com a qual não se conforma, sem assacar ao aresto em escrutínio, em substância e objetivamente, qualquer violação de lei adjetiva ou a ofensa de disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova ou que fixe o valor de determinado meio de prova.


5º. Porquanto tal matéria versa sobre a reapreciação da matéria de facto e prova produzida. Ora, nos termos do disposto no artigo 674º do CPC, a revista não contempla a possibilidade de recorrer da matéria de facto.


6º. Assim, reconhecendo-se que a decisão de facto é da competência das Instâncias, e sublinhando-se que a vocação do Supremo Tribunal de Justiça está balizada no conhecimento das questões de direito. Por conseguinte,


7º. Tais conclusões não deverão ser tidas em consideração pelo Tribunal, devendo por isso ter-se esses pontos e a


Sem prescindir, se assim não se entender, o que por mera cautela de exercício de patrocínio se concebe,


8º. Primeiramente, no que concerne à alegação do Recorrente de que o Autor, ora Recorrido, não é consumidor, não se concebe de que forma é que ainda podem dúvidas subsistir quanto à qualidade de consumidor em que o Autor assumidamente atua.


9º. O autor afirmou perentoriamente e fez prova plena de que o imóvel que a Ré prometia vender se destinava à casa de morada de família do recente casal.


10º. A este propósito veja-se o referido em sede de discussão de audiência de julgamento no depoimento prestado por BB, acima identificado, Passagens de 00:11:50 a 00:12:05, que refere que o Autor lhe havia transmitido a intenção do imóvel constituir a sua casa de morada de família e, veja-se também, o depoimento prestado por CC, no dia 21/11/2022, tendo o mesmo ficado gravado em sistema integrado de gravação digital, com início às 10:48:32 e fim às 11:19:42, onde este ultimo refere que o motivo pelo qual havia o Autor comprado o referido imóvel era para ali residir com a sua atual esposa e os seus animais de estimação, sendo certo que ambos tinham vontade em ali constituir família (algo já constante na motivação de sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instancia).


11º. Da própria motivação da Sentença proferida pelo Tribunal 1.ª instância, refere-se que a «mulher» do Autor afirmou que o imóvel para habitação própria do casal, e bem assim que o autor, no email de 22.03.2022 refere expressamente que “o apartamento em questão foi comprado com a intenção de ser a minha habitação própria.”


12º. Ademais, sempre se refira que o Autor juntou prova documental aos autos em requerimento datado de 28/11/2022, mormente e-mail enviado à sua noiva, em 16/12/2020, pelas 19:08h, em que este refere o seguinte: «Eu adoro entrar no site do empreendimento pra ver onde nossa família vai crescer! Eu te amo! Muito. Mesmo. Pra sempre.» e ainda um e-mail enviado a 22/03/2021, pelas 17:53 horas, à Sra. BB, trabalhadora da 2.ª Ré, referindo expressamente «Conforme expliquei-lhe, o apartamento em questão foi comprado com a intenção de ser a minha habitação própria»


13º. Pelo que, indubitavelmente fica demonstrada a vontade do autor, a partir de meados de 2020, procurar adquirir um imóvel para habitação própria permanente, não merecendo, por isso, qualquer reparo o facto 4. dado como provado (mormente «4. Em meados de 2020, o Autor procurava adquirir um imóvel para habitação própria permanente.»).


Ora,


14º. Sendo a 1.ª Ré, ora Recorrente, sendo uma empresa que se dedica à construção de edifícios, promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários e arrendamento de bens imobiliários (facto 2 dado como provado pela 1.ª Instância e mantidos pelo Tribunal da Relação) é um profissional pois visa obter benefício (lucro) com a sua atividade.


15º. E, por sua vez, sendo que o Autor procurava adquirir o imóvel para habitação própria permanente (factos 4 e 5 dados como provados pela 1.ª Instância e mantidos pelo Tribunal da Relação), é um potencial consumidor pois ser-lhe-ia fornecido um bem para uso pessoal e não profissional.


16º. Em boa verdade, em nada importa o Autor, a certa altura, ter pretendido ou não a troca da fração por uma outra, nem sequer se demonstrou ter vontade em ceder a sua posição contratual.


17º. E ainda que importasse, a verdade é que tal vontade inicial do Autor sempre foi fazer do imóvel a sua habitação própria permanente e aí viver com a sua família.


18º. Ainda que a certo momento pudesse ser vontade do Autor trocar o imóvel ou ceder a sua posição contratual, tal se devia única e exclusivamente ao facto de o imóvel prometido vender não se encontrar em conformidade com o contratado pelas partes e constante no mapa de acabamentos, mormente, pelo menos, nos aspetos constantes sob os pontos 19., 21., 22., e 23., constantes nos factos dados como provados.


19º. O Autor é consumidor porquanto não é profissional do ramo, isto é, aquele cuja atividade profissional consiste propriamente na compra e venda de imóveis ou na compra visando outro escopo lucrativo que terá por objeto imediato o prédio ou a fracção (por exemplo, para arrendamento) e, por isso, ia ser, assim, o utilizador final do bem.


20º. O autor é consumidor porquanto adquiriu o imóvel para satisfação de necessidades pessoais e familiares (uso privado) e para outros fins que não se integrem numa atividade económica levada a cabo de forma continuada, regular e estável.


21º. Destarte, efetivamente, tendo o Autor, procurado adquirir o imóvel para habitação própria permanente é um potencial consumidor pois ser-lhe-ia fornecido um bem para uso não profissional.


22º. Releva é que a vontade do Autor, aquando da celebração do contrato promessa, sempre foi afetar o imóvel à sua habitação própria permanente, não se destinando o referido imóvel a um uso profissional.


23º. O Autor não comprou (nem sequer prometeu comprar) o imóvel com escopo de revenda, nem em momento algum o alegou nem tal facto foi alegado e/ou provado.


24º. A alegada vontade do Autor em trocar de fração por uma fração menor e de menor valor demonstra precisamente o facto que o Autor sempre pretendeu comprar um imóvel para a sua habitação própria permanente. O mesmo se diga em relação à cessão da posição contratual. Se o Autor pretendesse destinar o imóvel para 27 revenda não demonstraria vontade em ceder a posição contratual ou trocar a fração.


Destarte,


25º. Contrariamente ao que o Recorrente quer fazer em crer este Tribunal, claramente que resulta provado que o Autor procurava adquirir o sobredito imóvel para habitação própria permanente. Aliás, outra não pode ser a conclusão.


Ademais, refira-se que,


26º. O AUJ n.º 4/2019, invocado pelo Recorrente, define o conceito de consumidor para efeitos do reconhecimento do direito de retenção e à graduação dos créditos dos promitentes-compradores), por se terem adotado diferentes entendimentos quanto ao âmbito do conceito de consumidor subjacente ao Acórdão n.º 4/2014.


27º. Ou seja, o AUJ n.º 4/2019 uniformizou jurisprudência nos casos em que, na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa.


28º. O que nada tem que ver com os presentes autos e a factualidade aqui vertida e em discussão.


29º. Indubitavelmente, o sobredito Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04 é aplicável in casu. Ademais,


30º. É certo que estamos perante um contrato promessa de compra e venda e que o imóvel ainda não foi entregue. No entanto também é certo que os direitos do Autor não podem, nem devem, deixar de ser acautelados apenas porquanto ele ainda apenas se prometeu a comprar.


31º. Uma vez mais, o Recorrente está a querer confundir alhos com bugalhos porquanto se socorre da argumentação plasmada no sobredito AUJ n.º 4/2019 e em 28 que a factualidade ali vertida nada tem que ver, ou sequer se assemelha, ao vertido nos presentes autos.


32º. Importa relevar tudo o quanto determina o artigo 410.º, n.º 1, do C. C. relativo à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa - princípio da equiparação.


33º. Assim, como bem refere o Acórdão do Tribunal a quo, ao contrato promessa de compra e venda são aplicáveis as disposições relativas ao contrato de compra e venda com exceção das relativas à forma (o que não está em causa nos autos) e quanto àquelas que, pela sua razão de ser, não se possam estender à promessa.


34º. Ora, nada obsta a que se aplique à possibilidade de cessação de um contrato promessa os fundamentos relativos à entrega de um bem já vendido e que não esteja conforme o acordado – a este propósito, veja-se a factualidade e a decisão plasmada no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 31.01.2019, Processo n.º 1618/17.8T8BRG.G1, em tudo semelhante ao caso sub judice.


Assim,


35º. A situação da promessa de compra e venda é em tudo semelhante à compra definitiva. Apenas e somente com a diferença de que na compra e venda já houve entrega e na promessa a mesma será futura.


36º. A questão está que se a coisa que se promete vender sofre de patologias, a posição do consumidor, que está na iminência de lhe ser entregue um bem com características que não acordou, é em tudo igual àquele que já recebeu o bem com as mesmas patologias.


37º. In casu, o imóvel prometido vender estava em clara violação com o mapa de acabamentos acordado entre as partes e anexo ao contrato promessa. Pelo menos quatro dos acabamentos que haviam sido contratualizados entre as partes não correspondem ao que foi contratualizado entre as partes - vide factos provados sob os pontos 19, 21, 22 e 23 que ora se transcrevem para os devidos efeitos legais: «(19) A fração prometida vender em vez de tetos lisos em gesso cartonado, rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha 70kg, tinha tetos em betão polido aparente;


(21) Os muros exteriores do empreendimento estavam em betão polido aparente contrariamente ao mapa de acabamentos, do qual constava que os muros exteriores seriam em granito tradicional;


(22) Os armários do imóvel, de acordo com o mapa de acabamentos, deveriam ser brancos e encontravam-se em cor cinza.


38º. E estaria condenado a ver questionada a sua validade porquanto a Recorrente embora interpelada pelo Autor, nada fez.


39º. Realce-se que resulta do e-mail enviado pelo Autor à 1.ª Ré, na pessoa da sua Arquiteta, DD, em 22 de julho de 2021, onde é questionado se as alterações levadas a cabo pela 2.ª Ré, unilateralmente realizadas, contrárias ao mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa referido se iriam manter, tendo esta respondido afirmativamente.


40º. E, deva-se realçar, que, conforme a testemunha BB o referiu, que quando o Autor foi com ela foi visitar o imóvel, verificando o estado do imóvel, mormente os seus acabamentos totalmente diferentes do contratado, de imediato manifestou vontade em que o imóvel fosse conforme consta no contrato de promessa. Tal testemunha refere ainda que tal vontade foi expressamente comunicada, aquando de uma visita, à Engenheira da Ré ali presente. Assim, o Autor solicitou expressamente a tal Engenheira para colocar os acabamentos do imóvel conforme estava no mapa de acabamentos presente no contrato de promessa, que era este o seu objetivo. Contudo, a 1.ª Ré, na pessoa da referida Engenheira não o fez. Apenas limitando-se a dar respostas evasivas, sendo que, ao fim e ao cabo, nada foi feito.


41º. A aplicação do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04 aos presentes autos evita, por um lado, a defensa pelos direitos do consumidor em adquirir um imóvel que não pretende e que é, efetivamente desconforme ao acordado, e por outro lado, evita a concretização de um negócio jurídico destinado a naufragar.


42º. Deste modo, pode o Autor/recorrente lançar mão das soluções previstas no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, evitando-se que adquira um bem que esteja desconforme com o acordado (neste sentido, Acs. S. T. J. de 03/06/2003, rel. Alves Velho, Ac. S. T. J. de 29/06/2010 citado na decisão recorrida, e de 02/12/2013, rel. Maria Prazeres Beleza, R. G. de 30/01/2014 e de 31/01/2019, rel. Eva Almeida, todos em www.dgsi.pt).


43º. A principal inovação trazida pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04 foi a adoção expressa da noção de conformidade com o contrato, que se presume não verificada sempre que ocorrer algum dos factos descritos no regime agora aprovado.


44º. Face a tal presunção legal, ao comprador compete apenas alegar um dos factos índices aí previstos, passando a competir ao vendedor a prova da conformidade, isto é, de que a coisa não padece da alegada “falta de conformidade” ou defeito, ou que o consumidor tinha conhecimento dessa falta de conformidade ou não podia razoavelmente ignorá-la


45º. Ocorre falta de conformidade entre o que foi negociado, querido pelo Autor ora recorrido e prometido pela Ré, ora recorrente, e o que, na concretização desse contrato, a ora recorrente lhe entregaria, quando, posteriormente à celebração do contrato promessa, o promitente comprador toma conhecimento de que o imóvel prometido não está conforme ao contratualizado entre ambas as partes.


46º. Mormente, pelo menos, quatro dos acabamentos que haviam sido contratualizados entre as partes não correspondem ao que foi contratualizado entre as partes - vide factos provados sob os pontos 19, 21, 22 e 23.


47º. Quer isto dizer que tais pontos, constantes nos factos provados 19, 21, 22 e 23, levam a que se possa concluir que o imóvel que foi acordado comprar pelo Autor, ora Recorrido, não corresponde ao objeto que a promitente vendedora (1.ª Ré), ora Recorrente, se propôs a entregar.


48º. Houve uma violação clara do mapa de acabamentos previsto para o imóvel. O Recorrente, pese embora interpelado/alertado para o tal, demonstrou-se como conformada e disposta a entregar ao Autor, ora Recorrido, um imóvel diferente do que foi acordado entre as partes e que, para os devidos efeitos, perante a lei, é defeituoso.


49º. O objeto a entregar deve ser a coisa prevista no contrato, conforme as estipulações e especificações das partes. O que não se sucedeu.


50º. Se a coisa a ser entregue não apresentar as características - qualidade, quantidade, categoria, tipo – supostas ou previstas pelas partes, dir-se-á em desconformidade com o contrato, e o comprador não obterá a satisfação esperada.


51º. Desconformidade, falta de conformidade ou não-conformidade que se manifestará, pois, pela comparação ente a coisa convencionada e a coisa oferecida ou posta à disposição do comprador, a poder recebê-la (sem ou com reservas) ou antes a exigir uma coisa com as qualidades esperadas, em exacto cumprimento do contrato, sob pena de a recusar. Cfr. João Calvão da Silva, in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 4ª ed., Almedina, pág. 20.


52º. Compete ao vendedor a prova da conformidade, isto é, de que a coisa não padece da alegada “falta de conformidade” ou defeito. Ou então que o consumidor tinha conhecimento dessa falta de conformidade ou não podia razoavelmente ignorá-la.


Ora,


53º. Atendendo aos factos dados como provados, o Autor teve, pelo menos, quatro motivos para, legal, licita e legitimamente resolver o contrato promessa celebrado entre as partes (quatro dos acabamentos que haviam sido contratualizados entre as partes não correspondem ao que foi contratualizado entre as partes - vide factos provados sob os pontos 19, 21, 22 e 23).


54º. Quanto aos muros exteriores serem em betão polido aparente em vez de granito, não está provado que tal seja possível de remediar nem que a 1.ª Ré tenha apresentado qualquer tipo de solução construtiva alternativa.


55º. Sendo certo que a alteração levada a cabo pelo Recorrente afetou bastante a estética exterior do edifício e, bem assim, o valor da fração adquirida pelo Autor.


56º. E quanto aos tetos da fração não estarem construídos em pladour com lã de rocha, estando, ao invés, construído também em betão aparente, também aqui não há prova que possa ser revertida a situação atual nem que tenha sido apresentada solução alternativa ao que foi efetivamente construído.


57º. Isto sendo certo que a alteração levada a cabo pela Ré afetou não só a estética da fração – do teto – mas, bem assim, o conforto da mesma (a lã de rocha isola/reduz os sons exterior advindos das frações imediatamente acima das do Recorrente que seria no res-do-chão).


58º. Os armários do imóvel, de acordo com o mapa de acabamentos, deveriam ser brancos e encontravam-se em cor cinza.


59º. Ademais, a parede da cozinha estava pintada e não revestida de vidro lacado branco.


60º. Não foi apenas uma alteração unilateral levada a cabo pela Recorrente sem qualquer aviso prévio, ou sequer posterior, nesse sentido.


61º. Foram, pelo menos, quatro alterações relevantes, levadas a cabo unilateralmente pela Recorrente, que motivaram a vontade do Autor em resolver o contrato promessa.


62º. A Recorrente foi interpelada para resolver as mudanças unilaterais que havia feito na fração e não as fez.


63º. Conforme consta no facto 24. Dado como provado pelo Tribunal a quo «No dia 22 de julho de 2021, o Autor enviou um e-mail à arquiteta responsável pelo empreendimento, questionando-a sobre divergências encontradas na visita ao imóvel.», – vide ponto 25. dado como provado pelo Tribunal a quo; Por comunicação escrita, datada de 26.07.2021 intitulada de “Notificação Extrajudicial”, o Autor interpelou a Recorrente, tendo o mesmo se sucedido em 11.08.2021 (factos 29. e 33 Dado como provado pelo Tribunal a quo).


64º. O Autor não só reclamou das desconformidades encontradas no imóvel em relação ao contratado no mapa de acabamentos anteriormente à avaliação bancária, como também anteriormente à notificação para a realização do contrato prometido.


65º. Analisando os factos provados, o primeiro contacto do Autor com a 1.ª Ré onde são mencionadas divergências na execução da fração ocorre a 22.07.2021 (factos 24 e 25), e posteriormente nas duas missivas de 26.07.2021 e 11.08.2021 (factos 29. e 33), conforme acima se refere.


66º. Em momento algum o Autor gerou qualquer convicção na Recorrente de que as desconformidades encontradas no imóvel, por comparação ao mapa de acabamentos, eram por si aceites ou pouco relevantes. Precisamente o oposto.


67º. O certo é que Recorrente nada fez para emendar o (mal!) que havia feito, nem se demonstrou disponível para o tal. A Recorrente não só não disse ao Autor que colocaria a fração nos exatos termos em que tinham acordado no mapa de acabamentos (assim como não propôs qualquer alteração de preço).


68º. Encontrava-se o Autor numa situação em que o que lhe é proposto que aceite um bem bastante diferente do que lhe foi prometido, sem que vislumbre algum tipo de remédio por essa diferença.


69º. Em momento algum o autor atuou de má-fé ou em abuso de direito ao resolver o contrato promessa. Pura e simplesmente exerceu legitimamente os meios que tinha para acautelar os seus direitos.


70º. O Recorrente e o Autor acordaram na entrega de um imóvel com determinadas características relevantes. Porém, não só a proposta de entrega não corresponde ao acordado, como também a Recorrente não logrou provar que poderia aina ser concretizado o que se havia acordado, nem sequer apresenta uma solução que possa compensar o seu comportamento faltoso.


71º. Ou seja, a Recorrente não ofereceu ao Autor outra possibilidade que não a de celebrar o contrato definitivo.


72º. O Recorrente não concretiza os factos em que se funda para considerar abusivo o exercício pelo autor do direito de resolver o contrato, que lhe é conferido pelo nº1 do art.º 4º do já citado Dec. Lei 67/2003.


73º. Não se vislumbra como é que o exercício pelo Autor do direito à resolução do contrato, traduzam “manifesta desproporcionalidade dos seus efeitos colocando a recorrente numa posição injustificadamente gravosa”.


74º. Do mesmo modo não era exigível ao Autor que adquirisse um imóvel para a sua habitação própria permanente com diferenças significativas face ao que havia lhe sido prometido vender.


75º. Pelo que, como bem refere o Tribunal a quo «Face a este quadro, na nossa opinião, estão preenchidos os requisitos para que o Autor pudesse resolver o contrato, como fez operar na carta de 11/08/2021, decorridos os dez dias aí conferidos à 1.ª Ré para alterar a situação. Tal resolução é lícita face ao acima mencionado regime do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04.


76º. Assim, face da factualidade provada, tem plena justificação a resolução do contrato promessa pelo Autor.


77º. A decisão judicial proferida pelo douto Tribunal da Relação não merece qualquer reparo. E, por conseguinte, deve improceder na integra a as alegações de revista deduzida pelo Recorrente, mantendo-se a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo”.


7. O Exmo. Senhor Desembargador proferiu despacho com o seguinte teor:


Visto.


A recorrente «WLF…» não faz, nas alegações, qualquer menção à nulidade do Acórdão, referência que apenas surge na parte final do recurso, nas conclusões.


Pensamos assim que a menção à nulidade da nossa decisão, a qual surge nas conclusões I e P, não tem objeto já que se resume o que não foi alegado.


Deste modo, não iremos designar dia para conferência para apreciação da nulidade, sem prejuízo do superior entendimento do Supremo Tribunal de Justiça.


Por ser recorrível, estar em tempo, ser apresentado por quem tem legitimidade, admite-se o recurso interposto pela Autora, o qual é de revista, subir nos presentes autos, com efeito devolutivo – artigos 671.º, n.º 1, 675.º, n.º 1, 676.º, n.º 1, a contrario, do C. P. C. -.


Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça”.



*




Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber:


1.ª) se o Acórdão recorrido enferma da nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;


2.ª) se o regime relativo à venda de bens de consumo é aplicável no caso dos autos; e


3.ª) se a resolução do contrato-promessa de compra e venda pelo autor / promitente-comprador constitui abuso do direito.



*




II. FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:


1. O Autor é um cidadão de nacionalidade brasileira, advogado, residente em Portugal há vários anos.


2. A 1.ª Ré dedica-se à construção de edifícios, promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários e arrendamento de bens imobiliários (cfr. certidão permanente junta com a contestação da 2.ª Ré, que se dá por reproduzida).


3. A 2.ª Ré exerce a actividade mediação imobiliária. Administração de imóveis por conta de outrem. Compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim. Actividade de intermediação de créditos (cfr. certidão permanente junta com a contestação da 2.ª Ré, que se dá por reproduzida).


4. Em meados de 2020, o Autor procurava adquirir um imóvel para habitação própria permanente.


5. Para tal contactou a 2.ª Ré que forneceu ao Autor informação sobre um empreendimento denominado “The ...”, sito em ....


6. Nessa data a obra estava numa fase de construção inicial.


7. Toda a apresentação do imóvel foi elaborada com base na descrição apresentada, da qual constava o mapa de acabamentos e as imagens onde era possível perceber como seria o imóvel quando concluído.


8. O empreendimento era apresentado como sendo “um condomínio fechado com piscina e privilegiando os espaços verdes”.


9. O mapa de acabamento apresentado descrevia o seguinte:


- Fachada e cobertura: Fachada em betão aparente, Guardas metálicas em vidro laminado e betão aparente, Janelas de correr em PVC, com vidro duplo e controlo solar, Cobertura plana com manta térmica, tela PVC, isolamento térmico em poliestireno extrudido XPS e godo.


- Acabamentos exteriores: Muros em granito tradicional, Jardins e logradouros em relva semeada com arbustos e arborização autóctone, Piscina coletiva e amplas zonas verdes (condomínio fechado).


- Acabamentos interiores: Paredes em alvenaria com gesso projetado e tectos lisos em gesso cartonado, rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha 70kg, Projetores embutidos com iluminação Led, Portas de segurança de 37db com trancas em 6 pontos de fecho, blackouts interiores, Pavimento flutuante estratificado AC5, Loiças sanitárias e lavatórios suspensos, Cerâmicos, porcelânicos e torneiras de marca a definir, Cozinhas e roupeiros embutidos até ao tecto em melanina branca, Bancada da cozinha em pedra natural, Eletrodomésticos (placa, forno, frigorifico, exaustor, cilindro/painel solar), Ar condicionado ou radiadores, Videoporteiro, Revestimento das paredes dos halls em madeiras naturais.


10. O Autor decidiu avançar para a compra de um apartamento de tipologia “T3”, correspondente à fracção autónoma identificada com a letra “B”, pelo preço acordado foi de € 240.000,00.


11. No dia 14.07.2020 foi celebrado documento escrito intitulado de “Contrato-Promessa de Compra e Venda de Fração Autónoma a Construir” entre a 1.ª Ré e o Autor (cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial que se dá por reproduzido).


12. Da cláusula segunda do contrato celebrado consta que promete vender fracção “com as características e acabamentos descritos em anexo” e que “a fracção prometida vender e objeto do presente contrato será entregue (…) no dia da celebração da escritura de compra e venda, livre de quaisquer ónus ou encargos, nas condições e com as características e acabamentos acordados e que fazem parte integrante do presente Contrato”.


13. Na cláusula sexta, sob o ponto 3. do contrato consta que “qualquer alteração ao presente contrato deverá revestir a forma de documento escrito e assinado por todas as partes constantes do mesmo”.


14. Como adicional ao contrato celebrado, intitulado de “Contrato-Promessa de Compra e Venda de Fração Autónoma a Construir” as partes acordaram que a 1.ª Ré colocaria um portão de acesso ao terraço, bem como a avisar o Autor para escolher os electrodomésticos que pretendia ver alterados assim que chegasse a essa fase da obra e a colocar tomadas no logradouro da fracção.


15. Do mapa de acabamentos anexo ao contrato consta que as “guardas em vidro laminado (em substituição de guardas em betão aparente)”.


16. O Autor procedeu ao pagamento da quantia global de € 72.000,00 a titulo de sinal e principio de pagamento, efetuado através de pagamentos parcelares de € 12.000,00 efetuados em 15.07.2020, 09.09.2020, 09.09.2020, 11.09.2020, 18.03.2021 e 18.03.2021.


17. Em data posterior à assinatura do contrato de promessa de compra e venda o Autor viajou para o Brasil.


18. O Autor pediu a um amigo, CC, para se deslocar ao imóvel, com o intuito de avaliar o estado da obra.


19. A fracção prometida vender em vez de tectos lisos em gesso cartonado, rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha 70kg, tinha tectos em betão polido aparente.


20. O tecto da varanda apresentava metais de fixação das placas de vidro visíveis e os acabamentos estavam em betão polido aparente.


21. Os muros exteriores do empreendimento estavam em betão polido aparente contrariamente ao mapa de acabamentos, do qual constava que os muros exteriores seriam em granito tradicional.


22. Os armários do imóvel, de acordo com o mapa de acabamentos, deveriam ser brancos e encontravam-se em cor cinza.


23. A parede da cozinha estava pintada e não revestida de vidro lacado branco.


24. No dia 22 de julho de 2021, o Autor enviou um e-mail à arquitecta responsável pelo empreendimento, questionando-a sobre divergências encontradas na visita ao imóvel.


25. A arquitecta respondeu no mesmo dia, informando que o tecto do apartamento “ficará em betão aparente conforme mapa de acabamentos atualizado”; o tecto da varanda ficará com metais de fixação das placas de vidro aparentes, bem como acabamento em betão polido aparente, “conforme executado em obra”; os muros ficarão em betão aparente “conforme executado em obra”; o acabamento entre os móveis da cozinha é em “vidro lacado branco” (cfr. documento nº 9 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido).


26. No prospeto entregue ao Autor no momento da negociação do imóvel, as guardas que compõem as fachadas principais seriam metálicas em vidro laminado e betão aparente (cfr. documentos nº 1 e 2 juntos com a petição inicial, que se dão por reproduzidos).


27. As mudanças realizadas não foram aplicadas às imagens promocionais do empreendimento.


28. A 1.ª Ré não comunicou previamente ao Autor as alterações introduzidas em obra.


29. Por comunicação escrita, datada de 26 de julho de 2021, intitulada de “Notificação Extrajudicial”, o Autor comunica à 1.ª Ré que “Notificada não pretende honrar nem com o descrito no Mapa de Acabamento apresentado quando da negociação do referido Contrato e veiculado na propaganda do empreendimento, nem ao menos com o Mapa de Acabamento que integra o Contrato de Promessa de Compra e Venda. (…) Nas imagens propagadas pela Notificada, assim como no Mapa de Acabamento original do empreendimento, apresentado ao Notificante durante a negociação do imóvel, as guardas que compõem as fachadas principais seriam em betão aparente, entretanto, no Mapa de Acabamento que compõe o Contrato de Promessa de Compra e Venda celebrado, tal item foi, de forma ludibriosa, modificado pela Promitente Vendedora, tendo passado a constar “guardas em vidro laminado (…)


Conforme Mapa de Acabamento que compõe o Contrato de Promessa de Compra e Venda, assinado por Notificante e Notificada, os muros do empreendimento deveriam ser em granito tradicional, entretanto, o que consta no local, e assim permanecerá sendo, segundo a Sra. DD, são muros de betão polido aparente; os tetos do apartamento deveriam ser lisos em gesso cartonado, rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha de 70 kg, no entanto, o que encontra-se no local e assim também permanecerá a ser, conforme a Sra. DD, são tetos em betão aparente, totalmente remendados, e desnivelados; os armários do imóvel, segundo o Mapa de Acabamento, deveriam ser brancos, mas no local encontram-se móveis cinza, extremamente declivosos, desalinhados e sem acabamento, apesar de já terem sido dados como concluídos pela Notificada” (cfr. documento nº 11 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido).


30. Na mesma comunicação o Autor escreve que a 1.ª Ré “pretendendo entregar o empreendimento em dissonância consubstancial ao que foi efetivamente prometido ao Notificante, resta caracterizado por parte da Notificada o incumprimento definitivo do Contrato. Destarte, por plena violação da Cláusula Segunda do Contrato celebrado entre as partes, requerer o Promitente Comprador/Notificante a resolução do Contrato de Promessa de Compra e Venda por incumprimento definitivo da Promitente Vendedora/Notificada, em consonância com o disposto pelo artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, e previsão contratual pela Cláusula Quinta. Assim, fica a Notificada ciente de que possui prazo de 10 dias, a contar do recebimento da presente notificação, para concretizar de forma amigável a resolução do Contrato”.


31. A 1.ª Ré não respondeu à missiva enviada pelo Autor.


32. Nessa data, o Autor recebeu uma comunicação da 1.ª Ré a solicitar a indicação de uma data, entre 16 de agosto e 15 de setembro de 2021, para a realização da escritura de compra e venda (cfr. documento nº 12 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido).


33. Por carta datada de 11 de agosto de 2021, registada a 17 de agosto de 2021, o Autor comunica à 1.ª Ré que “conforme notificação já remetida no passado dia 26 de julho de 2021 pelo promitente comprador, o contrato encontra-se em incumprimento por parte da promitente vendedora (…) ficam pela presente missiva V.ª Exas. notificados para, no prazo de 10 (dez) dias a contar do registo da presente carta, informar o promitente comprador se, até ao dia 15 de setembro de 2021, data limite pela promitente vendedora indicado na missiva para realização da escritura, irão proceder às devidas alterações na obra com o intuito de concluir o imóvel e fazer cumprir, pontualmente, o contrato de promessa de compra e venda. Mais ficam V.ª Exas. informados que, caso tal não suceda, o incumprimento do contrato de promessa de compra e venda por parte de V.ª Exas. ter-se-á como definitivo, considerando-se o mesmo resolvido” (cfr. documento nº 13 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido).


34. O Autor idealizou uma fracção habitacional, quer em função do mapa de acabamentos, quer em função do prospeto publicitário que lhe foi entregue.


35. A 2.ª Ré celebrou um contrato de mediação imobiliária com a 1.ª Ré (anteriormente designada G..., Lda) relativo ao Empreendimento “The ...”, sito em ... (cfr. documento nº 5 junto com a contestação da 2.ª Ré, que se dá por reproduzido).


36. A 2.ª Ré limitou-se a transmitir aos potenciais interessados na aquisição de fracções a informação recebida da 1.ª Ré.


37. As negociações dos termos do contrato promessa, das alterações aos projetados acabamentos e demais características da fracção foram negociados entre a 1.ª Ré e o Autor.


38. O Autor teve conhecimento, previamente à formalização do contrato promessa, das características e mapa de acabamentos, da fracção e do Empreendimento.


39. A 2.ª Ré facultou ao Autor todas as informações sobre a situação jurídica do imóvel, bem como localização do Empreendimento e respectivas características e acabamentos, tal como lhe foram transmitidos pela 1.ª Ré antes da celebração do contrato.


40. É possível os acabamentos dos armários de cozinha e o revestimento da parede da cozinha.


41. (*Eliminado pelo Tribunal da Relação).


42. (*Eliminado pelo Tribunal da Relação).


43. Entre a Generali Seguros, S.A. e a 2.ª Ré foi celebrado contrato de seguro do ramo responsabilidade civil mediador imobiliários, titulado pela apólice nº ........94, com limite do capital seguro de € 200.000 por sinistro e anuidade (cfr. documento nº 2 junto com a contestação da 2.ª Ré, que se dá por reproduzido).


44. O contrato estava em vigor na data dos factos dos autos.


45. Os factos não foram participados à seguradora.


46. A Interveniente Acessória, Ageas Portugal celebrou um contrato de Seguro de Responsabilidade Civil com A...Imobiliária Portugal, titulado pela APÓLICE N.º ............19 (cfr. documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a contestação da interveniente, que se dão por reproduzidos).


47. O contrato esteve em vigor para o período de 1.04.2021 a 31.03.2022.


48. Não foi participado sinistro à interveniente.


E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:


1. Durante o período em que esteve no Brasil, contraiu matrimónio com EE.


2. O casal tem como objectivo constituir família e desde a assinatura do contrato de promessa de compra e venda aguardava ansiosamente a conclusão das obras para ali residirem.


3. CC foi impedido de entrar na obra.


4. Assim que voltou a Portugal, o Autor efetuou no dia 21 de julho de 2021 uma visita ao imóvel, acompanhado pelo avaliador da entidade bancária onde solicitou o crédito para adquirir o referido apartamento.


5. Apenas por esse motivo teve acesso ao empreendimento, pois enquanto promitente comprador, não lhe foi permitido o acesso ao imóvel.


6. Nessa mencionada visita do dia 21 de julho de 2021, o Autor deparou-se com um imóvel completamente distinto daquilo que havia sido contratado entre as partes.


7. Tanto o empreendimento como a fracção habitacional em questão tinham características completamente diferentes do que havia sido apresentado ao Autor.


8. Os materiais utilizados e os acabamentos em nada correspondiam com o mapa de acabamentos constante no contrato de promessa de compra e venda.


9. Os tectos estavam remendados e desnivelados.


10. O tecto da varanda devia ser pintado a cor branca.


10.1. O tecto da varanda está conforme o mapa de acabamentos anexo ao contrato promessa (*Aditado pelo Tribunal da Relação).


11. Os armários deviam ser lacados, no interior e exterior das portas.


12. Os móveis encontravam-se declivosos, desalinhados e sem acabamento.


13. Foi apenas nesta data que o Autor se apercebeu que a 1.ª Ré havia efetuado uma alteração no mapa de acabamentos constante no contrato de promessa de compra e venda.


14. No mapa de acabamentos que compõe o contrato de promessa de compra e venda celebrado, o item referente às guardas que compõem as fachadas principais foi, de forma ludibriosa, modificado pela 1.ª Ré, tendo passado a constar “guardas em vidro laminado”.


15. As alterações mudaram inteiramente o empreendimento e habitação, interferindo no seu valor e desvalorizam o valor do imóvel em milhares de euros.


16. Já com o imóvel em fase de conclusão, o mesmo foi avaliado em € 230.000,00, € 10.000,00 abaixo do valor da compra, ainda em planta.


17. Esta avaliação é consequência das alterações realizadas pela 1.ª Ré no decorrer da obra.


18. O Autor só teve conhecimento das alterações em 21 de julho de 2021.


19. As alterações efetuadas pela 1.ª Ré conduziram a uma total descaracterização da fracção prometida vender.


20. É possível os acabamentos do tecto da cozinha.


21. A alteração do material do muro do empreendimento deveu-se ao facto de não haver no mercado nem pedra, nem mão de obra disponível para executar o muro em granito e teve por objetivo acabar o projecto a tempo de poder cumprir atempadamente os contratos promessa (*Aditado pelo Tribunal da Relação).


O DIREITO


1. Da alegada nulidade do Acórdão recorrido


Começa-se a análise do presente recurso por averiguar se o Acórdão recorrido padece de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.


Se bem que, em rigor, as conclusões sirvam para sintetizar as alegações da revista e que, nas alegações do presente recurso, a recorrente não explica – e nem sequer se refere – a nulidade que argui nas conclusões I) e P), não pode desconsiderar-se esta arguição. Como se disse acima, para todos os efeito, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões.


O certo é que tal nulidade não se verifica. Se não veja-se.


Entende a recorrente que, como da factualidade provada não se podia retirar que o autor era consumidor, o Tribunal recorrido não podia aplicar o DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, sobre a venda de bens de consumo, já que este apenas se aplica aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores.


O certo é que, convocando a factualidade provada, o Tribunal a quo qualificou o autor como consumidor.


Pode ler-se no Acórdão recorrido:


O Autor, procurando adquirir o imóvel para habitação própria permanente (factos 4 e 5), é um potencial consumidor pois ser-lhe-ia fornecido um bem para uso não profissional”.


Cai, assim, imediatamente por terra o pressuposto lógico da recorrente e improcede a incoerência por ela apontada.


Mas – deve ainda esclarecer-se – mesmo que fosse verdade que da factualidade provada não se podia retirar que o autor era consumidor, nunca a aplicação pelo Tribunal recorrido do regime mencionado configuraria oposição entre os fundamentos e a decisão.


Como é sabido – e recorrentemente explicado em numerosos Acórdão deste Supremo Tribunal –, “[a] nulidade da sentença/acórdão prevista no 1º. segmento do al. c) do nº. 1 do citado artº. 615º - fundamentos em oposição com a decisão - ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão, existindo, pois, uma contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e conclusão/decisão final1.


Ora, naquela hipótese não haveria esta contradição entre os fundamentos de facto ou de direito invocados pelo Tribunal – as suas premissas de facto ou de direito – e a aplicação do regime da venda de bens de consumo; haveria, sim, naquela hipótese uma leitura errada da matéria de facto, enfim, um erro de direito.


Pelo exposto, conclui-se que não se verifica a alegada nulidade.


2. Da alegada inaplicabilidade do regime da venda de bens de consumo


Já se sabe que o Tribunal recorrido aplicou ao caso o regime da venda de bens de consumo.


Atingiu esta conclusão em duas etapas: primeiro, qualificando o autor como consumidor, deu por assente que o contrato havia sido celebrado entre um profissional e um consumidor; depois, considerou que o regime era aplicável aos contratos-promessa e, como tal, ao contrato-promessa dos autos.


A qualificação do autor como consumidor foi feita nos termos já vistos, ou seja:


O Autor, procurando adquirir o imóvel para habitação própria permanente (factos 4 e 5), é um potencial consumidor pois ser-lhe-ia fornecido um bem para uso não profissional”.


Quanto à aplicabilidade do regime ao contrato-promessa, o Acórdão é eloquente:


a questão que se coloca é a de aferir se tais soluções podem ser aplicadas a quem promete a compra de um imóvel e a parte contrária pretende cumprir a sua obrigação com a entrega de um bem que é desconforme com o contratado; a resposta, na nossa opinião, é positiva”.


A recorrente contesta esta aplicabilidade, pondo em causa a verificação de ambos os pressupostos [cfr. conclusões A) a I)].


Cabe aqui percorrer o mesmo caminho, embora, por razões lógicas, invertendo a ordem de tratamento dos pressupostos.


Veja-se, pois, se está preenchido o primeiro pressuposto de aplicabilidade do regime, relativo à natureza do contrato. Estará em causa, de facto, um contrato ao qual se aplique o regime do contrato de compra e venda, incluído o regime especial da venda bens de consumo?


Em primeiro lugar, cabe observar que, como resulta do seu título, o DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, que aprova o regime da venda de bens de consumo, configura a transposição para a ordem jurídica portuguesa da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas2. Assim sendo, há que interpretá-lo em conformidade com esta Directiva3.


Ora, a noção de contrato de compra e venda que está subjacente a esta Directiva4 não é corresponde rigorosamente à que é usual na lei portuguesa. A noção “europeia” é mais ampla, abrangendo não só o contrato de compra e venda tal como definido na nossa lei civil como ainda contratos que, apesar de próximos, não têm rigorosamente os mesmos efeitos jurídicos.


É certo que, ao contrário da Directiva que se lhe seguiu, a Directiva n.º 1999/44/CE, não define contrato de compra e venda mas é possível sustentar que a noção que tem implícita é a que veio depois a constar expressamente daquela – como “um contrato ao abrigo do qual o vendedor transfere ou se compromete a transferir a propriedade dos bens e o consumidor paga, ou se compromete a pagar, o respectivo preço” (cfr. artigo 2.º da Directiva 2019/771/UE)5.


Perante esta definição tem sido defendido que “o conceito de contrato de compra e venda do direito europeu abrange os contratos de compra e venda e os contratos-promessa de compra e venda do direito português: em primeiro lugar, abrange os contratos de compra e venda, ao abrigo dos quais o vendedor transfere a propriedade dos bens e, em segundo lugar, abrange os contratos-promessa de compra e venda, ao abrigo dos quais o vendedor se compromete a transferir a propriedade dos bens [de consumo]. Face à relação entre a Directiva 2019/771/UE e o Decreto-Lei n.º 84/2021, as disposições do Decreto-Lei n.º 84/2021, designadamente as disposições relativas à conformidade e à falta de conformidade dos bens com o contrato de compra e venda, devem aplicar-se ao contrato-promessa de compra e venda6.


Concluindo: face à noção adoptada de contrato de compra e venda no Direito europeu, deve considerar-se que o DL n.º 67/2003 se aplica não só ao contrato de compra e venda tal como definido no artigo 874.º do CC (“contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”), mas também ao contrato-promessa de compra e venda tal como definido no artigo 410.º, n.º 1, do CC (“convenção pela qual alguém se obriga a celebrar [um] contrato [de compra e venda]”).


Em segundo lugar, na sequência do Tribunal recorrido, há que lembrar o princípio ou a regra geral da equiparação do contrato-promessa ao contrato prometido.


Com efeito, dispõe-se no artigo 410.º, n.º 1, do CC:


À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa”.


Significa isto que, mesmo considerando exclusivamente o Direito português, a tendência é a da aplicabilidade da disciplina (geral e especial) do contrato de compra e venda ao contrato-promessa de compra e venda – ou, como diz Nuno Manuel Pinto Oliveira, “logo, em princípio, ao contrato-promessa de compra e venda são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato de compra e venda7.


Visto isto, prossiga-se para a verificação do outro pressuposto, respeitante à qualidade dos sujeitos.


O DL n.º 67/2003 determina que o seu regime “é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores” (cfr. artigo 1.º-A, n.º 1), sendo consumidor definido como “aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho” [cfr. artigo 1.º-B, al. a)].


Ora, ao contrário do que entende a recorrente, nada na factualidade provada sugere que o autor não é consumidor; ao invés, do facto provado 4 (Em meados de 2020, o Autor procurava adquirir um imóvel para habitação própria permanente) em conjugação com o (a parte inicial do) facto provado 5 (Para tal contactou a 2.ª Ré…) demonstra que, no período em que celebrou o contrato, o autor tinha a intenção de adquirir um imóvel para uso não profissional.


Relativamente à qualidade da recorrente, a outra parte no contrato dos autos, é incontestável, face ao facto 2 (A 1.ª Ré dedica-se à construção de edifícios, promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários e arrendamento de bens imobiliários) que ela é um profissional para o efeito do regime da venda de bens de consumo.


Pelo exposto, confirma-se que estão reunidas as condições para a aplicabilidade deste regime, pelo que nenhuma violação da lei pode imputar-se ao Tribunal a quo no que toca a este ponto.


3. Do alegado abuso do direito


A conclusão acima atingida quanto à aplicabilidade do regime da venda de bens de consumo é importante porque é nele que se alicerça a solução do caso.


Destaca-se o artigo 4.º, sobre os direitos do consumidor, que dispõe:


1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.


2 - Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor.


3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.


4 - Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.


5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.


6 - Os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem”.


Nesta fase, a questão que cabe apreciar é a de saber se algum dos direitos que esta norma confere no caso de falta de conformidade do bem com o contrato foi exercido abusivamente pelo autor, numa palavra: se existiu abuso do direito [cfr. conclusões J) a N)].


Os direitos conferidos pela norma são, num primeiro plano, o direito à reparação ou à substituição e, num segundo plano, o direito à redução do preço ou a resolução do contrato.


É possível, com efeito, entender que existe uma espécie de “hierarquia” entre os dois grupos de direitos, que só deve haver recurso aos “direitos de primeiro plano” quando o exercício dos “direitos de primeiro plano” não seja viável ou adequado à satisfação dos interesses em presença, destacando-se, naturalmente, os do consumidor.


Considerando o princípio pacta sunt servanda, é compreensível que assim seja: apenas deve partir-se para as opções que impliquem a inutilização (parcial e, em última análise, total) do contrato quando aquelas que permitem aproveitá-lo não são, por alguma razão, possíveis ou admissíveis.


O ponto foi, não obstante, controvertido8 até que o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 23 de Maio de 2019 (Acórdão Fülla) veio pacificar a discussão, afirmando, de forma inequívoca, aquela “hierarquia” ou ordem de prioridade das soluções9.


Diz-se neste Acórdão, ainda no quadro da Directiva de 1999, que:


(…) 58 A este respeito, cumpre observar que o artigo 3.º, n.ºs 3 e 5, desta diretiva estabelece uma sequência clara de soluções a que o consumidor tem direito em caso de falta de conformidade do bem.


59 Assim, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, primeiro parágrafo, da referida diretiva, o consumidor, num primeiro momento, pode exigir do vendedor a reparação ou a substituição do bem, a menos que isso seja impossível ou desproporcionado.


60 Unicamente no caso de o consumidor não ter direito à reparação nem à substituição do bem não conforme ou de o vendedor não ter procedido a uma dessas soluções num prazo razoável ou sem grave inconveniente para o consumidor é que o consumidor pode, nos termos do artigo 3.º. n.º 5, da mesma diretiva, exigir a resolução do contrato, salvo se, de acordo com o artigo 3.º, n.º 6, da Diretiva 1999/44,a falta de conformidade do bem for insignificante.


61 A este propósito, na medida em que resulta do artigo 3.º, n.ºs 3 e 5, da Diretiva 1999/44, lido em conjugação com o considerando 10 da mesma, que esta diretiva privilegia, no interesse das duas partes no contrato, a execução deste último, através das duas alternativas de solução previstas em primeiro lugar, em detrimento da resolução do contrato ou da redução do preço de venda (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2011, Gebr. Weber e Putz, C‑65/09 e C‑87/09, EU:C:2011:396, n.º 72), a referida diretiva estabelece, para este efeito, em caso de não conformidade de um bem, determinadas obrigações positivas tanto para o consumidor como para o vendedor.


62 Assim, em conformidade com o artigo 3.º, n.º 3, primeiro parágrafo, da Diretiva 1999/44, o consumidor que pretenda a reposição de um bem em conformidade deve dar ao vendedor uma possibilidade suficiente de repor esse bem em conformidade. Para o efeito, tem o dever de informar o vendedor dessa falta de conformidade e da alternativa de solução que escolheu, a saber, a reparação do bem ou a sua substituição. Além disso, o consumidor deve colocar o bem não conforme à disposição do vendedor.


63 O vendedor, por sua vez, deve efetuar a reparação ou a substituição dentro de um prazo razoável e sem grave inconveniente para o consumidor, e só está autorizado a recusar fazê‑lo se isso for impossível ou desproporcionado. Como decorre do n.º 60 do presente acórdão, o consumidor só pode exigir a resolução do contrato se o vendedor não cumprir as suas obrigações a este respeito, impostas pelo artigo 3.º, n.º 3, da Diretiva 1999/44 (…)”.


A apreciação do abuso do direito deve, pois, ser realizada tendo presente esta orientação, o que significa, concretizando, que haverá abuso do direito de resolução, nos termos do n.º 5 do artigo 4.º do DL n.º 67/2003, se não tiver sido dada à 1.ª ré a possibilidade de repor a conformidade do imóvel, através da sua reparação ou substituição.


Observe-se, em primeiro lugar, que, ao referir-se ao abuso do direito “nos termos gerais”, o n.º 5 do artigo 4.º do DL n.º 67/2003 remete implicitamente para o artigo 334.º do CC, segundo o qual “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.


Observe-se, depois, que a possibilidade de repor a conformidade do imóvel tem de ser uma possibilidade razoável, ou seja, em condições aceitáveis para ambas as partes. Nomeadamente, e como decorre do n.ºs 1 e 2 da norma, a reparação ou a substituição deve poder ser realizada gratuitamente ou sem custos (“sem encargos”) para o consumidor; “dentro de um prazo razoável10; e “sem grave inconveniente” para o consumidor.


Ora, não foi isto o que sucedeu: o autor não deixou de dar à 1.ª ré a possibilidade de esta repor o imóvel em conformidade, primeiro, informando-a dessa falta de conformidade e, depois, por duas vezes e em dois momentos diferentes, propondo que ela procedesse à sua reparação.


Veja-se em pormenor.


Está provado que, numa primeira fase, em 22 de Julho de 2021, o autor confrontou a 1.ª ré com certas divergências (cfr. facto provado 24) e que a arquitecta responsável não manifestou a intenção de proceder à correcção dos problemas apontados (cfr. facto provado 25).


Está provado que, na sequência disto, em 26 de Julho de 2021, invocando, expressamente, as dissonâncias do imóvel relativamente ao que havia sido acordado ou, pelo menos, constava do mapa de acabamentos integrante ao contrato-promessa (respeitante aos muros exteriores, aos tectos e aos armários da cozinha do imóvel), o autor notificou a 1.ª ré, advertindo que, a permanecer a situação, esta configuraria violação da cláusula segunda do contrato e, portanto, incumprimento definitivo por parte dela (factos provados 29 e 30).


Note-se que desta cláusula segunda consta que promete vender fracção “com as características e acabamentos descritos em anexo” e que “a fracção prometida vender e objeto do presente contrato será entregue (…) no dia da celebração da escritura de compra e venda, livre de quaisquer ónus ou encargos, nas condições e com as características e acabamentos acordados e que fazem parte integrante do presente Contrato” (cfr. facto provado 12).


Está provado que a 1.ª ré não só não reagiu àquela comunicação do autor (cfr. facto provado 31) como lhe enviou, na mesma altura, uma carta a solicitar a indicação de uma data para a celebração do contrato prometido (cfr. facto provado 32), o autor.


Finalmente, está provado que, perante tudo isto, em 11 de Agosto de 2021, o autor enviou uma carta à 1.ª ré, solicitando que esta o informasse, em certo prazo, se iria proceder às devidas alterações da obra com vista a cumprir, o contrato-promessa e comunicando que, no caso contrário, daria o incumprimento por definitivo e o contrato por resolvido (cfr. facto provado 33).


Nada tendo sido feito pela 1.ª ré, isto é, não tendo esta tomado medidas que sugerissem a intenção de resolver a situação (por exemplo, verificando in loco a falta de conformidade e informando o consumidor, num prazo razoável, do momento em que o imóvel devia ser posto à sua disposição para ser reposto em conformidade), o autor, alegando a hipótese prevista no n.º 1 do artigo 4.º do DL n.º 67/2003, ou seja, a falta de conformidade da fracção com o acordado no contrato-promessa, resolveu o contrato-promessa.


Está provado, antes de mais, que a alegada falta de conformidade existe, tendo sido identificados as seguintes quatro “divergências” relativamente ao acordado:


- a fracção prometida vender, em vez de tectos lisos em gesso cartonado, rebaixados com isolamento acústico de lã de rocha 70 kgs, tinha tectos em betão polido aparente (cfr. facto provado 19);


- os muros exteriores do empreendimento estavam em betão polido aparente, contrariamente ao mapa de acabamentos, do qual constava que os muros exteriores seriam em granito tradicional (cfr. facto provado 21);


- os armários do imóvel que, de acordo com o mapa de acabamentos, deveriam ser brancos, encontravam-se em cor cinza (cfr. facto provado 22); e


- a parede da cozinha estava pintada e não revestida de vidro lacado branco (cfr. facto provado 23)11.


Note-se que da cláusula sexta, ponto 3, do contrato-promessa celebrado entre autor e 1.ª ré consta que “qualquer alteração ao presente contrato deverá revestir a forma de documento escrito e assinado por todas as partes constantes do mesmo” (cfr. facto provado 13) e que houve alterações ou precisões da execução da obra que foram efectivamente acordadas entre as partes (respeitantes ao portão de acesso ao terraço, aos electrodomésticos a alterar e às tomadas a colocar tomadas no logradouro) (cfr. facto provado 14) mas não aquelas que correspondem às divergências denunciadas pelo autor à 1.ª ré e referidas como fundamento da resolução (cfr. facto provado 28).


Em síntese, da factualidade provada decorre que, existindo falta de conformidade para os efeitos previstos no artigo 4.º do DL n.º 67/2003, a 1.ª ré dispôs de mais do que uma oportunidade para corrigir a situação, procedendo à reparação das divergências, e que não fez.


Cumpre salientar, aliás, que não se vislumbra, na factualidade provada, que tenha sido apresentada uma justificação para a recusa de reparação, designadamente a impossibilidade ou a desproporcionalidade da reparação. Na realidade, no que toca até a uma das divergências (relativa aos acabamentos dos armários de cozinha), está provado que a reparação teria sido possível (cfr. facto provado 40), pelo que o fundamento da impossibilidade nunca procederia em relação a ela.


Ora, a propósito da recusa de reparação é oportuno lembrar, como se afirma no Acórdão do TJUE de 16 de Junho de 2011 (Acórdão Weber-Putz), ela só é admissível em caso de impossibilidade ou desproporcionalidade.


Diz-se aí:


(…) 71 Afigura‑se, por conseguinte, que o legislador da União pretendeu dar ao vendedor o direito de recusar a reparação ou a substituição do bem defeituoso unicamente em caso de impossibilidade ou de desproporção relativa. Quando só um destes dois modos de ressarcimento se revelar possível, o vendedor não pode, pois, recusar o único modo de ressarcimento que permite repor o bem num estado conforme com o contrato.


72 Esta escolha efectuada pelo legislador da União no artigo 3.°, n.° 3, segundo parágrafo, da directiva decorre, como realçaram os Governos belga e polaco, bem como a Comissão, do facto de a directiva privilegiar, no interesse das duas partes no contrato, a execução deste último, através dos dois modos de ressarcimento previstos em primeiro lugar, relativamente à anulação do contrato ou à redução do preço de venda. Esta escolha explica‑se ainda pela circunstância de, geralmente, estes dois últimos meios subsidiários não permitirem assegurar o mesmo nível de protecção do consumidor que a reposição da conformidade do bem (…)”.


Chegados aqui, deve concluir-se que com a recusa da ré, por impossibilidade ou por mera falta de vontade em proceder à reparação, o autor ficou dispensado ou até, de facto, impedido de exercer – continuar a – exercer os “direitos do primeiro nível”, não lhe restando senão o recurso aos “direitos do segundo nível”.


Continuando na lógica do princípio pacta sunt servanda e assumindo que a resolução do contrato funciona, em princípio, como a ultima ratio, poderia aventar-se a hipótese de se aplicar a solução (menos drástica) da redução adequada da prestação do autor, ou seja, a redução do preço do imóvel adequada à falta de conformidade.


Esta redução é possível sempre que a falta de conformidade seja de escassa importância.


Neste sentido milita o artigo 6.º, n.º 3, da Directiva n.º 1999/44/CE, em conformidade com a qual deve ser sempre interpretado – insiste-se – o regime do DL n.º 67/2003:


O consumidor não tem direito à rescisão do contrato se a falta de conformidade for insignificante”.


Retira-se disto, em suma, que a insignificância da falta de conformidade é um facto impeditivo do direito de resolução.


Sucede, porém, que a 1.ª ré não provou – nem sequer manifestou a intenção de fazer valer – esta insignificância para o efeito de redução do preço, cabendo-lhe o respectivo ónus da prova (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC).


Na verdade, a 1.ª ré não só não provou a insignificância da falta de conformidade como não provou qualquer outra circunstância impeditiva do exercício do direito de resolução pelo autor e da qual decorresse abuso do direito na acepção do n.º 5 do artigo 4.º do DL n.º 67/2003, interpretado em conformidade com a Directiva n.º 1999/44/CE.


Cabendo à 1.ª ré o ónus da prova do abuso do direito e não o tendo feito, a ausência de prova terá de valer contra ela, não restando senão concluir que o exercício do direito de resolução do contrato por parte do autor foi legítimo e que a resolução deve produzir os seus efeitos.



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III. DECISÃO


Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.



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Custas pela recorrente.



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Lisboa, 25 de Janeiro de 2024


Catarina Serra (relatora)


Isabel Salgado


Emídio Santos


______


1. Cfr., só para um exemplo, o Acórdão de 9.03.2022 (Proc. 4345/12.9TCLRS-A.L1.S1).

2. Sobre a transposição para a ordem jurídica portuguesa da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, pelo DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, cfr., por todos, João Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo - DL n.º 67/2003, de 8 de Abril / Directiva n.º 1999/44/CE – Comentário, Coimbra, Almedina, 2004. 

3. Entretanto, o DL n.º 84/2021, de 18 de Outubro, transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva 2019/771/UE, de 20 de Maio de 2019, sobre a venda de bens de consumo. Como, porém, o contrato dos autos foi celebrado em 14 de Julho de 2020 (cfr. facto provado 11), é aplicável o diploma anterior, tal como alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio. Sobre a transposição da Directiva 2019/771/UE, de 20 de Maio de 2019, para o Direito português pelo DL n.º 84/2021, de 18 de Outubro, cfr., entre outros, Jorge Morais Carvalho, “Compra e venda para consumo e fornecimento de conteúdos e serviços digitais” (2 de Novembro de 2021) (https://observatorio.almedina.net/index.php/2021/11/02/compra-e-venda-para-consumo-e-fornecimento-de-conteudos-e-servicos-digitais-primeiras­-notas-ao-decreto-lei-n-o-84-2021-de-18-de-outubro) e Sandra Passinhas, “O novo regime da compra e venda de bens de consumo – exegese do novo regime legal”, in: Revista de Direito Comercial, 2021, pp. 1463 e s. Para uma comparação entre as duas Directivas cfr. ainda Nuno Manuel Pinto Oliveira, “O direito europeu da compra e venda 20 anos depois. Comparação entre a Directiva 1999/44/CE, de 25 de maio de 1999, e a Directiva 2019/771/UE, de 20 de maio de 2019”, in: Revista de Direito Comercial, 2020, pp. 1217 e s.

4. Ao contrário da Directiva que se lhe seguiu, a Directiva n.º 1999/44/CE, não disponibilizava uma definição de contrato de compra e venda mas é possível sustentar que a noção implícita é a que veio depois a constar expressamente daquela – como “um contrato ao abrigo do qual o vendedor transfere ou se compromete a transferir a propriedade dos bens e o consumidor paga, ou se compromete a pagar, o respectivo preço” (cfr. artigo 2.º da Directiva 2019/771/UE).

5. Sublinhados nossos.

6. Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, “Contrato-promessa, conformidade e falta de conformidade”, in: Jorge Morais Carvalho (coord.), Anuário do NOVA Consumer Lab, 2021, ano 3, p. 66 (sublinhados do autor).

7. Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, “Contrato-promessa, conformidade e falta de conformidade”, cit., p. 59 (sublinhados do autor).

8. Cfr., por exemplo, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015 (Proc. 1117/12.3TVLSB.L1.S1) e a respectiva anotação de António Pinto Monteiro e Jorge Morais Carvalho (“Direitos do consumidor em caso de falta de conformidade do bem com o contrato”, in: Revista de Legislação e de Jurisprudência, 2016, n.º 3997, pp. 232 e s.).

9. Esta posição já havia sido avançada no anterior Acórdão do TJUE de 16 de Junho de 2011 (Processo Weber-Putz): “44 O artigo 3.°, n.° 2, da directiva enumera os direitos que o consumidor pode invocar relativamente ao vendedor em caso de falta de conformidade do bem entregue. Num primeiro momento, o consumidor tem o direito de exigir a reposição da conformidade do bem. Não sendo possível repor essa conformidade, pode exigir, num segundo momento, uma redução do preço ou a rescisão do contrato”. Pronunciando-se a favor do entendimento de que os dois convergem na precedência das soluções orientadas para o cumprimento cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, “O direito europeu da compra e venda 20 anos depois. Comparação entre a Directiva 1999/44/CE, de 25 de maio de 1999, e a Directiva 2019/771/UE, de 20 de maio de 2019”, cit., pp. 1284 e s.

10. Esta é a exigência no caso de estar em causa, como está no caso em apreço, um bem imóvel.

11. Tal como dá conta o Tribunal recorrido, a situação referida no facto provado 20 (o tecto da varanda apresentava metais de fixação das placas de vidro visíveis e os acabamentos estavam em betão polido aparente) não representa uma divergência relativamente ao acordado.