Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
295/16.8T8VRS.E1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
AÇÃO DE PREFERÊNCIA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
UNIDADE DE CULTURA
FACTO CONSTITUTIVO
FACTO IMPEDITIVO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / FRACCIONAMENTO E EMPARCELAMENTO DE PRÉDIOS RÚSTICOS.
Doutrina:
- Henrique Mesquita, Direito de Preferência, Colectânea de Jurisprudência, Ano XI, Tomo V, 1986, p. 53 e 54;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Anotação ao artigo 1381.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 1380.º E 1381.º, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-06-1994, PROCESSO N.º 085358, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-10-2007, PROCESSO N.º 07B2739, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-03-2010, PROCESSO N.º 186/99, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-05-2010, PROCESSO N.º 537/02, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-02-2013, PROCESSO N.º 246/05, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-10-2017, PROCESSO N.º 1522/13.9T8GMR.G1.S2.
Sumário :

I- O artº 1380º do CC estabelece o direito de preferência entre proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.

II- Trata-se de um direito legal de aquisição, que depende da verificação de diversos requisitos, cujo ónus da prova incumbe aos que se arrogam titulares do direito de preferência, por se tratar de factos constitutivos desse direito (art. 342º nº 1, do CC).

III- Para que o facto impeditivo do direito de preferência, aludido no art. 1381°, al. a), 2ª parte, do CC, opere os seus efeitos é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura, mas também que essa projectada mudança de destino é permitida por lei.

IV- Esta é matéria que se insere no âmbito do facto impeditivo do direito invocado pela Autora, e, por esta razão, o respectivo ónus probatório recai sobre contra quem a invocação é feita, ou seja sobre os Réus compradores.

 V- Não tendo demonstrado a viabilidade legal de afectação do prédio adquirido ao concreto objectivo que lhe pretendiam dar, os Réus compradores não lograram afastar o direito de preferência da Autora.

Decisão Texto Integral:
  

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

         I- Relatório

Em acção declarativa, com processo comum, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo de Competência Genérica de ... - Juiz 2) AA, Lda., demanda BB, CC casado com DD e EE e esposa FF, peticionando:                A - reconhecer-se à autora, o direito de preferência na compra do prédio rústico sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, Secção AZ e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...,composto por cultura arvense, mato, oliveiras e figueiras e com uma área total de 41.280 m2, feita pelos terceiros réus aos primeiro e segundo réus, através da escritura pública de compra e venda referida no art 5º da petição, e assim o direito de a autora haver para si o referido prédio, passando esta a ocupar o lugar dos réus compradores;

         B - ordenar-se que na Conservatória do Registo Predial de ..., se proceda ao cancelamento da aquisição a favor dos terceiros réus compradores, averbando-se, posteriormente, a aquisição da autora, de modo a substituir na inscrição que ali consta a favor dos adquirentes, os ora terceiros réus.

        Citados, os réus vieram contestar impugnando parcialmente os factos articulados pela autora, declinando, perante a legislação aplicável, que a autora tenha direito de preferência sobre o prédio alvo da venda, concluindo pela absolvição relativamente aos pedidos deduzidos pela autora.

         Foi proferida sentença pela qual se julgou improcedente a acção e se absolverem os réus do pedido. 

Não se conformando com a sentença, foi interposto pela autora recurso de apelação.

O Tribunal da Relação de Évora julgou o recurso improcedente confirmando integralmente a sentença de 1ª instância.

Deste acórdão veio a autora interpor recurso de revista excepcional, o qual veio a ser admitido pela Formação a que alude o nº 3 do artº 672,º do CPC, identificando como questão a decidir:

“Estará em causa o condicionalismo de que depende o fator impeditivo do reconhecimento do direito de preferência, tendo em conta, por um lado, a matéria de facto apurada e, por outro, a interpretação que deve ser feita do normativo do art 1381º, al. a), do CC”.

A autora formulou as seguintes conclusões:

“66 - O presente acórdão, que se pretende submeter à revista excecional, decidiu, por unanimidade, confirmando a sentença de 1ª Instância negando provimento à pretensão da autora (julgou a acção improcedente por não provada e absolveu os réus do pedido), e na parte que ora releva, que “a única questão que importa decidir consiste em saber se bem andou a Mª Juiz “a quo” ao decidir que no caso dos presentes autos se verificou a exceção peremptória prevista no artigo 1381º al. a) do CC que exclui o direito de preferência aos proprietários de terrenos confinantes quando o terreno adquirido se destine a fim que não seja a cultura”(sic).

67- Mantém a autora recorrente a convicção de que a razão lhe assiste e que a análise efetuada pela Relação, em sede de apelação, recorrendo a uma interpretação parcial do preceituado na al. a) do art. 1381º, não tomou em consideração a ratio da norma e as regras no que concerne ao princípio da repartição do ónus da prova.

68º - Com o devido respeito e salvo melhor opinião, considera a autora recorrente que a prova produzida e que foi considerada não se revela, de todo, bastante, para que se lhe imponha a exceção da al. a) do 1381º do CC ao exercício, legítimo e reconhecido, do seu direito de preferência.

69º - Em face da complexidade da questão, e das divergências doutrinais e/ou jurisprudenciais, a vexata quaestio extravasa a fronteira do processo em concreto em que é suscitada e as partes nele envolvidas para se tornar de “interessar à sociedade em geral ou a um grupo relevante desta, pois que, o escopo prosseguido pelo legislador foi o de só excecionalmente, em situações de reconhecida importância, em que “possa estar de modo mais evidente em causa o papel que se reclama do Direito e dos Tribunais como guardiões das expectativas legítimas dos sujeitos jurídicos”, facultar o acesso a um 3º grau de jurisdição. (ac. de 14/5/2015 – proc. 217/10.TBPRD.P1.S1)”

70º - Estamos em crer que, quer por via do disposto na alínea a), quer por via da alínea c), do artigo 672º do CPC, poderemos alcançar uma solução que assegure a melhor aplicação do direito em face de uma questão com relevo jurídico indiscutível. O caso em apreço é, indubitavelmente, um caso em que se verificam os pressupostos para a revista excecional.

71º- No presente acórdão que se pretende recorrer, reconhece-se que, a ora autora recorrente, fez a prova de todos os pressupostos exigidos para o exercício do direito real de preferência que se ocupa o n. 1 do artigo 1380º do CC.

72º - Por se tratar de um direito legal de aquisição que depende da verificação dos requisitos enunciados do citado artigo, incumbiu à ora autora recorrente o ónus da prova, por se tratarem de factos constitutivos do seu direito.

73º - O julgador a quo considerou que, pese embora que se encontrem preenchidos os pressupostos, relativos ao prédio em questão, os pressupostos do exercício pela autora do exercido do direito de preferência em causa, acrescenta que ocorre a exceção a tal exercício a que alude o artigo 1381º alínea a) 2ª parte do CC com a consequente exclusão do direito de preferência da autora de preferência da autora sobre a alienação do referido prédio.

74º- Este é o cerne da questão que, muito para além do interesse da ora autora recorrente, será fundamental esclarecer o que se afigura suficiente para que a exceção da alínea a) do artigo 1381º (2ª parte) do Código Civil opere e que não represente um mero expediente para afastar o direito real de preferência a que alude o n. 1 do artigo 1380º do código civil.

75º - Entende o acórdão da relação recorrido que o proprietário do prédio confinante deixa de gozar do direito de preferência, sempre que o adquirente do prédio sobre o qual se quer exercer esse direito, o destine a algum fim que não seja a cultura. O fim que releva, para efeitos de aplicação da mencionada exceção da alínea a) do art. 1381º do CC não é aquele a que o terreno esteja afetado à data da alienação, mas antes a que o adquirente pretenda dar-lhe.

76º - Por outro lado, este fim não tem de constar necessariamente de escritura de alienação, podendo ser demonstrado por qualquer meio de prova.

77º - Ainda acrescenta que incumbe o ónus dela a quem pretenda aproveitar-se da exceção e, por consequência, feita a prova do destino a outro fim, que não o da cultura, incumbe ao titular do direito de preferência o ónus de provar que a mudança de destino não é legalmente possível, que o destino não pode ser diferente do de cultura.

78º- Atendendo ao conteúdo da al. a) do artº 1381º que se apresenta, um tanto ou quanto lacónico e sucinto e aproveitando o caso vertido, vem-se sedimentando o entendimento sobre a relevância jurídica desta questão, apresentando-se como autónoma, pela controvérsia que tem gerado na doutrina e na jurisprudência.

79º - É nosso entendimento, também partilhado pela jurisprudência dominante, que para que o facto impeditivo do direito de preferência aludido na 2ª parte da al. a) do art. 1381º do CC opere os seus efeitos, é necessário que o adquirente alegue e prove não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afetação ou um outro destino que não a cultura mas também que a projetada mudança de destino seja permitida por lei.

80º - É necessário que – sob pena de se defraudar a intenção do legislador – o destino pretendido para o terreno seja legalmente possível, pois “se assim não fosse ficaria na livre disponibilidade do adquirente a exclusão do direito de preferência que, com a simples manifestação de um desejo, faria precludir o exercício desse direito”.

81º - De acordo com a letra da Lei, não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes quando algum dos terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura. Certamente, o legislador pretendeu centrar a relevância da operabilidade da exceção ao direito de preferência, primordialmente no objeto (terreno) e não no sujeito (vontade do adquirente).

82º - Assim, no nosso entender, é mais relevante apreciar e perceber se existia prova concreta, documental sobre a viabilidade e a legalidade da mudança do fim do terreno do que, propriamente, das intenções do adquirente.

83º - A possibilidade de afetar um terreno de cultura a finalidade diferente, depende de uma decisão administrativa, tomada em função dos interesses gerais da coletividade, de acordo com os planos de ordenamento do território. A prova da viabilidade legal da construção é, assim, um elemento essencial para que o facto impeditivo do direito de preferência referido na 2ª parte da al. a) do art. 1381º do CC opere os seus efeitos e esse facto não existe, nem ficou provado.

84º- Não é suficiente ao afastamento do exercício do direito de preferência a prova da intenção por parte do adquirente de destinar o fim diverso da cultura, impondo-se-lhe, ainda, que demonstre a possibilidade legal do fim em vista (cfr, acórdão RP 2.3.2009: CJ, 2009, 2º - 180).

85º - Assim, ao contrário do preconizado no acórdão da relação recorrido, o funcionamento da norma prevista na alínea a) do artigo 1381º do Código Civil, que estabelece que o direito de preferência de que se ocupa o artigo 1380º fica afastado quando o prédio alienando ou alienado “ se destine a algum fim que não seja a cultura”, constitui uma situação excecional, impeditiva do exercício do direito de preferência que, por se traduzir numa exceção perentória, acarreta para quem a invoca o ónus da correspondente prova.

86º - Nestes termos, não seria a autora, que já havia feito a prova do preenchimento dos pressupostos para o exercício do direito de preferência que, ainda, teria de fazer a prova que cabia aos réus, nos termos do art. 343º do CC.

87º - Por tudo o quanto se explanou supra, deve a sentença sob recurso ser revogada no sentido da total procedência da acção a favor da autora recorrente”.

II- Apreciação do Recurso

 Admitido o recurso, importa fixar o seu objecto.

 O recurso está delimitado pelas conclusões das alegações.

Tendo por alicerce as conclusões, a única questão que importa apreciar consiste em saber se, no caso dos autos, se verifica a excepção peremptória prevista no artº 1381º al. a) do C.C, que exclui o direito de preferência aos proprietários de terrenos confinantes quando o terreno adquirido se destine a fim que não seja a cultura.

Fundamentação:

Factualidade provada:

1 - A autora é dona e legítima possuidora de um prédio rústico sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial rústica sob o nº 5 da Secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., encontrando-se a propriedade ali registada em seu nome pela AP. 1 de 2008/06/27, conforme documentos juntos aos autos sob os números 1 e 2 constantes de fls. 11 e 12 que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais; - (artigos 1º da petição inicial e da contestação)

2 - O prédio aludido em 1, é composto por cultura arvense, alfarrobeiras, figueiras e oliveiras e tem uma área total de 16.000 m2 conforme documentos juntos aos autos sob os números 1 e 2 constantes de fls. 11 e 12 que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais; - (artigos 2º da petição inicial e 1º da contestação)

3 - O prédio rústico da autora confronta a norte com o prédio rústico sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial sob o artigo …, Secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., conforme documentos juntos aos autos sob os números 3, 4, 5 e 6 constantes de fls. 13 a 18 que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais; - (artigos 3º da petição inicial e 1º da contestação)

4 - O prédio rústico (artigo 48), aludido em 3, é composto por cultura arvense, mato, figueiras e oliveiras, com uma área total de 41.280 m2, conforme documentos juntos aos autos sob os números 5 e 6 constantes de fls. 15 a 18 que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais; - (artigos 4º da petição inicial e 1º da contestação)

5 - Por escritura pública de compra e venda outorgada em 2 de Novembro de 2015, lavrada nas folhas setenta e oito a setenta e nove verso do Livro dez, pelo Notário Dr. GG, no Cartório Notarial em ..., BB e CC, ora primeiro e segundo réus, venderam a EE e mulher FF, ora terceiro e quarto réus, o prédio rústico supra identificado e aludido em 3 e 4, pelo preço de € 37.000,00 (trinta e sete mil euros), conforme documento junto aos autos sob o número 7 constante de fls. 19 a 22 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais; - (artigos 5º da petição inicial e 1º e 21º da contestação)

6 - Conforme consta da AP. 617 de 2015/11/02, a aquisição do prédio aludido em 4, encontra-se registada a favor dos EE e mulher FF, terceiro e quarto réus, conforme documento junto aos autos sob o número 6 constante de fls. 17 a 18 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais; - (artigos 6º da petição inicial e 1º e 21º da contestação)

7 - No final do mês de Maio de 2016, devido à presença de pessoas desconhecidas no terreno (prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo …, Secção …), um amigo dos sócios gerentes da autora transmitiu-lhes que haveria grande probabilidade do prédio rústico … da secção …, freguesia de ..., concelho de ..., ter sido vendido; - (artigo 7º da petição inicial)

8 - O autor ficou surpreendido, porque por várias vezes demonstrou o seu interesse em comprar o referido prédio à proprietária do mesmo, não tendo a mesma demonstrado interesse em vender; - (artigo 8º da petição inicial)

9 - No seguimento dessa dúvida, os sócios gerentes da autora tentaram informar-se junto de uma Solicitadora se o referido imóvel tinha sido alienado; - (artigo 9º da petição inicial)

10 - Para tal, a Solicitadora informou-se nos serviços competentes acerca da situação do referido imóvel; - (artigo 10º da petição inicial)

11 - Após pesquisa, em Junho de 2016, a Solicitadora em causa informou os sócios gerentes da autora que o respetivo terreno tinha sido vendido, disponibilizando os documentos necessários com a informação acerca do preço, data, local da realização da escritura; - (artigo 11º da petição inicial)

12 - Os réus vendedores não deram conhecimento à autora ou aos seus sócios gerentes da sua vontade de vender o imóvel, das condições acordadas para a compra e venda, do preço, a data da realização da escritura, de maneira a autora pudesse exercer o seu direito de preferência; - (artigos 12º da petição inicial e 3º e 5º da contestação)

13 - Os réus desconheciam que a autora era proprietária de prédio confinante com o prédio alienado na escritura de 2 de Novembro de 2015; - (artigo 3º da contestação)

14 - Os primeiros réus BB e CC, anteriores proprietários do prédio identificado e aludido em 3 e 4, herdaram a propriedade, nunca a frequentaram, tendo-se ambos deslocado, no máximo duas ou três vezes, ao prédio em referência nos presentes autos e, alegadamente objeto de preferência; - (artigo 4º da contestação)

15 - Os primeiros réus BB e CC, desconheciam e desconhecem quem sejam os proprietários dos prédios alegadamente confinantes; - (artigo 5º da contestação)

16 - Da certidão de registo predial que consta do documento 6 junto aos autos e constante de fls. 17 a 18, na descrição da composição e confrontações do prédio rústico que é objeto dos presentes autos (descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número …), não consta a identificação da autora como proprietária de prédio confinante, nem de um segundo prédio rústico que também pertence à autora e que também confina com o prédio em questão; - (artigo 6º da contestação)

17 - Cerca de quatro meses antes da venda aludida em 5, ou seja, entre Julho e Novembro de 2015, os réus BB e CC, contrataram o serviço da venda do imóvel com a ..., que colocou no prédio rústico, objeto dos presentes autos, um cartaz, que se manteve quatro meses na propriedade, com a indicação “vende-se” e com o respetivo contacto telefónico; - (artigo 16º da contestação)

18 - Os legais representantes da autora, os Srs. HH e esposa II, residem há mais de vinte anos, num dos dois prédios que pertencem à autora, e que confinam com o prédio em questão, tendo passado, durante mais de 120 dias, a menos de um metro, e sempre que saem do portão da sua residência, do cartaz que anunciava a vontade de vender o terreno; - (artigo 17º da contestação)

19 - A autora é proprietária não só do prédio identificado e aludido em 1, com o artigo matricial n.º 5, mas também do prédio identificado com o n.º 6 conforme documento junto aos autos sob o número 4 constante de fls. 16 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, confinantes, ambos, com o prédio rústico aludido em 4, objeto da alegada preferência; - (artigo 18º da contestação)

20 - O caminho de acesso da autora, na pessoa dos seus legais representantes, aos seus prédios identificados com os artigos matriciais 5 e 6, local onde residem os Srs. HH e esposa II, é feito junto ao prédio rústico aludido em 4, identificado com o artigo matricial 48; - (artigo 19º da contestação)

21 - Após a data da venda - 2 de Novembro de 2015 -, os terceiros réus, tendo adquirido a propriedade pública do imóvel, nele efetuaram, entre 2 de Novembro e finais de Dezembro, obras de grande vulto, todas elas realizadas entre os 50 centímetros e 3 metros do local onde diariamente passam os representantes da autora; - (artigo 21º da contestação)

22 - No prédio aludido em 4 e na ocasião aludida em 21, os terceiros réus efetuaram: grandes movimentações de terras a um metro da entrada de acesso ao terreno onde habitam os representantes da autora; trabalhos na estrada, que dá acesso diário aos representantes da autora ao imóvel onde habitam; instalação da eletricidade através da construção no terreno, de uma cabine para o efeito, colocada a vinte metros do portão de entrada do imóvel onde habitam os representantes da autora; para a instalação da energia elétrica foi inclusivamente necessário o corte da estrada a cerca de vinte metros do portão de acesso dos representantes da autora ao imóvel onde habitam; furo artesiano, realizado a cerca de quinze metros da estrada que dá acesso diário aos representantes da autora ao imóvel onde habitam; colocação de um contentor a cerca de um metro da estrada que dá acesso diário aos representantes da autora ao imóvel onde habitam; tudo conforme documentos - fotografias - juntos aos autos sob o número 1 constante de fls. 89 a 95 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais; - (artigo 21º da contestação)

23 - Os terceiros réus instalaram no prédio aludido em 4, desde Novembro de 2015, uma autocaravana, um depósito de água de grande volume e de grandes dimensões, e colocaram ainda, estruturas de madeira junto ao caminho diariamente percorrido pelos legais representantes da autora, no caminho de sua residência; - (artigo 22º da contestação)

24 - No mês de Dezembro de 2015, os terceiros réus - EE e FF -, dirigiram-se à propriedade da autora, para se apresentarem; - (artigo 24º da contestação)

25 - Tendo sido recebidos por um empregado da autora, de nacionalidade Romena, que, tendo tomado conhecimento que eles eram os novos proprietários, do prédio rústico aludido em 4, os acompanhou numa visita integral à propriedade da autora, com exceção do interior dos prédios urbanos; - (artigo 25º da contestação)

26 - Em Dezembro de 2015, o Sr. EE foi diretamente interpelado pelo Sr. HH, junto ao local onde se encontra a sua autocaravana, que lhe disse que teria que se retirar daquela propriedade, ao que aquele o informou diretamente, que a tinham comprado e que era o seu atual proprietário; - (artigo 26º da contestação)

27 - Na segunda quinzena de Dezembro de 2015 e na presença de duas testemunhas, os Srs. JJ e KK, o Sr. HH, interpelou novamente os Srs. EE, dizendo que este teria que sair da propriedade, no imediato o Sr. EE respondeu; tendo dado origem ao seguinte diálogo: Sr. HH - saia deste terreno, você não e o dono, Sr. EE - o terreno, como já lhe disse é meu, Sr. HH – não é nada seu, Sr. EE – o terreno é meu, e já o paguei, Sr. HH - o terreno não e seu e não pagou nada, Sr. EE – paguei sim, paguei 37 mil euros, o terreno é meu; - (artigo 27º da contestação)

28 - No imediato, o Sr. HH, acelerou a fundo o seu veículo, tendo obrigado o carro a derrapar durante mais de dez metros e abalou a uma velocidade muito elevada e tudo sem ter oferecido resposta às últimas palavras de Sr. EE; - (artigo 28º da contestação)

29 - Desde os factos aludidos em 27 e 28 e até hoje, não mais o Sr. HH, voltou a dirigir a palavra ao Sr. EE, limitando-se a passar, sempre que sai de sua residência, a velocidade muito elevada, a menos de um metro do local onde normalmente se encontra a Sra. FF; - (artigo 30º da contestação)

30 - O Sr. HH, passou a conduzir de forma assaz ameaçadora, o que obrigou, devido ao pó, e a uma notória insegurança, a que, inicialmente se colocasse gravilha nesta parte da estrada que confina com o local onde se encontra a autocaravana e apoios temporários, e mais tarde, já em Maio de 2016 a confinar a estrada aos 3.3 metros por forma garantir que a velocidade seria reduzida naqueles escassos metros; - (artigos 31º e 32 da contestação)

31 - A presente ação deu entrada em 29 de Agosto de 2016; - (artigo 35º da contestação)

32 - O objeto social da autora, conforme certidão permanente de matrícula da autora junta e constante dos autos a fls. 29 a 31 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, a mesma dedica-se à atividade de Arquitetura; urbanização; compra, venda e revenda de bens imóveis; - (artigos 40º e 48º da contestação)

33 - A autora, nos prédios confinantes, aludidos em 19, ao prédio rústico aludido em 4, possui uma moradia de luxo, com jardins exuberantes e com uma horta que ocupa cerca de 6% do terreno, sendo que o terreno de ambos os prédios propriedade da autora, perfazem mais de 3 hectares; - (artigo 40º da contestação)

34 - A autora não desenvolve nem se dedica a qualquer atividade agrícola no prédio aludido em 1; - (artigo 48º da contestação)

35 - Os réus - EE e FF. -, só compraram o prédio aludido em 4, após terem ouvido a Câmara Municipal sobre a sua pretensão; - (artigo 50º da contestação)

36 - Cerca de quatro meses antes de terem adquirido o prédio aludido em 4, contrataram arquiteto que foi informado que o terreno destinar-se-ia a um parque/estação de serviço de autocaravanas e que nesse sentido enviou documento a Câmara de ...; - (artigo 51º da contestação)

37 - Os réus - EE e FF. - sinalizaram o terreno condicionalmente, pois necessitavam de saber se podiam fazer a sua estação de serviço para autocaravanas, conforme consta no contrato com a ... constante dos autos a fls. 272 a 275 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais; - (artigo 52º da contestação)

38 – No momento da instalação da eletricidade os técnicos foram também eles informados que potência necessária deveria prever o fim a que se destinava o terreno; - (artigo 53º da contestação).

III- O Direito

Como referimos a única questão que importa apreciar e decidir é, se no caso dos autos se mostra preenchida a excepção peremptória prevista na 2ª parte da al. a) do artº 1381° do C.C, que exclui o direito de preferência aos proprietários de terrenos confinantes quando o terreno adquirido se destine a fim que não seja a cultura, já que as instâncias concluíram pela existência do direito de preferência por parte da Autora. 

Dispõe o artº 1380º do CC que:

1- Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”.

Por sua vez o artº 1381º, nº 1, estipula:

Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:

a) Quando algum dos terrenos constitua parte correspondente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura

O Direito de preferência consagrado no artº 1380º do CC visa promover o emparcelamento rural de forma a tornar mais vantajosas as condições de aproveitamento fundiário das propriedades agrícolas. Este direito legal de preferência foi instituído como meio de combater a pulverização da propriedade rústica e de favorecer o emparcelamento, permitindo a unificação de prédios vizinhos de modo a formar prédios com área apropriada a uma maior e melhor produtividade e rentabilização.

Deste modo, e na interpretação da excepção estabelecida na referida al. a) do artº 1381º do CC, não se destinando a aquisição a prosseguir na exploração agrária do terreno, não se vê qualquer razão para conceder essa preferência aos proprietários dos prédios confinantes. Quer isto dizer que o proprietário do prédio confinante deixa de gozar do direito de preferência, sempre que o adquirente do prédio sobre o qual se quer exercer esse direito o destine a algum fim que não seja a cultura. “O fim que releva, para efeitos do disposto a alínea a), não é aquele a que o terreno esteja afectado à data da alienação, mas antes o que o adquirente pretenda dar-lhe (…). Este fim não tem que constar necessariamente da escritura, podendo provar-se por outros meios (…)”[1]

No entanto, para que o facto impeditivo do direito de preferência aludido na 2ª parte da al. a) do art.° 1381º do CC opere os seus efeitos, é necessário que o adquirente alegue e prove a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura, mas, também, é necessário que a projectada mudança de destino seja permitida por lei. Com efeito, importa demonstrar que, sob pena de se defraudar a intenção do legislador, o destino pretendido para o terreno seja legalmente possível, pois se assim não fosse, ficaria na livre disponibilidade do adquirente a exclusão do direito de preferência que, com a simples manifestação de um desejo, faria precludir o exercício desse direito. E como vem sendo reconhecido, maioritariamente, pela jurisprudência deste Supremo Tribunal[2], cabe ao adquirente provar que a sua pretensão é legalmente possível, isto é que nada obsta a que se concretize a sua intenção de dar ao prédio uma outra afectação ou um outro destino.

Esta é matéria que se insere no âmbito do facto impeditivo do direito invocado pela Autora, e, por esta razão, o respectivo ónus probatório recai sobre contra quem a invocação é feita, ou seja sobre os Réus compradores.

É certo que do probatório consta que os Réus compradores, após a data da venda da propriedade, fizeram obras de grande vulto para concretização do seu projecto de parque/estação de serviço para auto-caravanas (factos 21 a 23); que só compraram o prédio em questão depois de terem ouvido a Câmara Municipal sobre a sua pretensão (facto 35); que cerca de quatro meses antes de terem adquirido o prédio em questão, contrataram um arquitecto que foi informado que o terreno destinar-se-ia a um parque/estação de serviço de auto-caravanas e que nesse sentido enviou documento à Câmara de ... (facto 36); que sinalizaram o terreno condicionalmente, pois necessitavam de saber se podiam fazer a sua estação de serviço para auto-caravanas, conforme consta no contrato com a ... (facto 37); que, no momento da instalação da electricidade os técnicos foram também eles informados que potência necessária deveria prever o fim a que se destinava o terreno (facto 38).

No entanto, toda esta factualidade apenas serve para demonstrar que os Réus compradores tinham como objectivo destinar o terreno a um fim diverso da cultura. Todavia, não lograram demonstrar que a sua projectada finalidade seria legalmente admissível. Na verdade, os Réus compradores não juntaram qualquer documento passado pela Câmara Municipal de ... sobre o licenciamento da sua pretensão ou sequer da sua viabilidade, nomeadamente através da apresentação de um pedido de informação prévia (PIP).

A possibilidade de afectar um terreno de cultura a uma finalidade diferente não depende da mera intenção do proprietário mas de uma decisão dos órgãos administrativos competentes (entidade regional da reserva agrícola nacional e município), tomada em função dos interesses gerais da colectividade e de acordo com os planos de ordenamento do território. A prova da viabilidade legal da afectação pretendida é, assim, um elemento essencial para que o facto impeditivo do direito de preferência referido na 2ª parte da al. a) do art. 1381° do CC opere os seus efeitos e esse facto não existe, nem ficou provado.

Assim, não tendo demonstrado a viabilidade legal de afectação do prédio adquirido ao concreto objectivo que lhe pretendiam dar, os Réus compradores não lograram afastar o direito de preferência da Autora.

III- Decisão:

Nestes termos, acorda-se em revogar o acórdão recorrido, julgando a acção totalmente procedente.

Custas pelos Réus

Lisboa, 17 de Outubro de 2019

Raimundo Queirós  (Relator)

Assunção Raimundo

Ana Paula Boularot (Vencida nos termos da declaração de voto que junto)

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DECLARAÇÃO DE VOTO

Votei vencida o Acórdão, pelas seguintes razões.

A presente Revista, foi interposta e admitida como excepcional nos termos do artigo 672º, nº1 alínea a), por estar em causa a apreciação de uma questão jurídica cuja relevância é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, isto é, o funcionamento da excepção aludida no normativo inserto no artigo 1381º, alínea a) do CCivil.

A problemática solvenda conduz-nos inexoravelmente à repartição do ónus da prova entre Autora e Réus, como meio de a dilucidar.

Assim, como princípio básico temos o artigo 342º, nº1 do CCivil, no qual se dispõe que «Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.», in casu conjugado com o artigo 1380º, nº1 do mesmo diploma onde se prevê que «Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, (…) de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.».

A Autora, aqui Recorrente, arvorando a sua qualidade de proprietária de terreno confinante com o adquirido pelos Réus, aqui Recorridos, cuja área é inferior à da unidade de cultura (apanágio de ambos os prédios), veio exercer o seu direito de preferência legal, por lhe não ter sido atempadamente dado conhecimento da venda.

Na contestação, os Réus, além do mais, vieram excepcionar aquele direito, alegando que o terreno objecto da compra não se destinava a cultura, mas antes à instalação de um parque para auto-caravanas, a fim de fazer funcionar o preceituado no artigo 1381º, alínea a), obstaculizando, assim, a pretensão formulada pela Autora.

Quid inde?

Resulta dos autos que os Réus compradores, após a realização da escritura de compra e venda da propriedade, fizeram obras de grande vulto para concretização do seu projecto de parque/estação de serviço para auto-caravanas (factos 21 a 23); que só compraram o prédio em questão depois de terem ouvido a Câmara Municipal sobre a sua pretensão (facto 35); que cerca de quatro meses antes de terem adquirido o prédio em questão, contrataram um arquitecto que foi informado que o terreno destinar-se-ia a um parque/estação de serviço de auto-caravanas e que nesse sentido enviou documento à Câmara de ... (facto 36); que sinalizaram o terreno condicionalmente, pois necessitavam de saber se podiam fazer a sua estação de serviço para auto-caravanas, conforme consta no contrato com a ... (facto 37); que, no momento da instalação da electricidade os técnicos foram também eles informados que potência necessária deveria prever o fim a que se destinava o terreno (facto 38).

Com base nesta factualidade dada como assente, as instâncias concluíram que estava preenchida aquela norma impeditiva, sendo que a tese sufragada no Acórdão, que fez vencimento, concluiu que «[t]oda esta factualidade apenas serve para demonstrar que os Réus compradores tinham como objectivo destinar o terreno a um fim diverso da cultura. Todavia, não lograram demonstrar que a sua projectada finalidade seria legalmente admissível.», tese esta, que sempre s.d.r.o.c., não podemos acompanhar, porque «esquece», prima facie, que a prova da afectação do terreno a fim diverso do da cultura, pode ser efectuada livremente, acrescendo ainda que quaisquer autorizações administrativas e licenciamentos necessários, apenas poderiam ser solicitados após a compra e venda, sendo que, o destino do terreno nem sequer tem de constar da escritura de alienação, nem tão pouco se o mesmo tem a devida autorização administrativa para o fim projectado, cfr neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, 1984, 276; Henrique Mesquita, Direito de Preferência, in CJ, XI, 5, 52/53; Ac TC 106/2003, in www.dgsi.pt.

De outra banda, tendo os Réus excepcionado a inoperância do direito de preferência por o prédio não se destinar a cultura, incumbia por seu turno à Autora, alegar e provar que o mesmo não tinha a apetência para o fim que os Réus compradores o haviam adquirido e por existência de algum impedimento legal, o que sempre poderia ter aduzido em sede de audiência prévia, nos termos do nº4 do artigo 3º, o que não foi feito como deflui da acta de tal diligência constante de fls 122 a 124, sendo certo que sempre se trataria de matéria que estava incluída no tema de prova respeitante a saber se Autora tinha ou não direito de preferência no contrato de compra e venda aludido no artigo 5º da Petição Inicial..

Quer dizer, no meu entendimento, esta circunstância obstativa da aquisição do direito pelos Réus compradores, face à respectiva defesa, passou a ser constitutiva do direito da Autora, sendo que a mesma não logrou fazer qualquer prova nesse sentido, nem tão pouco alegou factualidade que a consubstanciasse, em resposta a produzir naquela audiência, resposta essa que omitiu.

Sempre se acrescenta ex abundanti que como deflui da matéria dada como provada «[33] - A autora, nos prédios confinantes, aludidos em 19, ao prédio rústico aludido em 4, possui uma moradia de luxo, com jardins exuberantes e com uma horta que ocupa cerca de 6% do terreno, sendo que o terreno de ambos os prédios propriedade da autora, perfazem mais de 3 hectares; - (artigo 40º da contestação)» e «[34] - A autora não desenvolve nem se dedica a qualquer atividade agrícola no prédio aludido em 1; - (artigo 48º da contestação)».

Ora, sendo o fim da norma insíta no artigo 1380º, nº1 do CCivil, como bem se afirma na decisão de primeiro grau «[a] promoção do emparcelamento rural de forma a tornar mais vantajosas as condições de aproveitamento fundiário das propriedades agrícolas, não se destinando a aquisição a prosseguir na exploração agrária do terreno, não se vê qualquer razão para conceder essa preferência aos proprietários dos prédios confinantes. Tendo este direito de preferência legal sido instituído como meio de combater a pulverização da propriedade rústica e de favorecer o emparcelamento, permitindo a unificação de prédios vizinhos de modo a formar prédios com área apropriada a uma maior e melhor produtividade e rentabilização, esta finalidade deixa de ser perseguida quando um dos prédios se destine a um fim que não seja a sua cultura agrícola ou florestal.», não se compreende ou mal se compreenderia, que se viesse a conceder tal direito à Autora quando esta nas propriedades confinantes, não exerce qualquer actividade agrícola, antes nelas possui «uma moradia de luxo com jardins exuberantes» e apenas uma «horta» que ocupa 6% do terreno, sendo que esta utilização afasta a se aquele direito de preferência, tendo em atenção os fins para que o legislador consagrou o emparcelamento, cfr neste sentido o Ac STJ de 28 de Fevereiro de 2008 (Relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.

Confirmaria, pois, a decisão plasmada no Acórdão recorrido.


(Ana Paula Boularot)

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[1] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Anotação ao artº 1381º, e Henrique Mesquita, Direito de Preferência, Colectânea de Jurisprudência, Ano XI, Tomo V, 1986.

[2] Neste entendimento, os acórdãos do STJ de 21-06-1994, processo 085358; de 4-10-2007, processo 07B2739; de 25-03-2010, processo 186/99; de 06-05-2010, processo 537/02; 19-02-2013, processo 246/05, todos disponíveis em www.dgsi.pt; e ainda de 10-10-2017, processo 1522/13.9T8GMR.G1.S2. No mesmo entendimento Henrique Mesquita, ob. cit. P. 53 e 54.