Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3023/05.0TJVNF.G1.P1.S3
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CONTRATO DE EXECUÇÃO CONTINUADA OU PERIÓDICA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
PRESSUPOSTOS
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
BOA FÉ
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 12/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Um contrato promessa de compra e venda de metade indivisa de um imóvel em que os promitentes comprador e vendedor acordam que será destinado à construção de casas, cuja posterior venda, obtenção dos necessários projetos e edificação será suportada por ambos, tendo constituído uma sociedade para proceder a esse projeto e diligenciando durante 4 anos na prossecução dessa finalidade, configura um contrato de execução prolongada com características próximas das relações duradouras – designadamente as exigências de acrescida confiança recíproca entre as partes – sendo-lhe aplicável as regras da resolução com fundamento em justa causa.

II - Um contrato promessa de compra e venda de uma terça parte indivisa de um imóvel em que os promitentes comprador e vendedores acordam que será destinado a exploração agrícola a realizar por todos eles, exploração que realizam durante 4 anos, configura igualmente um contrato de execução prolongada com características próximas das relações duradouras sendo-lhe aplicável as regras da resolução com fundamento em justa causa.

III - Os pressupostos da resolução por justa causa não se confundem com os pressupostos do regime do incumprimento definitivo e da transformação da mora em incumprimento definitivo (art. 808.º do CC), uma vez que o juízo de verificação da justa causa resolutiva assenta na avaliação da rutura da relação de confiança entre as partes e não na aferição da subsistência ou não do interesse do credor na prestação.

IV - Revelando a factualidade provada que, face aos incumprimentos provados da parte de autor e réus, a confiança na competência e na capacidade de levarem a bom termo o projeto acordado ficou irremediavelmente afetada, é de concluir que se tornou inexigível a subsistência do vínculo contratual, o que consubstancia justa causa resolutiva, sem necessidade de recurso prévio à interpelação admonitória exigida pelo regime do art. 808. do CC.

Decisão Texto Integral:
             

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

AA intentou ação declarativa ordinária contra BB e esposa CC e DD, pedindo:

- A condenação dos primeiros réus no pagamento da quantia de € 459.942,63, acrescida de juros vincendos, até efetivo pagamento, sobre o montante de € 365.936,16; - A condenação do 2º réu no pagamento da quantia de € 53.424,94, acrescida de juros vincendos até efetivo pagamento, sobre o montante de € 44.675,91;

- A condenação solidária dos réus no pagamento da quantia de € 67.661,02, acrescida de juros vincendos até efetivo pagamento, sobre o montante de € 54.492, 88;

- A condenação solidária dos réus no pagamento de indemnização em montante a liquidar, correspondente aos lucros cessantes em consequência da não celebração dos contratos correspondentes aos acordos estabelecidos e da falta de realização das atividades comerciais acordadas entre as partes

- E a condenação solidária dos réus no pagamento de indemnização, a liquidar posteriormente, para ressarcimento de danos patrimoniais.

Alegou que em finais de Agosto de 2000 celebrou com os réus um acordo nos termos do qual ficaria comproprietário, na proporção de metade, de determinado terreno para construção civil, pelo preço de € 354.146,51 e de uma “quinta, na proporção de 1/3, pelo preço de € 265.293,98, prédio esse de que os réus se arrogavam titulares, e se associaria à atividade imobiliária e agrícola a desenvolver pelos réus;

Foi ainda acordada a constituição de uma sociedade comercial que teria por objeto a promoção imobiliária, indústria de construção civil, compra e venda de imóveis e gestão e administração de imóveis próprios.

Por conta do preço acordado pela aquisição daqueles direitos de propriedade, por conta de despesas que suportou com licenciamentos, exploração da quinta e constituição da referida sociedade, o autor desembolsou a quantia de € 465.104,95 e que apesar dos compromissos por si assumidos, os réus nunca se dispuseram a celebrar os respetivos contratos-promessa de compra e venda ou escrituras de venda, tendo pelo contrário começado a projetar a venda dos prédios a terceiros, evidenciando o propósito de não cumprir o acordado com o autor.

Os réus contestaram, invocando o abuso de direito do autor em solicitar a restituição das quantias que entregou e defendendo-se por impugnação, e deduziram reconvenção, pedindo para além da improcedência da ação que, na procedência da reconvenção:

A título principal:

Que seja reconhecido, como válido, o contrato promessa relativo a 1/2 indivisa do terreno de construção civil, e em consequência ser o autor/reconvindo condenado a pagar ao 1º réu o restante preço no valor de € 129.687,45;

Que seja igualmente reconhecido como válido o contrato promessa de compra e venda relativo a 1/3 da quinta que incluía as parcelas do Sr. EE, celebrado com os 1º e 2º réus, e o autor reconvindo condenado a pagar-lhes o preço ainda em falta no valor de € 80.500,00;

E que o autor reconvindo seja condenado a pagar-lhes, a título de indemnização pelos danos causados, em montante não inferior a € 30.000,00, na proporção de 1/3 desse montante para cada um, bem como indemnização por danos não patrimoniais em montante a liquidar;

E ainda a pagar ao 2º réu a indemnização que se vier a liquidar, a título de lucros cessantes;

A título subsidiário:

Que seja reconhecido ao 1º réu o direito a fazer suas a quantia de € 225.000,00, bem como ao 1º e 2º réu, o direito de fazerem suas a quantia de € 187.000,00, E o autor reconvindo condenado a pagar aos réus, a título de indemnização pelos danos causados, montante não inferior a € 30.000,00, na proporção de 1/3 desse montante para cada um,

Bem como indemnização por danos não patrimoniais em montante a liquidar;

Ou, subsidiariamente:

Que o autor reconvindo seja condenado a pagar ao 1º réu, a título de responsabilidade pré-contratual:- quantia não inferior a € 200.000,00 resultante da desvalorização do terreno;

- quantia não inferior a € 55.000,00s, de rendimentos que perdeu durante os últimos 3 anos;

- quantia não inferior a € 10.000,00, correspondentes a 1/3 da desvalorização dos terrenos do Sr. EE, verificada em 2001;

- quantia não inferior a € 2.500,00, resultantes dos encargos financeiros com a obtenção de financiamento bancário para o pagamento ao Sr. EE da última prestação de € 25. 000,00;

E a pagar ao 2º réu:

- quantia não inferior a € 150.000,00, correspondente à desvalorização da parte da quinta que lhe pertencia, verificada em 2001;

- quantia não inferior a € 70.000,00 de rendimentos que perdeu durante os últimos 3 anos, e que teria obtido se tivesse vendido a sua quinta em 2001;

A pagar aos reconvintes, a título de indemnização pelos danos causados, montante não inferior a € 30.000,00, na proporção de 1/3 desse montante para cada um, bem como indemnização por danos não patrimoniais em montante a liquidar;

A ver os seus créditos sobre os reconvindos compensados com os correspondentes créditos que estes têm contra si até esse valor, devendo pagar-lhes o remanescente do crédito compensado.

Alegaram que foi o autor que, no âmbito dos acordos negociais efetuados com os réus, acabou por incumprir com aquilo com que se havia comprometido, ao recursar-se a prosseguir com o projeto de construção e ao não efetuar determinados pagamentos a que se obrigara.

O Autor replicou, mantendo a sua posição e concluindo no sentido da improcedência da reconvenção.

Foi proferido despacho saneador e foi fixada a factualidade assente e a base instrutória (houve reclamações, parcialmente atendidas), tendo vindo a ter lugar a audiência de julgamento.

No decorrer da audiência, os réus interpuseram recurso de agravo (admitido com subida diferida) da decisão que indeferiu parcialmente a reclamação daqueles, relativamente à assentada dos depoimentos de parte do autor e do 1º réu e que indeferiu a requerida alteração e aditamento ao rol de testemunhas.

Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, nos termos da qual a ação foi julgada parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente:

- Condenando-se os 1ºs réus BB e CC, no pagamento ao autor AA da quantia de € 415.175,69, a que acrescem juros de mora, desde a citação até integral pagamento;

- Condenando-se o 2º réu, DD, no pagamento ao autor AA da quantia de € 172.774,75;

- E absolvendo-se os réus do demais contra eles peticionado;

- E absolvendo-se do pedido reconvencional o autor/reconvindo.

Na sequência de recursos de apelação, interpostos por ambas as partes, a Relação do ...:

Concedeu parcial provimento ao agravo interposto pelos Réus, nos termos constantes (em conclusão) de fls. 75 e 81do acórdão (fls. 3132 e fls. 3138 dos autos);

E, julgando parcialmente procedentes as apelações, revogou parcialmente a sentença:

- Condenando os Réus BB e esposa, CC a pagarem ao Autor a quantia de € 365.936,16, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

- E condenando o Réu DD a pagar ao Autor a quantia de € 44.675,91, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

Inconformados, interpuseram os RR. BB e DD recurso de revista, no âmbito do qual o STJ decidiu anular o acórdão recorrido na parte (e apenas) em que nele se conheceu das apelações (que não do agravo) e determinou que a Relação procedesse à reapreciação da impugnação da matéria de facto no tocante às respostas relativas a determinados factos constantes da base instrutória.

Baixados os autos ao Tribunal da Relação, os Réus BB e DD vieram declarar que desistiam do segmento do pedido reconvencional em que pediam, a título principal, a condenação do Autor “A ver reconhecido como válido o contrato promessa de compra e venda relativo a 1/3 da quinta que incluía as parcelas do Sr. EE, celebrado com os 1º e 2º réus, e a pagar-lhes o preço ainda em falta no valor de 80.500,00 Euros, sendo 25.000.000,00 euros para o 1º R. reconvinte e 55.000.000,00 para o 2º R. reconvinte” – desistência essa que foi admitida

E, no âmbito de novo acórdão, a Relação do ..., após reapreciar a impugnação da matéria de facto relativamente aos pontos da matéria de facto em falta, nos termos ordenados pelo STJ, decidiu:

1. Condenar os Réus BB e esposa, CC a pagarem ao Autor a quantia de €386.711,13 (trezentos e oitenta e seis mil setecentos e onze euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação.

2. Condenar o Réu DD a pagar ao Autor a quantia de €44.675,91 (quarenta e quatro mil seiscentos e setenta e cinco euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação.

Inconformados, interpuseram os réus BB e DD recurso de revista que, concedendo-lhe provimento acordou em anular o acórdão recorrido, em ordem a que - mantendo-se o ali decidido sobre a impugnação da matéria de facto e bem assim o decidido na 1ª instância no sentido da existência de abuso de direito na invocação da nulidade dos contratos promessa em causa nos autos e da validade destes – a Relação conheça das demais questões colocadas nas apelações.

Regressados os autos ao Tribunal da Relação, no julgamento parcial da apelação foram os réus BB e esposa CC a pagarem ao autor a quantia a de € 365.936,16 acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data de citação;

condenar o réu DD a pagar ao autor a quantia de € 44.675,91 acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data de citação

… …

Inconformados com esta decisão dela interpuseram os réus recurso de revista concluindo que:

“1. A Relação, ao partir da premissa (determinada pelo Acórdão deste STJ) da validade e eficácia dos contratos promessa de compra e venda, mas dizendo depois, por motu proprio e sem que lhe fosse pedido, que não foram cumpridos, concluindo que “o incumprimento contratual deve imputar-se a ambas as partes” e decidindo pela condenação dos RR. no pagamento ao A., em singelo, dos valores que este lhes pagou por conta do preço ajustado, nunca indicando, ainda que ao de leve, ou de forma imperfeita ou mesmo insuficientemente, em que concretas normas ou disposições legais se estribou para tirar tal conclusão, proferiu uma decisão obscura e opaca em termos de compreensão e inteligibilidade da sua eventual justeza face ao direito constituído, nem sequer permite exercer o contraditório em sede de legítimo direito de recurso quanto à parte jurídica da decisão em que é totalmente omissa, pelo que está ferida de nulidade, prevista no artº 615º/b) do CPC já que violou o dever de fundamentação inserto no comando do artº 607º/3 do CPC.

2. O Acórdão recorrido enferma também da nulidade prevista no artº 615º nº 1/b) e c) do CPC porque se verifica uma contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, visto que, os fundamentos indicados apontam num sentido e a decisão é tomada em sentido oposto ou divergente.

3. De facto, no que respeita aos contratos promessa de compra e venda, de ½ do terreno de construção e de 1/3 da Quinta, a Relação, na prática, limitou-se a reproduzir parcialmente e a fazer sua a argumentação constante da sentença recorrida da 1ª instância e se, por um lado, conclui pela validade formal e substancial e eficácia desses contratos promessa que estavam inclusivamente a ser cumpridos, por outro lado, sem que o pudesse fazer por não ter sido alegado, decidiu verificar se houve incumprimento desses contratos e a quem devia imputar-se esse incumprimento, primeiro considerou que não se pode retirar da matéria de facto provada que o pudesse ser a qualquer das partes, mas, logo a seguir e em  contradição com o que ficara consignado, diz que o que esteve na origem da ruptura da relação de confiança entre A. e 1º R. foi o facto deste, em Maio de 2004, ter descontado o cheque que aquele lhe havia entregado, pré-datado para o mês de Maio, porque o 1º R. descontou aquele cheque sem previamente o ter solicitado ao A., este com ele discutiu e nunca mais lhe falou, donde resulta, por imperativo da lógica, que quem fez a tal ruptura foi o A. e não os RR., tanto mais que se diz que o A. nunca mais falou ao 1º R.

4. A Relação por um lado assume que houve “ruptura injustificada das relações negociais” e, por outro, não identifica o seu autor mas, em total contradição, diz que “não podendo ser assacada responsabilidade a qualquer das partes” por uma ruptura que existiu, sendo evidente e lógico que, se numa relação há ruptura, alguma das partes nessa relação a terá desencadeado, desejado, assumido e consumado, ou, de contrário, não há rutura ao ponto de se poder falar em incumprimento definitivo de contratos promessa de compra a venda de imóveis, mas, quando muito, tensão, aborrecimento, zanga, mora no cumprimento.

5. Considerou ainda a Relação, que os negócios “frustraram-se por causa de um motivo aparentemente frágil mas que, aos olhos das partes, despoletou irreversivelmente a quebra recíproca daquele pressuposto fiduciário, essencial para o restabelecimento das negociações iniciais”, o que é contraditório com o facto de que quem deixou definitivamente de falar ao 1º R. foi o A., e que a ruptura das relações negociais, obviamente por decisão unilateral do A., se deu por causa do tal “motivo aparentemente frágil” da apresentação a pagamento em Maio de 2004 de um cheque datado para esse mês e ano.

6. Tendo sido o A. quem deixou de falar com o 1º R. cortando relações com ele por causa do tal cheque e que foi isso que o levou a romper a relação negocial, é bom de ver que não houve reciprocidade alguma na “quebra daquele pressuposto fiduciário essencial para o restabelecimento das negociações iniciais”, pois tratou- se de uma “quebra” unilateral por parte do A., tanto mais que não foi dado como provado qualquer facto que aponte para ter sido qualquer dos RR a decidir e a fazer a “ruptura injustificada das relações negociais”.

7. A contradição mais flagrante entre os fundamentos e a decisão, resulta de a Relação, por um lado, reconhecer que o A. cometeu abuso de direito ao invocar a nulidade formal dos contratos promessa, que a ruptura de relações negociais não pode ser imputável a qualquer dos RR e ainda que não pode ser assacada responsabilidade a qualquer das partes pela ruptura injustificada das relações negociais, mas, por outro lado, conclua depois, sem a mínima explicação ou fundamentação, que, afinal, “o incumprimento contratual deve imputar-se a ambas as partes…”

8. Tal não é um raciocínio lógico nem aceitável, pois que, se primeiro se diz que os contratos são válidos e eficazes e nenhuma das partes deles desistiu nem incumpriu, não se pode, a seguir, sob pena de contradição, afirmar em conclusão que, afinal, houve incumprimento definitivo e irreversível dos contratos e que o mesmo tem de imputar-se a ambas as partes, ademais quanto foi o próprio A. quem alegou e veio aos autos garantir (77º a 79º da PI) que os projectados negócios de compra e venda não serão mais concretizados porque, para ele, o comportamento dos RR. levou-o à “total ruptura das relações pessoais e familiares” e passou a considerar não haver “agora qualquer viabilidade de conciliar vontades para uma justa composição dos interesses em causa.”, e a fls. 1.645, disse “ter concluído não lhe ser possível manter a relação com os RR.” e que ocorreu “a ruptura de relações em finais de 2004”, a fls.1.873 que “não continuava com tal ligação e justificadamente desistia da mesma”, a fls. 1.880 que “em Dezembro de 2004, já não aceitaria celebrar os contratos-promessa” apresentados pelos RR., e a fls. 1881 “que desistiu em 2004”.

9. Há também clara contradição no Acórdão recorrido quando, por um lado, se diz que os contratos promessa de compra e venda celebrados entre A. e RR. eram válidos e eficazes e estavam a ser cumpridos, mas, por outro lado, se afirma que os mesmos foram definitivamente incumpridos por quebra recíproca de confiança “essencial para o restabelecimento das negociações iniciais”, pela simples razão lógica de que, celebrados validamente e com plena eficácia um contrato promessa de compra e venda, incumbe aos contraentes apenas cumpri-los, celebrando os contratos prometidos de compra e venda, ou então revogá-los por acordo, ou, havendo motivo legal e vontade para tanto, proceder à sua resolução unilateral pelos meios legalmente previstos, não fazendo sentido falar-se em “restabelecimento das negociações iniciais”, que só teriam lugar se as partes estivessem ainda em negociação com vista à celebração desses contratos promessa o que, como decidido, era processo que já há muito tinham concluído.

10. Mesmo tratando indevidamente uma nova causa de pedir nunca invocada – a questão do incumprimento contratual - a Relação, para tirar uma conclusão lógica e não contraditória com os fundamentos de facto plasmados nos autos e tendo considerado os contratos promessa válidos e eficazes, e verificado que quem, desde o primeiro momento (PI), declarou que fez a ruptura negocial com os RR. e que não queria nem iria cumprir tais contratos promessa foi o A., teria necessariamente de concluir que, “o incumprimento contratual deve imputar-se exclusivamente ao Autor” e daí extrair as inerentes ilações e consequências, designadamente, julgar improcedente a acção e procedente o pedido reconvencional de perda do sinal.

11. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sendo nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar - artºs 608º/2 e 615º/1/d CPC, sendo que as questões a resolver «não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções», Ac. do STJ de 21-09-2005 e 10-05-2006 (Recursos n.º 2843/04 e 481/05 – 4.ª Secção, sumariados em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de acórdãos)

12. As questões submetidas à apreciação do TRP no recurso de apelação dos RR, e devidamente vertidas nas conclusões formuladas, foram sete e não apenas as três referidas no acórdão recorrido, a saber: 1ª - A questão da nulidade prevista no artº 615º/1/e) do CPC, resultante da condenação além do pedido, questão que a Relação apreciou, atendeu e tratou como erro de cálculo;

2ª – A questão da nulidade prevista no artº 615º /1/b) do CPC, resultante da falta de fundamentação de direito da sentença recorrida, que a Relação apreciou entendendo não se verificar;

3ª - A questão da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artº 615º do CPC, resultante da contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, que a Relação apreciou, entendendo também não se verificar;

4ª - A questão da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artº 615º do CPC,  resultante da omissão de pronúncia - sobre a questão de a sentença, embora tenha reconhecido que a causa de pedir invocada pelo A. (conf. artº 81º a 83º da PI) era a nulidade dos contratos-promessa de compra e venda por falta de forma escrita, e reconhecendo que essa causa de pedir foi improcedente, ao reconhecer a exceção do abuso de direito nessa invocação e a consequente plena validade dos contratos promessa, não ter, como devia, em consequência, nos termos do artº 334° do C. Civil, julgado improcedente a acção e absolvido os RR. do pedido de condenação à restituição das quantias que o A. aquele lhes pagou por conta das prometidas compras. (155 a 158 das conclusões -sintetizadas – das alegações de recurso de apelação de fls.2984 a 3021) que a Relação nem sequer abordou nem apreciou como devia, incorrendo assim, também ela, na nulidade de omissão de pronúncia, prevista no artº 615º/1/d CPC;

5ª - A questão da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artº 615º do CPC, resultante do excesso de pronúncia da sentença da 1ª Instância uma vez que tendo sido afastada a causa de pedir desta ação, consistente unicamente na invocada nulidade formal dos contratos promessa, não caber ao tribunal averiguar e declarar o incumprimento do contrato por um ou outro dos promitentes, como sucedeu, (159 das conclusões -sintetizadas – das alegações de recurso de apelação de fls.2984 a 3021) que a Relação não abordou nem apreciou como devia, incorrendo assim, na nulidade de omissão de pronúncia, prevista no artº 615º/1/d CPC;

6ª - A questão de os contratos promessa, julgados válidos e eficazes, poderem ainda ser cumpridos, nos termos do artº 406º nº 1 do Cód. Civil, ainda que havendo mora de uma das partes, (artº 804º nº 2 e 777º no 1 e 2 do Cód. Civil), e a possibilidade de execução específica pela/s parte/s não faltosa/s contra aquela/s que esteja/m em mora prevista no artº 442º nº 3 do Cód. Civil e, nos termos do artº 830º nº 1 do C. Civil. (160 das conclusões -sintetizadas – das alegações de recurso de apelação de fls.2984 a 3021) que a Relação não abordou nem apreciou como devia, incorrendo assim, na nulidade de omissão de pronúncia, prevista no artº615º/1/d CPC;

7ª - A questão da perda do sinal por parte do A., por recusa definitiva do A. em cumprir os contratos promessa válidos e eficazes nos termos do disposto nos artºs 441º e 442º do Cód. Civil. (161 a 168 das conclusões -sintetizadas – das alegações de recurso de apelação de fls.2984 a 3021) que a Relação não abordou nem apreciou como devia, incorrendo assim, na nulidade de omissão de pronúncia, prevista no artº 615º/1/d CPC.

13. O juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, sendo nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento - artºs 608º/2 e 615º/1/d CPC, e não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado, sendo necessário, além disso, que haja identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar.

14. A Relação, no Acórdão recorrido ao acolher, in totum, a tese da sentença da 1ª instância seguiu-lhe os passos e fez o mesmo, quando invocou como razão de decidir a condenação dos RR. a restituir ao A. as quantias dele recebidas, um título, uma causa ou facto jurídico, (o incumprimento dos contratos promessa) essencialmente diverso daquele que o A. por via da ação invocou na base do seu pedido (a nulidade formal dos contratos promessa), razão pela qual o Acórdão recorrido deve ser anulado por vício de ultra petita ou excesso de pronúncia. (nesse sentido Ac STJ de 9-11-2017 in http://www.dgsi.pt/)

15. Não podem restar dúvidas de que a nulidade formal dos contratos promessa foi a única causa de pedir invocada pelo A. na PI, (artº 81º a 87º da PI), causa de pedir reiterada nas suas alegações de direito na 1ª Instância, ( de 20.5.2013 refª ...) tendo sido como tal identificada na sentença da 1ª instância, no douto Acórdão deste STJ e agora no Acórdão recorrido da Relação, não tendo o A. em lado algum da PI invocado o aludido incumprimento dos contratos promessa de compra e venda como causa de pedir dos pedidos de condenação dos RR a restituir-lhe as partes do preço que lhes entregou, tendo mesmo o A., nas suas contra-alegações do recurso de apelação dos RR., (de 5.12.2013, refª ..., pág.22) consignado: “Repare-se que o recorrido nunca imputou aos recorrentes o incumprimento de contrato promessa.”

16. Não tendo o A. na sua PI imputado a qualquer dos RR. o incumprimento dos contratos promessa de compra e venda dos imóveis, válidos e eficazes, nem sequer a título subsidiário, tendo mesmo afastado expressamente essa causa de pedir noutras peças processuais, não podia o juiz em sede de sentença, nem depois a Relação em sede de Acórdão por recurso da sentença, invocar precisamente esse nunca antes falado incumprimento contratual como razão de decidir pela condenação dos RR a restituir ao A. as verbas peticionadas, porque, ao fazê-lo violaram a proibição que lhes é imposta pelo artº 608º/2 do CPC e cometem a nulidade prevista no artº 615º/1/d CPC.

17. Neste sentido foi proferido o douto Ac. do STJ de 5.4.2018 – Cons. Abrantes Geraldes Proc. nº 1223/10.0TVLSB.L2.S1, in www.dgsi.pt , onde, de forma lapidar, se consignou que: “ A clareza que é exigida a quem formula uma determinada pretensão assente numa determinada fundamentação serve precisamente para acautelar o exercício pleno do contraditório. Tudo quando interesse à discussão de um … litígio deve ser explanado nos articulados. Destas regras que marcam o compasso do processo civil e de que se extraem efeitos preclusivos e estabilizadores decorre, em geral, que, uma vez terminada a fase dos articulados, a instância deve estar estabilizada não apenas quanto ao pedido e causa de pedir, como ainda quanto aos meios de defesa, o que conjugadamente vai servir para delimitar a fase de instrução e de julgamento.”

18. Nesta douto Acórdão o STJ considerou ainda que, quando na sentença se  considerou que, em face da matéria de facto apurada, não havia motivo para concluir pela nulidade dos contratos promessa de compra e venda por falta de forma, sendo esse o objeto do processo, “aí deveria ter terminado a atividade judicativa”, o que não aconteceu, pelo que não havia motivo algum para que nem na sentença de 1ª instância nem depois na Relação se passasse a discutir a existência ou não do incumprimento contratual, “pela singela razão de que tal não correspondia nem ao pedido formulado, nem à causa de pedir que foi exposta, em resultado de uma opção livre e presumivelmente esclarecida do A.”

19. E consignou ainda o STJ neste douto Acórdão que, “não é pelo facto de na sentença ter sido apreciada uma determinada questão que extravasava o objeto do processo que a Relação tinha de reapreciar essa mesma questão na mesma perspetiva. Pelo contrário, em face de uma flagrante violação quer dos limites da sentença definidos pelo art. 608º do CPC, quer dos limites do recurso de apelação, o que se impunha à Relação era que retomasse o objeto do processo e apreciasse o recurso apenas na medida em que estivesse em conformidade com esse objeto, excluindo de uma apreciação de mérito as demais questões. … A oficiosidade na aplicação do direito em qualquer instância jurisdicional não deve jamais sobrepor-se ao objeto da ação que é definido pelo autor, em conformidade com o pedido e com a causa de pedir, complementado com as exceções que, relacionadas com esse pedido e essa causa de pedir, sejam invocadas pelo réu.”

20. Sem prescindir das supra referidas nulidades, a verdade é que, ainda assim, a Relação, ao consignar, em obediência ao decidido no Acórdão deste STJ, que os contratos promessa de compra e venda dos autos são perfeitamente válidos e eficazes, acrescentando, no entanto, que não foram cumpridos, declarando não saber quem incumpriu e concluindo que “o incumprimento contratual deve imputar- se a ambas as partes”, em partes iguais, e decidindo pela condenação dos RR. na restituição ao A., em singelo, dos valores que este lhes pagou por conta do preço ajustado, baseando-se na argumentação da sentença recorrida que, transcreveu em parte, acrescentando outros motivos já anteriormente invocados em anteriores acórdãos anulados pelo STJ, cometeu erro de julgamento, interpretando e aplicando incorretamente, entre outras normas legais, o disposto nos artºs 342º nº 1, 406º nº 1, 441º, 442º nº 2 e 3 , 777º no 1 e 2, 804º nº 2 e 830 nº 1 e 2, do C. Civil, e dos artºs 552º, nº 1, al. d), 581º, n.º 4, 607º nº 3 e 4, 608º nº 2, 615º nº 1 al. b), c) e d), 663º nº 2, e 666 nº 1 do CPC., violando-os.

21. Com efeito, no acórdão recorrido, a Relação, reportou-se ao facto de na sentença se ter passado a apreciar “se houve incumprimento e a quem foi imputável esse incumprimento”, transcrevendo e perfilhando algumas das passagens dessa sentença, que se dão aqui por reproduzidas, tendo, sem mais considerandos, consignado que “a restituição ao Autor de “tudo quanto prestou”, ordenada na sentença recorrida, decorre assim do incumprimento contratual, imputado a ambas as partes” e, logo depois, revisitou e “repescou”, a tese da “perda de confiança” entre as partes, imputável ao A. e aos RR., que constava dos seus acórdãos de 16.5.2017 e 14-1-2020, entretanto anulados por este STJ, consignando que, “Nos acórdãos desta Relação, proferidos em 16-05-2017 e 14-01-2020, afastou-se a aplicação do abuso de direito; mas também se entendeu que “ocorreu entre as partes uma situação de perda de confiança, a qual é imputável ao Autor (a atitude relativa ao cheque para pagamento da última prestação do preço dos terrenos do Sr. EE – facto nº 125) e aos Réus (as deficientes contas da quinta e a não apresentação de documento contendo os acordos entre as partes e os pagamentos feitos pelo A. em cumprimento de tais acordos). Por via deste incumprimento devem as partes ser «colocadas na situação em que ficariam se o negócio nunca houvesse sido celebrado» conforme o decidido na sentença recorrida. O incumprimento dos contratos promessa, por causa imputável a ambas as partes determina que estas sejam restituídas à situação anterior à celebração dos contratos (neste sentido: acórdão do STJ, de 14-05-1076, publicado na RLJ, ano 110º, pág. 180/182 com anotação concordante do Prof. Vaz Serra; Ac. STJ, 12-09-2017, proc. 148/14.4TVPRT.P1S1).

22. Esta argumentação da Relação, além de insuficiente é confusa e até obscura, já que não é claro se aderiu e subscreveu apenas a tese da 1ª Instância do incumprimento contratual bilateral pelas razões que esta apontou ou se, além dessa, acrescenta ainda a tese da “perda de confiança” mútua e da “rutura das negociações e não conclusão dos acordos verbalmente celebrados”, como causa do incumprimento bilateral, mas, em qualquer caso, não tem razão na sua fundamentação, que no essencial é a mesma da 1ª Instância.

23. A Relação, ao enveredar também pela questão do incumprimento dos contratos promessa, julgados válidos e eficazes, cometeu o erro de esquecer que a improcedência da única causa de pedir alegada na PI (a nulidade formal dos contratos-promessa) conduz à improcedência do pedido nela sustentado (a restituição do sinal), o que não podia de todo fazer, tanto mais que o A. expressamente reconheceu nas suas contra-alegações do recurso de apelação dos RR, (de 5.12.2013, refª ..., pág.22) nunca ter imputados aos RR. o incumprimento dos contratos-promessa.

24. Para decidir condenar os RR. a devolver ao A. as quantias dele recebidas a título de sinal e princípio de pagamento dos preços acertados para a compra e vende de ½ do “terreno de ...” e de 1/3 da “Quinta”, a Relação, partindo da “validade e eficácia dos três negócios celebrados entre as partes” argumentou que “os negócios,…frustraram-se por causa de um motivo aparentemente frágil, mas que, aos olhos das partes, despoletou irreversivelmente a quebra recíproca daquele pressuposto fiduciário, essencial para o restabelecimento das negociações iniciais”, que “o que esteve na origem da rutura da relação de confiança entre autor e 1º réu foi o facto deste em Maio de 2004, sem previamente o ter solicitado ao A., ter descontado o cheque que este lhe havia entregado, pré-datado para o mês de Maio, mas que deveria apenas ser descontado em Setembro desse ano, para pagamento da prestação devida ao Sr. EE,…, após o que, o A. discutiu com ele e nunca mais lhe falou”, que a seguir à discussão com o 1º R., o A, dirigiu-se ao 2º R. e exigiu-lhe “uma declaração de quitação dos valores entregues assinada pelos réus”, “elaborou um inquérito junto a fls. 1202, datado de 13/09/2004, acompanhado dos documentos juntos, que apresentou ao 2º réu a fim do mesmo responder e assinar a documentação que espelhasse as quantias que até então o autor entregara aos réus, assinatura que o 2º réu recusou, vindo a surgir o documento de fls. 309 a 311, assinado por autor e réus, apesar de, ao que tudo indica, não ter estado na posse do autor, em data anterior à instauração dos presentes autos, o que parece indicar que a quitação acabaria por ser dada,..”, que não “pode ser assacada responsabilidade a qualquer das partes pela rutura injustificada das relações negociais.”, que “nos acórdãos desta Relação, proferidos em 16-05-2017 e 14-01-2020, … também se entendeu que “ocorreu entre as partes uma situação de perda de confiança, a qual é imputável ao Autor (a atitude relativa ao cheque para pagamento da última prestação do preço dos terrenos do Sr. EE – facto nº 125) e aos Réus (as deficientes contas da quinta e a não apresentação de documento contendo os acordos entre as partes e os pagamentos feitos pelo A. em cumprimento de tais acordos).”, que se verificou o “incumprimento contratual” dos contratos promessa válidos e eficazes, que esse incumprimento contratual “deve imputar-se a ambas as partes”, e que, em consequência da imputação do incumprimento bilateral deve ser restituído ao A. tudo quanto prestou, em singelo, em cumprimento dos contratos.

25. Ao fazer sua a tese a argumentação da 1ª Instância a Relação aduziu factos que não foram sequer dados como provados, fez análise errada e partiu de premissas pressupostos também errados, interpretando e aplicando incorretamente a lei, e não tendo sequer verificado a totalidade da prova documental dos autos.

26. Com efeito, sendo os contratos promessa em causa válidos e eficazes, às partes competia proceder à celebração dos contratos prometidos de compra e venda, com a respetiva transmissão dos direitos de propriedade e pagamento do restante dos preços, já não fazendo qualquer sentido, nessa fase, discorrer ou sequer apurar, como erradamente fez também a Relação, se estavam reunidas as condições subjetivas prévias à celebração e formalização desses contratos promessa, como sejam as questões de “quebra, rutura e perda de confiança entre as partes” por “motivo frágil” do “restabelecimento das negociações iniciais”, posto que, em Maio de 2004 já não se estava na fase pré-contratual e de formação desses contratos promessa em que era importante e decisiva a existência de confiança recíproca.

27. De qualquer forma, impõe-se concluir que quem fez a tal rutura por alegada perda de confiança, e apenas com o 1º R., foi o A. e não os RR., pois que nenhum dos factos provados aponta para que qualquer dos RR. tenha alegado ou declarado ter perdido a confiança no A. ou que tenha rompido a relação com ele ou que declarasse não querer mais cumprir os contratos promessa de compra e venda, sendo certo que na reunião de ... em 10/2004 entre A. e RR., o 1º R. aceitou a proposta do A. de lhe serem concedidos mais três anos para acabar de lhe pagar o remanescente do preço do terreno de construção (142 dos factos provados).

28. Se dúvidas houvesse, o A. em 77º a 79º da PI alegou e garantiu que os projectados negócios de compra e venda da metade do terreno e de 1/3 da quinta “não serão mais concretizados”, no requerimento de fls. 1.645, (nº 29) disse que ocorreu “a ruptura de relações em finais de 2004”, e a fls. 1.880 que “em Dezembro de 2004, já não aceitaria celebrar os contratos-promessa” apresentados pelos RR. e a fls. 1.881 disse “que desistiu em 2004” e, ao accionar os RR. pedindo-lhes de volta o valor do sinal e parte dos preços pagos, sempre estaria implícita a sua declaração de incumprimento definitivo dos contratos. (nesse sentido Ac. STJ de 13.1.2009 in www.dgsi.pt)

29. Também infundado é o argumento de que “os negócios ….. frustraram-se por causa de um motivo aparentemente frágil mas que, aos olhos das partes, despoletou irreversivelmente a quebra recíproca daquele pressuposto fiduciário, essencial para o restabelecimento das negociações iniciais”, seja porque foi o A. quem fez a rutura das relações negociais deixando de falar ao 1º R., por causa do tal “motivo aparentemente frágil” (segundo as instâncias), seja por não passar de uma mera desculpa tardiamente invocada (já em audiência) para tentar justificar o incumprimento do A. o pretexto da apresentação a pagamento em Maio de 2004  pelo 1º R. de um cheque há muito emitido já pré-datado, conforme plano de pagamentos acordado com o 2º R. e depois de já saber (pela cópia do contrato promessa em seu poder – doc. nº 10 da PI), que esse valor só teria de ser pago ao Sr. EE em Setembro de 2004.

30. O acórdão recorrido, tal como a sentença, socorreu-se de um facto que não foi dado como provado, já que em lado algum da matéria de facto provada consta que “o que esteve na origem da rutura da relação de confiança entre autor e 1º réu foi o facto deste em Maio de 2004, ter descontado o cheque que este lhe havia entregado, pré-datado para o mês de Maio, mas que deveria apenas ser descontado em Setembro desse ano, para pagamento da prestação devida ao Sr. EE…”, o que fez erradamente, pois teria que ser a partir da matéria de facto provada que as instâncias podiam decidir.

31. Por outro lado, não obstante a intervenção do 1º R. como intermediário no negócio com o Sr. EE para compra dos seus terrenos, (116 e 117 dos factos  provados), o promitente vendedor de 1/3 da “Quinta” ao A. era o 2º R., ( 115 e 115-A dos factos provados), tendo sido com o 2º R. (promitente vendedor) que o A. acordou as datas de pagamento dos vários cheques pré-datados, logo em Maio de 2001, data em que acordaram que os cheques seriam pagos em Maio de cada ano e não em Setembro (conf. Doc. de fls. 1191 e declarações escritas do A. a fls.1240, 6º, Doc nº 6).

32. Na verdade, em Maio de 2001, o A. emitiu os cheques nº ...96, ...97, ...99, ...00, todos sacados sobre a CCAM no valor de 5.000.000$00 cada, pré-datados para as datas de 20/05/2002, 20/05/2003, 20/05/2004 e 20/05/2005, à ordem do 1º R., conforme doc. de fls. 1188, os quais, em 2002, face à substituição do Escudo pelo do Euro, foram devolvidos ao A. que emitiu novos quatro cheques em Euros, também à ordem do 1º R. e pré-datados para as mesmíssimas datas de 20/05/2002, 20/05/2003, 20/05/2004 e 20/05/2005, ou seja, as datas de pagamento acordadas com o 2º R.

33. Tendo emitido os ditos quatro cheques por duas vezes e para as datas combinadas, primeiro, em consonância com esse plano de pagamento, o A. nada alegou nem se “queixou” na PI acerca do suposto desconto antecipado do cheque de Maio de 2004 e, a seguir, ainda veio aos autos negar qualquer relação desses cheques, valores e datas com os pagamentos a fazer pelo 1º R. ao Sr. EE, (conf. 88º a 92º da réplica) mas, finalmente, em total contradição e com total despudor, só no seu depoimento de parte em audiência, “mudou de agulha” e passou a “queixar-se” de o 1º R. ter descontado o cheque na data nele constante (20/5/2004) e aprazada para tal com o 2º R., mas sem lhe pedir prévia licença, ao ponto de a 1ª instância ter consignado e a Relação repetido e perfilhado a “tese” peregrina, inconsistente e “frágil” de que foi esse facto que esteve na origem da “rutura da relação de confiança entre autor e 1º réu”, convertendo-se, assim, num “golpe de asa”, mas inaceitável, aquilo que nem sequer existia como fundamento ou causa para coisa nenhuma na PI (já que não alegado sequer), nem levado à matéria provada, no “facto” e na “causa” que esteve na origem da invocada rutura e no cerne da imputação aos RR. de culpas no incumprimento contratual pelo A. dos contratos promessa, o que a Relação fez à revelia do entendimento deste STJ vertida, entre outros, no douto Acórdão de 01-07-2021 (Proc. nº 1508/18.7T8PTM.E1.S1) in www.dgsi.pt. onde se consignou deverem ser desconsideradas ou desvalorizadas pelos tribunais as alegações posteriores à PI, designadamente, as “justificações “plantadas” a posteriori pela parte para agravar a posição da contraparte e desgravar a sua.”

34. Assim, é de todo errado e equívoco falar-se em “aos olhos das partes” e em “quebra recíproca”, posto que não houve reciprocidade alguma na invocada perda da confiança, visto que foi apenas o A. e nunca os RR., quem, agarrando-se a esse “motivo aparentemente frágil”, dir-se-ia antes fútil, inexistente e tardiamente “tirado da cartola”, decidiu dizer que perdeu a confiança nos RR. e não cumprir os contratos promessa, válida e eficazmente celebrados, perante os quais é também errado e equívoco falar-se no “pressuposto fiduciário, essencial para o restabelecimento das negociações iniciais”, posto que já não se estava em “negociações iniciais” dos contratos promessa que precisassem de “restabelecimento”, mas antes e apenas na fase de agendamento e outorga das respectivas escrituras de compra e venda e do pagamento pelo A. do restante do preço contratado com os RR.

35. A Relação também cometeu erro de análise e interpretação dos factos dados como provados ao invocar a ocorrência “entre as partes uma situação de perda de confiança”, já que em lado algum da matéria de facto provada consta qualquer facto que aponte para que qualquer dos RR. tenha alegado ou declarado ter perdido a confiança no A.., e pelo contrário esperavam que ele cumprisse os contratos promessa, o que ficou bem evidenciado na reunião de ... em Outubro de 2004 entre A. e RR., realizada a pedido destes, em que o A. pediu mais três anos para acabar de pagar ao 1º R. o remanescente do preço do terreno de construção, proposta que este aceitou (ponto 142 dos factos provados).

36. A Relação não indicou qualquer concreto facto provado que aponte para as invocadas “deficientes contas da quinta” que imputa aos RR. para sustentar a suposta perda de confiança pelo A., quando, pelo contrário, no mesmo acórdão recorrido (pág. 45) fundamentou, e bem, a recusa do pedido indemnizatório do A. relativo às contas da exploração conjunta da “Quinta”, com o facto de estar provado “que em Setembro de 2004 o Autor considerou como boas as contas elencadas no documento de fls.310, que assinou (facto noº 136).”

37. A Relação também errou na análise e interpretação que fez por partir de pressupostos errados, quando imputou “culpas” aos RR. pela “não apresentação de documento contendo os acordos entre as partes e os pagamentos feitos pelo A. em cumprimento de tais acordos” pois, já não podendo seguir pela alegada nulidade formal dos contratos promessa, optou então pela “solução” de um incumprimento também imputável aos RR. por falta de forma escrita dos acordos efectuados, contendo os “os pagamentos feitos pelo A. em cumprimento de tais acordos.”

38. Porém, sendo os contratos promessa perfeitamente válidos e eficazes entre as partes, como decido pelo STJ, ficando assim definitivamente supridas as deficiências e formalidades inerentes aos mesmos em todo o seu conteúdo e à sua validade, não faz mais sentido, sendo até ilógico, continuar agora a Relação a argumentar com a falta daquelas formalidades e da “apresentação de documento contendo os acordos entre as partes e os pagamentos feitos pelo A.”, recuperando agora, para sustentar um incumprimento bilateral, as “culpas” que antes (nos acórdãos anteriores anulados) imputou aos RR., mas para fundar a inexistência do abuso de direito do A., o que não é admissível e por isso errado, redundando até em desrespeito pelo Acórdão do STJ.

39. Ainda assim importa notar que não foi dado como provado que qualquer dos RR. tenha evitado dar forma escrita a esses acordos, ou se tenha negado a emitir qualquer documento comprovativo do recebimento das quantias que o A. lhes entregou, como alegava o A. na PI, mas tão só que o A. solicitou ao 2º R. que “se” “elaborasse” um documento que desse forma escrita aos acordos estabelecidos e que  confirmasse os pagamentos já por si efectuados, obviamente a assinar por A. e RR.

40. A Relação também não considerou nesta matéria, como devia, quer o teor dos documentos de fls. 309 a 311 datados de Set/2004, quer os factos provados em 54 e 55, relativos à reunião em ... a pedido dos RR., em Out/2004, em que o advogado do A. ficou incumbido de elaborar “documentos para melhor formalizarem os acordos iniciais,…”, quer os factos provados em 141, de os RR., em contrapartida aos contratos datados de 26.10.2004, sugeridos pelo A. de fls. 302 a 327, lhe terem proposto alteração aos contratos por ele propostos, (fls. 1412) e, como o A. nada respondeu, terem-lhe enviado então as minutas de contratos promessa de fls.328 a  338 datados de 2.12.2004, estas, claras, escorreitas, sem aditamentos nem declarações à parte, que o A. não assinou nem nada lhes disse, a não ser accioná-los, alegando a nulidade formal dos contratos que se recusava a cumprir e pedir-lhes a devolução do sinal e parte dos preços pagos e outras alcavalas e indemnizações.

41. O invocado “inquérito junto a fls. 1202, datado de 13/09/2004,….” do A. ao 2º R. fala por si e revela a postura de então do A., desde logo, por, no contexto de contratos promessa de compra e venda, válidos, eficazes e a serem cumpridos, não passar de uma mera manobra anómala e irrelevante para cumprimento desses contratos promessa, ter surgido três dias depois de o A. ter comunicado à CCAM, falsamente, que o cheque por si sacado e pré-datado para Maio 2005 se tinha extraviado, sem desse “pormenor” e falsidade consciente ter dado conta a nenhum dos RR., e por pretender que o 2º R. se pronunciasse sobre questões completamente despropositadas e irrelevantes face ao já convencionado e consolidado nos contratos promessa, como seja pretender que o 2º R. opinasse sobre o valor da quinta e do terreno com o projecto aprovado, acrescendo a omissão nas listagens que acompanhavam o “inquérito” de qualquer indicação dos valores que havia acordado pagar aos RR., acabando por surgir os RR. nessas listagens, aparentemente, como meros devedores dos valores nelas constantes.

42. A Relação errou também quando disse que houve perda de confiança dos RR. no A., facto que teria contribuído para o incumprimento bilateral dos contratos, referindo “ao de leve”, que se teria devido à “atitude relativa ao cheque para pagamento da última prestação do preço dos terrenos do Sr. EE – facto nº 125”, pois, não obstante este comportamento do A. ser fortemente censurável e contrário aos princípios da boa-fé da lealdade e correcção, além de eventual crime de falsificação de documento, o certo é que da parte dos RR. nunca foi manifestada ao A. qualquer sinal ou declaração de perda de confiança quanto ao cumprimento dos contratos promessa e, até à instauração da presente acção, sempre confiaram que o A., ainda que com mora, cumpriria os contratos promessa válidos e eficazes.

43. Pelo contrário, os diversos comportamentos censuráveis do A. conduzem inequivocamente à conclusão de que ele, primeiro se estava a preparar e, depois, decidiu, declaradamente, desistir e incumprir definitivamente os dois contratos- promessa, pois que, comunicou ao Banco (CCAM) em 10/09/2004 o falso extravio do cheque que entregara ao 1º R. pré-datado para maio de 2005 (fls. 963, 1145 e 1147), repetiu a falsa comunicação à CCAM a 25/10/2004 dizendo que era "Cheque revogado por justa causa - falta ou vicio na formação da vontade" e que tinha "chegado a acordo com o beneficiário do Cheque por outra modalidade." (fls. 691 e 692), não se inibiu de vir aos autos em 95º da réplica, com falsidade, dizer que só tinha dado o cheque como "recusado" em Maio de 2005, e, com deslealdade, só na PI informou os RR. que iria incumprir definitivamente os contratos promessa de compra e venda (conf. 141 dos factos provados), e juntou aos autos o doc. de fls. 1412 e 1431(original), do qual, à contraluz, se vê que apagou a menção "Outubro", assim deturpando propositadamente esse documento.

44. A conclusão da Relação de que se verificou “incumprimento contratual”, dos contratos promessa válidos e eficazes, e que o mesmo “deve imputar-se a ambas as  partes”, foi mais um erro e obscuridade da decisão, pois, para além de ser matéria que lhe estava vedado conhecer por não ter sido sequer alegada pelo A. em sede própria que é a PI, a Relação não indica em que factos provados se baseia, nem explica, de forma minimamente inteligível, em que foi que os RR. incumpriram esses contratos promessa cujo objecto era a transmissão para o A. da propriedade de ½ do terreno de construção e de 1/3 da “Quinta”.

45. Em abono da sua tese da concorrência de culpas de A. e RR. no incumprimento definitivos dos contratos e suas consequências a Relação invocou os Acórdãos deste STJ, de 14-5-1976 e de 12-9-2017, porém, salvo o devido respeito, tais doutos arestos foram proferidos em casos onde se discutiam situações completamente diversas da destes autos, tendo no primeiro deles sido tratado um caso de incumprimento de um contrato promessa relativo a venda de bens futuros, com interpelação admonitória para outorga do contrato prometido, tendo nele os Senhores Conselheiros consignado que, no caso, havia que “lançar mão do artº 487º nº 2 do CC, adoptando com critério a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”, e no aresto de 2017 não se equacionava a questão da nulidade formal invocada nestes autos, antes o incumprimento por parte do  promitente vendedor por venda a terceiro do prédio objecto do contrato promessa conjugado com a resolução ilícita do contrato promessa por parte do promitente comprador, pelo que não faz sentido, S.M.O., a invocação pela Relação desses dois doutos Acórdãos deste STJ no contexto destes autos.

46. A Relação ao debruçar-se sobre a questão dos pedidos reconvencionais dos RR. reconvintes e tendo consignado, sem mais considerações, que: “Para fundamentar o pedido reconvencional invocavam os Réus o artº 227º do C. Civil, respeitante à responsabilidade pré contratual, …… . Sendo ambas as partes responsáveis pela ruptura das negociações, não é possível imputar a apenas uma a responsabilidade pela não conclusão dos acordos verbalmente celebrados, ficando por isso afastada a aplicação, no caso, daquele artº 227º e improcedendo os pedidos reconvencionais.”, incorreu em mais um erro, decorrente, porventura, de distração ou precipitação na análise quer dos pedidos formulados pelos RR. na contestação/reconvenção quer das conclusões do recurso.

47. De facto, não é verdade que os RR. “Para fundamentar o pedido reconvencional invocavam os Réus o artº 227º do C. Civil, respeitante à responsabilidade pré contratual,…”., pois, o que os RR. reconvintes pediram no seu pedido reconvencional, em primeiro lugar e a título principal, foi que o A. reconvindo fosse condenado a ver reconhecido como válidos e em vigor os contratos promessa de compra e venda relativos a ½ indiviso do terreno de construção e a 1/3 da quinta que incluía as parcelas do Sr. EE e, em consequência, a pagar-lhes as quantias restantes do preço convencionado ainda em falta de 129.687,45 Euros e 80.500,00 euros, bem como outros quantias a título de indemnização, pedindo em segundo lugar e a título subsidiário, a condenação do A. a ver reconhecido aos RR. reconvintes o direito de fazerem suas as quantias que a título de sinal e principio de pagamento lhes entregou no montante de 225.000,00 euros, e de 187.000,00 euros, por ter desistido das compras, nos termos do artº 442º nº 2 do Cód. Civil, e ainda outras quantias a título de indemnização, e só em terceiro lugar e subsidiariamente ainda, pediam então a condenação do A. reconvindo a pagar-lhes, diversas quantias, a título de indemnização por danos causados, com base no “artº 227º do C. Civil, respeitante à responsabilidade pré contratual.”, tal como pediram na apelação, como resulta claramente em 175 e 176 das conclusões - sintetizadas das alegações (de fls.2984 a 3021), donde, não tem fundamento o invocado argumento da Relação para ter julgado improcedentes os pedidos reconvencionais.

48. Nas descritas circunstâncias, para cumprir a lei, a 1ª Instância, tendo julgado os contratos promessa válidos e eficazes, por improcedência da única causa de pedir invocada pelo A. para sustentar o pedido de devolução das quantias pagas aos RR. (nulidade dos contratos promessa) deveria, tão só, ter julgado a acção improcedente e absolvido os RR. desse pedido de restituição, não podendo ter avançado para a questão do incumprimento que o A. não lhe colocou, devendo antes ter apreciado e julgado procedente o principal pedido reconvencional dos RR. reconvintes, devendo também a Relação, pelas mesmas razões, ter decidido do mesmo modo e, erradamente, não o fez.

49. Com efeito, afastada a invocada nulidade formal dos contratos promessa, a Relação deveria ter concluído e decidido que, pelo menos o contrato promessa relativo a ½ indiviso do terreno de ..., pode ainda ser cumprido, nos termos do artº 406º nº 1 do Cód. Civil, ainda que com mora do A. (artº 804º nº 2 e 777º no 1 e 2 do Cód. Civil), a menos que tivesse considerado que foi definitiva e irremediavelmente incumprido pelo A., caso em que pode sempre ser objecto de execução específica pela parte não faltosa e, nos termos do artº 830 nº 1 do C. Civil, ter proferido decisão que produza os efeitos da declaração negocial do A. promitente comprador faltoso.

50. Como consta dos autos os RR., entretanto, desistiram do segmento do pedido reconvencional em que pediam, a título principal, a condenação do A. a ver reconhecido como válido e em vigor o acordo e promessa de compra e venda, relativo a 1/3 da quinta que incluía as parcelas do Sr. EE celebrado com o 2º e 1º RR e a pagar-lhes o preço ainda em falta no valor de 80.500,00 Euros e mantendo todos os demais pedidos, desistência parcial essa que já foi admitida por Acórdão.

51. Por outro lado, nos termos do disposto no artº 441º do Cód. Civil, nos contratos promessa de compra e venda, presume-se que tem carácter de sinal todas as quantias entregues pelo promitente comprador aos promitentes vendedores, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço, e o artº 442º nº 2 do Cód. Civil estatui que, se quem constitui sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue.

52. Por isso, se não se entender possível o cumprimento do contrato relativo a ½ do terreno de construção celebrado com o 1º R., ainda que em execução específica como peticionado em reconvenção, então, como no caso dos autos estamos perante dois contratos promessa já julgados válidos e eficazes e que foi o A. quem, comprovadamente, decidiu não cumprir a obrigação de compra e pagamento do preço ainda em falta, mantendo essa recusa, como resulta quer da posição assumida na PI, alegando nulidade formal dos mesmos e declarando-se indisponível para os cumprir, quer ainda nas suas várias declarações e em depoimento em julgamento em que declarou ter decidido a total ruptura com os RR. e ter desistido de tudo o que com eles combinara em meados de 2004, cabe aos RR. a faculdade de fazer suas as quantias que dele receberam a título de sinal. Nesse sentido decidiram, entre outros, os Ac. do STJ de 03-05-2000 e de 20-06-2000 in www.dgsi.pt.

53. Ao decidir como decidiu no Acórdão recorrido o Tribunal da Relação do ..., cometeu as várias nulidades alegadas e julgou erradamente já que interpretou, aplicou incorrectamente e violou, entre outras disposições legais, as disposições constantes dos artºs 342º nº 1, 406º nº 1, 441º, 442º nº 2 e 3 , 777º no 1 e 2, 804º nº 2 e 830 nº 1 e 2, do C. Civil, e dos artºs 552º, nº 1, al. d), 581º, n.º 4, 607º nº 3 e 4, 608º nº 2, 615º nº 1 al. b), c) e d), 663º nº 2, e 666 nº 1 do CPC.

54. Nos termos expostos e nos mais de direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá a presente revista ser concedida e, em consequência, ser proferido douto acórdão que:

a) - reconhecendo ter a Relação, no Acórdão recorrido, cometido as alegadas nulidades de falta de fundamentação de direito (artº 615º/b) do CPC), de contradição entre os fundamentos e a decisão (artº 615º/1/c) do CPC), de omissão de pronúncia (artº615º/1/d) do CPC) e do excesso de pronúncia, neste caso com violação do disposto nos artºs 608º nº 2, 615º nº 1 al. d), 663º nº 2, e 666 nº 1 do CPC, por, no julgamento dos recursos do A. e dos RR., ter apreciado a questão do incumprimento contratual que não podia conhecer por ser matéria nova e nunca alegada pelo A., decrete a nulidade do acórdão recorrido, substituindo-o por douta decisão que, em consequência, declare a improcedência da acção e a procedência do pedido reconvencional, levando-se em conta a desistência parcial do pedido reconvencional supra referida no que respeita à promessa de compra e venda de 1/3 da quinta;

b) - no caso de não se entender como acima se pede, reconheça ter a Relação violado a lei substantiva, por erro de interpretação e de aplicação do disposto, entre outros, nos artºs 406º nº 1, 441º, 442º nº 2 e 3 , 777º no 1 e 2, 804º nº 2 e 830 nº 1 e 2, do C. Civil, decida a anulação do acórdão recorrido, substituindo-o por douta  decisão que declare a total improcedência da acção e a procedência da reconvenção, condenando o A. a pagar aos 1ºs RR. a quantia restante do preço convencionado  ainda em falta de 129.687,45 Euros ou, subsidiariamente e se assim não se entender, condene o A. a ver reconhecido ao 1 R. o direito de fazer suas as quantias que a título de sinal e por conta do preço ajustado lhe entregou, nos montantes constantes dos autos, para a prometida compra de ½ indiviso do terreno de construção em ...,  ainda, condene o A. a ver reconhecido aos RR. o direito de fazerem suas as quantias que a título de sinal e por conta do preço ajustado o A. lhes entregou, nos montantes constantes dos autos, para a prometida compra de 1/3 da quinta que incluía as parcelas do Sr. EE.”

O recorrido autor contra-alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

Fundamentação

Foi julgada prova a seguinte matéria de facto:

1. O A. é cunhado e irmão, respetivamente, dos primeiros RR. marido e esposa – Alínea A) dos factos assentes.

2. O A. é, ainda, tio do segundo R., pois este é filho dos primeiros RR. - – Alínea B) dos factos assentes.

3. Devido aos referidos laços familiares, estabelecidos há várias dezenas de anos, entre A. e RR. existia uma relação de grande amizade – Alínea C) dos factos assentes.

4. Relação essa exercida através de contactos e encontros quase diários e por convívios de família, facilitados pelo facto de A. e RR. residirem muito próximo uns dos outros -  Alínea D) dos factos assentes.

5. Essa relação familiar e de amizade criou no A. um espírito de total confiança nas pessoas do seu cunhado, irmã e sobrinho - Alínea E) dos factos assentes.

6. A mesma relação familiar e de amizade, que existiu entre todos até há cerca de um ano, esteve na génese de algumas propostas de negócios - Alínea F) dos factos assentes.

7. Assim, no dia 2 de Setembro de 1999, pelo menos o primeiro Réu, solicitou ao A. que lhe emprestasse a quantia de Esc. 2.000.000$00 (a que corresponde o montante de € 9.975,96) - –Alínea G) dos factos assentes.

8. O A. acedeu a conceder; pelo menos ao primeiro Réu, o empréstimo daquela quantia, o que fez através do cheque nº .....68, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., que ele Réu, apresentou a pagamento e lhe foi pago - – Alínea H) dos factos assentes

9. Posteriormente, no dia 21 de Agosto de 2000, pelo menos o primeiro Réu solicitou ao A. a concessão de um novo empréstimo, agora no montante de Esc. 3.000.000$00 (€ 14.963,94) – Alínea I) dos factos assentes.

10. O A. emprestou tal quantia, tendo entregue (pelo menos) ao primeiro Réu o cheque nº .....71, também da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ... - – Alínea J) dos factos assentes.

11. O primeiro Réu apresentou a pagamento este último cheque, que lhes foi pago, tendo, pelo menos ele primeiro Réu recebido o correspondente montante pecuniário’ - – Alínea K) dos factos assentes.

12. Logo depois de concedidos os indicados empréstimos (pelo menos ao primeiro Réu), entre este, o 2º réu e o autor surgiram propostas para a celebração de outros negócios, através da associação e da participação, pelo menos deles e do autor em atividades de carácter imobiliário e agrícola – Alínea L) dos factos assentes.

13. No âmbito dessas negociações, pelo menos o primeiro Réu declarou-se dono e legítimo possuidor de um prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção, com a área de 5.000 m2, sito no lugar de ..., freguesia de ..., já referida, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...68 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...23º – Alínea M) dos factos assentes.

14. Por sua vez, o segundo R. declarou-se dono e legítimo possuidor de um conjunto de três prédios rústicos, denominados "Quinta ...", "..." e "...", sitos, respetivamente, nos lugares de ..., ... ou ..., das freguesias de ... e da ..., ambas do município de ..., descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nºs ...33-..., ...67-... e ... – Alínea N) dos Factos Assentes.

15. O segundo R. declarou-se, ainda, promitente comprador a terceiro (portanto titular dos direitos decorrentes do invocado contrato-promessa), do prédio rústico, já então na sua posse, denominado "... ...", sito na freguesia..., também do concelho de ..., cuja descrição predial ele segundo R. nunca forneceu ao A. – Alínea O) dos Factos Assentes.

16. Pelo menos o primeiro Réu, contou ao A. os seus projetos de aquisição de uma parcelas de terreno adjacentes aos terrenos do segundo réu, parcelas essas pertencentes ao Sr. EE, do qual já obtivera compromisso de venda e as respetivas condições de pagamento – Alínea P) dos factos assentes.

17. De acordo com as declarações de, pelo menos, os Réus homens., a referida "quinta", após a aquisição de todos os prédios, ficaria com a configuração e limites indicados na planta que agora se junta – Alínea Q) dos factos assentes.

18. O autor associou-se aos 1º e 2º réus, tanto na aquisição de direitos de propriedade em todos os prédios, como na atividade imobiliária e agrícola – Alínea R) dos Factos Assentes.

19. Nos termos das negociações estabelecidas, foi combinado pelo menos entre autor e 1º réu, que o autor adquiria os direitos correspondentes a metade na compropriedade sobre o prédio supra referido em 13 – Alínea S) dos Factos Assentes.

20. Tal prédio seria destinado a construção de edifícios de comércio e habitação, em regime de propriedade horizontal – Alínea T) dos Factos Assentes.

21. A. e segundo Réu acordaram, também, na constituição de uma sociedade comercial por quotas, com o objeto social de promoção imobiliária, indústria de construção civil e empreitadas e obras públicas, compra e venda de bens imóveis, e gestão e administração de imóveis próprios, tendo, para tanto, iniciado os procedimentos necessários apresentando em 27.9.2000 o pedido de admissibilidade da firma ao RNPC, cujo certificado lhes foi emitido pelo RNPC em 3.10.2000 e, em 9.11.2000, foi outorgada por A. e 2º R. a escritura notarial de constituição da sociedade comercial por quotas, a D...., com o capital social de 25.000,00 euros, realizado em dinheiro, dividido em duas quotas iguais de 12.500,00 euros, uma de cada sócio, ficando a gerência da sociedade entregue a ambos os sócios, ora A. e 2º R. – Alínea U) dos Factos Assentes.

22. Finalmente, acordaram, pelo menos o 1º Réu, o 2º Réu e o Autor, que a "quinta" ficaria a pertencer, em compropriedade, ao A. e aos RR., na proporção de 1/3 para o A., de 1/3 para os primeiros RR. e de 1/3 para o segundo R. – Alínea V) dos Factos Assentes.

23. Assim, o A. teria de pagar, pelo menos ao primeiro Réu, o montante correspondente a metade do valor do prédio referido em 13 supra – Alínea W) dos Factos Assentes.

24. O A. teria também de pagar, pelo menos ao primeiro e ao segundo Réus, o montante correspondente a um terço do valor total da "quinta", considerando os prédios já pertencentes ao segundo R., o prédio que este havia já prometido comprar a terceiro e os prédios que, pelo menos o primeiro Réu, tinha em negociações para aquisição – Alínea X) dos Factos Assentes.

25. Além disso, acordaram A. e pelo menos os Réus homens que, desde logo, a exploração agrícola seria feita por conta de todos, na proporção de 1/3 para cada parte, abrindo-se para o efeito uma conta bancária conjunta – Alínea Y) dos Factos Assentes.

26. O A. depositou nos RR., seus familiares e amigos, inteira confiança, esperando deles o rigoroso cumprimento dos acordos verbais estabelecidos em conjunto e entre todos negociados – Alínea Z) dos Factos Assentes.

27. No dia 31 de Agosto de 2000, A. e, pelo menos o primeiro Réu, começaram a dar execução aos acordos verbais estabelecidos - – Alínea AA) dos factos assentes.

28. Assim, nesse dia A. e, pelo menos, o autor e o primeiro Réu, acordaram que os montantes que o primeiro havia entregue a este, a título de empréstimo, conforme factos nº 7 a 11 supra, passavam a ser considerados como entregas por conta dos pagamentos que o A. começava então a fazer para aquisição na compropriedade do prédio referido em 13 supra – Alínea AB) dos factos assentes.

29. Também por conta do pagamento do preço devido por essa aquisição, nessa mesma data, o A. entregou pelo menos ao primeiro Réu a quantia de Esc. 40.000.000$00 (€ 199.519,16) – Alínea AC) dos factos assentes.

30. Pagamento este efetuado através do cheque nº 46748, também da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., tal como todo os demais que a seguir se indicarão – Alínea AD) dos factos assentes.

31. Pelo menos, o primeiro Réu apresentou a pagamento o referido cheque, que lhe foi pago pela instituição sacada – Alínea AE) dos factos assentes.

32. Posteriormente, o A. entregou, ainda, pelo menos ao primeiro Réu as seguintes quantias:

a) No dia 2 de Maio de 2001, o montante de Esc. 11.860.000$00 (€ 59.157,43), através do cheque nº ...95 (doc. nº 5)

b) No dia 20 de Maio de 2002, o montante de € 24.939,89, através do cheque nº …19 (doc. nº 6)

c) No dia 22 de Julho de 2002, o montante de € 7.500,00, através do cheque nº ...46 (doc. nº 7)

d) No dia 20 de Maio de 2003, o montante de € 24.939,89, através do cheque nº ....20 (doc. nº 8)

e) No dia 20 de Maio de 2004, igualmente o montante de € 24.939,89, através do cheque nº ...21 (doc. nº 9) - – Alínea AF) dos factos assentes.

33. A. e RR (pelo menos os Réus homens) acordaram, em Agosto de 2000, que o preço devido pela aquisição do direito a ½ na compropriedade sobre o prédio referido no nº 13 seria de Esc. 71.000.000$00 (€ 354.146,51) 3 - – Alínea AG) dos factos assentes.

34. O A. teve conhecimento de que os primeiros RR. vieram efetivamente a celebrar com terceiro, no dia 1 de Maio de 2001, um contrato-promessa, sob a forma de documento particular, para aquisição do conjunto de três prédios referidos em 16 supra – Alínea AH) dos factos assentes.

35. Por conta do preço devido pela aquisição do direito correspondente a 1/3 nos prédios referidos nos itens 14º e 15º, o A. pagou ao segundo R. o montante total de € 44.675,91, em diversas parcelas, nas seguintes datas:

a) No dia 2 de Maio de 2001, a quantia de Esc. 400.000$00 (€ 1.995,19), através do cheque nº ...01 (doc. nº 11);

b) No dia 1 de Junho de 2001, a quantia de Esc. 585.635$00 (€ 2.921,14), através do cheque nº ...08 (doc. nº 12);

c) No dia 2 de Julho de 2001, a quantia de Esc. 500.000$00 (€ 2.493,99), através do cheque nº ...35 (doc. nº 13);

d) No dia 6 de Agosto de 2001, a quantia de Esc. 500.000$00 (€ 2.493,99), através do cheque nº ...43 (doc. nº 14);

e) No dia 3 de Setembro de 2001, a quantia de Esc. 500.000$00 (€ 2.493,99), através do cheque nº ...86 (doc. nº 15);

f) No dia 3 de Outubro de 2001, a quantia de Esc. 500.000$00 (€ 2.493,99), através do cheque nº ...21 (doc. nº 16);

g) No dia 5 de Novembro de 2001, a quantia de Esc. 500.000$00 (€ 2.493,99), através do cheque nº ...32 (doc. nº 17);

h) No dia 4 de Dezembro de 2001, a quantia de Esc. 500.000$00 (€ 2.493,99), através do cheque nº ...41 (doc. nº 18);

i) No dia 28 de Dezembro de 2001, a quantia de Esc. 500.000$00 (€ 2.493,99), através do cheque nº ...48 (doc. nº 19);

j) No dia 5 de Fevereiro de 2002, a quantia de € 2.301,65, através do cheque nº ...30 (doc. nº 20);

l) No dia 4 de Abril de 2002, a quantia de € 5.000,00, através do cheque nº ...39 (doc. nº 21);

m) No dia 6 de Novembro de 2002, a quantia de € 7.500,00, através do cheque nº ...35 (doc. nº 22); e

n) No dia 23 de Dezembro de 2002, a quantia de € 7.500,00, através do cheque nº ...46 (doc. nº 23) – Alínea AI) dos factos assentes.

36. Foram contratados com a sociedade "F..., Lda." os serviços para elaboração de um projeto de construção no prédio dos primeiros RR., referido na alínea M) – Alínea AJ) dos factos assentes.

37. Esse projeto foi elaborado e apresentado na Câmara Municipal de ..., no dia 17 de Maio de 2001, recebendo o registo de apresentação nº ...35, dele constando como requerente o aqui primeiro R. marido, que nessa qualidade assinou o Requerimento - Alínea AK) dos factos assentes.

38. O A. pagou à sociedade que prestou os serviços da elaboração e apresentação do projeto, a quantia total de € 41.549,94, em diversas prestações e nas seguintes datas:

a) A quantia de Esc. 1.000.000$00 (€ 4.987,98), no dia 14 de Março de 2001, através do cheque nº ....12

b) A quantia de € 3.046,83, no dia 5 de Maio de 2003, através do cheque nº ....11

c) A quantia de € 3.046,83, no dia 27 de Junho de 2003, através do cheque nº ....09

d) A quantia de € 3.046,83, no dia 18 de Julho de 2003, através do cheque nº ....13

e) A quantia de € 3.046,83, no dia 18 de Agosto de 2003, através do cheque nº ....22

f) A quantia de € 3.046,83, no dia 18 de Setembro de 2003, através do cheque nº .... 77

g) A quantia de € 3.046,83, no dia 18 de Outubro de 2003, através do cheque nº ...82

h) A quantia de € 3.046,83, no dia 24 de Janeiro de 2004, através do pagamento da letra de câmbio aceite pelo A.

i) A quantia de € 3.046,83, no dia 24 de Fevereiro de 2004, através do pagamento da letra de câmbio aceite pelo A.

j) A quantia de € 3.046,83, no dia 24 de Março de 2004, através do pagamento da letra de câmbio aceite pelo A.

l) A quantia de € 3.046,83, no dia 24 de Abril de 2004, através do pagamento da letra de câmbio aceite pelo A.

m) A quantia de € 3.046,83, no dia 24 de Maio de 2004, através do pagamento da letra de câmbio aceite pelo A.

n) A quantia de € 1.500,00, no dia 7 de Julho de 2004, através do cheque nº .... 50

o) A quantia de € 1.546,83, no dia 7 de Agosto de 2004, através do cheque nº ...51 – Alínea AL) dos factos assentes.

39. Além de ter pago a referida quantia de € 41.549,94, pelos serviços contratados para elaboração do projeto, o A. pagou, ainda, no dia 19 de Maio de 2001, através do cheque nº ...06, a quantia de Esc. 28.890$00 (€ 144,10) correspondente a metade das taxas pela apresentação desse mesmo projeto na Câmara Municipal - – Alínea AM) dos factos assentes.

40. Pelo que os encargos suportados pelo A., pela elaboração e apresentação do projeto para o terreno dos primeiros RR., referido em 13, foram, no total, de € 41.694,04 - – Alínea AN) dos factos assentes.

41. Em Agosto de 2000, A. e segundo R., então ainda no estado civil de casado, constituíram, por escritura de 9 de Novembro de 2000, uma sociedade comercial por quotas, tendo em vista, como resulta do respetivo contrato de sociedade, o exercício de atividade de promoção imobiliária, indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas, compra e venda de imóveis, gestão e administração de imóveis próprios (doc. nº 59) - – Alínea AO) dos factos assentes.

42. Tal sociedade, denominada "D.... -Investimentos Imobiliários, Lda", tinha como objetivo promover a construção e a venda dos edifícios previstos para o prédios dos primeiros RR., referido na alínea M) supra, e para o qual foi elaborado o projeto acima citado – Alínea AP) dos factos assentes.

43. Para a constituição da sociedade, seu registo e cumprimento de obrigações fiscais, o A. suportou as seguintes despesas:

a) No dia 27 de Setembro de 2000, a quantia de Esc. 8.000$00 (€ 39,90), paga através do cheque nº ...60, para obtenção do certificado de admissibilidade;

b) No dia 9 de Novembro de 2000, a quantia de Esc. 44.310$00 (€ 221,02), através do cheque nº ...93, para pagamento do acto notarial de constituição da sociedade (docs. nºs 60 e 61);

c) No dia 29 de Novembro de 2000, a quantia de Esc. 29.065$00 (€ 144,98), através do cheque nº ...48, para o Registo Nacional de Pessoas Colectivas (doc. nº 62);

d) No dia 29 de Novembro de 2000, a quantia de Esc. 38.399$00 (€ 191,53), através do cheque nº ...49, para a Imprensa Nacional Casa da Moeda (doc. nº 63);

e) Ainda no dia 29 de Novembro de 2000, a quantia de Esc. 28.552$00 (€ 142,42), através do cheque nº ...50, para a Conservatória do Registo Comercial de ... (doc. nº 64);

f) No dia 9 de Março de 2001, a quantia de Esc. 36.850$00 (€ 183,81), através do cheque nº ...10, para pagamento de serviços de terceiros (contabilidade) (doc. nº 65);

g) No dia 18 de Maio de 2001, a quantia de Esc. 191.880$00 (€ 957,09), através do cheque nº ...05, para pagamento de honorários a advogado (docs. nºs 66 e 67);

h) No dia 11 de Junho de 2001, a quantia de Esc. 175.500$00 (€ 875,39), através do cheque nº ...25, para pagamento de serviços a terceiros (contabilidade) (doc. nº 68);

i) No dia 20 de Junho de 2001, a quantia de Esc. 45.970$00 (€ 229,30), através do cheque nº ...26, para cumprimento de obrigações fiscais da sociedade (entrega de impostos retidos), à Direcção Geral do Tesouro (docs. nºs 69 e 70);

j) No dia 6 de Fevereiro de 2002, a quantia de € 1.225,55, através do cheque nº ...31, para pagamento de serviços de terceiros (contabilidade) (doc. nº 71);

l) No dia 20 de Abril de 2002, a quantia de € 249,40, através do cheque nº ...41, para cumprimento de obrigações fiscais da sociedade (IRC), à Direcção Geral do Tesouro

(docs. nºs 72 e 73);

m) No dia 10 de Outubro de 2002, a quantia de € 1.867,56, através do cheque nº ...29, para pagamento de serviços de terceiro (contabilidade) (doc. nº 74);

n) No dia 30 de Outubro de 2002, a quantia de € 249,40, através do cheque nº ...28, para cumprimento de obrigações fiscais da sociedade (IRC), à Direcção Geral do Tesouro;

o) No dia 31 de Março de 2004, a quantia de € 2.256,00, através do cheque nº ...73, para pagamento de serviços de terceiro (contabilidade) - – Alínea AQ) dos factos assentes.

44. O A. suportou, assim, encargos com a constituição e manutenção da dita sociedade "D.... -Investimentos Imobiliários, Lda.", no total de € 8.833,35 – Alínea AR) dos factos assentes.

45. A amizade e confiança dos 1ºs RR no A. era tal que, quando o A. e família “retornaram” de ... após Abril de 1974, hospedaram-se em casa dos RR. – Alínea AS) dos factos assentes.

46. Fruto dessa amizade e confiança os RR sempre estiveram convencidos que, entre eles e o A., para além dos papéis que assinassem, era bastante a “palavra dada” para firmar e honrar qualquer acordo ou contrato entre eles - – Alínea AT) dos factos assentes.

47. Sendo certo que se inicialmente eram muito boas as relações pessoais e familiares, com o decurso do tempo tais relações foram-se alterando – Alínea AU) dos factos assentes.

48. Como não tinha liquidez suficiente para satisfazer todos e tão pesados encargos financeiros no tempo que pretendia e os credores exigiam, o 1º R. decidiu alienar um dos seus melhores ativos imobiliários, que era a parcela de terreno destinada a construção urbana, com cerca de 5.700 m2 sita no lugar de ..., freguesia de ... – ..., desta comarca, descrita na CRP sob o nº ...68 e inscrita na matriz sob o artº ...23º, referida em M) supra, por forma a, poder ter dinheiro suficiente para, em tempo útil, poder pagar a todos os ditos credores da sociedade “desfalcada”, honrando assim a sua palavra – Alínea AV) dos factos assentes.

49. Vender a dinheiro, pelo melhor preço possível, mesmo em tempos de crescimento económico, um terreno para construção, com valor superior a 700.000,00 Euros, constituía operação demorada e exigia complexas negociações – Alínea AW) dos factos assentes.

50. Até lá, para satisfazer algumas necessidades pontuais de liquidez, o 1º R. precisou de pedir emprestado algum dinheiro e, se bem que o pudesse fazer junto da banca, por ter crédito para tanto, o R. entendeu pedir tal empréstimo ao A., por saber ser ele já um industrial financeiramente desafogado e dada a amizade e confiança que tinha com o A. desde longa data – Alínea AX) dos factos assentes.

51. Nos termos desse acordo (final de Agosto de 2000), o A. comprava ao 1º R. marido ½ indiviso desse terreno de construção pelo preço de 71.000 contos ou 355.000,00 Euros, por sua vez o 2º R. comprava também ao 1º R. marido também ½ indiviso do mesmo terreno pelo mesmo valor de 71.000 contos ou 355.000,00 Euros – Alínea AY) dos factos assentes.

52. Depois dessa data de 22.7.2002, o A. continuou a fazer ao 2º R os pagamentos convencionados por conta do respetivo preço, até Dez/2002 – Alínea AZ) dos factos assentes.

53. O 2º R sempre manteve o A. informado das diligências que ia fazendo para tentar encontrar interessados na compra da quinta, não pretendendo vendê-la sem o acordo total e acertos de contas com o A. – Alínea BA) dos factos assentes.

54. Nesse sentido e a pedido dos 1º e 2º réus, houve uma reunião destes com o autor em Outubro de 2004, a que estiveram também presentes os filhos da autora e um advogado parente dos autores e réus – Alínea BB) dos factos assentes.

55. Nessa reunião ficou combinado que esse advogado e parente de A. E RR., elaboraria os ditos documentos para melhor formalizarem os acordos iniciais, relativamente à quinta e ao terreno de construção, bem como às subsequentes alterações desses acordos iniciais, como seja a definição e regulamentação das diversas hipóteses de venda a terceiros, valores mínimos, divisão das “coisas comuns”, das iniciativas de cada comproprietário para venda e divisão, etc. – Alínea BC) dos factos assentes.

Factos provados oriundos das respostas à base instrutória:

56. A ré sabia da existência dos aludidos empréstimos, cujos valores foram depositados na conta conjunta com o seu marido, 1º réu – Resposta aos pontos 1º a 4º e 82º da B.I..

57. Para o efeito referido na alínea T) da matéria assente, autor e 2º réu acordaram em contratar o gabinete técnico da especialidade, sociedade “F..., Ld.ª”, a execução e apresentação, na Câmara Municipal de ..., do projeto de construção dos edifícios, com vista ao licenciamento – Resposta aos pontos 8º, 18º e 119º da B.I..

58. A 1ª Ré mulher também deu o seu acordo ao referido nas alíneas V), W), X) e Y) da matéria assente – Resposta ao ponto 9º da B.I..

59. O plano referido na alínea y) e anteriores, foi por todos aceite e estabelecido, a partir de finais de Agosto de 2000, em diante, assim se iniciando a sua construção – Resposta aos pontos 10º e 11º da B.I..

60. Tudo sem que as partes dessem forma escrita aos negócios estabelecidos – Resposta ao ponto 12º da B.I..

61. Com efeito, os A. e RR. não elaboraram, nem subscreveram qualquer documento ou contrato para formalização dos negócios supra referidos - Resposta ao ponto 13º da B.I..

62. As quantias referidas na alínea AF) foram entregues ao 1º Réu marido, com vista ao pagamento por conta do preço acordado na aquisição dos direitos de compropriedade na "quinta" aludida em Q - Resposta ao ponto 14º da B.I..

63. A 1ª Ré mulher também concordou com o referido na al. AG) da matéria assente - Resposta ao ponto 16º da B.I..

64. Ainda na execução dos acordos verbais estabelecidos entre todos, o A. entregou outras quantias para realização de diversas despesas e cumprimento de várias obrigações - Resposta ao ponto 17º da B.I..

65. Os pagamentos a F..., Lda. (alínea AL) da matéria assente) foram efetuados pelo Autor nos termos acordados com os 1ºs Réus - Resposta ao ponto 19º da B.I..

66. Facto eliminado.

67. Os recibos emitidos pelo gabinete técnico que elaborou o projeto foram emitidos em nome do primeiro R. marido - Resposta aos pontos 21º e 212º da B.I..

68. O autor desembolsou pelo menos o valor de 2 545, 49 Euros, – Resposta aos pontos 22º e 213º da B.I..

69. O A. suportou encargos com a atividade da "quinta" e com a aquisição de bens para a mesma, no total de € 2.545,49 – Resposta ao ponto 23º da B.I, [tendo-se em conta o decidido a fls. 2344 quanto à reclamação dos RR. à resposta inicial àquele ponto].

70. As despesas referidas na alínea AR) da matéria assente foram suportadas pelo Autor com o acordo e no interesse também do 2º R – Resposta ao ponto 26º da B.I..

71. E sempre na expectativa de que se iriam concretizar os negócios relativos ao prédio dos primeiros RR. - Resposta ao ponto 27º da B.I..

72. O que afinal não aconteceu - Resposta ao ponto 28º da B.I..

73. O A., a partir do mês de Junho de 2004, solicitou junto do 2º R. que se elaborasse um documento que desse forma escrita aos acordos estabelecidos e que confirmasse os pagamentos já por si efetuados, documento esse que, assinado pelos réus, nunca chegou a ter na sua posse - Resposta aos pontos 32º, 33º e 35º da B.I..

74. Sem prejuízo do da alínea BA), há alguns meses atrás, os réus começaram a projetar a venda a terceiros, dos prédios que compõe a “Quinta” estabelecendo contactos para esse efeito – Resposta ao ponto 38º da B.I..

75. Dada a total rutura das relações pessoais e familiares ocorrida entre autor e réus, que originou os presentes autos, dificilmente haverá viabilidade de conciliar vontades para uma justa composição dos interesses em causa - Resposta aos pontos 39º e 40º da B.I..

76. A área total da "quinta" seria de cerca de 144.700 metros quadrados- Resposta ao ponto 45º da B.I..

77. No projeto elaborado para o prédio referido na alínea M), previa-se a construção de edifícios em regime de propriedade horizontal - Resposta ao ponto 48º da B.I..

78. Os edifícios previstos teriam cinco pisos e uma área bruta de construção de cerca de 10.866 m2 - Resposta ao ponto 49º da B.I..

79. Prevendo-se construir 50 habitações, 4 lojas e 38 garagens - Resposta ao ponto 50º da B.I..

80. Os múltiplos negócios entre eles celebrados, desde 1974 seguiram, ao menos inicialmente, a forma verbal - Resposta ao ponto 65º da B.I..

81.Os primeiros RR. venderam ao casal do A. e sua mulher o terreno onde estes construíram sua casa, junto à deles RR, sem lhes exigir qualquer documento, nem particular que fosse - Resposta ao ponto 66º da B.I..

82. Tendo-lhes mesmo fiado o respetivo preço, até que o pudessem e quisessem pagar e sem qualquer garantia ou documento de qualquer espécie, a não ser a “palavra dada” - Resposta ao ponto 67º da B.I..

83. Tendo os 1ºs RR esperado que o A. lhes pagasse o valor ajustado quando pôde e quis, como sucedeu - Resposta ao ponto 68º da B.I..

84. Por isso, os RR. tinham total confiança no A. e grande amizade, ao ponto de o 2º R ter convidado o A. para seu padrinho de casamento - Resposta ao ponto 69º da B.I..

85.O A. entrou em vários negócios, uns só com o 1º R, outros só com o 2º R., outros ainda com estes dois RR - Resposta ao ponto 71º da B.I..

86. Os negócios havidos entre A. e 1º e 2º RR, desde 1999, iniciaram-se numa fase de expansão da economia nacional, antes do 11 de Setembro de 2001 e do clima recessivo que posteriormente se seguiu, tendo por cenário, um clima de grande otimismo, de consumo crescente e com muita gente a ganhar bom dinheiro nos negócios - Resposta ao ponto 74º da B.I..

87. O 1º R. marido é industrial de panificação em ..., onde possuiu a “Padaria ...”, sendo reputado como pessoa honesta e cumpridora - Resposta ao ponto 75º da B.I..

88. Para além do já descrito na alínea AV), o 1º réu, por volta dos anos de 1998 e 1999, passou por algumas dificuldades financeiras - Resposta aos pontos 76º a 78º da B.I..

89. Tendo ficado combinado entre ambos que o 1º R marido restituiria tais montantes aos A. logo que vendesse o terreno referido – Resposta ao ponto 81º da B.I..

90. Apesar de, se solicitada pelo marido ora 1º R., [a 1ª R.] estar disponível para outorgar os documentos necessários à formalização dos contratos por ele celebrados relativamente a bens comuns do seu casal que, formalmente, exigissem a sua assinatura - Resposta ao ponto 85º da B.I..

91. Para melhor valorizar o seu referido terreno de construção, o 1º R. marido, em princípios de 2000 apresentou na Câmara Municipal de ... um pedido de “informação prévia de construção” para dois edifícios multifamiliares, um com cv+r/r+2 andares + andar recuado paralelo à EM ... e outro com cv + r/r + 4 pisos paralelo ao caminho público a poente do terreno - Resposta ao ponto 86º da B.I..

92. Tendo tal pedido de informação prévia de construção no aludido terreno do 1º R sido deferido pela Câmara, com algumas limitações, por Despachos de 17.4.200 e 17.8.2000, ou seja foi viabilizada ao 1º R pela Câmara a possibilidade de construção no seu identificado terreno de 45 fogos, 2 lojas e 66 aparcamentos privativos - Resposta ao ponto 87º da B.I..

93. Na posse dessa viabilidade construtiva, o 1º R marido começou a contactar diversos empreiteiros, industriais da construção civil e promotores imobiliários para deles colher propostas de compra desse terreno - Resposta ao ponto 88º da B.I..

94. A sociedade V... - Construções., Lda., que tinha como gerente FF, em meados de Julho /Agosto de 2000, estava em negociações com o 1º R marido para aquisição do seu terreno de construção, no sentido de pagar 50.000 contos ou 250.000,00 Euros, em dinheiro, mais a entrega de frações a construir no valor de 92.000 contos ou 460.000,00 Euros - Resposta ao ponto 95º da B.I..

95. Em reunião ocorrida entre os gerentes da sociedade V... - Construções., Lda. e o 1º R marido, em Agosto de 2000, com vista à negociação do preço e demais condições de venda do terreno deste, o A. esteve presente - Resposta ao ponto 96º da B.I..

96. Por alturas de Agosto de 2000 o A. tinha disponíveis para aplicações e investimentos significativas quantias de dinheiro - Resposta ao ponto 99º da B.I..

97. O A. e o 2º R, a partir dos valores que estavam a ser negociados com a sociedade V…. - Construções., Lda., como contrapartida da aquisição do terreno de construção do 1º R marido, conversaram entre si na hipótese de ambos se associarem e avançarem ao 1º R marido a proposta de serem eles a adquirir-lhe o indicado terreno, pagando ao 1ª R. marido o mesmo valor de 710.000,00 Euros - Resposta ao ponto 100º da B.I..

98. Era intenção de ambos, A. e 2º R, construir nesse terreno os blocos habitacionais já viabilizados pela câmara ou outros semelhantes a licenciar- Resposta ao ponto 101º da B.I..

99. Autor. e 2º R, nesse final de Agosto de 2000, chegaram a acordo no sentido de proporem ao 1º R. marido a compra do indicado terreno de construção e fizeram então ao 1º R. marido essa proposta de compra que ele aceitou - Resposta ao ponto 103º da B.I..

100. Desses restantes 26.000 contos ou 130.000,00 Euros, que o autor teria de pagar ao 1º réu, pela compra de ½ do terreno de ..., atendendo ao descrito em AB), AC) e AG), nada mais foi pago - Resposta aos pontos 107º e 108º da B.I..

101. Na sequência do combinado com o 1º R marido, A. e o 2º R. pagariam ao gabinete de projetos o montante de 1.000 contos ou 5.000,00 euros, por ele debitados ao 1º R. marido pela elaboração, apresentação e acompanhamento do pedido de viabilidade construtiva no dito terreno à Câmara Municipal, de ..., já que tal viabilidade acompanhava o terreno – Resposta ao ponto 110º da B.I..

102. O 2º R não tinha dinheiro disponível para pagar ao 1º R marido os 71.000 contos ou 355.000,00 Euros, pelo seu ½ indiviso do terreno - Resposta ao ponto 111º da B.I..

103. Mais tarde o 2º reu disse aos gerentes da V... - Construções., Lda, que iria avançar com o tio na compra do terreno - Resposta ao ponto 112º da B.I..

104. A. e 2º R, decidiram então que a sociedade iria avançar com a construção, no terreno que haviam combinado comprar ao 1º R marido, de um primeiro bloco para comércio e habitação, bloco esse que seria constituído em regime de propriedade horizontal e comportaria por 25 habitações tipo T2 e T3, 2 lojas e 19 garagens - Resposta ao ponto 118º da B.I..

105. Como o terreno onde se iria construir estava ainda inscrito na matriz e na Conservatória do Registo Predial em nome do ora 1º R, foi necessário que o requerimento para licenciamento de construção do edifício fosse apresentado em seu nome na Câmara Municipal, enquanto titular inscrito e assim fosse instruído o processo, sob pena de ser liminarmente indeferido por fala de título bastante e de legitimidade, o que foi feito – Resposta aos pontos 120º a 123º da B.I..

106. Em 14 de Março de 2001 foi acordado com o A. e 2º R. que o projeto completo dos dois blocos ou edifícios a construir no terreno custariam a quantia de 12.000 contos ou 60.000, 00 euros - Resposta ao ponto 126º da B.I..

107. Ficando acordado que o pagamento ao atelier seria feito em prestações mensais de 1.000 contos ou 5.000,00 euros, vencendo-se a primeira das prestações no mês do início das obras do primeiro bloco - Resposta ao ponto 127º da B.I..

108. Nessa mesma data, ou seja, em 14.3.2001, conforme havia sido combinado com o 1º R marido, o A. pagou ao gabinete de projetos - F..., Lda., que fez o projeto de viabilidade construtiva, a quantia de 1.000 contos ou 5.000, 00 euros - Resposta ao ponto 129º da B.I..

109. No cumprimento do acordado com o A. e o 2º R, o atelier de arquitetura de F..., Lda. elaborou o projeto respeitante ao primeiro bloco e deu entrada do requerimento na Câmara Municipal em 17.5.2001 - Resposta ao ponto 131º da B.I..

110. Entretanto, dá-se o atentado terrorista de 11 de Setembro de 2001, em Nova York, após o qual se iniciou um período de alguma incerteza quanto à evolução das economias internacional e portuguesa - Resposta ao ponto 132º da B.I..

111. A A.F. ……, Lda. insistiu com o A. e o 2º R, pelo pagamento dos montantes devidos pelo projeto e licenciamento da 1ª fase de construção - Resposta ao ponto 140º da B.I..

112. Entre Março e Abril de 2001, o 2º R. decidiu vender uma sua propriedade rústica, descrita em N) da matéria assente, juntamente com a aludida em O), para o que encetou negociações com GG, de ..., para a venda da mesma pelo preço de 132.000 contos ou 660.000,00 Euros - Resposta aos pontos 142º e 143º da B.I..

113. A venda da propriedade rústica, constituída pelos prédios a que se alude em N) e O) da matéria assente, constituía a forma de o 2º R realizar o capital necessário para investir nos negócios feitos com o autor bem como pagar ao 1º réu marido o montante ainda em dívida do terreno de construção - Resposta aos pontos 144º e 145ºda B.I..

114. O 1º réu contactou o proprietário, Sr. EE e negociou com ele o contrato aludido em P) e AH) da matéria assente - Resposta ao ponto 148º da B.I..

115. Em Abril de 2001 o 2º R contou ao A. estes seus projetos de venda dos seus prédios e de compra de umas parcelas adjacentes ao Sr. EE- Resposta ao ponto 149º da B.I..

115-A- Então, o A declarou ao 2° R estar interessado em entrar nesse negócio, mediante a aquisição de uma quota-parte da propriedade desses seus prédios, bem como nos terrenos que o 2o R pretendia adquirir ao Sr. EE- resposta ao ponto 150º da B.I.

116. Combinaram, então, o autor e 2º réu, adquirir ao Sr. EE, os terrenos que ele tinha para vender por 27 560 contos ou 137 800,00 Euros - Resposta ao ponto 152º da B.I..

117. Sendo essa compra efetuada por intermédio do 1º réu marido, que tinha muito boas relações com o Sr. EE - Resposta ao ponto 153º da B.I.

118. Mais combinaram então o autor, o 1º réu e 2º réu, que os prédios do 2º R – a que se juntariam os que seriam adquiridos ao Sr. EE formariam uma “quinta” que seria compartilhada pelos três, ficando a pertencer em comum e partes iguais ao A, ao 1º R marido e ao 2º R. - Resposta ao ponto 154º da B.I..

119. No valor global de 159.560 contos ou 797.800,00 Euros, resultantes dos valores parcelares de 132.000 contos por que o 2º réu ia vender os seus prédios, mais o valor de 27. 560 contos que custariam os terrenos a comprar ao Sr. EE – Resposta aos pontos 155º da B.I.

120. Dava assim para cada um dos três associados na propriedade da “Quinta”, um valor de 53.186 contos ou 265.930,00 Euros - Resposta ao ponto 156º da B.I..

121. Na execução do acordado em 154º e 155º [factos descritos sob os nºs 118 e 119, os quais emergem da resposta aos quesitos 154º e 155º] o autor por conta da sua parte, teria de pagar pelo menos 53 186 contos, pagaria os 27 560 contos ou 137 800,00 Euros ao Sr. EE pelos seus terrenos, o que faria mediante a entrega deste montante, em diversas prestações, ao 1º R marido que, por sua vez, o entregaria ao Sr. EE, pagando o restante em dívida ao 2º réu – Resposta ao ponto 157º da B.I..

122. O A emitiu e entregou ao 1º R marido os cheques aludidos em AF) da matéria assente, com vista ao pagamento de 1/3 na compropriedade da “Quinta”, conforme descrito na resposta dada ao art. 157º da B.I.. – Resposta aos pontos 158º e 159º da B.I..

123. Conforme acordado com o A e o 2º R, o 1º R marido formalizou, ainda com o Sr. EE um contrato promessa de compra e venda dos ditos terrenos, os denominados “Quinta da ...”, inscrito na matriz rústica sob os artº …38º da freguesia de ... desta comarca, “...”, no artº ...76º da freguesia de ... desta comarca, e “...” da freguesia da Lagoa desta comarca - Resposta ao ponto 160º da B.I..

124. O 1º R marido pagou ao Sr. EE, promitente vendedor, nas respetivas datas, os montantes combinados e constantes do contrato promessa - Resposta ao ponto 161º da B.I..

125. O A. resolveu não pagar a última das prestações do preço dos terrenos do Sr. EE, de 5.000 Contos ou 25.000,00 Euros, tendo, para o efeito, comunicado ao banco sacado, no caso a Caixa de Crédito Agrícola de ..., que o dito cheque de 5.000 contos datado de 20.5.2005 se tinha extraviado, não devendo ser pago se apresentado - Resposta ao ponto 162º da B.I..

126. Tendo ainda informado o 2º R do que tinha feito na CCAM para não pagar o dito cheque - Resposta ao ponto 163º da B.I..

127. Pagamento que o 1º R efetivamente fez - Resposta ao ponto 164º da B.I..

128. Em 2.5.2001, por conta do pagamento da sua parte na “Quinta”, de 1/3, para além dos 27 560 contos a pagar ao Sr. EE, tal como descrito em 158º e 159º, o autor pagaria ainda o restante em dívida, em prestações mensais e sucessivas, cujo montante mínimo seria de 400 contos ou 2.000,00 euros cada uma, mas sem quaisquer juros, e que entregaria ao 2º réu - Resposta ao ponto 165º da B.I..

129. Nessa data, de 2.5.2001 o A entregou ao 2º R um cheque de 400 contos ou 2.000,00 Euros por conta desse remanescente e como primeira dessas combinadas prestações mensais - Resposta ao ponto 166º da B.I..

130. Ao ficar em parceria na propriedade da quinta com uma terça parte dela, o 1º réu descontaria ao 2º R, o valor de pelo menos, 53.500 contos, no total de 71 000 contos, ainda em dívida pelo 2º réu, pela aquisição combinada de 1/2 do terreno de construção - Resposta ao ponto 168º da B.I..

131. Em 2003, o próprio autor fez diversos contactos com potenciais interessados na compra da “Quinta”, chegando a reunir-se com um desses interessados, na companhia do 2º réu, interessado esse que era sócio da sociedade “C.....” em ..., tendo sido discutido com esse interessado a venda da totalidade da “Quinta” por 180.000 contos ou 900.000,00 Euros, tendo o dito Sr. pedido 3 dias para pensar – Resposta ao ponto 174º da B.I..

132. No que à exploração da quinta respeita, o que sucedeu foi que, em Abril de 2001, o A. o 1º R marido e o 2º R. combinaram que, daí em diante, a quinta do 2º R e os terrenos que iam adquirir ao Sr. EE, seriam explorados em comum pelos três, de forma a que os três passariam a participar em comum e partes iguais em todas as despesas, encargos e trabalhos necessárias à exploração agrícola desses prédios, participando na mesma proporção em todas as receitas resultantes da mesma exploração agrícola - Resposta ao ponto 180º da B.I..

133. Tendo o 1º R. ficado incumbido da administração corrente dessa exploração agrícola comum, cujo objeto essencial era a produção de uvas para vinho - Resposta ao ponto 181º da B.I..

134. Mediante acompanhamento regular do A. e do 2º R, que iam comparticipando no pagamento das despesas e trabalhos necessárias à exploração na proporção de 1/3 cada um, suportando o 1º R a outra terça parte - Resposta ao ponto 182º da B.I..

135. O 2º R. apresentou ao A. contas dessa exploração agrícola comum, com enumeração das despesas e receitas, até 22.7.2002, conforme documentos juntos a fls. 706 a 709 e 711 dos autos - Resposta ao ponto 183º da B.I..

136. Em Setembro de 2004, o autor considerou como boas as contas elencadas no documento de fls. 310, que assinou - Resposta ao ponto 185º da B.I..

137. O A. comunicou ao 1º e ao 2º RR que, a partir de 22.7.2002, não mais comparticipava nas despesas com a exploração da “Quinta” - Resposta ao ponto 186º da B.I.

138. Desde essa data em diante, não mais lhe foram apresentadas contas da exploração da “Quinta” - Resposta ao ponto 188º da B.I..

139. O A., mais tarde, já em 15.9.2004 renunciou à contitularidade da Conta à ordem conjunta existente na Caixa de Crédito Agrícola de ..., que havia sido aberta pelos três para movimentar os dinheiros dessa exploração agrícola conjunta da quinta - Resposta ao ponto 189º da B.I..

140. Não obstante o descrito em 186º [este número refere-se ao quesito; o facto encontra-se descrito sob o nº 137], o descrito em AI) da matéria assente [AI) refere-se ao facto nº 35] - Resposta ao ponto 190º da B.I.

141. Os réus, como contrapartida aos contratos sugeridos pelo autor, constantes de fls. 312 a 327 (datados de 27/10/2004), que aqueles não assinaram, enviaram ao autor os contratos juntos a fls. 328 a 338, datados de 02/12/2004, que o autor não assinou, contratos esses que aqui damos, todos eles, por inteiramente reproduzidos – Resposta aos pontos 195º a 199º e 209 e 210º da B.I..

142. Na reunião de ... foi falada a hipótese de ao autor ser concedido o prazo de 3 anos para acabar de pagar a quantia de 129 687, 45 Euros por conta do preço de ½ do terreno de construção, o que o 1º réu aceitava - Resposta aos pontos 200º e 201da B.I..

143. Os vários e sucessivos acordos, convenções e contratos entre as partes foram celebrados verbalmente, com exceção da escritura aludida em U) - Resposta ao ponto 211º da B.I.

144. O autor assinou o documento junto a fls. 310 dos autos, datado de 20 de Setembro de 2004, onde constam despesas com a “Quinta”, ali aceitando valores e datas – Resposta ao ponto 215º da B.I..

145. Os prédios de que o autor combinara tornar-se comproprietário estão hoje desvalorizados face à menor procura no mercado - Resposta ao ponto 218º da B.I..

146. Os réus são vistos por aqueles que com eles lidaram ao longo dos anos como pessoas honestas - Resposta ao ponto 222º da B.I..

147. Todas as despesas suportadas pelo autor, com a sociedade e com o projeto, só ocorreram porque estava acordado que os 1ºs réus venderiam o terreno referido na alínea M) da matéria assente - Resposta ao ponto 247/Bº da B.I..

148. O A. fez pagamentos por conta do projeto até meados de 2004 e o projeto ficou aprovado em 6 de Março de 2003 - Resposta ao ponto 248º da B.I..

149. Os 1ºs RR. precisavam de vender o seu terreno, e o 2º R. necessitou de vender a "quinta" - Resposta ao ponto 251º da B.I..

150. O autor recusou o pagamento da quantia de 5000 contos, que deveria ser paga em Setembro de 2005, por cheque datado de Maio de 2005, porque nessa altura tinha já ocorrido a rutura da relação entre as partes - Resposta ao ponto 253º da B.I..

151. O autor recusou-se a continuar a suportar as despesas de exploração da “Quinta” porque não lhe eram apresentados os comprovativos das despesas que alegadamente tinham sido realizadas - Resposta ao ponto 254º da B.I..

152. O 1º réu ocupou o espaço arrendado por HH com umas estufas existentes na quinta, estufas essas que a mesma comprara ao 2º réu, por volta do ano de 2003, sem que tivessem sido apresentadas contas disso ao autor – Resposta aos pontos 255º, 259º e 260º da B.I..

153. Facto eliminado.

154. O autor cancelou a conta bancária conjunta, destinada a despesas e exploração da “quinta” em 15/09/2004, após ter exigido ao 2º réu que o mesmo apresentasse documentos comprovativos dos encargos com aquela exploração, o que este não fez - Resposta ao ponto 258º da B.I..

155. Quanto às despesas suportadas, pelo A., com a D….., as mesmas só ocorreram porque os RR. criaram no A. a expectativa de que os negócios imobiliários iriam ser cumpridos - Resposta ao ponto 261º da B.I..

156. Nada ficou convencionado quanto à obrigação do A. de designar data e local para escritura, avisando os RR. - Resposta ao ponto 262º da B.I..

157. As parcelas referidas na alínea P) da matéria assente, cuja aquisição o 1º réu negociara com o Sr. EE, destinavam-se a ampliar o conjunto predial, nestes autos designado por “Quinta”, destinado à exploração agrícola, composto pelos prédios referidos nas alíneas N) e O) - Resposta ao ponto 264º da B.I.

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver, delimitadas pelas alegações, importa em saber, se a decisão recorrida é nula (por falta de fundamentação de direito, por contradição entre os fundamentos e a decisão, por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia) e se os contratos discutidos nos autos foram incumpridos, por quem e com que consequências.

… …

Quanto às nulidades os recorrentes imputam à decisão recorrida:

- a Falta de fundamentação de direito.

Dispõe o art. 615 nº 1 al.b) do CPC que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de direitos o que está se encontra conjugado com o art. 607 nº 3 do mesmo diploma para o qual o 663 nº 2 remete e que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos e os fundamentos.

Como é entendimento pacífico, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado art. 615 e não uma qualquer fundamentação ainda que deficiente, medíocre ou errada, a qual, podendo afetar o valor da decisão colocando-a como objeto de recurso, não determina a sua nulidade.

Com esta explicação normativa concluímos que não ocorre no caso em decisão a arguida nulidade, sendo evidente da sua leitura que a decisão recorrida apresentou fundamentação no sentido de expor as razões pelas quais considerou e decidiu ter havido incumprimento dos contratos por partes de todos os contraentes. A eventual inexistência alusiva a normas jurídicas podendo consistir numa insuficiência não inscreve a falta de fundamentação absoluta que é a matriz da nulidade, podendo até contrapor-se como mais comprometedora de suficiência de fundamentação (mas mesmo assim não totalmente inexistente) a situação que ocorreria se tendo sido discriminadas as normas jurídicas, apenas se tivessem citados os preceitos legais aplicáveis ou aplicados. Aliás, nem sequer é exato dizerem os recorrentes que a decisão ora recorrida omitiu a justificação para imputar a ambas as partes a responsabilidade do incumprimento porque consta expressamente do texto do acórdão, não só a parte que assumiu e transcreveu da sentença quanto às razões para configurar o incumprimento nesses termos, como igualmente deixou expresso que, a inadimplência resulta da perda de confiança. Esta perda “incumprimente” é de todo legível na decisão, por reporte à anterior decisão da Relação que é replicada.

… …

- a contradição entre os fundamentos e a decisão, os recorrentes pretendem que tal vício seja encontrado na circunstância de a decisão recorrida assumir ter existido rutura injustificada das relações negociais sem se poder assacar a qualquer das partes a responsabilidade ou identificar o responsável, mas concluir, depois, que o incumprimento existe e é imputável a autor e réus em igual proporção.

Esta nulidade arguida, prevista no art. 615 nº 1 al. c) do CPC, previne a conformidade entre os fundamentos e a decisão, sendo de entender a expressão decisão corresponde a dispositivo, o segmento em que está sintetizado o desfecho da ação. Funcionando os fundamentos de facto e de direito como premissas lógicas necessárias à formação do silogismo judiciário, exige-se que a fundamentação esteja em concordância lógica com a conclusão vertida no dispositivo.

Com esta explicação é de julgar improcedente a arguição desta nulidade porque, independentemente do acerto ou desacerto da decisão substantiva, e da sua maior ou menor coerência argumentativa, decisão que os recorrentes pugnam por ter de revelar que o incumprimento existe, mas é imputável em exclusivo ao autor, formalmente não existe a contradição lógica apontada. A decisão recorrida afirma sem contradição, e até de modo bem inteligível, sem obscuridade ou ambiguidade, que existiu incumprimento do contrato por parte de todos os contraentes, expressando sem qualquer contradição essa fundamentação na decisão condenatória.

… …

 - a omissão de pronúncia e excesso de pronúncia, o art. 615 nº 1 al. d) do CPC fere de nulidade a decisão na qual o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Quanto à omissão, dizem os recorrentes que tinham suscitado no recurso de apelação sete questões e por a decisão recorrida apenas ter conhecido de quatro haveria omissão de pronúncia.

A decisão recorrida enuncia o objeto da apelação como consistindo no conhecimento das nulidades do art. 615 nº 1 als. d) e e) do CPC e se os factos impunham a procedência ou a improcedência da ação.

Lembrando aqui o histórico dos autos, proferida sentença os réus interpuseram dela apelação em que não arguiram a nulidade por excesso de pronúncia consistente em ter o tribunal de 1ª instância conhecido do incumprimento do contrato celebrado por autor e réus. A apelação decidiu pela nulidade dos contratos celebrados por falta de forma e, em recurso desta decisão para o STJ os réus vieram arguir a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, consistente em não ter conhecido de parte da impugnação da matéria de facto, e por excesso de pronúncia, atendendo a que o Tribunal da Relação, sem que as partes tivessem questionada a decisão da 1ª instância sobre o abuso de direito que apreciou e julgou válidos os contratos, se ter pronunciado em sentido contrário, ou seja, que não existia abuso de direito e os contratos eram nulos.

O acórdão do STJ sobre essa revista, proferido nos autos em 19-12-2018, julgando que tinha havido omissão de pronúncia sobre a matéria de facto mandou baixar os autos e considerou prejudicadas a restantes questões nas quais não figurava, repete-se, qualquer arguição de excesso de pronúncia por a sentença haver decidido a validade dos contratos e o seu incumprimento por ambas as partes.

Tendo em Relação através de novo acórdão realizado o conhecimento da impugnação de toda a matéria de facto e repetindo a decisão de direito, os réus vieram interpor recurso de revista, arguindo a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, pelo facto de a Relação conhecer e decidir, em sentido contrário ao da 1ª instância, a inexistência de abuso de direito por parte do autor.

Nesta conformidade e sequência o acórdão do STJ proferido nestes autos em 12.1.2021, vem decidir que estava vedado à Relação conhecer da questão do abuso de direito (e da consequente invalidade dos contratos promessa em causa nos autos), e que ao apreciar e decidir sobre tal questão, incorreu em excesso de pronúncia, determinando nessa parte, a nulidade do acórdão, o qual anulou, ordenando a baixa dos autos à Relação para conhecimento das demais questões colocadas nas apelações de ambas as partes. E uma das questões que esse acórdão do STJ incluía para futuro conhecimento era a de saber (não já da validade definitivamente decidida), sim do cumprimento/incumprimento dos contratos que os próprios recorrentes afirmavam dever ser considerado incumprido exclusivamente pelo autor.

Atendendo a esta cronologia observamos que nas conclusões dos vários recursos para a Relação e para o Supremo os recorrentes nunca arguiram antes a nulidade por excesso de pronúncia na parte relativa ao incumprimento do contrato, o que justifica o esclarecimento de que a nulidade por omissão de pronúncia, e não só a de omissão, se tivesse sido arguida nas conclusões (da última revista), teria merecido uma tomada de posição e decisão no acórdão que a decidiu 12.1.2021. É que, decidindo-se aí que os contratos celebrados entre autor e réus não eram nulos por vício de forma (atendendo ao reconhecimento do abuso de direito antes decidido com trânsito em julgado) a entender-se que estava vedado o conhecimento concreto do cumprimento/incumprimento (por o pedido deduzido o não permitir), não teria sentido mandar baixar os autos de novo à Relação. Nesse caso, decidindo-se que já tinha transitado em julgado a decisão sobre a validade dos contratos, não subsistiria interesse algum o processo ser enviado à Relação para conhecer de mais o que quer que fosse. Decidida a validade dos contratos e não sendo possível (no entender dos recorrentes) apreciar o seu cumprimento por não haver sido pedido, a decisão terminaria nessa decisão de revista. Só que esse acórdão mandou prosseguir os autos na Relação para conhecimentos das restantes questões colocadas nas apelações, questões diga-se, das quais não fazia parte o conhecimento do excesso de pronúncia (por se ter conhecido o cumprimento/incumprimento dos contratos já sabidos válidos).

Não obstante este argumento, confrontados com a alegação nesta revista de uma nulidade da decisão recorrida que antes não tinha sido arguida, sempre teremos de concluir que em qualquer caso tal nulidade não ocorre. O autor deduziu nos autos o pedido de condenação dos réus no pagamento de determinadas importâncias, não indicando aí a causa jurídica para esses valores, isto é, a nulidade ou o incumprimento do contrato, tendo antes articulado factos que, em seu entender, fundamentam juridicamente que se tenha por terminado tudo aquilo que contratou com os demandados.

Veja-se neste sentido o que é articulado nos artigos 66, 71, 72, 73, 75 e 76 da petição inicial alegando-se que os réus nunca se dispuseram a celebrar os contratos prometidos nem a cumprir os acordos verbais que celebraram e que em consequência do incumprimento por parte dos réus não há possibilidade de obter os projetados negócios de compra e venda que teriam por objeto os prédios identificados.

Sabendo-se, por lição de Vaz Serra citada nas alegações de revista, que o tribunal não pode convolar oficiosamente a causa de pedir substituindo-a por outra, o que significaria conhecer de um pedido diferente e acolhendo sem reserva a jurisprudência que assinte na exigência de clareza a quem formula uma determinada pretensão de modo que esta decorra da fundamentação empregue, obrigando a que tudo quanto interesse à discussão de um deve estar presente nos articulados  - vd. ac STJ de 5.4.2018 no proc. 1223/10.0TVLSB.L2.S1, in dgsi.pt, citado pelos recorrentes - nenhuma destas observações se opõe a que tivesse sido legalmente admissível conhecer do cumprimento dos contratos. A qualificação jurídica dos factos é tarefa do julgador – art. 5 do CPC - e, no caso em decisão não há limitação, perante os factos provados e o pedido deduzido a que o tribunal conhecesse se os concretos contratos alegados eram válidos e se, sendo válidos, tinham ou não terminado por incumprimento.

 Nesta conformidade, o significado útil do pedido deduzido não foi minimamente excedido pelas decisões da sentença e da apelação improcedendo a arguição da nulidade de excesso de pronúncia.

… …

 Quanto ao cumprimento do contrato, ambas as instâncias, a sentença e a decisão ora recorrida, entenderam coincidentemente que os contratos celebrados eram válidos e que haviam sido incumpridos por ambas as partes. Mais concretamente o acórdão da Relação em revista afirmou-se que “ocorreu entre as partes uma situação de perda de confiança, a qual é imputável ao Autor (a atitude relativamente ao cheque para pagamento da última prestação do preço dos terrenos do Sr. EE - facto n° 125) e aos Réus (as deficientes contas da quinta e a não apresentação de documento contendo os acordos entre as partes e os pagamentos feitos pelo A. em cumprimento de tais acordos)." Por via deste incumprimento devem as partes ser colocadas na situação em que ficariam se o negócio nunca houvesse sido celebrado, conforme o decidido na sentença recorrida.” Isto é, considerou a decisão recorrida que a perda de confiança recíproca entre autor e réus comprometeu a relação contratual estabelecida entre eles e configura o incumprimento imputável em igual proporção a todos os contraentes.

Analisando a situação que se oferece dentro do quadro dos factos provados, concluímos que o autor celebrou (podendo afirmar-se desta maneira porque já está decida nos autos a validade dos contratos) com o 1º réu, um contrato promessa através do qual o primeiro se comprometeu a comprar e o segundo a vender-lhe metade indivisa de um terreno de construção, tendo sido nessa altura parte do preço. De igual modo o autor prometeu comprar ao 2º réu, que prometeu vender-lhe, 1/3 indiviso de uns determinados prédios denominados de “quinta”, incluindo uns que seriam adquiridos a outrem por um preço já determinado. Ainda, o autor, o 1º réu marido e o 2º réu combinaram que, daí em diante, os prédios que compunham a “quinta” do 2º réu compreendendo os terrenos que iam ser adquiridos a outrem, seriam explorados em comum pelos três, de forma a que passariam a participar em comum e parte iguais em todas as despesas, encargos e trabalhos necessários à exploração agrícola desses prédios, participando na mesma proporção em todas as receitas resultantes da mesma exploração agrícola, tendo o 1º réu ficado incumbido da administração corrente dessa exploração agrícola comum, cujo objeto essencial era a produção de uvas para vinho e mediante o acompanhamento regular do autor e do 1º réu, que iam comparticipando no pagamento das despesas e trabalhos necessários à exploração na proporção de 1/3 cada um, suportando o 1º réu a outra 3ª parte, abrindo-se para o efeito uma conta bancária conjunta. E por último, acordaram também o autor e segundo réu a constituição de uma sociedade comercial por quotas, com o objeto social de promoção imobiliária, indústria de construção civil e empreitadas e obras públicas, compra e venda de vens imóveis e gestão e administração de imóveis próprios, que veio a ser constituída com a designação de D…. - Investimentos imobiliários, Ldª.

Em resumo o autor adquiriria metade de um terreno para construção e 1/3 de terrenos para exploração agrícola, envolvendo a restante contratação o modo como seria feita essa exploração, concluindo-se ainda que estes contratos se destinavam a pôr em andamento uma dinâmica e projeto que excedia em muito a simples realização dos contratos prometidos. Decorre da prova que a aquisição de metade do terreno para construção se destinava a obter um projeto de construção e a concreta edificação que por sua vez conduziria à venda das frações, de igual modo que a aquisição de 1/3 da “quinta” teria como sequencia a própria exploração agrícola desses terrenos, tudo através da constituição de uma sociedade que agregaria a promoção imobiliária, indústria de construção civil e empreitadas e obras públicas, compra e venda de bens imóveis e gestão e administração de imóveis próprios.       

Exposto o enquadramento dos acordos negociais estabelecido pelas partes, sabemos que o art. 432 do CC admite a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção, um direito que é potestativo, extintivo e dependente de um fundamento de facto ou de uma situação a que a lei, ou o contrato, ancora o direito de o resolver. E não conferindo a mora ao devedor o direito de pôr termo ao contrato pois tal possibilidade deriva de incumprimento definitivo, de a prestação da outra parte se ter tornado impossível, por causa imputável àquele (art. 801 do CC), não deixa de ser ainda o incumprimento definitivo a permitir a resolução quando a mora culposa do devedor provoca a perda do interesse na prestação por parte do credor ou não ser a prestação efetuada dentro do prazo razoavelmente fixado pelo credor (art. 808 do CC). Não obstante o exposto, como se refere no ac. STJ de 17 de maio de 2018 (no proc. 567/11.8TVLSB.L1.S2, in dgsi.pt) “vem-se alertando para a circunstância de o regime de resolução por incumprimento constante do CC se encontrar desenhado com base no paradigma do contrato de execução instantânea, sendo que as especificidades das relações duradouras decorrentes da sua natureza prolongada no tempo não permitem o enquadramento automático das mesmas naquele paradigma, impondo, ainda que apenas em determinadas matérias, a aplicação de regras diferenciadas ajustadas às respetivas características – vd. Joana Farrajota, «A Resolução do Contrato sem Fundamento», Almedina, 2015, pags. 357-35”.

Um pronunciamento jurisprudencial para a particularidade da resolução por incumprimento no CC estar configurada para uma resposta aos contratos de execução instantânea colhe-se ac. RL de 16-1-1990 - in Coletânea de Jurisprudência, ano XV, tomo 1, pg. 138 – no qual , com abono na lição de Baptista Machado (na anotação» ao acórdão do STJ de 8-11-1983, R.L.J. 118, pág. 280), se decidiu que “ o mecanismo do art. 808 do C.C. não se ajusta diretamente às relações contratuais duradouras, não sendo necessário o recurso a ele quando existe justa causa de resolução.”

Embora este acórdão tenha sido tirado em matéria de empreitada, havendo discussão sobre a qualificação deste negócio jurídico como de execução prolongada - ver em oposição doutrinária Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Almedina, vol. I, 5ª edição, pg. 136 e nota 293 e Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações” - Contratos», Almedina, 2ª edição, pg. 363 – os contratos de que resultem para as partes prestações de execução prolongada (na terminologia de Pedro Romano Martinez antes e no local citado) admitem que se problematize a aplicação do art. 808 CC, nomeadamente, se é necessário recorrer a ele quando se verifique, pelos factos provados, justa causa de resolução.

No caso em presença e como deixámos enunciado não está em causa apenas a celebração de dois contratos promessas por força dos quais o autor se comprometia a comprar e os réus a vender determinada parcela de bens imóveis. O acordo comportava que fosse obtido um projeto de construção, que se construíssem vários edifícios e que se realizasse a venda destes, da mesma maneira que incluía que, nos terrenos cujo compromisso prometido era o da aquisição de 1/3 se procedesse à exploração agrícola, revelando tudo isto uma ideia de atividade comum e prolongada no tempo. A prova revela, aliás, que essa amplitude de obrigações não foi só desenhada em possibilidade contratual como veio a ter realidade na efetiva atividade posterior de prossecução desses objetivos, profusamente referida nos factos provados.

 Como sublinhou Baptista Machado, na anotação antes referida, a análise das prestações em causa num contrato mesmo que não se revelem de execução duradoira se consubstanciarem a criação de uma relação complexa que abrange várias prestações a realizar escalonadamente no tempo, a relação jurídica por ele criada estará sujeita ao regime de resolução por justa causa. E defende Joana Farrajota - op, cit. pg. 360-361 - que nos “contratos de execução duradoura a apreciação da admissibilidade do exercício da faculdade resolutória deve ser realizada noutros moldes. O inadimplemento não deve ser valorado em função apenas do seu efeito isoladamente considerado, mas atendendo ao seu impacto na relação enquanto um todo. O que está em causa, em regra, num contrato de execução duradoura, não é a perda de interesse do credor numa concreta prestação, mas sim a perda de interesse na manutenção da relação. O juízo de avaliação do incumprimento, para efeitos do exercício do direito de resolução nos contratos de execução duradoura transcende a mera apreciação do respetivo impacte no interesse do credor na prestação incumprida, incidindo igualmente sobre o efeito daquele no interesse do credor em manter-se vinculado ao contrato.

Atenta-se, para além da gravidade do incumprimento em si mesmo considerado, aos efeitos daquele na viabilidade da relação. Trata-se, pois, a final, de realizar um juízo quanto à exigibilidade da manutenção do contrato.

O contrato de execução duradoura deve poder ser resolvido sempre que de acordo com as conceções vigentes na sociedade e à luz do princípio da boa-fé, em face de determinado facto ou circunstâncias, a respetiva execução se torne inexigível” concluindo igualmente que das “regras particulares sobre a resolução por justa causa em contratos de execução duradoura retira-se um princípio geral de resolução com fundamento em justa causa, aplicável a todas as relações de execução duradoura».

Seguindo aqui o percurso de raciocínio normativo percorrido no ac. deste STJ de 17 de maio de 2018 antes citado, a justa causa a que se alude neste âmbito, por ser um conceito indeterminado recomenda na sua valoração especial atenção por não se identificar com um qualquer motivo de desconforto ou resistência na vida do contrato tendo antes de constituir, na apreciação valorativa do caso concreto, um fundamento importante. Terá de se exigir uma circunstância, facto ou situação “em face da qual na economia do contrato e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação… A “justa causa” representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um “incumprimento”): será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual” - Baptista Machado, «Pressupostos da Resolução por Incumprimento», «Obra Dispersa», vol. I, Braga, 1991, pgs. 143-144. E é ainda este mesmo autor que na anotação antes citada ao ac. STJ de 8-11-1983, R.L.J. 118, pg. 318 – conclui que havendo uma justa causa para a resolução não há necessidade de recorrer ao processo de intimação com fixação de um prazo suplementar, nos termos do nº 1 do art. 808 e que embora a lei só fale de resolução por justa causa ao regular os contratos com prestações duradouras, o seu regime deve ser alargado por analogia às relações contratuais que não tendo, embora, por objeto prestações duradouras, perduram no tempo, pelo facto de as respetivas obrigações terem um prazo para o cumprimento” - síntese que é feita no ac. STJ de 17 de maio de 2018 citado.

Concluindo, no caso em decisão estamos perante um acordo negocial complexo com prestações de execução prolongada, existindo uma relação interativa unitária, complementar e interdependente entre o que se prometeu comprar e vender e o que foi ajustado realizar a conjugado com compromisso de promessa inicial, que abrange   várias prestações a realizar e que foram sendo realizadas com sequência lógica no tempo.

Rastreamos o que acabamos de dizer no ponto 12 dos factos provados que o certifica e o sentido unitário e complementar do acordo estabelecido com os réus, decorre dos pontos 13, 14 e 18 dos factos provados que colocam as promessas de compra e venda no âmbito das negociações para a celebração de negócios, através da associação e da participação, pelo menos dos réus e do autor em atividades de carácter imobiliário e agrícola e estas atividades realizaram-se ao longo de anos (vd. pontos 21, 27, 36 a 40, 43, 44 e 53 dos factos provados). Constituindo-se uma sociedade para tratar do “projeto” mobiliário e tratando conjuntamente sem qualquer organização formal da exploração agrícola

Em conformidade com o exposto anteriormente, a relação negocial criada pelos aludidos contratos, atenta a natureza e caracterização dos mesmos, está sujeita ao regime de resolução por justa causa e a avaliação do incumprimento, para efeitos do exercício do direito de resolução, incidirá sobre o interesse do credor e devedor em se manterem vinculados ao contrato, para tal havendo que realizar um juízo quanto à exigibilidade da manutenção do contrato, podendo este ser resolvido se face às circunstâncias, à luz do princípio da boa fé, a manutenção do mesmo se torne inexigível.

Analisando a cronologia dos comportamentos relevantes inscritos na relação contratual criada por autor e réus, uma primeira e importante indicação é a da existência de uma relação familiar e de grande confiança que em momento anterior à celebração dos negócios discutidos, permitia já que o primeiro réu se socorresse do auxílio financeiro do autor (factos provados 7 a 10) sublinhando-se como nota a função investidora desempenhada pelo autor. Posteriormente, já depois de acordadas as promessas de compra e venda, observamos que foram entregues pelo autor aos réus determinados montantes, para pagamento dos valores acordados como preço nos negócios e foram pagas por ele determinadas importâncias que destinando-se à prossecução dos projetos acordados eram realizadas por conta. - pontos 28, 29, 32, 35, 38, 39, 43 e 44 dos factos provados.

Porque decorridos 2 anos passou a haver interesse na venda da “quinta” e não na sua exploração, o 2º réu foi fazendo e informando diligências para tentar encontrar interessados na compra sendo condição para que essa venda se pudesse realizar a algum interessado que houvesse acordo total e acertos de contas com o A. (ponto 53 e 131 dos factos provados). E em reunião (out. 2004) os réus e o autor estavam de acordo em diligenciar no sentido de formalizarem os acordos iniciais, relativamente à quinta e ao terreno de construção, bem como os termos em que seria possível realizar essas vendar a terceiros, admitindo ser essa uma solução para os contratos (ponto 55 e 74 dos factos provados).

A prova revela nestes factos que, 4 anos depois de terem acordado as promessas de aquisição e o que elas implicavam de atividade imobiliária e agrícola, autor e réus aceitavam que esses projetos iniciais estavam comprometidos porquanto colocavam em negociação a formalização dos acordos iniciais quanto à quinta, onde os problemas tinham ocorrido dois anos antes (pontos 135 e 151 dos factos provados), e quanto ao terreno para edificação, perspetivando-se o fim dos contratos iniciais com a venda a terceiros a terceiros e a cessação da indivisão. É neste contexto evolutivo das vontades e comportamentos que o ponto 73 dos factos provados deixa claro que o autor a partir do mês de junho de 2004, solicitou junto do 2º réu que confirmasse os pagamentos já por si efetuados, documento que foi assinado pelos réus, mas nunca esteve na posse daquele. E diga-se que deste facto não decorre, como os recorrentes pretendem, uma renovação da vontade contratual inicial, intacta, por parte do autor e dos réus pois é indesmentível, numa leitura das declarações à luz dos arts. 236, 237 e 239 do CC, que a fé recíproca existente até aí se tinha esgotado, evidenciando que a oralidade como forma de confiança que presidira a todos os inúmeros acordos entre eles tinha siso substituída pela exigência de certificação documental o que está presente no ponto 75 dos factos provados.

A este quadro geral informativo da transformação das vontades de cumprimento de cada um dos contraentes haverá acrescentar a indagação da ocorrência de alguma violação dos deveres contratuais por parte dos contraentes geradora de um condicionalismo incompatível com a exata e correta execução do contrato. Não se trata de encontrar, como anteriormente deixámos exposto, uma causa de incumprimento definitivo per se mas sim uma violação dos deveres contratuais, independentemente da sua gravidade objetiva, que se afigure apta a, justificadamente, provocar o desaparecimento da confiança do credor na (adequada) realização das prestações futuras. “(…) O atraso em si não será, porventura, (suficientemente) grave; o conjunto dos atrasos, sim; o cumprimento defeituoso ou imperfeito em si não será, porventura, (suficientemente) grave; o conjunto dos cumprimentos imperfeitos, sim.” Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, págs. 869-874

Neste ponto, as decisões das instâncias são conformes e coincidentes na avaliação de que o decisivo para a rutura dos contratos e da relação de confiança entre autor e 1º réu foi o facto de este ter descontado em Maio de 2004, um cheque que lhe tinha entregado, pré-datado para o mês de maio, que deveria apenas ser descontado em setembro desse ano, e que o 1º réu descontou sem previamente ter informado o autor, razão para que tenham cortado relações. E que outra ocorrência fundadora da quebra de confiança consistiu em não terem sido apresentados ao autor pelos réus os comprovativos das despesas de exploração da quinta.

A decisão recorrida, aludindo a uma quebra de confiança comprometedora dos contratos, expressa-se transcrevendo a sentença e deixando indicado no essencial, com maior ou menor propriedade e coerência de linguagem, que essas duas faltas, no momento em que ocorreram, com os antecedentes de relação - em que de uma sobrevalorização da confiança se havia passado a uma degradação total da mesma imputável a ambos - deviam ser valoradas como aptas a resolver os contratos por desaparecimento da confiança dos contraentes no pontual cumprimento das prestações futuras.

Julgamos ser de validar a apreciação das instâncias nos termos expostos não tendo razão os recorrentes quando protestam que aquela se baseou num facto que não terá ficado provado. Cumpre referir que é de todo pacífico ter ficado provado que, correspondendo ao cumprimento das prestações de pagamento do preço acordado e a este destinado, o autor entregou ao 1º réu alguns cheques pré-datados e que um deles, com data de maio de 2004, tendo sido acordado que seria apenas descontado em setembro, foi apresentado a pagamento por esse demandado na data inscrita no título. É isto que se retira dos pontos 35, 122, 125 e 150 dos factos provados e foi esta situação que as instâncias avaliaram.

Quanto ao que é referido no âmbito da exploração agrícola da “quinta” é importante destacar que sendo a finalidade dos terrenos a de exploração agrícola, tendo sido solicitadas as contas pelo autor as mesmas foram apresentadas pelos réus em 22 de julho de 2002 e nessa mesma data o autor informa que não mais voltará a participar nas despesas da exploração o que significa que não as aceitou, aceitação que só veio a acontecer mais de dois anos depois, em setembro de 2004, constando do ponto 151 dos factos provados a razão do autor para essa não aceitação traduzida na ausência dos comprovativos das despesas. É exato concluir-se que de uma exploração para o futuro e sem limite de tempo, dois anos depois já o autor se desmarcava dela por desentendimentos recíprocos com os réus e, segundo os factos provados, é seguro que era vontade dos réus venderem a quinta (procurando também em 2003 o autor compradores).  Para lá do que estes factos informam, eles importam igualmente para revelar o estado da confiança dos contraentes que, pelo menos durante mais de dois anos (pontos 135 a 137 dos factos provados) esteve sujeita a desgaste evidente e irreversível.

Sabemos que (facto provado 141) o autor apresentou aos réus em 27-10-2004 uma proposta de contrato com relação aos celebrados 4 anos (que, entretanto, tinham gerado atividade imobiliária e agrícola) mas envolvendo as alterações que tinham ocorrido ao longo desse tempo em consequência das vicissitudes da progressiva desconfiança, proposta essa que não foi aceite, tendo estes apresentado uma outra contrapartida aos contratos sugeridos pelo autor em 02/12/2004, que por sua vez também não foi aceite por aquele. Este é mais um elemento que conduz à conclusão de ter ocorrido rutura total das relações pessoais, familiares e negociais que deixou de viabilizar qualquer entendimento (facto 75 dos provados). De um ponto inicial em que nada ficou escrito (nem mesmo como se realizaria a exploração da quinta) e nenhuma preocupação houve em acordar quem teria a obrigação, em que prazo, lugar ou data para celebração das escrituras (facto provado 156) chegou-se a um ponto em que o próprio contacto era mediado por advogado (facto provado 54 e 55) por dificuldades de comunicação direta.

Em suma, os negócios foram celebrados nos ao abrigo de uma relação de confiança extrema existente entre as partes e frustraram-se por causa de uma crescente falta de comunicação resultantes da evidente perda de confiança, que se veio a corporizar nas situações sinalizadas nas decisões das instâncias que sublinhámos. Disto se conclui que a quebra total de confiança que inviabiliza o cumprimento do contrato e consubstancia justa causa resolutiva que deve imputar-se a ambas as partes, devendo estas ser colocadas na situação em que ficariam se o negócio nunca houvesse sido celebrado, o que significa que deve ser restituído ao autor tudo quanto prestou, em singelo, em cumprimento dos contratos cujo cumprimento se frustrou - art. 433 do CC.

O valor dessa restituição - não se questionando no caso, em que a responsabilidade da resolução é imputável a todos os contraentes, se a tutela a tutela se resume ao interesse contratual negativo ou de confiança visando colocar o credor/lesado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido ou se comporta indemnização com a finalidade de o colocar na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado ( interesse contratual negativo) matéria que é tratada com completude no ac. do STJ de 17-5-2018 no proc.567/11.8TVLSB.L1.S2, in dgsi.pt - é o que foi contabilizado na decisão recorrida reportando quanto aso primeiros réus às quantias de € 24.939,90, (empréstimos de 2.000 e 3.000 contos (pontos 7 e 9 dos factos provados); a quantia de €199.519,16, valor das entregas por conta do pagamento do preço devido pela aquisição de 1/2 do prédio dos primeiros réus (ponto 29 dos factos provados)  e a quantia de €141.477,10 (ponto 32 dos factos provados) no valor global de €365.936,16.

Quanto ao segundo réu valor da restituição é de €44.675,91, valor que o A. pagou para ficar com 1/3 da quinta, nesta englobando os terrenos do R. e os que iriam ser por este adquiridos e integrados na dita quinta (ponto 35 dos factos provados). E como decidido, sobre as importâncias devidas são devidos juros de mora à taxa legal aplicável, vencidos desde a data de citação e vincendos até integral pagamento (artigos 805°, n° 1 e 806°, n° 1 e 2 do CC).

Nesta conformidade improcede a revista.

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Síntese conclusiva

- um contrato promessa de compra e venda de metade indivisa um imóvel em que os promitentes comprador e vendedor acordam que será destinado à construção de casas, cuja posterior venda, obtenção dos necessários projetos e edificação será suportada por ambos, tendo constituído uma sociedade para proceder a esse projeto e diligenciando durante 4 anos na prossecução dessa finalidade, configura um contrato contratos de  execução prolongada com características próximas das relações duradouras - designadamente as exigências de acrescida confiança recíproca entre as partes – sendo-lhe aplicável as regras da resolução com fundamento em justa causa.

- um contrato promessa de compra e venda de uma terça parte indivisa de um imóvel em que os promitentes comprador e vendedores acordam que será destinado a exploração agrícola a realizar por todos eles, exploração que realizam durante 4 anos configura igualmente um contrato configura um contrato contratos de execução prolongada com características próximas das relações duradouras sendo-lhe aplicável as regras da resolução com fundamento em justa causa.

- Os pressupostos da resolução por justa causa não se confundem com os pressupostos do regime do cumprimento definitivo e da transformação da mora em incumprimento definitivo (art. 808.º do CC), uma vez que o juízo de verificação da justa causa resolutiva assenta na avaliação da rutura da relação de confiança entre as partes e não na aferição da subsistência ou não do interesse do credor na prestação.

- Revelando a factualidade provada que, face aos incumprimentos provados da parte de autor e réus, a confiança na competência e na capacidade de levarem a bom termo o projeto acordado ficou irremediavelmente afetada, é de concluir que se tornou inexigível a subsistência do vínculo contratual, o que consubstancia justa causa resolutiva, sem necessidade de recurso prévio à interpelação admonitória exigida pelo regime do art. 808. do CC.

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Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que fazem parte deste tribunal, em julgar improcedente a revista e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2021

Relator: Cons. Manuel Capelo

1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva

2º adjunto: Sr.ª Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza