Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23656/15.5T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
REQUISITOS
RECONHECIMENTO
Data do Acordão: 04/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Doutrina:
-Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 7.ª Edição, p. 197 e 204;
-Lebre de Freitas, Código de processo Civil, Anotado, Volume I, 3.ª Edição, p. 522;
-Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 9.ª Edição, p. 192;
-Ramos Faria, Ana L. Loureiro, Primeiras, Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, p. 236.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PREOCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 266.º, Nº 2, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNA LDE JUSTIÇA:


- DE 14-02-2008;
- DE 14-03-2013, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-06-2015;
- DE 02-07-2015.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 09-05-2007.
Sumário :
I. O devedor pode livrar-se da sua obrigação através da compensação, por extinção simultânea do crédito equivalente que possua sobre o seu credor.

II. A compensação depende destes requisitos:
- Existência de créditos recíprocos;
- Fungibilidade das coisas objecto das prestações e identidade do seu género;
- Exigibilidade do crédito que se pretende compensar.

III. É judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento ou à execução do património do devedor.

IV. O crédito (activo) a compensar não tem de estar reconhecido previamente para se poder invocar a compensação (salvo se esta for invocada na acção executiva); o reconhecimento será, obviamente, necessário, mas apenas para que a compensação se torne eficaz, podendo ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio.

V. O regime actualmente previsto no art. 266º, nº 2, al. c), do CPC acolhe claramente este entendimento: não estando o crédito activo reconhecido, a compensação é possível, mas terá de ser pedida em reconvenção, passando o autor (titular do crédito passivo) a dispor de meios processuais adequados a contestar aquele crédito, invocando as excepções de direito material pertinentes.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA, LDA., intentou a presente acção declarativa de condenação contra BB, LDA. e CC.

Pediu a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 61.699,56, acrescida de juros de mora vincendos.

Como fundamento, alegou que, no dia 18.01.2013, celebrou com a DD, Lda e com o 2º réu, um contrato de agência, nos termos do qual aquela se obrigava a promover em nome e por conta da autora, a celebração de contratos de empreitada e fornecimento de mobiliário e equipamentos para farmácias nos mercados que viessem por esta a ser indicados.

No dia 03.05.2013, a autora, a "DD", a 1ª ré e o 2º réu, celebraram um acordo de cessão da posição contratual, nos termos do qual a 1ª ré assumiu, naquele contrato, a posição contratual daquela sociedade.

No dia 27.10.2014, a autora e os réus acordaram em revogar o referido contrato de agência, tendo depois sido celebrados aditamentos a esse acordo.

No âmbito desse acordo de revogação, a 1º ré reconheceu e declarou dever à autora o montante global de € 144.432,72, que deveria ser pago nos termos estabelecidos nesse acordo e respectivos aditamentos.

O 2º réu constituiu-se fiador da 1ª ré, obrigando-se a garantir, como principal pagador, o bom cumprimento de todas as obrigações da 1ª ré, com expressão pecuniária.

Foram sendo efectuados pagamentos parciais, encontrando-se, actualmente por pagar à autora a quantia de € 61.699,56.

Na contestação/reconvenção que apresentaram, os réus reconhecem que a autora é titular de um crédito sobre eles no montante de € 61.699,56.

Alegaram, no entanto, que a 1ª ré é titular:

- de um crédito líquido sobre a autora no montante de € 23.116,32;

- de um direito de crédito ilíquido sobre a autora, relativamente a todas as despesas e encargos que terá de suportar com a reparação e manutenção dos equipamentos vendidos ao grupo EE, em Angola, ainda não liquidado, mas que se estima em «em não menos de 39.883,68€».

Concluíram que:

O crédito da autora deve ser declarado extinto por efeito da compensação com o crédito que a 1ª ré reconvinte detém sobre a aquela.

A reconvenção deve ser julgada procedente, condenando-se a autora:

- a pagar à ré BB a quantia de € 23.116,32, acrescida dos respectivos juros de mora desde a data da notificação desta reconvenção;

- a pagar à ré BB todas as despesas, custos e encargos que terá de suportar com a manutenção, reparação, assistência e substituição dos equipamentos vendidos ao grupo EE, que ainda não se consegue liquidar em definitivo, estimando-se esse crédito ilíquido em não menos de 39.883,68€, relegando-se a sua liquidação para execução de sentença, até ao montante do créditos da autora;

- declarar extinta a totalidade do direito de crédito da autora sobre os réus, nos termos do disposto no artigo 523º do CC, por efeito da compensação a título reconvencional com os créditos supra mencionados que a 1ª ré detém sobre a autora, compensação que a 1ª Ré expressamente declara, extinguindo-se o crédito da autora na respectiva proporção.

A autora replicou, negando que a 1ª ré seja titular de qualquer crédito sobre si, concluindo pela improcedência do pedido reconvencional.

Realizou-se a audiência final, na sequência do que foi proferida sentença, em que se decidiu:

Julgar a presente ação procedente, e, em consequência, condenar os Réus a pagar à Autora o valor de € 61.699,56 (sessenta e um mil, seiscentos e noventa e nove euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros vencidos desde 30 de junho de 2015, à taxa legal de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento; e dos juros vincendos.

Mais se decide julgar improcedente o pedido reconvencional, dele, absolvendo a Autora/Reconvinda.

Discordando desta decisão, dela interpuseram os réus recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Ainda inconformados, os réus vêm pedir revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

A.      O presente recurso de revista não é suscetível de configurar a situação de dupla conformidade, prevista no n.º 3 do artigo 671.° do CPC.

B.      Ainda que o mui douto Acórdão da Relação tenha confirmado, na íntegra e sem nenhum voto de vencido, a decisão da 1.ª instância, a questão da não apreciação da matéria de facto pelo tribunal a quo é uma questão nova e de natureza processual, que deve ser apreciada no âmbito de um recurso de revista normal, com fundamento na alínea b) do artigo 674.º do CPC.

C.      A questão é simples, o tribunal a quo considerou que só é passível de compensação um crédito previamente reconhecido judicialmente, pelo que, não estando o crédito reconhecido previamente o julgamento do recurso da matéria de facto seria um acto inútil;

D.      Ora, o crédito invocado pela Recorrente não deixa de ser exigível, apesar de no momento em que é oposto não estar ainda reconhecido judicialmente.

E.      "não pode considerar-se que, pelo facto de o crédito ainda não ter sido judicialmente reconhecido sequer no seu quantum, está impedida de excepcionar a compensação, tendo de recorrer, previamente, a uma acção autónoma que defina o seu direito". (Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2 de julho de 2015)

F.      O mui douto Acórdão recorrido violou, assim, o disposto no artigo 847º do CC;

G.      No caso sub iudice, porém, por uma incorrecta interpretação do artigo 847° do CC, não foram reapreciados os meios probatórios, nem os concretos pontos de facto, nos termos alegados pela Recorrente (cfr. conclusões E) até O) das alegações de recurso da ora recorrente da mui douta sentença de primeira instância), em suma, não julgou o recurso da matéria de facto interposto pelos RR. da mui douta sentença de primeira instância;

H.      O mui douto Acórdão recorrido violou, assim, o disposto no artigo 662º do CPC.

I.       A fim de ser assegurado à Recorrente o duplo grau de jurisdição, deverá este Supremo Tribunal, nos termos do n.º 3 do artigo 682.° do CPC, anular o acórdão recorrido e determinar a sua baixa ao Tribunal da Relação de Lisboa, para que este proceda à efetiva reapreciação dos concretos pontos de facto e dos meios probatórios que os sustentam, nos termos impugnados pela Recorrente.

J.     Termos em que, deve dar-se integral provimento ao presente recurso.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a decidir:

Os recorrentes sustentam que o crédito que pretendem compensar no crédito reconhecido à autora é, para este efeito, exigível, pelo que se impunha a reapreciação da matéria de facto impugnada no recurso de apelação.

III.

Foram considerados provados os seguintes factos:

1.    Em 18 de Janeiro de 2013, a Autora celebrou com a DD - …., LDA. e com o 2º Réu o “Contrato de Agência”, com cópia junta aos autos a fls. 10 a 15, nos termos do qual a “DD” se obrigava a promover em nome e por conta da Autora a celebração de contratos de empreitada e fornecimento de mobiliário e equipamentos para Farmácias nos mercados que viessem a ser indicados pela Autora;

2.    Em 3 de Maio de 2013, a A., a “DD”, a 1ª Ré e o 2º Réu celebraram o Acordo de Cessão de Posição Contratual”, com cópia junta aos autos a fls. 15 (verso) a 16 (verso) nos termos do qual a 1ª Ré assumiu a posição contratual da “DD” no sobredito “Contrato de Agência”;

3.    No dia 27 de Outubro de 2014, a Autora e os Réus acordaram em revogar o “Contrato de Agência” celebrado em 18 de Janeiro de 2013, e assumido pela 1ª Ré por força do acima mencionado “Acordo de Cessão de Posição Contratual” celebrado a 3 de Maio de 2013, com efeitos a 30 de Junho de 2014.

4.    Assim, Autora e Réus celebraram, nessa data - 27.10.2014 – o “Acordo de Revogação” cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 17 a 20;

5.   No âmbito do referido “Acordo de Revogação”, a 1ª Ré reconheceu e declarou expressamente que devia à Autora o montante de € 144.432,72 (cento e quarenta e quatro mil, quatrocentos e trinta e dois euros e setenta e dois cêntimos), correspondente à soma dos seguintes valores:

a) € 40.700,87 (quarenta mil setecentos euros e oitenta e sete cêntimos), recebido antecipadamente pela 1ª R. com fundamento na componente variável dos negócios por si efectuados fora do território europeu, conforme previsto na alínea c) do n.º 1 da Cláusula Quarta, na redacção dada pelo Aditamento ao Contrato de Agência, o qual não é devido em virtude da não conclusão dos negócios que determinariam o seu recebimento pela 1ª R.;

b) € 72.010,08 (setenta e dois mil e dez euros e oito cêntimos), referentes às empreitadas no âmbito de um Projecto denominado de Projecto EE; e

€ 31.721,77 (trinta e um mil, setecentos e vinte e um euros e setenta e sete cêntimos) referente aos projectos para as FF.

6.    A 1ª Ré comprometeu-se a pagar à Autora o mencionado valor de € 144.432,72 nos seguintes termos:

a) o valor de € 40.700,87 (quarenta mil e setecentos euros e oitenta e sete cêntimos) em 9 prestações mensais e sucessivas com início a 31 de Outubro de 2014, a primeira no valor de € 17.000,00 (dezassete mil euros), as seguintes 7 (sete) no valor de € 3.000,00 (três mil euros) cada e a nona e última prestação no valor de € 2.700,87 (dois mil e setecentos euros e oitenta e sete cêntimos);

b) o valor de € 72.010,08 (setenta e dois mil e dez euros e oito cêntimos) até 31 (trinta e um) de Janeiro de 2015; e

c) o valor de € 31.721,77 (trinta e um mil setecentos e vinte e um euros e setenta e sete cêntimos) seria pago pela 1ª R. mediante compensação com as comissões a que esta teria direito nos termos previstos na cláusula quinta do mencionado “Acordo de Revogação”.

7.    Neste “Acordo de Revogação”, o 2º Réu constituiu-se fiador da 1ª Ré obrigando-se a garantir, até ao integral pagamento do valor em dívida, pela 1ª Ré à Autora, como principal pagador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, o bom cumprimento de todas as obrigações da 1ª Ré com expressão pecuniária.

8.    No dia 28 de Outubro de 2014, a Autora e os Réus celebraram o “Aditamento ao Acordo de Revogação”, com cópia junta aos autos a fls. 20 (verso) a 22, nos termos do qual alteraram a Cláusula Segunda, n.º 2, alínea a) do mesmo, concretamente, as condições de pagamento da quantia de € 40.700,87 (quarenta mil e setecentos euros e oitenta e sete cêntimos) acima referida.

9.    E no dia 26 de Fevereiro de 2015, a Autora e as Réus celebraram o 2º Aditamento ao Acordo de Revogação Celebrado em 27 de Outubro de 2014”, conforme cópia junta aos autos a fls. 24 (verso) e 25; nos termos do qual as Partes acordaram alterar a Cláusula 2ª, n.º 2, alínea b) do mencionado Acordo de Revogação, designadamente o prazo e condições de pagamento da quantia de € 72.010,08 (setenta e dois mil e dez euros e oito cêntimos) acima referida; e eliminar o n.º 6 da mesma Cláusula

10.  No âmbito do aludido “Acordo de Revogação” e respectivos “Aditamentos”, os Réus pagaram à Autora relativamente à quantia de € 40.700,87 (quarenta mil e setecentos euros e oitenta e sete cêntimos) prevista na alínea a) do n.º 2 da Cláusula 2ª do aludido Acordo de Revogação, os seguintes montantes:

- € 3.000,00 (três mil euros), no dia 30.10.2014;

- € 17.000,00 (dezassete mil euros), no dia 21.11.2014;

- € 3.000,00 (três mil euros), no dia 04.12.2014;

- € 3.000,00 (três mil euros), no dia 08.01.2015;

- € 2.920,76 (dois mil novecentos e vinte euros e setenta e seis cêntimos), no dia 19.03.2015;

- € 2.916,30 (dois mil novecentos e dezasseis euros e trinta cêntimos) no dia 09.04.2015;

- € 2.976,64 (dois mil novecentos e setenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), no dia 11.05.2015;

- € 2.994,11 (dois mil novecentos e noventa e quatro euros e onze cêntimos), no dia 02.06.2015;

- € 2.441,58 (dois mil quatrocentos e quarenta e um euros e cinquenta e oito cêntimos), no dia 30.06.2015.

11.  No que se refere à quantia de € 72.010,08 (setenta e dois mil e dez euros e oito cêntimos) prevista na alínea b) do n.º 2 da Cláusula 2ª do mencionado “Acordo de Revogação”; e relativamente à qual a 1ª Ré se declarou também expressamente devedora, os Réus pagaram, em 22.01.2015, o montante de € 10.762,00 (dez mil, setecentos e sessenta e dois euros).

12.  Quanto ao remanescente montante de 61.248,08 euros, nos termos do mencionado “2º Aditamento ao Acordo de Revogação” celebrado entre a Autora e os Réus em 26 de Fevereiro de 2015, a 1ª Ré obrigou-se a pagar tal valor de € 61.248,08 (sessenta e um mil, duzentos e quarenta e oito euros e oito  cêntimos), em duas prestações, obrigando-se a pagar a primeira prestação, no montante de € 36.248,08 (trinta e seis mil, duzentos e quarenta e oito euros e oito cêntimos) até ao dia 30 de Abril de 2015 e a segunda prestação, no montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), até ao dia 30 de Junho de 2015.

13.  O que não aconteceu, não tendo os RR. pago tal valor à A. até à presente data.

14.  Nos termos do primeiro ponto, da primeira cláusula, do acima identificado “Contrato de Agência”, objecto da cessão de posição: “(…)a SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se a promover em nome e por conta da AA a celebração de contratos de empreitada e de fornecimento de mobiliário e equipamentos para farmácias nos mercados que vierem a ser indicados pela AA.”.

15.  Essa promoção de vendas compreendia as seguintes actividades:

•     Expandir os negócios do Grupo da Autora a mercados internacionais;

•     Prospecção de mercados e identificação de oportunidades de negócio;

•     Angariar clientes;

•     Elaboração de propostas e a sua apresentação aos clientes após aprovação escrita da A.;

•      Suporte dos processos de contratualização das empreitadas e fornecimentos de mobiliário e de equipamentos;

•      Acompanhamento e supervisão da execução das empreitadas e fornecimentos de mobiliário e de equipamentos, assegurando a sua qualidade, o cumprimento dos orçamentos e dos resultados operacionais de cada projecto;

•      Elaboração de orçamento anual para os contratos de empreitadas e fornecimentos de mobiliário e de equipamentos que serão por si angariados e acompanhados;

•      Apoio da realização de cobranças;

•      Acompanhamento dos clientes por si angariados.

16.  Assim, no âmbito do terceiro ponto dos considerandos do referido “Contrato de Agência”, a 1ª Ré propôs-se coadjuvar a Autora na concretização da internacionalização da área de negócio de empreitadas e fornecimento de mobiliário e equipamentos para Farmácias, utilizando os amplos conhecimentos e contactos que tem em vários mercados internacionais, assumindo a obrigação de assessorar e aconselhar a A. no âmbito desse processo.

17.  No âmbito deste contrato, a 1ª Ré angariava clientes para a Autora.

18.  E era a Autora que celebrava directamente os negócios com os clientes.

19.  Por esta actividade a 1ª Ré teria direito a comissões nos termos estabelecidos contratualmente, concretamente, de 10% do valor facturado pela Autora.

20.  Em Setembro de 2013, surgiu uma grande oportunidade de negócio com o “Grupo EE”, em Angola.

21.  Este grupo é concorrente, em Angola, de outro grupo de distribuição liderado pelo Dr. GG.

22.  Atenta a percepção pública existente de que existiram relações especiais entre o Dr. GG, a ANF e a A., os responsáveis pelo “Grupo EE” recusaram-se a fazer qualquer negócio com a Autora.

23.  Face a essa circunstância a Autora e a 1ª Ré acordaram o que se segue.

24.  Em vez de a A. facturar ao cliente directamente, como sempre fazia, seria a 1ª Ré a facturar, tendo para tanto, a Autora de facturar os equipamentos e serviços à 1ª Ré.

25.  Tratou-se, esta combinação, de uma mera formalidade, mantendo-se totalmente inalteradas as relações entre a Autora e a Ré.

26.  A 1ª Ré recebeu, pela realização do negócio, exactamente a mesma comissão que sempre recebera, de 10%.

27.  Sendo as obrigações das partes as mesmas, por referência ao sobredito “Contrato de Agência”.

28.  Conforme os Considerandos VI e VII do “Acordo de Revogação”, as partes estabeleceram: “VI. As partes acordaram que, no âmbito do Projecto EE, os valores devidos pelos Clientes Finais seriam facturados integral e exclusivamente pela SEGUNDA CONTRAENTE, procedendo a AA à facturação à SEGUNDA CONTRAENTE do valor correspondente aos serviços e fornecimentos por si prestados em cada uma das empreitadas e fornecimentos. VII. A SEGUNDA CONTRAENTE obrigou-se a proceder aos pagamentos dos valores facturados pela AA no âmbito do Projecto EE imediatamente após o recebimento do pagamento dos Clientes Finais.”.

29.  Refere o ponto 5 da Cláusula Quarta do referido “Contrato de Agência”, que “Como estímulo adicional ao desenvolvimento das angariações fora do território Europeu, no primeiro ano de vigência do presente contrato, a AA pagará à SEGUNDA CONTRAENTE uma comissão especial de 10% (dez por cento) do valor efectivamente recebido pela AA dos Clientes angariados pela SEGUNDA CONTRAENTE fora do território Europeu.”.

30.  No Projecto da EE; e no contexto daquela combinação entre Autora e Réus, nos termos da qual, na verdade, era a Autora quem fornecia os bens aos seus destinatários, a facturação global da A. à 1ª R. foi de cerca de 400.000,00 € (quatrocentos mil euros), acrescidos de IVA, englobando o fornecimento de mobiliário e equipamentos a 5 farmácias e 2 clínicas desse grupo em Angola.

31.  A balança instalada na Farmácia de B... apresentou problemas de funcionamento desde Outubro de 2014, o que os Réus comunicaram à Autora, por diversas vezes; comunicações que se mantinham em Julho de 2015.

32.  Uma cruz da farmácia de V... esteve avariada, meses antes de Julho de 2015; e, em Setembro de 2015, apresentava leds apagados.

33.  Vidros do back office da farmácia de B... partiram-se, o que os ora Réus comunicaram à Autora, pelo menos, em Julho de 2015.

34.  O frigorífico instalado na farmácia de B..., meses após ter sido instalado, concretamente, em Julho de 2015 e em Novembro de 2015, criava gelo.

35.  Com fundamento na instalação das farmácias de B..., Lobito e Cabinda com três semanas de atraso, a “EE” exigiu uma indemnização.

36.  A “HH” exigiu à ora Ré a) 10.827,07€ (dez mil, oitocentos e vinte sete euros e sete cêntimos) a título de custos associados ao pessoal; b) 4.060,15€ (quatro mil e sessenta euros e quinze cêntimos) a título de custos associados ao contentor e grua; c) 2.344,50€ (dois mil, trezentos e quarenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), a título de custos de material (luminárias); d) 2.884,60€ (dois mil, oitocentos e oitenta e quatro euros e sessenta cêntimos) a título de trabalhos da II.

37.  A instalação das Farmácias de B..., Lobito e Cabinda ocorreu mais tarde do que o previsto, a dada altura, por Autora e Ré.

38.  No segundo semestre de 2015 e início de 2016, a ora Ré continuava a receber pedidos de reparação/assistência a equipamentos fornecidos.

39.  Pelo menos, o prazo de garantia assumido pela ora Autora relativamente aos equipamentos por si fornecidos com defeito, é de um ano.

40.  A Autora fez chegar técnicos ao local em que se encontrava a balança da Farmácia de B..., com vista a solucionar o problema desta; tendo sido enviado para Angola um equipamento (placa) com vista à solução dos problemas apresentados.

41.  A Autora teve, prontos para envio, leds para a cruz da Farmácia de V...; tendo recebido a indicação de que, no final do ano de 2015, tal farmácia iria mudar de lugar.

42.  A Autora indagou acerca do número de série do frigorifico da Farmácia de B... não tendo obtido resposta a essa solicitação; tendo, a Autora, vindo a comunicar já ter decorrido o prazo de um ano sobre a data do fornecimento desse equipamento.

E foram considerados não provados os seguintes factos:

1.    Após 30 de Abril de 2015, a A. e o 2º R. acordaram verbalmente que os RR. pagariam tal valor de € 61.248,08 (sessenta e um mil, duzentos e quarenta e oito euros e oito cêntimos) à A., de forma integral, até ao dia 30 de Junho de 2015.

2.    A Autora teria de prestar ao cliente “Grupo EE” a manutenção dos equipamentos fornecidos àquele.

3.    A Autora ficou encarregue das assistências, reparações e manutenções desses equipamentos; e, bem assim, encarregue do envio atempado, para Angola, de equipas especializadas para a realização de tais tarefas.

4.    Conforme contrato existente, a Autora garantia todas as obrigações pós-venda de um vendedor.

5.    O cliente final, conforme acordado, poderia apresentar reclamações à 1ª Ré acerca de manutenções e reparações que esta reencaminharia para a Autora para que a Autora as solucionasse.

6.    A Autora assumiu a obrigação de garantir a manutenção do parque instalado; e a reparação, assistência ou substituição dos equipamentos.

7.    Todas as obrigações relacionadas com manutenção, assistência, reparação e substituição dos equipamentos vendidos eram da responsabilidade da Autora.

8.    A Autora foi assumindo essas responsabilidades de manutenção, assistência, reparação e substituição dos equipamentos vendidos.

9.    A Autora comprometeu-se a reparar, a dar assistência, a efectuar manutenções, a substituir equipamentos vendidos, o que acabou por não fazer.

10.  Conforme os acordos realizados entre as partes, a Autora estava obrigada a prestar assistência directamente aos clientes da 1ª Ré, com a inerente obrigação de enviar equipas suas para proceder à manutenção, assistência e substituição dos equipamentos vendidos.

11.  O frigorífico da Clínica da Ilha avariou-se.

12.  A 4 de Agosto 2014 uma equipa da A. devia chegar a Cabinda, com o intuito de efectuar a respectiva instalação; a 5 de Agosto 2014 uma equipa da A devia terminar as instalações na Farmácia de V...; c) a 3 de Julho de 2014, uma Equipa da A. devia ter chegado à Farmácia da B....

13.  As instalações das Farmácias de B..., Lobito e Cabinda foram efectuadas com 3 semanas de atraso, por opção da Autora.

14.  Quanto ao do frigorífico da Clínica da Ilha, a 1ª R. suportou o custo de 500€ (quinhentos euros) com a devida reparação.

15.  A 1ª R. teve de assumir os custos relativos à assistência e carga de gás do frigorífico da Farmácia do L…, no valor de 500€ (quinhentos euros).

16.  A 1ª R. teve de assumir os custos relativos à recolocação de vidros na farmácia de B..., no valor de 2.000€ (dois mil euros).

17.  A ora Ré terá de suportar, pelo menos, mais 40 000, 00 euros a título de reparações e manutenções futuras.

18.  A Autora tinha-se obrigado a uma manutenção dos equipamentos contratados por um prazo de dois anos desde a venda.

19.  A 1ª Ré terá de substituir: a balança da Farmácia de B...; a balança Farmácia de V...; a cruz da Farmácia de V...; e o frigorífico da Farmácia de B...; e de suportar os inerentes custos associados ao transporte e exportação dos equipamentos; ao frete e ao pessoal.

20.  O problema da balança de B... ficou solucionado.

21.  Os acima mencionados vidros partidos haviam sido colocados por pessoas diversas da Autora antes da chegada desta a Angola para instalar a correspondente farmácia de B....

IV.

No acórdão recorrido entendeu-se que o crédito que os réus pretendem ver reconhecido, por forma a ser compensado no crédito reconhecido à autora, não é exigível, não satisfazendo assim este requisito legal de que dependeria a compensação.

Em síntese, como se sumariou, afirmou-se:

IV.    Para efeitos de compensação uma obrigação é judicialmente exigível quando o credor puder exigir o seu cumprimento imediato, através de uma ação executiva (se já estiver munido de título executivo) ou (não estando munido de título executivo) através de uma ação declarativa tendente a obter uma sentença que, reconhecendo a existência da obrigação e a sua exigibilidade judicial, condene o devedor ao seu imediato cumprimento.

V.     Se, porventura, o crédito compensante estiver a ser objeto de discussão numa ação declarativa pendente, esse crédito, invocado nessa ação, terá de ser considerado como incerto e hipotético, não permitindo, portanto, a execução de qualquer operação de compensação, posto que inexistem, ainda, condições que autorizam a execução do património do devedor.

Assim, não podendo operar a compensação, constituiria um acto desnecessário e inútil a reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que, mesmo na eventualidade de existir erro de julgamento da matéria de facto, este nunca iria implicar a alteração da decisão da 1ª instância quanto ao mérito.

Os recorrentes discordam deste entendimento, defendendo que o mesmo assenta numa incorrecta interpretação do art. 847º do CC, no que respeita ao requisito da exigibilidade do crédito a compensar: este não deixa de ser exigível, apesar de, no momento em que é oposto, não estar ainda reconhecido judicialmente.

Assim sendo, a reapreciação da matéria de facto impugnada não pode considerar-se um acto inútil, pelo que a decisão de não proceder a tal reapreciação viola claramente o disposto no art. 662º do CPC.

Vejamos.

Dispõe o art. 847º do CC:

1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.

3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.

A compensação é um meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor[2].

Depende destes requisitos[3]:

- Existência de créditos recíprocos;

- Fungibilidade das coisas objecto das prestações e identidade do seu género;

- Exigibilidade do crédito que se pretende compensar.

Está aqui em causa este último requisito: a exigibilidade do invocado crédito da 1ª ré, que os réus pretendem compensar no crédito reconhecido à autora.

Nos termos do art. 817º do CC, não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor (…)

É assim judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento ou à execução do património do devedor (neste caso, se estiver munido de título executivo).

Tal exigibilidade é excluída no caso das obrigações naturais (o cumprimento não é judicialmente exigível - art. 402º do CC) e, bem assim, nas obrigações sob condição ou a termo, se a condição não se verificou ou o prazo não se tiver vencido.

Esta é a razão legal, afirma Antunes Varela[4], "por que o declarante não pode livrar-se duma obrigação civil, invocando como compensação um crédito natural sobre o credor ou um crédito ainda não vencido. Tão pouco procederá para o efeito um crédito contra o qual o notificado possa e queira fundadamente invocar qualquer facto que, com base no direito substantivo, conduza à improcedência definitiva da pretensão do compensante (prescrição, nulidade ou anulabilidade, por ex.) ou impeça o tribunal de julgar desde logo a pretensão procedente (v. gr., excepção de não cumprimento do contrato …).

Destas últimas considerações decorre, manifestamente, que o crédito (activo) a compensar não tem de estar reconhecido previamente para se poder invocar a compensação; o reconhecimento será, obviamente, necessário mas apenas para que a compensação se torne eficaz, podendo ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio[5].

Assim, é exigível judicialmente o crédito susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento; "a exigibilidade do crédito para efeito de compensação não significa que o crédito (activo) do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito existe na esfera jurídica do compensante e preenche os requisitos legais (…).

Realidade distinta da exigibilidade judicial do crédito, imposta pelo art. 847.º, n.º 1, al. a), do CC, é o respectivo reconhecimento judicial, não obstante só possa operar a compensação caso ambos os créditos venham a ser reconhecidos na acção judicial em que se discutem"[6].

Como já se afirmou, "constituiria verdadeiro paradoxo aceitar-se o exercício, pelo credor passivo, do seu direito de crédito, através da competente acção de cumprimento e exigir-se ao declarante da compensação na mesma acção (réu) que a invocação em juízo do seu crédito carecesse de reconhecimento judicial prévio"[7].

Repare-se que o regime actualmente previsto no art. 266º, nº 2, al. c), do CPC acolhe claramente este entendimento. Prevê-se aí, com efeito, que a reconvenção é admissível quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.

Assim, não estando o crédito activo reconhecido, a compensação é possível, mas terá de ser pedida em reconvenção, passando o autor (titular do crédito passivo) a dispor de meios processuais adequados a contestar aquele crédito, invocando as excepções de direito material pertinentes[8].

É esta, precisamente, a situação com que deparamos nesta acção.

Tendo em consideração o que acaba de se expor, a decisão recorrida, como parece evidente, não pode manter-se.

Contrariamente ao que foi aí entendido – parecendo até existir, naquilo que foi afirmado (que os acima transcritos ponto IV e V do sumário reproduzem), uma certa contradição – o crédito activo, para poder servir de base à compensação, não tem de ser previamente reconhecido. Na acção em que é pedido pelo autor o reconhecimento de um crédito, é possível ao réu opor, em reconvenção, o pedido de reconhecimento do seu contra-crédito, a compensar naquele, contanto que o mesmo satisfaça os requisitos legais, já acima enunciados.

É certo, porém, que, neste caso, os factos impugnados pelos recorrentes podem não assumir, mesmo na ponderação do requisito da exigibilidade, idêntica relevância.

Por outro lado, não se cuida aqui do mérito da reconvenção deduzida pelos réus, que a Relação não apreciou em toda a sua amplitude, por ter considerado que o alegado crédito dos réus não seria compensável (por não ser exigível para este efeito).

A situação é semelhante aos casos em que a Relação não aprecia certas questões, por considerá-las prejudicadas pela resposta dada a outras (e, bem assim, à que se prevê no art. 684º, nº 2, do CPC).

Nestes casos, o Supremo não intervém em regime de substituição, como decorre do disposto no art. 679º do CPC (que exclui da aplicação ao recurso de revista o disposto no art. 665º).

Assim, arredada a referida questão – da exigibilidade como requisito da compensação – deve a Relação conhecer das demais questões colocadas no recurso de apelação, incluindo a reapreciação da matéria de facto que se revelar útil para a apreciação e decisão do mérito desse recurso.

V.

Em face do exposto, decide-se conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido, devendo a Relação proferir nova decisão em que aprecie as demais questões colocadas no recurso de apelação, nos termos acima referidos.

Custas segundo o critério a definir a final.

                                               

Lisboa, 10 de Abril de 2018

Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Graça Amaral

______________
[1] Proc. nº 23656/15.5T8SNT.L1.S1
F. Pinto de Almeida (R. 232)
Cons. José Rainho; Consª Graça Amaral
[2] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., 197.
[3] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 9ª ed., 192.
[4] Ob. Cit., 204.
[5] Acórdão do STJ de 14.03.2013, em www.dgsi.pt, como os demais adiante citados.
[6] Acórdão do STJ de 02.07.2015; no mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 14.02.2008.
Distinta é a situação de se pretender operar a compensação na fase executiva, caso em que se tem entendido, sem discrepância, que será de exigir que o crédito activo tenha (também) força executiva – cfr. Acórdão do STJ de 02.06.2015 e a abundante jurisprudência nele citada.
[7] Acórdão da Relação do Porto de 09.05.2007.
[8] Cfr. P. Ramos Faria e Ana L. Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, 236; Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 1º, 3ª ed., 522.