Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1821/18.3T8PRD-B.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: REJEIÇÃO DE RECURSO
CONCLUSÕES
REPETIÇÃO DA MOTIVAÇÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 03/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5.ª ed., p. 156 a 159, 353 a 357;
- Alberto dos Reis , Código de Processo Civil, Anotado, Vol. V, p. 359;
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., p. 172 e 173.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 639.º, N.º 3, 641.º, N.º 2, ALÍNEA B) E 671.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 818/07.3TBAMD.L1.S1;
- DE 28-01-2016, PROCESSO N.º 1006/12.2TBPRD.P1-A.S1;
- DE 09-06-2016, PROCESSO N.º 6617/07;
- DE 13-10-2016, PROCESSO N.º 5048/14.5TENT-A.E1.S1;
- DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Ao abrigo do artigo 671º, nº1 do Código de Processo Civil, é suscetível de recurso de revista o acórdão da Relação que se abstém de apreciar o mérito da apelação  com fundamento na falta de apresentação das  conclusões, nos termos  do artigo 641º, nº 2, al. b) do mesmo código.


II. A reprodução nas “conclusões” do recurso da respetiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, inexistindo, por isso,  fundamento para a imediata rejeição do recurso, nos  termos do art. 641º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil.


III. Uma tal irregularidade processual  mais se assemelha a uma situação  de apresentação  de alegações  com o segmento conclusivo complexo ou prolixo,  pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 639º, nº 3 do Código Processo Civil, impõe-se a prolação de despacho a convidar a recorrente a sintetizar as conclusões apresentadas.

Decisão Texto Integral:
I. Relatório

1. AA instaurou contra CC, ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativamente à filha de ambos, CC, nascida a 6 de Outubro de 2017.

Alegou, para tanto e em síntese, que, para além de não serem casados, nem viveram atualmente um com o outro, não estão de acordo quanto à forma de se exercerem as responsabilidades parentais da única filha de ambos, dificultando a requerida os contactos e convívios entre pai e filha, não permitindo que esta saia de casa apenas na companhia do pai ou que pernoite em casa dele.

2. Realizada conferência e não tendo sido alcançado acordo dos pais quanto à residência da CC, foi fixado um regime provisório do exercício das Responsabilidades Parentais, para vigorar até fixação, a final, de um regime definitivo.

3. Inconformada com esta decisão, dela apelou a progenitora da menor para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão, proferido em 07.12.2018, considerou que as alegações apresentadas pela apelante requerida não continham verdadeiras conclusões, pelo que rejeitou o recurso interposto, nos termos preceituados no art. 641º, nº 2, al. b) do C. P. Civil.

4. Inconformada, com esta decisão, a requerida dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«1. Não pode, a ora Recorrente, conformar-se, de maneira alguma, com o Acórdão proferido pelo Douto Tribunal a quo, que entendeu não conhecer do recurso interposto pela Recorrente por alegada falta de conclusões, enquanto indicação sintética das questões colocadas pela Recorrente, nos termos preceituados no art. 641°, n° 2, al. b) do C.P.C..

2.  A aqui Recorrente discorda, em absoluto, da decisão e da motivação do Tribunal recorrido, pelo que vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão proferido nos autos.

3. Tal decisão, salvo melhor opinião, cremos, viola o disposto nos art. 639°, nº 1 e 3, art. 641°, n° 2, alínea b), art. 6º, n° 2 e art. 7º, todos do C.P.C., bem como o art. 20° da C.R.P..

4. Assim, o fundamento específico do presente recurso de revista consubstancia-se na manifesta violação da lei substantiva bem como, na violação ou errada aplicação da lei de processo, consignada no Aresto em crise (cfr. art 674°, n° 1, alíneas a) e b) do C.P.C.).

5. Acontece que, pese embora as conclusões de recurso apresentadas pela aqui Recorrente não tenham sido formuladas da forma mais correta, por não serem sintéticas e serem demasiado extensas e complexas, não cumprindo, por conseguinte, cabalmente, o preceituado no art. 639°, n° 1 do C.P.C., a verdade é que as conclusões existem, elas foram apresentadas, elas estão lá, delas se podendo retirar, aliás, quais as pretensões da Recorrente.

6. Desta feita, não se verifica, in casu, uma omissão completa das mesmas no sentido de não terem sido, de todo, apresentadas.

7. Além de que, em termos formais, a Recorrente não deixou de estabelecer uma diferenciação entre a motivação de recurso e as respetivas conclusões.

8. Nesta senda, tendo em consideração que a Recorrente especificou e distinguiu no seu requerimento de interposição de recurso a matéria de alegação e a matéria conclusiva, o Tribunal a quo não podia ter rejeitado o recurso de apelação da Recorrente sem que antes lhe tivesse dado a possibilidade de proceder a uma síntese efetiva do acervo conclusivo da sua alegação, dando assim cumprimento ao disposto no n° 3 do art. 639° do C.P.C..

9. Ou seja, o Tribunal da Relação não podia indeferir a admissão da apelação sem, previamente, cumprir o n° 3 do art. 639° do C.P.C., que determina que, quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, ou complexas, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, e esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso, na parte afetada.

10. Em suma, o Tribunal a quo não poderia ter conduzido os factos ora em apreço à cominação expressa no normativo ínsito no art. 641°, n° 2, al. b) do C.P.C., sem um prévio convite ao aperfeiçoamento das alegações de recurso da Recorrente, conforme previsto no art. 639°, n° 3 do C.P.C..

11. Assim, só depois da formulação de tal convite e do seu eventual não acolhimento por parte da Recorrente é que poderiam ser retirados os efeitos jurídicos que correspondem à total rejeição do recurso, o que não sucedeu in casu.

12. Aliás, é vasta a Jurisprudência nesse sentido, designadamente, a Jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, veja-se a esse propósito, a título de exemplo, a doutrina que dimana do Acórdão do STJ, de 09/07/2015, Proc. n° 818/07.3TBAMD.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

13. Nestes termos, e salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido não só faz uma errada aplicação das normas jurídicas, designadamente do art. 639°, n° 3 e do art. 641°, n° 2 al. b), ambos do C.P.C., como também viola a lei do processo.

14. Ademais, esta omissão do relator do convite ao aperfeiçoamento constitui uma violação processual e uma nulidade processual, nos termos do disposto no art. 195°, n° 1, do C.P.C., que se repercute na decisão recorrida, o que se argui.

15. Cumpre ainda acrescentar que, a decisão recorrida violou ainda o disposto no art. 20º da C.R.P. que estabelece o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva e o princípio do processo equitativo.

16. Na realidade, a decisão ora colocada em crise de indeferimento do recurso de apelação da Recorrente por falta de conclusões não se mostra compatível, nem com a ideia geral da proporcionalidade ínsita no princípio do Estado de Direito, nem com a garantia constitucional do processo equitativo, consagrados no artigo 2º e no n° 4 do artigo 20° da C.R.P., respetivamente.

17. Além do mais, a decisão recorrida viola o disposto no art. 6º, nº 2 do C. P. C. (dever de gestão processual), o art. 411º do C. P. C. (princípio inquisitório), o art. 547º do C. P. C. (adequação formal), o art. 652º, nº1, al. a) do C.P. C, que contêm uma regra geral que conduz à consagração do convite ao aperfeiçoamento e que têm por objetivo a justa composição do litígio, de forma eficaz e célere, sendo que, exatamente por isso é que a lei processual admite e incentiva o aperfeiçoamento de articulados.

18. Ante o exposto, cumpre concluir que o Acórdão recorrido afronta a Lei, a Jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça, bem como a Doutrina.

19. Posto isto, deverá ser revogado o Acórdão da Relação ora em crise, que rejeitou o recurso de apelação interposto pela Recorrente, determinando-se a remessa dos autos à Relação para que seja endereçado, à aqui Recorrente, convite ao aperfeiçoamento das suas alegações de recurso, na parte correspondente ao segmento conclusivo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 639°, n° 3 do C.P.C»

Termos em que deve admitir-se o presente recurso e revogar-se a decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo, determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto para que seja formulado convite ao aperfeiçoamento das alegações de recurso da Recorrente, na parte correspondente ao      segmento conclusivo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 639°, n° 3 do C.P.C., o que se requer, tudo nos termos supra expostos, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!».

5. O requerente, AA respondeu, terminando as suas contra alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

I.   "Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão" (art. 643° n°. 1 CPC).

II. O expediente utilizado pela Recorrente - recurso de revista - não encontra cabimento nos fundamentos previstos no art. 671° do CPC, o qual elenca as decisões que comportam revista.

III. Por conseguinte, não deverá ser admitido o recurso de revista interposto pela Requerida nos termos e com os fundamentos das normas supra citadas por uso manifestamente ilegal dos autos, sendo certo que o direito de reclamação devida por não admissão de recurso encontra-se manifestamente precludido, atento o facto de tal direito processual por não ter sido exercido no prazo devido».


6. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    


***



II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, a única questão a decidir consiste em saber se a reprodução integral e quase ipsis verbis, designada como conclusões, do anteriormente alegado no corpo das alegações equivale à ausência de conclusões, constituindo, por isso, fundamento de rejeição imediata do recurso.



***



III. Fundamentação


3.1. Antes, porém, de entrarmos na apreciação da questão supra enunciada, impõe-se conhecer da questão prévia da inadmissibilidade do recurso de revista suscitada pelo recorrido.


Sustenta o recorrido que da decisão recorrida não cabe recurso de revista, porquanto, versando sobre questão processual, não se enquadra a mesma na previsão do art. 671º, nº1 do C. P. Civil, sendo certo que o direito de reclamação devida por não admissão de recurso encontra-se manifestamente precludido, atento o facto de tal direito processual por não ter sido exercido no prazo devido.


Vejamos.


Dispõe o citado art.671º, nº1 que «cabe revista  para o Supremo  Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha  termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos».

  

Assim, em face deste preceito, está unicamente em causa apurar se também admite recurso de revista o acórdão da Relação que, no âmbito do recurso de apelação interposto da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, recusa a apreciação do mérito do recurso de apelação que foi admitido, rejeitando este recurso, nos termos preceituados no art. 641º, nº 2, al. b) do C. P. Civil.


Ora, ainda que se reconheça que a estrita literalidade do preceito, possa, numa primeira leitura, inculcar a ideia de inadmissibilidade do recurso de revista, visto o acórdão em causa não ter posto termo ao processo, por via da absolvição da instância, a verdade é que, tal como adverte Abrantes Geraldes, quer in “Recursos no Novo Código de Processo Civil” [2], quer no Acórdão do STJ, de 28.01.2016[3], de que foi relator, a interpretação deste preceito não pode deixar de ser feita de acordo com os demais critérios hermenêuticos do art. 9º do C. Civil, com especial relevo para os elementos sistemático e racional ou teleológico.

Assim, traçando o percurso evolutivo da regulamentação do recurso de revista e considerando os propósitos do legislador na última reforma do Código de Processo Civil, sustenta o mesmo Conselheiro que a admissibilidade do recurso de revista, nos termos que constam do art. 671º, nº1, do NCPC, deixou de estar associada ao teor da decisão da 1ª instância, como se previa no art. 721º, nº1, do Código de Processo Civil de 1961, e passou a ter por referencial o resultado declarado no próprio acórdão da Relação, sendo que esta alteração não teve como objetivo restringir o âmbito da revista.

Assim, com base nestas duas premissas, defende que na leitura do citado art. 671º, nº1, o acento tónico deve ser posto no efeito que decorre do acórdão da Relação que é objeto da revista – “termo do processo, total ou parcial - e que na interpretação do citado art. 671º, nº1 não se pode deixar de equiparar, aos casos em que o acórdão da Relação põe termo ao processo mediante “absolvição da instância” do réu ou de algum dos réus quanto a algum dos pedidos, aqueles em que o efeito extintivo é consequência de qualquer outro motivo de ordem formal, cabendo, por isso, na previsão desta norma os casos em que a Relação abstém-se de apreciar o mérito do recurso e põe termo ao processo, « designadamente a partir da confirmação ou da verificação primária de circunstâncias reveladoras da impossibilidade ou da inutilidade superveniente da lide, da deserção do recurso de apelação interposto de sentença ou da sua rejeição por inverificação  dos respetivos pressupostos ( v.g. ilegitimidade, extemporaneidade) ou de requisitos formais ( v.g. falta de alegações ou de conclusões)»[4].      

É que se assim não fosse, tal como se afirma no citado Acórdão do STJ, de 28.01.2016 «o destino da acção – e do litígio subjacente – ficaria exclusivamente na esfera decisória da Relação, sem possibilidade de intervenção do Supremo no âmbito da revista a fim de assegurar o duplo grau de jurisdição ( …) relativamente a uma questão formal que apenas surgiu com o recurso de apelação».

Quanto a nós, não se vislumbra motivos para dissentir desta interpretação, que se acolhe por ser a que melhor se molda aos critérios plasmados nos art. 9º do C. Civil e que vem sendo seguida na nossa jurisprudência, tal como se vê, entre outros, dos Acórdão do STJ, de 09.06.2016 (processo nº 6617/07) e de 13.07.2017 (processo nº 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1)[5].

E porque a mesma tem inteira aplicação no caso em apreço, porquanto o acórdão da Relação, absteve-se de conhecer do mérito do recurso de apelação por motivos meramente formais ligados à falta de conclusões, ao abrigo do disposto no art. 641, nº 2, al. b) do CPC, pondo, deste modo, termo à instância recursiva, fácil é concluir pela admissibilidade do recurso de revista interposto pela recorrente, improcedendo, deste modo, a questão prévia suscitada pelo recorrido.     



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3.2. Apreciando, agora, o mérito do recurso, impõe-se indagar se a reprodução integral e quase ipsis verbis do teor das alegações de recurso, nas respetivas conclusões, equivale à ausência destas,  não sendo, por isso, aplicável ao caso o disposto no art. 639º, nº 3 do CPC.

No sentido afirmativo, pronunciou-se o acórdão recorrido, considerando resultar claro, do confronto entre a motivação constante do corpo alegatório do recurso com a parte apelidada de “conclusões”, que «a Ré apelante reproduz em extensos 150 intens, ipsis verbis, o que foi afirmado, com pequenas alterações, no referido corpo alegatório, limitando-se a introduzir uma ordenação numérica nos parágrafos e juntando, por vezes, dois num só», não podendo, por isso, uma tal reprodução ser considerada para o efeito do cumprimento do dever de apresentar conclusões.

E, considerando ainda que esta situação não se enquadra no conceito de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, integrando, antes, um caso de “ausência de conclusões”, na medida em que se traduz numa repetição do que foi dito na motivação, entendeu que, no caso, não se justificava o convite ao aperfeiçoamento, nos termos previsto no art. 639º, nº3 do CPC, fundamentalmente por duas razões.

Porque o convite ao aperfeiçoamento previsto no citado art. 639º, nº 3, só tem razão de ser, para aquelas situações em que a parte, de facto, tentou efetuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou a existência de outro vício afeta a sua compreensibilidade num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade.

E porque, não obstante o dever de cooperação, ser um princípio estruturante do processo civil português, este dever impõe a colaboração de todos os intervenientes processuais, não podendo beneficiar de um convite ao aperfeiçoamento «quem, sabendo da obrigação legal de apresentar conclusões, não se deu, sequer, ao trabalho de tentar sintetizar os fundamentos do seu recurso, optando pelo tal “copy/paste” ».


Não obstante reconhecer não ter dado integral cumprimento ao preceituado no art. 639º, nº 1, do CPC, por as suas conclusões de recurso demasiado extensas e complexas, discorda a recorrente do entendimento perfilhado no acórdão recorrido, sustentando, no essencial, que o Tribunal da Relação não podia ter rejeitado o recurso de apelação sem que antes lhe tivesse dado a possibilidade de proceder a uma síntese efetiva do acervo conclusivo da sua alegação, tal como o impõe o disposto no citado art. 369º, nº 3.  


Vejamos.


Nesta matéria, dispõe o art. 639º, nº1, do C. P. Civil que «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão».


Decorre, assim, deste artigo impender sobre o recorrente o ónus de condensar, em conclusões, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a revogação, a alteração ou anulação da decisão impugnada, apresentados na motivação do recurso.

Mais decorre o dever de fazê-lo através de “proposições sintéticas”, ou seja, enunciando, de forma precisa, concisa e resumida, as verdadeiras questões a submeter à apreciação do Tribunal “ad quem”.

E bem se compreende a razão de ser desta exigência, pois, exercendo as conclusões a importante função de delimitação do objeto do recurso, tal como resulta do disposto no art. 635º, nº 3 do CPC, imperioso se torna que o recorrente dê a conhecer, de forma clara e com precisão, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada por forma a possibilitar clara perceção de tais questões e, desse modo,  facilitar uma tomada de posição sobre elas por parte do recorrido e  permitir ao Tribunal “ad quem” uma apreciação cirúrgica dessas mesmas questões[6].


Ora, analisando, neste contexto, a conduta processual da apelante, não temos dúvidas em afirmar que a mesma não cumpriu, como devia, o ónus de formular verdadeiras “conclusões”, pois, tal como se afirma no acórdão recorrido, limitou-se a mesma a reproduzir, em extensos 150 intens, ipsis verbis, o que foi afirmado, com pequenas alterações, no referido corpo das alegações de recurso.

Todavia e contrariamente ao entendimento seguido pelo Tribunal da Relação, não se descortina que se possa estabelecer uma equivalência entre uma tal situação de mera reprodução das alegações e a falta de conclusões, inexistindo, por isso, fundamento para a imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b) do CPC.

Desde logo porque a apelante não deixou de estabelecer, ainda que em termos meramente formais, uma diferenciação entre a motivação do recurso e as respetivas conclusões, o que nos permite afirmar que elas, na realidade existem, só que não assumem a “forma sintética” legalmente imposta.

Porque não se vislumbra que essa incorreção formal comprometa a perceção da essência do recurso.

E porque muito menos se vê, da resposta do Ministério Público, constante de fls. 107 a 124, que a mesma tivesse impedido o recorrido de apreender o sentido, alcance e o objeto do recurso, ou de alguma forma, perturbado ou dificultado o exercício do contraditório, impedindo-o de contra alegar proficientemente. 

Daí que perante a uma tal irregularidade processual que, no dizer dos Acórdãos do STJ, de 09.07.2015 (processo nº 818/07.3TBAMD.L1.S1), de 13.10.2016 (processo nº 5048/14.5TENT-A.E1.S1) e de 13.07.2017 (processo nº 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1)[7], mais se assemelha a uma situação de apresentação de alegações com o segmento conclusivo complexo ou prolixo,  competia ao relator, nos termos do disposto no art.639º, nº 3 do CPC,  proferir despacho a convidar a  recorrente  a sintetizar as suas  conclusões de recurso[8].

Assim sendo e porque nenhum convite de aperfeiçoamento das conclusões foi feito à apelante e porque só depois da formulação de tal convite e do seu eventual não acolhimento pelo recorrente  é que podem ser retirados os efeitos jurídicos que correspondam à rejeição total ou parcial do recurso, impõe-se revogar o acórdão recorrido, procedendo, deste modo, o recurso interposto.




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III – Decisão


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal conceder provimento ao recurso interposto, revogando-se o acórdão recorrido e determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação  para que seja formulado convite ao aperfeiçoamento das alegações de recurso, na parte correspondente ao segmento conclusivo, nos termos e para os efeitos  do disposto nos arts. 3º, nº 3 e 369º, nºs 1 e 3, todos do C. P.Civil. 


Custas do recurso, a cargo da parte vencida a final.


Notifique.



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Supremo Tribunal de Justiça, 7 de março de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

José Manuel Bernardo Domingos


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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2]   2018, 5ª ed., págs.  353 a 357.
[3] Proferido no processo nº 1006/12.2TBPRD.P1-A.S1 e acessível in www.dgsi.pt/stj
[4] In, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”,  2018, 5ª ed., pág.  353.
[5] Acessíveis in www.dgsi.pt/stj.
[6] Neste sentido, cfr. Alberto dos Reis , in, “Código de Processo Civil, Anotado”; Vol. V, pág. 359;  Amâncio Ferreira, in, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 7ª ed. , págs. 172 e 173 e Acórdão do STJ, de 13.07.2017 ( processo nº 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1”, acessível in www.dgsi.pt/stj.
[7] Acessíveis in www.dgsi.pt/stj.
[8] Neste mesmo sentido, cfr. Abrantes Geraldes, in, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed., págs. 156 a 159.