Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7318/23.2T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTE COMUM
VALIDADE
DELIBERAÇÃO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
PROPOSTA DE CONCORDATA
VOTAÇÃO
NEGAÇÃO DA REVISÃO
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Para a válida celebração de contrato de arrendamento de parte comum do imóvel constituído em regime de propriedade horizontal é necessária a unanimidade dos condóminos nos termos conjugados do disposto no nº 2 do artigo 1024º e no nº 1 do artigo 1420º, ambos do Código Civil.
Decisão Texto Integral:

Recorrente: Omtel, Estruturas de Comunicações, S.A., ré

Recorridos: AA,

BB,

CC,

DD, autores


*

I – Relatório

I.1

Omtel, Estruturas de Comunicações, S.A., ré, apresentou recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 5 de Junho de 2025 que confirmou, com fundamento diferente, a sentença proferida 1.ª Secção Cível da Instância Central de Lisboa que declarou nulo o arrendamento celebrado entre 1º e 2ª RR, e, em consequência condenara a 2ª R a retirar as antenas e materiais existentes no imóvel no espaço de 30 dias, que termina com as seguintes conclusões:

A. O presente Recurso deverá ser admitido enquanto revista normal, uma vez que não se verifica a “dupla conforme” prevista no artigo 671.º, n.º 1 do CPC, tendo em conta a fundamentação distinta entre a decisão do Tribunal de 1.ª Instância e o Acórdão Recorrido.

B. Caso assim não se entenda – o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se pondera –, tal recurso deverá ser admitido enquanto revista excecional, nos termos e para os efeitos do artigo 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC, porquanto, no Acórdão da Relação do Porto de 03.06.2007 (supra melhor referenciado e junto como Documento n.º 1), discutiu-se precisamente a maioria exigida para “a colocação de a colocação de armário de transmissões de antenas no telhado” de um prédio constituído do propriedade horizontal – como sucede no presente caso –, tendo tal Acórdão decidido no sentido pugnado pela Recorrente e em total contradição com o Acórdão Recorrido (tendo tal contradição constituído a ratio decidendi de ambas as decisões).

C. O artigo 1024.º, n.º 2 do CC, previsto para o “arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores”, ou seja, para o arrendamento de prédio indiviso em caso de compropriedade, não pode ser aplicável ao presente caso. Consequentemente, não pode ser exigida unanimidade para a Deliberação de 2022.

D. Em 1.º lugar, porque, como bem nota a Sentença do Tribunal de 1.ª Instância, “o imóvel em apreço nos autos não é indiviso, nem sequer se encontra em compropriedade mas sim em propriedade horizontal”.

E. Em 2.º lugar, porque não existe qualquer lacuna no regime da propriedade horizontal que justifique / legitime a aplicação de tal preceito, nos termos e para os efeitos do artigo 10.º, n.º 1 do CC. De facto, o legislador ordinário foi exaustivo no regime da propriedade horizontal, ao prever maiorias qualificadas (face à regra geral da maioria dos votos representativos do capital investido, prevista no art. 1432.º, n.º 5 do CC) para determinadas deliberações em assembleia de condóminos, tendo em conta o seu objeto.

F. Em 3.º lugar, ainda que existisse, em abstrato, uma lacuna no regime da propriedade horizontal, tal artigo (i.e., o art. 1024.º, n.º 2 do CC) nunca poderia ser aplicável analogicamente àquele regime, uma vez que se trata de uma norma excecional (cfr. art. 11.º do CC).

G. Em 4.º lugar, porque a aplicação deste artigo ao regime da propriedade horizontal criaria uma distorção / incongruência intolerável deste regime, tendo em conta outras maiorias exigidas pelo mesmo.

H. A Recorrente entende que é aplicável a maioria de 2/3 pelo facto de as antenas visíveis nas fotografias de fls. 36v e 37v. alterarem o arranjo estético do prédio (cfr. art. 1422.º, n.º 3 do CC), conforme decidido pelo Tribunal de 1.ª Instância, e que a mesma se tem por verificada, por 723,23/1000 dos votos favoráveis (cfr. arts. 76.º e 77.º da Contestação da Ré Omtel, arts. 28.º a 30.º da Contestação do Réu Condomínio e ata da Deliberação de 2022 junta como Documento n.º 10 à Contestação do Réu Condomínio).

I. E mesmo que assim não fosse, esta maioria sempre se teria por verificada nos 90 dias após a comunicação da Deliberação de 2022 aos condóminos ausentes, sem que os mesmos tenham manifestado a sua discordância, sendo tal silêncio considerado como aprovação da Deliberação, nos termos do artigo 1432.º, n.º 11 do CC.

J. Caso se entenda que a Deliberação não foi aprovada por uma maioria de 2/3 – o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se pondera –, a consequência terá de ser a remoção das referidas antenas (uma vez que são estas – e só estas – que, por alterarem o arranjo estético do prédio, fazem com que seja exigida a referida maioria qualificada – cfr. 1422.º, n.º 3 do CC), devendo manter-se no imóvel os restantes materiais colocados na sequência do Contrato de Arrendamento de 2022, para os quais a lei apenas exige maioria simples (cfr. art. 1432.º, n.º 5 do CC), que se verifica no presente caso (cfr. art. 54.º supra e ata da Deliberação de 2022 junta como Documento n.º 10 à Contestação do Réu Condomínio).

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser admitido, os respetivos fundamentos acolhidos e o mesmo julgamento totalmente (ou, subsidiariamente, parcialmente) procedente, com a consequente revogação total (ou, subsidiariamente, parcial) do Acórdão Recorrido e improcedência da presente ação.

Os recorridos apresentaram contra-alegações concluindo do seguinte modo:

A. A outorga de contrato de arrendamento de parte comum de prédio constituído em propriedade horizontal carece do consentimento expresso de todos os condóminos, sob pena de nulidade, atento o disposto nos artigos 1024.º, n.º 2 e 294.º, ambos do Código Civil, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III – 2ª edição -, pág. 417, nota 4 e Menezes Cordeiro, in Direitos Reais, II Volume, pág. 907.

B. A Recorrente baseia o seu recurso no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06.03.2007 (Proc. 0720180) que foi revogado pelo Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 19.03.2009, que declarou que carecem de ser aprovadas por unanimidade as deliberações da assembleia de condóminos que se destinam a permitir a celebração de um contrato de arrendamento com esse objecto, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.03.2009, Proc. 07B3607.

C. Igual entendimento – sobre a necessidade de o arrendamento de partes comuns de prédio em propriedade horizontal carecer da aprovação de todos os condóminos – resulta de diversos arestos jurisprudenciais, como sejam, para além do Acórdão recorrido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.05.2012, Proc. 075/12 e o Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa, de 03.07.2003, Proc. 4853/2003-6.

D. Bem andou o Tribunal a quo ao concluir que a deliberação votada na assembleia de condóminos do dia 30.03.2022, e relativa à proposta de negociação da OMTEL, é nula, assim como nulo é também o contrato de arrendamento celebrado entre as Rés em 23.05.2022, porque assente numa deliberação nula.

E. Quanto ao entendimento da Recorrente de que seria suficiente maioria de dois terços da permilagem total do prédio para aprovar o contrato de arrendamento sub judice: na assembleia de condomínios de 30.03.2022 estiveram presentes e representados condóminos que representavam um “quórum legal de seiscentos e cinquenta e sete vírgula cinquenta (657.50%o)”, cfr. facto provado n.º 10.

F. Tendo estado presente na assembleia 65,75% do valor total do prédio, ou seja, menos de dois terços da maioria representativa do Condomínio (66,66%) é inequívoco que a deliberação constante do ponto 4, alínea b) da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos foi aprovada por menos de dois terços da maioria representativa do Condomínio (66,66%).

G. A norma constante do artigo 1432.º, n.º 11 do Código Civil, invocada pela Recorrente no seu recurso de revista – que nunca seria subsumível ao caso sub judice – não é aplicável, na medida em que entrou em vigor no dia 10.04.2022 e a deliberação in casu foi tomada em 30.03.2022.

H. Quanto à alegação da Recorrente de que “deverão manter-se no imóvel os restantes materiais colocados na sequência do Contrato de Arrendamento de 2022” que não alterem o arranjo estético do prédio, trata-se de questão nova não suscitada anteriormente, e por isso, inadmissível, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.10.2020, Proc. 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1.

I. Não só não resultam provados quaisquer factos sobre terem sido colocados materiais que não alterem o arranjo estético do prédio, como os materiais que foram colocados no prédio pela Recorrente, após a celebração do contrato de arrendamento de 2022, foram-no ao abrigo desse mesmo contrato de arrendamento pelo que, a nulidade deste, obriga à remoção de todo o material, atento o disposto no artigo 289.º do Código Civil.

J. Admitir-se a manutenção de material colocado pela Recorrente nas partes comuns do prédio, ao abrigo de contrato de arrendamento declarado nulo, seria permitir a produção de efeitos de negócio nulo e, simultaneamente, permitir à Recorrente a utilização gratuita de áreas comuns do prédio.

K. Ao manter a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, o Tribunal a quo fez correcta aplicação do Direito, devendo ser mantida a sentença recorrida.

L. DA AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO, A TÍTULO SUBSIDIÁRIO

Ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 1 do CPC, prevenindo a necessidade da sua apreciação, a título subsidiário, os Recorridos requerem a ampliação do âmbito do recurso, por forma a que este Douto Tribunal aprecie o fundamento, não adoptado pelo Tribunal a quo, sobre o facto de do ponto 4, alínea b) da acta da assembleia de condóminos realizada em 30.03.2022 não resultar a aprovação de deliberação em que os condóminos tenham aceitado e autorizado expressamente a administração do Condomínio a outorgar com a Recorrente um contrato de arrendamento.

M. Da acta n.º 30 da assembleia de condóminos realizada em 30.03.2022 não resulta uma deliberação da assembleia de condóminos a autorizar a celebração de contrato de arrendamento, nos moldes em que foi celebrado, entre a Recorrente e o Condomínio.

N. Não é aí feita menção a qualquer contrato de arrendamento, nem aos moldes em que o mesmo seria celebrado pelo Condomínio em representação dos condóminos.

O. Do Doc. n.º 7 da Petição Inicial – que fazia menção a “aprovação de renovação contracto Antena Altice” e que seria necessária a aprovação por todos os condóminos – não resulta menção à instalação de novas antenas e novos componentes no prédio, nem que seriam dadas novas áreas de arrendamento nas partes comuns do prédio.

P. Sem prejuízo da manifesta nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre as Rés atenta a violação do disposto no artigo 1024.º, n.º 2 do Código Civil, também por este fundamento seria nulo o contrato de arrendamento, por força da nulidade da deliberação e da nulidade de um arrendamento feito sem poderes da Administração do Condomínio para o efeito, por inexistir deliberação expressa a autorizá-la.

TERMOS EM QUE

Requer a V. Exas. se dignem negar provimento à revista, mantendo-se na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal a quo.


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I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto no art. 671.º do Código de Processo Civil.


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I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:

1. Maioria necessária para aprovação da deliberação da assembleia de condóminos a autorizar a celebração de contrato de arrendamento de parte comum de imóvel constituído em regime de propriedade horizontal.

2. Existência de deliberação em que os condóminos tenham aceitado e autorizado expressamente a administração do Condomínio a outorgar com a Recorrente um contrato de arrendamento.


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I.4 - Os factos

O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

1. Os 1.ºs Autores são os donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra “N”, correspondente ao terceiro andar esquerdo, destinado a habitação, com entrada pelo n.º 4-A da Rua 1, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua 1, n.ºs 4 a 4D, freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o n.º ..60 e inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia das Avenidas Novas, sob o artigo .00.º, conforme resulta dos Doc. n.ºs 1 e 2 juntos com a pi;

2. Os 2.ºs Autores são os donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra e número “F-1”, correspondente ao sétimo andar direito, destinado a habitação, com entrada pelo n.º 4-C da Rua 1, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua 1, n.ºs 4 a 4D, freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o n.º ..60 e inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia das Avenidas Novas, sob o artigo .00.º, conforme resulta dos Doc. n.ºs 3 e 4 juntos com a pi;

3. A administração do 1.º Réu – Condomínio - é exercida por EE, contribuinte fiscal n.º .........42, titular do Cartão de Cidadão n.º ......81 6ZZ3, com residência na Rua 2 Lisboa, conforme resulta do Doc. n.º 5 juntos com a pi;

4. A 2.ª Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto a construção, instalação, manutenção e propriedade e gestão, sob qualquer forma, de infra estruturas passivas aptas ao alojamento de redes de comunicações electrónicas e outros dispositivos, para disponibilização das mesmas a terceiros.

5. Em 01.05.1998, foi celebrado entre o 1.º Réu e a TMN – Telecomunicações Móveis Nacionais, S.A. (“TMN”) um “Contrato Promessa de Arrendamento”, através do qual o 1.º Réu prometeu dar de arrendamento à TMN, que prometeu tomar de arrendamento, uma área de 8m2 no terraço do prédio sito na Rua 1, n.ºs 4 a 4D, em Lisboa, ”para colocação de um contentor mais espaço suficiente para instalação ao nível do 3.º andar das antenas e cablagens de interligação”, conforme resulta do Doc. n.º 6 junto com a pi;

6. A renda anual paga ao 1.º Réu, ao abrigo daquele contrato foi fixada na quantia de Esc. 1.200.000$00 (um milhão e duzentos mil escudos) que, em função das actualizações anuais previstas na Cláusula Sexta do “Contrato Promessa de Arrendamento” se fixava, no ano de 2021, em € 7.662,00 (sete mil, seiscentos e sessenta e dois euros).

7. Por documento datado de 09.12.2021, a Administradora do 1.º Réu remeteu aos condóminos do prédio sito na Rua 1 n.ºs 4 a 4D, informação dando nota de que “a administração foi uma vez mais contactada, desta feita diretamente pela empresa responsável pelas instalações da Altice (anterior Meo/PT) para saber do interesse do condomínio em manter a infraestrutura, renegociando o respetivo contrato ou cessando o mesmo”, cfr. Doc. n.º 7 junto com a pi;

8. Em consequência transmitiu aos condomínios a “proposta apresentada pela OMTEL/CELLNEX que resumidamente corresponde a uma proposta anuidade de 6.500 € líquidos (atualmente é de 7.662€ líquidos), o contrato será celebrado”, solicitando que, no âmbito de “consulta vinculativa” (sic), os condóminos se pudessem pronunciar, cfr. Doc. n.º 7.

9. A Administradora da 1.ª Ré salientou que “a oposição de qualquer condómino impede a celebração do novo contrato e será removida a instalação”, cfr. Doc. n.º 7;

10. No dia 30.03.2022, teve lugar a assembleia ordinária de condóminos do prédio sito na Rua 1, n.ºs 4 a 4D, em Lisboa, em que estiveram presentes e representados condóminos que representavam um “quórum legal de seiscentos e cinquenta e sete vírgula cinquenta (657.50%o)”, conforme resulta do Doc. n.º 8 juntos com a pi;

11. De entre a ordem dos trabalhos, constava o “4º Ponto: Apreciação, discussão e/ou aprovação de obras a realizar no prédio: (...) b) proposta de negociação da OMTEL – gestora de infra- estruturas de telecomunicações”, cfr. Doc. n.º 8.

12. Da acta referente à assembleia ordinária de condóminos realizada em 30.03.2022 (acta n.º 78), resulta, quanto àquele ponto da ordem de trabalhos, que: “b) proposta de negociação da OMTEL – gestora de infra-estruturas de telecomunicações. foi esclarecida a assembleia sobre a colocação deste ponto, após o envio de consulta vinculativa aos condóminos em 9 de Dezembro de 2021. Ora, tal situação deve-se ao facto de existirem condóminos que não responderam à referida consulta vinculativa e desta forma realizando-se a assembleia foi entendimento da administração que deveria constar da ordem dos trabalhos, para que todos os que não responderam pudessem estar presentes diretamente ou por representação na assembleia, manifestando o seu sentido de voto. Assim, esclarecida esta questão foi colocada a proposta à votação pelos presentes, tendo sido aprovada por maioria dos presentes, com os votos contra dos condóminos das frações F1 – 7º dtº, nrº 4 C, N – 3.º esqº, n.ºs 4ª e 11 – 8º Esqº., nr. 4, com a abstenção da fração D – 1º dtoº, nrº 4C, quanto aos restantes condóminos que manifestaram o seu voto através de consulta vinculativa a assembleia ratifica aqueles votos e considera-os como anexo à presente ata – Anexo Cinco de 22 folhas à presente ata e que fazem parte integrante da mesma”, cfr. Doc. n.º 8.

13. Os Autores votaram contra a deliberação colocada à apreciação da assembleia de condóminos referente à “b) proposta de negociação da OMTEL – gestora de infraestruturas de telecomunicações”;

14. Por contrato datado de 23.05.2022, o 1.º Réu e a 2.ª Ré celebraram um “Contrato de Arrendamento”, através do qual o primeiro deu de arrendamento à segunda, que a tomou, “uma parte do Imóvel, livre de quaisquer ónus ou encargos, com a área de 08 (oito) m2, mais espaço suficiente para colocação de infra estruturas de suporte de antenas e outros equipamentos e/ou dispositivos e respectivas cablagens e interligação”, pelo “prazo inicial de 20 (vinte) anos, com início em 01 de Maio de 2022 e termo para 30 de Abril de 2042, renovando-se automática e sucessivamente por períodos de 5 (cinco) anos”, conforme resulta do Doc. n.º 9 junto com a pi;

15. No referido contrato foi estipulada a renda anual de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), a pagar pela 2.ª Ré ao 1.º Réu, conforme resulta da Cláusula Quarta, n.º 1 do Contrato de Arrendamento, cfr. Doc. n.º 11 junto com a pi;

16. A renda anual convencionada entre os Réus - € 6.500,00 – era inferior à que se encontrava em vigor até 2021, no âmbito do “Contrato Promessa de Arrendamento” celebrado entre o 1.º Réu e a TMN;

17. Resulta ainda do contrato celebrado entre os Réus que:

a. A 2.º Ré “e as entidades a quem a mesma permita a utilização do Espaço arrendado ou do equipamento ficam autorizadas a efectuar no Espaço arrendado, por si ou através de entidades subcontratadas, todos os trabalhos necessários à adaptação e utilização do mesmo para os fins do presente Contrato, nomeadamente a instalação, alteração, manutenção e modernização do Equipamento, podendo substituí-lo, alterar o seu posicionamento e instalar ou alterar caminhos de cabos e equivalentes, e , bem assim, proceder à instalação de quaisquer dispositivos que se afigurem necessários”, cfr. Cláusula Quinta do Contrato;

b. O 1.º Réu “permitirá o livre acesso e a passagem ao Espaço arrendado, 365 dias por ano, 24 horas por dia, parte da Segunda Contraente, do pessoal ao seu serviço, ou de entidades a quem a mesma permita a utilização do Espaço arrendado e/ou do Equipamento”, cfr. Cláusula Décima, n.º 1 do Contrato; e

c. A 2.ª Ré ficou “autorizada a ceder a sua posição contratual a favor de quaisquer terceiros”, cfr. Cláusula Décima Primeira do Contrato (Doc. n.º 9).

18. Previamente à celebração do contrato de arrendamento entre os Réus, estavam colocadas 3 (três) antenas de telecomunicações, nas fachadas laterais, as quais correspondiam às imagens de fls. 57 vs. a 58 dos autos.

19. Ao abrigo do contrato de arrendamento em apreço (23-05-2022) as antenas encontram-se colocadas no terraço/ cobertura do prédio em termos de imagem de fls. 36 vs a 38 dos autos.

20. A 2.ª Ré efectuou a colocação de 4 (quatro) novas bases de apoio – mastros - com três novas antenas na cobertura do prédio sito na Rua 1, n.ºs 4 a 4D, mantendo as 3 (três) antenas existentes nas fachadas, conforme resulta do Doc. n.º 10 junto com a pi;

21. Na assembleia de condomínios de 30-03-2022 estiveram presentes 65,75% dos condóminos representativos da totalidade do prédio.

22. Em Dezembro de 2003 foi assinado um aditamento ao contrato de arrendamento, aditamento esse que foi negociado e assinado quando o 1ª era coadjuvante da Sr.ª administradora residente, cargo para o qual o 1ª foi eleito em 22/4/2003;

23. O 1.º Autor foi eleito administrador interino para o biénio 2015/2016.

24. Os Autores nunca se opuseram à celebração do anterior contrato de arrendamento de 01-05-1998, e suas renovações

25. No dia 30/3/2022 a 1R reuniu em assembleia ordinária e proferiu a acta nº 37, a qual consta de fls. 66v a 96 dos autos;

26. Verificaram-se as seguintes alterações societárias relativamente à arrendatária:

- A TMN – Telecomunicações Móveis Nacionais, SA, NIPC 502600268, alterou a firma para MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA

- A MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA, NIPC 502600268, foi objecto de fusão, sendo incorporada na PT Comunicações, SA, NIPC 504159947, que por sua vez alterou a firma para MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA;

- MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, SA, NIPC 504159947, foi objecto de cisão para constituir a nova sociedade denominada PASSIVEL - Equipamentos Passivos para Suporte de Antenas de Telecomunicações com o NIPC 515006734;

- PASSIVEL - Equipamentos Passivos para Suporte de Antenas de Telecomunicações com o NIPC 515006734 alterou a firma para OMTEL – Estruturas de Comunicações, SA.


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Factos não provados:

Dado que as partes acordaram quanto a toda a matéria de facto não existem factos controvertidos.


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II – Fundamentação

1 – Maioria necessária para aprovação de deliberação da assembleia de condóminos a autorizar a celebração de contrato de arrendamento de parte comum de imóvel constituído em regime de propriedade horizontal

O acórdão recorrido decidiu, sobre esta questão o seguinte:

(…) Está agora fundamentalmente em causa a questão de saber qual o regime aplicável à celebração de um contrato de arrendamento destinado a proporcionar a ocupação pela OMTEL-Estruturas de Comunicações, SA” de “uma parte do Imóvel, livre de quaisquer ónus ou encargos, com a área de 08 (oito) m2, mais espaço suficiente para colocação de infraestruturas de suporte de antenas e outros equipamentos e/ou dispositivos e respetivas cablagens e interligação”, pelo “prazo inicial de 20 (vinte) anos, com início em 01 de maio de 2022 e termo para 30 de abril de 2042, renovando-se automática e sucessivamente por períodos de 5 (cinco) anos”, como se deu por provado.

É ao Código Civil que há que recorrer para encontrar a disciplina aplicável ao mesmo contrato.

No que em particular agora interessa – apreciar a validade da deliberação que aprovou por maioria dos presentes a proposta de negociação da OMTEL, com vista à celebração do contrato de arrendamento referido, tendo como objecto partes comuns de um prédio em regime de propriedade horizontal – há que situar aquela disciplina no contexto da propriedade horizontal, tendo especificamente em conta o regime definido para a utilização e administração das referidas partes comuns.

Entre as regras que o Código Civil define expressamente para a propriedade horizontal não figura a hipótese que agora nos interessa.

No entanto, encontra-se na regulamentação específica da locação a afirmação, por um lado, de que, para o locador, “a locação constitui (…) um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior a seis anos” mas, por outro, a de que, tratando-se de “arrendamento de prédio indiviso”, o contrato só será válido se todos os comproprietários estiverem de acordo.

É fácil de compreender esta exigência, tendo em conta os efeitos decorrentes da celebração deste contrato. A locação destina-se a proporcionar ao locatário “o gozo temporário de uma coisa” (artigo 1022º do Código Civil), o que implica, por exemplo, a sua entrega ao locatário e a obrigação de lhe assegurar o referido gozo (artigo 1031º), bem como a impossibilidade, por parte do locador, de praticar actos que o impeçam ou diminuam (artigo 1037º).

Coloca-se assim a questão de saber se a exigência de unanimidade vale para o arrendamento de partes comuns em caso de propriedade horizontal, como resultaria da conjugação entre o nº 2 do artigo 1024 e o nº 1 do artigo 1420, ambos do Código Civil e ambos já citados.(…) Diferentes problemas levanta o arrendamento de partes comuns, que necessariamente afecta em termos que não resultam da função instrumental que desempenham relativamente à utilização das fracções autónomas. Por isso se coloca, desde logo, o problema de saber a quem cabe o poder de o decidir – ao administrador ou à assembleia de condóminos; e, competindo à assembleia, o de determinar como tem de ser aprovada a correspondente deliberação – unanimidade ou maioria, e que maioria.

Faz, pois, todo o sentido averiguar se o nº 2 do artigo 1024 do Código Civil é ou não aplicável ao arrendamento de partes comuns, no âmbito da propriedade horizontal.

Entendemos que é necessária a unanimidade dos condóminos (não se questionando, naturalmente, a possibilidade de tal unanimidade se manifestar pelo modo previsto no nº 5 do artigo 1432 do Código Civil), nos termos conjugados do disposto no nº 2 do artigo 1024 e no nº 1 do artigo 1420, ambos do Código Civil.

A aplicação destes preceitos não implica o reconhecimento de nenhum caso omisso, a preencher por analogia, mais ou menos próxima. O nº 2 do artigo 1024 contém uma regra própria do contrato de arrendamento; tal como as demais que a lei define para tal contrato, é aplicável no âmbito da propriedade horizontal, porque nenhuma regra específica deste instituto se lhe opõe, nem directa, nem indirectamente (como poderia na verdade resultar das normas definidas para a formação da vontade na assembleia de condóminos).

É incontestável, como aliás se viu já, que a lei regulou a administração das partes comuns, no âmbito da propriedade horizontal; não previu expressamente, porém, a formação da vontade de decidir celebrar um contrato de arrendamento de partes comuns.

É igualmente incontestável a qualificação legal da locação como acto de administração ordinária, desde que celebrada por prazo não superior a seis anos. Todavia, o mesmo artigo 1024 do Código Civil, que afirma essa qualificação, afasta desde logo dificuldades que criaria a sua articulação meramente formal com a atribuição a todos os comproprietários do direito de administrar a coisa comum. Não seria realmente aceitável que um comproprietário pudesse impor aos demais as consequências próprias da incidência de um arrendamento no prédio indiviso.

São essas mesmas consequências, aliás, que materialmente justificam a adequação da regra da unanimidade ao arrendamento de partes comuns na propriedade horizontal; e que excluiriam liminarmente a conclusão de que a decisão de arrendar partes comuns, ainda que por prazo não superior a seis anos, figuraria entre os poderes do administrador da propriedade horizontal. Note-se, quanto a este ponto, que o artigo 1436 do Código Civil não confere ao administrador, genericamente, o poder de praticar actos de administração ordinária, antes conferidos à assembleia de condóminos (nº 1 do artigo 1430º).

E, diga-se ainda, são essas mesmas consequências que afastam a hipotética afirmação de que seria incongruente exigir unanimidade para a prática de um acto de administração e não a impor relativamente a diversos actos especialmente relevantes, para os quais a lei se satisfaz com maiorias qualificadas. Assim, por exemplo, para as decisões de aprovação de “obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício” (nº 3 do artigo 1422) ou que “constituam inovações” (nº 1 do artigo 1425), de alteração do uso, “sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fracção autónoma” (nº 4) ou de reconstrução, em caso de destruição do edifício que não atinja ¾ do seu valor (nº 2 do artigo 1428). Ou para as deliberações em que o legislador revela que preferiria a unanimidade – preferência que se manifesta ao exigir a inexistência de oposição – mas em que se satisfaz com a aprovação por maioria simples ou qualificada sem votos contra, como ocorre com a proibição de actos ou actividades não vedados pelo título constitutivo (al. d) do nº 2 do artigo 1422), com a autorização de divisão de fracções autónomas, quando não permitida no título constitutivo (nº 3 do artigo 1422º-A), com a inclusão, no regulamento do condomínio, de critérios de repartição das despesas relativas a serviços de interesse comum (nº 2 do artigo 1424º).

É manifesta em várias hipóteses a intenção do legislador de facilitar a administração do prédio; essa intenção, todavia, não o levou – como poderia ter feito por ocasião da revisão do regime da propriedade horizontal em 1994, que consabidamente teve em vista um aumento da eficiência na administração dos prédios submetidos a tal regime –, a afastar a regra da unanimidade para a decisão de dar de arrendamento partes comuns do prédio.

A terminar este ponto, relembra-se o que atrás se disse sobre a impossibilidade de fazer cessar a indivisão das coisas comuns; na verdade, essa impossibilidade justifica uma maior exigência para a aprovação de actos que, como o arrendamento, visam atribuir o direito de as utilizar.

O caso concreto

A deliberação de 30 de março de 2022, em causa nos autos, não obteve, pois, a unanimidade necessária para o efeito. E a mesma destinava-se a permitir o arrendamento de parte comum do prédio dos autos.

Sendo necessário a votação unânime dos condóminos, é neste momento irrelevante, porque inútil, estar a verificar se na assembleia de condóminos que teve lugar no dia 30 de março de 2022 a deliberação foi votada (ou não) por 2/3 dos condóminos.

O que a lei exige é a unanimidade da deliberação e esta não se verificou.”.

O acórdão recorrido, não o mencionando, seguiu muito de perto o ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 2009, proferido no proc. n.º 07B3607, acessível em www.dgs.pt que é um dos muitos que se pronunciaram sobre a questão aqui suscitada concluindo, com fundamentação a que totalmente aderimos, e se mostra parcialmente transcrita no acórdão recorrido que “Carecem, todavia, de ser aprovadas por unanimidade as deliberações da assembleia de condóminos que se destinam a permitir a celebração de um contrato de arrendamento com esse objecto, sob pena de serem anuláveis.”. No mesmo sentido decisório alinharam, entre outros os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos em 24/05/2007, na revista 1209/07, em 23/10/2012 na revista 0544/12, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Em sentido divergente e, assente num argumento de maioria de razão, existia o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06/03/2007, proferido no processo 0720180, que foi revogado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 19 de Março de 2009, proferido no proc. n.º 07B3607, antes indicado, como tendo sido seguido pelo acórdão recorrido, muito embora a indicação numérica dos processos não pareça coincidente.

O mesmo entendimento de que que é necessária a unanimidade dos condóminos (não se questionando, naturalmente, a possibilidade de tal unanimidade se manifestar pelo modo previsto no nº 5 do artigo 1432º do Código Civil), nos termos conjugados do disposto no nº 2 do artigo 1024º e no nº 1 do artigo 1420º, ambos do Código Civil para a válida celebração de contrato de arrendamento de parte comum do imóvel constituído em regime de propriedade horizontal, como vem sendo reafirmado, mais recentemente, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 30/06/2006 no processo n.º 1870/5002, e, em 05/06/2025 no proc. 7318/23.2T8LSB.L1-8.

Os argumentos convocados pela recorrente no sentido da desnecessidade de unanimidade dos condóminos, neste caso, perecem em face daquilo que consta da lei, tal como interpretada pelo acórdão recorrido, seguindo o já firmado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 2009 em análise detalhada, coerente e clara que inteiramente sufragamos.

Improcede o recurso com este fundamento.

Queda, deste modo, prejudicada a apreciação do pedido de ampliação do recurso apresentado pelos recorridos.


***

III – Deliberação

Pelo exposto acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


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Lisboa, 27 de Novembro de 2025

Ana Paula Lobo (relator)

Catarina Serra

Carlos Portela