Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
65/14.8T8FAF.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA AÇÃO
CADUCIDADE
DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL
CONSTITUCIONALIDADE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DE PROVA
Data do Acordão: 06/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA, CONFIRMADO O ACÓRDÃO IMPUGNADO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / ESTABELECIMENTO DA FILIAÇÃO / RECONHECIMENTO JUDICIAL / PRAZO PARA A PROPOSIÇÃO DA ACÇÃO.
DIREITO CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS / DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS.
Doutrina:
-Ana Rita Madeira, A acção de investigação da paternidade: caducidade versus imprescritibilidade, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 7, n.º 14, Coimbra Editora, 2010, 89;
-Antunes Varela, Projecto do Código Civil, Lisboa, 1966, 48;
-Carla Amado Gomes, Filiação, adopção e protecção de menores - Quadro constitucional e notas de jurisprudência, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 4, n.º 8, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, 21 e 22;
-Cristina Dias, Investigação da paternidade e abuso de direito. Das consequências jurídicas do reconhecimento da paternidade - anotação ao Ac. do STJ de 09.04.2013, Processo nº 187/09, Cadernos de Direito Privado, N.º 45, janeiro/março, Braga, CEJUR, 2014, 32 a 59;
-Estela Barbas, Direito do Genoma Humano, Coimbra, Almedina, 2007, 496;
-Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 1993, 179;
-Gomes da Silva, O Direito da Família no Futuro Código Civil, segunda parte, BMJ, n.º 88, Lisboa, 1959, 86 e 87;
-Guilherme de Oliveira, A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito das pessoas e da família, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 6, n.º 12, Julho/Dezembro, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 111 e 112 ; Caducidade das Acções de Investigação ou caducidade do dever de perfilhar, a pretexto do acórdão n.º 401/2011 do Tribunal Constitucional, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 9, N.ºs 17 e 18, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, 53, 54, 107 a 115 ; Caducidade das Acções de Investigação, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 9, N.ºs 17 e 18, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, 10 ; Caducidade das acções de investigação, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, 49 a 58 ; A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito das pessoas e da família, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 6, n.º 12, Julho/Dezembro, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 112 ; Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano I, n.º1, 2004, 7 a 13 ; Critério Jurídico da Paternidade, Reimpressão, Coimbra, Livraria Almedina, 1998,100 a 109, 460, 465 a 468 ; Estabelecimento da filiação, 2.ª reimpressão, Coimbra, Livraria Almedina, 1993, 41 ; Estabelecimento da Filiação, Coimbra, 1979, 4º; De Cupis, Comentario al Diirito Italiano della Famiglia, IV, 1992, 181 ; Estabelecimento da Filiação, Coimbra, Livraria Almedina, 1993, 10, 109 e 145 ; O direito da filiação na jurisprudência recente, Coimbra, s.n., 1980, 4;
-Helena Machado, Vaca que anda no monte não tem boi certo: uma análise da prática judicial de normalização do comportamento sexual e procriativo da mulher, Revista Critica de Ciências Sociais, n.º 55, Novembro, Centro de Estudos Sociais, 1999, 181, in http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/3596;
-João de Castro Mendes, Direito da Família, AAFDL, 1997, 222;
-João Loureiro, Filho(s) de um gâmeta menor? Procriação medicamente assistida heteróloga, Revista Lex Medicinae, Ano 3.º (2006), n.º 6, 26 e segs.;
-Jorge Duarte Pinheiro, Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º1 do Código Civil - Acórdão do TC nº 23/2006, de 10.01.2006, Cadernos de Direito Privado, n.º 15, Julho/Setembro, Braga, CEJUR, 2006, 178 e 179 ; O Direito da Família Contemporâneo, 4.ª edição, AAFDL, Lisboa, 2015, 135 e 172;
-Jorge Martins Ribeiro, O direito do homem a rejeitar a paternidade de filho nascido contra a sua vontade. A igualdade na decisão de procriar, Coimbra, Coimbra Editora, 2013;
-Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Anotada, I, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, 609; , 813 e 814;
-Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 4.ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 2008, 181 e 187;
-José da Costa Pimenta, Filiação, 4.ª edição, Livraria Petrony, 2001, 146;
-Maria José Capelo, Interesse processual e legitimidade singular nas acções de filiação, Studia Iuridica, 15, Coimbra Editora, 1996, 11 e 74;
-Paula Távora Vítor, A propósito da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril: breves considerações, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 6, n.º 11, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 88 e 91;
-Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, volume II, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, 50 e 52;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, V, Coimbra Editora, 1995, 82 e 303;
-Rafael Vale Reis, Direito ao conhecimento das origens genéticas, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, 193;
-Rafael Vale Reis, Filho depois dos 20…! Notas ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 486/2004 de 7 de Julho, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 2, n.º 3, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, 128, 129 e 131 ; O direito ao conhecimento das origens genéticas”, 108 e 109;
-Remédio Marques, Caducidade da acção de investigação da paternidade: o problema da aplicação imediata de lei 14/2009 de 1 de abril às acções pendentes, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXXV, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, 200 e 201;
-Susana Costa, (S)Em nome do pai, 173, in www.ces.uc.pt/rccs/includes/download.php?id=2306;
-Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ nº 107, 191 ; Provas, BMJ, nº 112, 128;
-Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição da Republica Portuguesa de 1976, 3.ª edição, Almedina, 2004, 222 e ss.; No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 370/91, de 25-09-1991, Processo nº 401/89, www.dgsi.pt ; Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, 302.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1817.º, N.ºS 1, 2 E 3, ALÍNEA B);
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 26.º E 36.º.
LEI DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.
LEI DA PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA E O REGIME JURÍDICO DO PROCESSO DE ADOÇÃO.
Legislação Estrangeira:
CÓDIGO CIVIL DE MACAU.
LEI SUIÇA.
CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 07.07.2009, PROCESSO N.º 1124/05.3TBLGS.S1;
- DE 21.09.2010, PROCESSO N.º 495/04 – 3TBOR.C1.S1., WWW.DGSI.PT;
- DE 08.06.2010, PROCESSO N.º 1847/08.5TULSB.A.L1.S1;
- DE 21.09.2010, PROCESSO Nº 495/04.3TBOR.C1.S1;
- DE 06.09.2011, PROCESSO N.º 1167/10.5TBPTL.S1;
- DE 29.11.2012, PROC. Nº 367/10.2TBCBC-A.G1.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 09.04.2013, PROCESSO N.º 187/09.7TBPFR.P1.S1;
- DE 09.04.2013, PROCESSO N.º 187/09.7TBPFR.P1.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 09.04.2013, PROCESSO Nº 187/09.7TBPFR.P1.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 15-05-2013, PROCESSO Nº 787/06.7MAI.P1.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 14.01.2014, PROCESSO N.º 155/12.1TBVLC-A.P1.S1;
- DE 15.05.2014, PROCESSO N.º 3444/11.9TBTVD.L1.S1;
- DE 18.02.2015, PROCESSO N.º 4293/10.7TBSTS.P1.S1;
- DE 28.05.2015, PROCESSO Nº 2615/11.2TBBCL.G2.S1;
- DE 22.10.2015, PROCESSO N.º 1292/09.5TBVVD.G1.S1;
- DE 17.11. 2015, PROCESSO N.º 30/14.5TBVCD.P1.S1;
- DE 08.11.2016, PROCESSO Nº 4704/14.2T8VIS.C1.S1;
- DE 31.01.2017, PROCESSO Nº 440/12.2TBBCL.G1.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 31.01.2017, PROCESSO Nº 440/12.2TBBCL.G1.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 09.03.2017, PROCESSO Nº 759/14.8TBSTB.E1.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 09.03.2017, PROCESSO Nº 759/14.8TBSTB.E1.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 15-2-2018, PROCESSO Nº 2344/15.8T8BCL.G1.S2.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO DO TC N.º 401/2011, DE 22 DE SETEMBRO;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 525/2003, DE 29-10-2003, PROCESSO Nº 735/02, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 486/04, DE 07.07.2004, PROCESSO Nº 192/02, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 11/05, DE 12.01.2005, PROCESSO N.º 192/02, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC N.º 486/04, DE 07.07.2004, PROCESSO N.º 192/02, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 247/2012, DE 22.5.2012, PROCESSO Nº 638/10;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 401/2011, DE 22.09.2011, PROCESSO N.º 497/2010, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº225/2018, Pº Nº 95/17, DE 24-4-2018, DR N.º 87/2018, SÉRIE I, DE 7-5-2018;
- ACÓRDÃO DO TC Nº247/2012, DE 22.5.2012, PROCESSO Nº 638/10, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC N.º401/2011, DR, 2ª SÉRIE, DE 3 DE NOVEMBRO DE 2011;
- ACÓRDÃO DO TC N.º 604/2005, DE 2.11.2005, PROCESSO Nº 813/04, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 401/2011, DE 22.09.20111, PROCESSO N.º 497/2010, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 413/89, DE 31.05.1989, PROCESSO N.º 142/88;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 451/89, DE 21.06.1989, PROCESSO N.º 287/87;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 506/99, DE 21.09.1999, PROCESSO N.º 849/98, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 456/03, DE 14-10-2003, PROCESSO Nº 193/03, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 486/04, DE 7-7-2004, PROCESSO Nº 192/02, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC N.º 99/88, DE 28.04.1988, PROCESSO N.º 101/85, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 23/2006, DE 10.01.2006, PROCESSO N.º 885/2005, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 23/2006, DE 10.01.2006, PROCESSO N.º 885/2005, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 401/2011, DE 22.09.20111, PROCESSO N.º 497/2010, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 401/2011, DE 22.09.20111, PROCESSO N.º 497/2010, WWW.DGSI.PT;
- ACÓRDÃO DO TC Nº 23/2006, DE 10.01.2006, PROCESSO N.º 885/2005, WWW.DGSI.PT.
Jurisprudência Internacional:

JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (TEDH):


- ACÓRDÃO DE 12 DE JANEIRO DE 2006, PROCESSO Nº 26111/02, EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS – REPORTS OF JUDGMENTS AND DECISIONS, COUNCIL OF EUROPE, STRASBOURG, CARL HEYMANNS VERLAG, 2006, I, 106 E SS. ; IN § 88=HTTP://WWW.ECHR.COE.INT/DOCUMENTS/REPORTS_RECUEIL_2006-I.PDF.;
-ACÓRDÃO DE 6 DE JULHO DE 2010, PROFERIDO NO CASO BACKLUND CONTRA FINLÂNDIA, PROCESSO Nº 36498/05;
-ACÓRDÃO DE 6 DE JULHO DE 2010, PROFERIDO NO CASO GRONMARK CONTRA FINLÂNDIA, PROCESSO Nº 17038/04, HTTP://WWW.ECHR.COE.INT/DOCUMENTS/REPORTS_RECUEIL_2010-V.PDF.;
-ACÓRDÃO DE 20 DE DEZEMBRO DE 2007, PROFERIDO NO CASO PHINIKARIDOU CONTRA CHIPRE, PROCESSO Nº 23890/02, IN WWW.ECHR.COE.INT/HUDOC.
Sumário :

I - A invocação de circunstancionalismo superveniente justificativo do alongamento do prazo de propositura da ação de investigação da paternidade, a que alude a previsão do art. 1817.º, n.º 3, b), do CC, a não acontecer no articulado inicial, deve ter lugar, em razão da arguição pelo réu investigado da exceção da caducidade, na contestação, na resposta à exceção da caducidade, cumprindo o autor investigante o ónus da alegação, ainda que a título subsidiário, relativamente à tese da imprescritibilidade da ação, dos factos constitutivos da contra-exceção da caducidade, demonstrando que, apenas, após o decurso do prazo de dez anos sobre a respetiva maioridade, teve conhecimento de factos ou circunstâncias essenciais e decisivas idóneas a desencadear a propositura da acção, isto é, dos factos, subjetivamente, supervenientes, invocados.
II - A Reforma de 1977 eliminou o sistema dos pressupostos de admissibilidade da ação de investigação de paternidade que converteu em presunções legais, “tantum iuris”, da relação biológica de paternidade do investigado, não na modalidade de presunção típica, para cuja ilisão é necessária a produção de prova em contrário, mas de presunção atípica, com a especificidade de que para a sua ilisão basta a contraprova tendente a criar no espírito do julgador “dúvidas sérias” sobre a paternidade, colocando, assim, a fasquia da força probatória das presunções formuladas no n.º 1, do art. 1871.º, do CC, um pouco acima da altura própria das meras presunções de facto.
III - A tutela da segurança jurídica está colocada num patamar superior ao do direito do filho conhecer as suas origens ou, dito de outro modo, este direito fica condicionado pelo decurso do prazo do seu exercício, situado num quadro ajustado, razoável e proporcional.
IV - O argumento do envelhecimento ou perecimento das provas, utilizado em favor da manutenção do prazo de caducidade, no que respeita à investigação da paternidade, não se afigura convincente no sentido da limitação do direito de investigar para garantir o êxito da prova, pois que se esta se vai tornando mais difícil com o decorrer do tempo, é o próprio investigante retardatário quem mais suporta as desvantagens do incumprimento mais retardado desse ónus.
V - A consagração do primado da verdade biológica, consubstanciado na possibilidade do recurso a exames de sangue e outros métodos científicos, mormente, através de perfis de ADN, tendo em vista a determinação da filiação, como meios de prova predominantes, que não têm qualquer validade temporal, mantendo a verdade inalterável, por mais anos que passem, e podendo até ser obtidos depois da morte do suposto pai, está a coberto do receio do risco do “envelhecimento” das provas.
VI - Sendo a limitação voluntária dos direitos de personalidade, quando legal, sempre revogável, a simples inércia ou passividade, durante certo período temporal, em instaurar uma ação de investigação de paternidade, não deve, por maioria de razão, inutilizar a legitimidade para o fazer quando, de acordo com o critério subjetivo atual do próprio e o princípio da auto-responsabilidade das partes, tal corresponde a uma faculdade, eminentemente, pessoal na investigação da identidade do seu progenitor, como elemento da sua identidade pessoal.
VII - A valia do fundamento “caça-fortunas” atenua-se no confronto com o instituto da ação de petição da herança, de natureza imprescritível, revelando a tolerância do direito civil perante uma reivindicação tardia de bens, sem outros prazos que não sejam os que estão previstos para a usucapião.
VIII - O direito fundamental à identidade pessoal, na perspetiva do conhecimento das origens genéticas, que inclui o estabelecimento ou reconhecimento dos laços de filiação, não é um direito absoluto, já que pode ser condicionado, atendendo a outros direitos e interesses, legalmente, admissíveis, como acontece com a previsão de prazos de caducidade para a propositura de ações de investigação de maternidade ou paternidade.
IX - Apesar de o sistema jurídico nacional ser de génese, essencialmente, biologista, não aderiu, integralmente, ao princípio da verdade biológica, em detrimento de outros valores ou princípios, constitucional ou ordinariamente, protegidos, pois ainda hoje são admitidos prazos de caducidade, mantendo importância os princípios da segurança e certeza jurídica, respeitantes ao comércio jurídico em geral, que exigem a estabilização das relações de filiação já estabelecidas, porventura, não correspondentes à realidade biológica, a partir do decurso de um determinado lapso de tempo, razão pela qual as ações de investigação não estão previstas na lei como imprescritíveis, impondo-se aos interessados o ónus de agirem, rapidamente, de forma a clarificarem as relações de parentesco existentes.
X - A exigência de um prazo limite para a instauração de uma ação de reconhecimento judicial da paternidade, desde que não se torne impeditivo do seu uso, ou represente um ónus exagerado, em termos probatórios, para as partes, não é, só por si, violador dos direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal, importando verificar se a natureza, duração e características desse prazo resultam num justo e razoável equilíbrio entre o interesse do investigante em ver esclarecido um aspeto importante da sua identidade pessoal, o interesse do investigado e da sua família mais próxima, em serem protegidos de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima, ocorridos há já muito tempo, e o interesse público da estabilidade das relações jurídicas.
Xl - As limitações temporais ao exercício do direito potestativo de investigação da paternidade, previstas no art. 1817.º, n.os 1, 2 e 3, do CC, são compatíveis com os direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, bem como com os princípios da CEDH, satisfazendo as exigências que decorrem do direito ao estabelecimento do vínculo da filiação, por um lado, que se integra, no âmbito dos «direitos, liberdades e garantias pessoais), face ao disposto pelos arts. 26.º e 36.º, e do direito à segurança e estabilização das relações jurídicas, por outro, incluído no quadro dos «princípios fundamentais», atento o preceituado pelo art. 2.º, ambos da CRP.
XII - O juízo de constitucionalidade sobre os prazos de caducidade das ações de filiação professado pelo TC não revela uma tutela “absolutizada” e universal do entendimento do princípio da identidade pessoal, circunscrevendo-se à situação especial do estabelecimento da paternidade, sem repercussão noutras áreas em que estejam presentes interesses a valorar que não se oponham ao conhecimento da paternidade biológica.
XIII - A preponderância assumida, em veste constitucional, respaldada nas exigências provenientes da jurisprudência do TEDH, pelos valores da segurança e estabilidade das relações jurídicas, no confronto ponderado e proporcional com os direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, decorrentes do direito ao estabelecimento do vínculo da filiação, determina que se adote a construção da constitucionalidade do prazo de caducidade do direito de ação de investigação da paternidade.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

AA, casada, e BB, casada, residentes na Rua ..., propuseram a presente ação declarativa, com processo comum, contra CC, pedindo que, na sua procedência, se declare que o réu é o pai biológico das autoras [a], que o réu seja condenado a reconhecer as autoras como suas filhas [b], que seja ordenado o averbamento, nos assentos de nascimento das autoras, da sua paternidade, nos termos da lei civil [c], alegando, para tanto, no essencial, que das relações sexuais mantidas entre a mãe das autoras, DD, e o réu, em consequência de uma relação amorosa que estabeleceram, durante cerca de sete anos, resultaram para aquela gravidezes e o nascimento das autoras, bem como de outro filho, entretanto, falecido.

Tendo as autoras sempre questionado sua mãe sobre a identidade de seu pai, esta sempre deu respostas vagas, sendo certo que a autora AA, desde que lhe foi confirmado que o réu é seu pai, há cerca de um ano, telefona-lhe e pede-lhe que estabeleça a sua filiação, mas este recusa os seus apelos.

 Na contestação, o réu excecionou a caducidade do direito das autoras instaurarem a presente ação, atento o disposto nos artigos 1873º e 1817º, ambos do Código Civil, impugnando ainda a factualidade alegada pelas mesmas, relativamente ao conhecimento transmitido pela mãe sobre a identidade de seu pai e bem assim como que a autora AA, desde que lhe foi confirmado que o réu é seu pai, há cerca de um ano, lhe telefone e peça que estabeleça a sua filiação, e que este recuse os seus apelos.

Na sua resposta, as autoras limitaram-se a rebater a exceção da caducidade, que se não verifica, porque a ação de investigação de paternidade não está sujeita a prazo de caducidade, alegando ainda que o artigo 1817º, nº 1, do Código Civil, foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/06, publicado no DR, de 8 de fevereiro de 2006, concluindo pela sua improcedência, mas sem qualquer referência factual quanto à extensão do prazo de propositura da ação, não invocando o circunstancionalismo superveniente justificativo da aplicação do estatuído pelo artigo 1817, nº 3, b), do Código Civil, que, no articulado inicial, imperfeitamente, alegaram.

No despacho saneador, julgou-se verificada e procedente a invocada exceção perentória de caducidade e, em consequência, declarou-se a caducidade do direito de investigação de paternidade exercido pelas autoras com a presente ação, deste modo se absolvendo o réu do pedido.

Deste saneador-sentença, as autoras interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação acordado “julgar o recurso de apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida”.

Do acórdão da Relação de Guimarães, as autoras interpuseram agora recurso de revista, pedindo que, na sua procedência, o mesmo seja revogado e substituído por outro que contemple as conclusões «infra» elencadas, que, na parte útil ao objeto da revista, se transcrevem:

……………………………………………………………………………………………………………………..

9ª – É inconstitucional o prazo de caducidade previsto no n° 1 do art.º 1817° do Código Civil, na redação dada pela Lei n° 14/2009 de 1 de Abril, aplicável à investigação de paternidade por remissão do art.º 1873° do mesmo código, porquanto a limitação temporal ao direito de intentar acção de investigação de paternidade constitui afronta ao consagrado constitucionalmente, relativamente a Direitos, Liberdades e Garantias;

10ª - A limitação temporal ao direito de investigação da paternidade é violadora dos art.°s 18°, n.ºs 1 e 2, 26, n.ºs 1 e 3 e 36°, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa;

11ª - O direito de investigação de paternidade não caduca, porque se trata do direito fundamental ao conhecimento da identidade pessoal, no qual se inclui o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade. Trata-se, pois de direito pessoal, intangível e imprescritível, cujo exercício se sobrepõe a todos os outros, nomeadamente do investigado, que com ele possam contender, independentemente de qualquer prazo que seja fixado na lei;

12ª - A fixação de um prazo não resulta num justo equilíbrio entre os interesses do investigante, do investigado e sua família e do interesse público da estabilidade das relações jurídicas;

13ª - O direito do investigante ao estabelecimento da sua paternidade e identidade pessoal é um direito mais forte, é um direito constitucionalmente garantido, é um direito que prevalece sobre o direito do investigado e da sua família bem como sobre o interesse público da estabilidade das relações jurídicas (art.°s 18°, n.ºs 1 e 2 e 26°, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa);

14ª - O art.º 26° da Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer prazo para garantia do direito do reconhecimento da identidade pessoal, da dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano;

15ª - A ação de investigação de paternidade é também um mecanismo criado pelo Estado que permite o exercício de outro direito constitucional, para além do da identidade pessoal, que é o “direito de constituir família”, previsto no n° 1 do art.º 36° da Constituição da República Portuguesa;

16ª - A caducidade do direito de ação de investigação da paternidade viola o disposto no n° 4 do art.º 36° da Constituição da República Portuguesa que proíbe a discriminação dos filhos nascidos fora do casamento;

17ª - A superioridade dos interesses do investigante não se compadece com qualquer limitação dos seus direitos fundamentais;

18ª - As considerações de segurança jurídica, pessoal e familiar do investigado têm que ceder perante a imprescritibilidade do direito do investigante, têm que ceder perante a imprescritibilidade do direito à identidade pessoal, protegido nos art.º 18°. n.s 1 e 2 e 26°, n° 1 da  Constituição da República Portuguesa, e que tem maior densidade constitucional;

19ª - No confronto entre o direito ao conhecimento e estabelecimento da ascendência e à verdade biológica, com a confiança, a segurança e a reserva do investigado pai ou dos seus herdeiros, obviamente que deve prevalecer o primeiro, por ser um direito socialmente mais importante, correspondendo à tutela da personalidade, sendo por isso indisponível, absoluto e imprescritível;

20ª - Os danos eventualmente causados ao pretenso pai, com a acção de investigação de paternidade, não são superiores aos sofridos pelo pretenso filho, caso a completa filiação do mesmo se mantivesse por estabelecer, nem aqueles seriam agravados pelo decurso do tempo;

21ª - O direito do investigante à sua identidade, direito fundamental no qual se integra o direito a conhecer a identidade dos progenitores não pode ser, portanto, impedido por limitações temporais, por afrontar o disposto nos art.°s 18°, n.ºs 1 e 2 e 26°, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa;

22ª - A mais recente doutrina e jurisprudência vai no sentido da imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade precisamente porque há que respeitar a verdade biológica, postulando o direito à identidade pessoal, um princípio de verdade pessoal;

23ª - No âmbito do exercício do direito de ação de investigação de paternidade o interesse do investigante prevalece sobre os demais — interesse do investigado e sua família e interesse público da estabilidade das relações jurídicas;

24ª - Tem o investigante direito à identidade pessoal. Trata-se de um direito constitucionalmente garantido (art.º 26° da Constituição da República Portuguesa);

25ª - Ao colocar-se no mesmo patamar o interesse do investigante e o interesse do investigado, está apenas a proteger-se um progenitor relapso, desinteressado, que não acautela os interesses dos seus filhos. Um pai que não integra o conceito do bonus pater familiae;

26ª - Um progenitor responsável e consciente não carece que o condenem a reconhecer um filho como seu, um progenitor responsável chama a si o exercício da responsabilidade parental;

27ª - Ao ser o filho a desencadear a ação de investigação de paternidade está a imputar-se-lhe um “ónus” que deveria ser do investigado, pois este espontaneamente deveria reconhecer a paternidade dos filhos que concebeu ou tendo dúvidas sobre a titularidade da mesma dispor-se a esclarecê-la;

28ª - Com a limitação temporal o investigante é prejudicado e o investigado, que por uma questão moral, de honra e carácter deveria reconhecer os filhos que concebe, é premiado, pois a lei não deixa que essa responsabilidade lhe seja atribuída;

29ª - As consequências da caducidade da acção de investigação da paternidade são desproporcionadas do ponto de vista do investigante e do investigado. O prejuízo do investigante com a caducidade da acção de investigação da paternidade é superior ao prejuízo que para o investigado resulta da procedência da acção, que será a de ser condenado a reconhecer a paternidade. Ora, qual é a penalização se de facto é o progenitor? Apenas se está a condenar a fazer o que deveria ter feito ou que não fez por desconhecimento. Reconhecer o filho que concebeu;

30ª - Ao investigante falta uma parte da sua identidade, relativa ao progenitor e à família deste. O investigado só quer que não o perturbem, que não afectem a sua tranquilidade;

31ª - Os progenitores conscientes reconhecem os seus filhos. Os interesses e o bem estar dos filhos são sempre postos à frente dos seus. E isso o que se espera e faz o homem médio;

32ª - Ainda que aos 28 anos, objectivamente, se considere haver maturidade que permita intentar acção para a investigação da paternidade, subjectivamente, pode não ser assim. Pode não haver capacidade mental para enfrentar a discussão da paternidade, sabendo-se de antemão que se continuará a ser rejeitado, que o investigado tudo fará para que a paternidade não seja reconhecida e estabelecida;

33ª - Os argumentos apontados pela doutrina e pela jurisprudência defensoras da constitucionalidade do prazo de caducidade das acções de investigação de paternidade, relativos ao “envelhecimento” ou perecimento das provas, já não fazem sentido, pois os avanços da ciência no que aos exames de ADN se refere permite obter um grau de certeza muito próximo dos 100%;

34ª - Para a fixação de prazo de caducidade para a ação de investigação de paternidade, não podem colher argumentos de carácter económico, nomeadamente, a perspetiva do investigante ser herdeiro e causar dessa forma um rombo nas expectativas dos herdeiros do investigado, nomeadamente de outros filhos;

35ª - Não se pode negar ao investigante o mesmo direito que têm os filhos cuja paternidade se encontra estabelecida, pois estes sempre terão beneficiado do apoio do pai;

36ª - As pretensões patrimoniais são inteiramente legítimas no caso de se confirmar a paternidade, pois essas também são as dos filhos reconhecidos;

37ª - A verdade biológica também é importante para efeitos de natureza patrimonial, na medida em que iguala quem tem direitos iguais, ou seja os irmãos;

38ª - Os filhos têm direitos patrimoniais, não se podendo discriminar os filhos nascidos fora do casamento (art.º 36°, n° 4 da CRP);

39ª - O interesse público da estabilidade das relações jurídicas é de que as relações de paternidade se estabeleçam de forma a evitar casamentos consanguíneos, não se compadece, por isso, com a imposição de limitação temporal ao direito de acção de investigação de paternidade;

40ª - Não pode, por um lado a ordem pública impor o impedimento dirimente relativo do casamento entre pessoas parentes na linha recta ou no 2° grau da linha colateral (art.º 1602° do Código Civil) e por outro lado impedir que os cidadãos desencadeiem mecanismos tendentes ao estabelecimento da sua paternidade, da sua identidade, da sua história de família;

41ª - O Estado tem interesse na fixação das relações de parentesco, na concretização da filiação biológica, pois a família é o seu núcleo básico;

42ª - As aqui recorrentes consideram que o seu direito de investigação de paternidade não caducou, pois trata-se do direito fundamental ao conhecimento da sua identidade pessoal, no qual se inclui o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade. Trata-se, pois de direito pessoal, intangível e imprescritível, cujo exercício se sobrepõe a todos os outros, nomeadamente o do recorrido, que com ele possam contender, independentemente de qualquer prazo que seja fixado na lei;

43ª - O recorrido aceita que manteve relações sexuais de cópula completa com a mãe das recorrentes e diz que é verdade que na freguesia as pessoas diziam que o recorrido era o pai das recorrentes, bem como a mãe delas, portanto, ainda que não tenha a certeza que seja o pai das recorrentes a dúvida sempre se lhe deve ter suscitado;

44ª - Com a limitação temporal o aqui recorrido é premiado, pois ao invés de reconhecer os filhos que concebeu ainda vem invocar a perturbação da sua tranquilidade;

45ª - O recorrido em vez de se escudar com o instituto da caducidade do direito das recorrentes deveria encarar a propositura da acção como uma oportunidade que lhe é dada por estas para reparar o seu erro ou omissão.

46ª - O recorrido não acompanhou nem se interessou pela vida, pelo crescimento e pela educação das recorrentes e nunca lhes prestou o apoio que é devido aos filhos.

47ª - Antes pelo contrário, o recorrido até diz que centrou toda a sua vida a pensar num único filho.

48ª - Coloca o recorrido a possibilidade de ser pai das recorrentes, mas nunca curou de saber delas e do seu bem estar e felicidade e ainda por cima considera-se o grande prejudicado com a acção por elas proposta e por isso anda triste, acabrunhado e revoltado.

49ª - É da mais elementar justiça que a confirmar-se a paternidade não se negue às recorrentes os mesmos direitos patrimoniais que tem o filho do recorrido, aquele cuja paternidade se encontra estabelecida, pois este sempre beneficiou do apoio do pai;

50ª - As pretensões patrimoniais são inteiramente legítimas no caso de se confirmar a paternidade, pois essas também são as do filho nascido do casamento, conforme aliás é dito na contestação.

Nas suas contra-alegações, o réu conclui no sentido de que deve ser negada procedência à revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Não obstante a situação da dupla conformidade das decisões das instâncias, o Coletivo da Formação, a que alude o artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil (CPC), aceitou o recurso de revista excecional, por considerar, juridicamente, relevante a matéria que engloba a problemática de saber se é possível limitar o direito à identidade pessoal, na vertente da identidade genética.

O Tribunal da Relação, sem qualquer desvio face à sentença de primeira instância, entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do CPC, mas reproduz:

1. A presente ação foi instaurada a 14 de Outubro de 2014.

2. As autoras AA e BB nasceram a ... de 1945 e ... de 1949, respetivamente.

3. A mãe das autoras, DD, nasceu a ... de 1924.

4. O réu nasceu a ... de 1922.

                                                             *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

A única questão a decidir, na presente revista, uma vez que a questão prévia da sua admissibilidade já se mostra ultrapassada, em função da qual se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, consiste na questão da constitucionalidade do prazo de caducidade da propositura da ação de investigação de paternidade que decorre da aplicação do artigo 1817.º, «ex vi» artigo 1873.º, na redação emergente da Lei nº 14/2009, de 1 de abril, ambos do Código Civil (CC).

DA CONSTITUCIONALIDADE DO PRAZO DE CADUCIDADE DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE

1. Dispõe o artigo 1817º, do CC, na redação emergente da Lei nº 14/2009, de 1 de abril, no seu nº 1, que “a ação de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”, aplicável à ação de investigação da paternidade, com as necessárias adaptações, por força do preceituado pelo artigo 1873º, do mesmo diploma legal.

Este normativo legal estabeleceu um prazo de caducidade, ao consagrar a possibilidade do direito “ser exercido dentro de certo prazo”, atento o estipulado pelo artigo 298.º, n.º 2, do CC.

O artigo 1817º, do CC, nos seus nºs 2 e 3, prevê ainda casos excecionais em que a ação pode ser instaurada, decorrido o prazo fixado naquele n.º 1, ou seja, “se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a ação pode ser proposta nos três anos seguintes à retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório” [nº 2], e “a ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação [nº 3], acrescentando o seu nº 4 que “no caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da ação”.

A eventual subsunção da materialidade contida, no articulado inicial, à situação excecional, a que alude o artigo 1817º, nº 3, b), do CC, decorrente da invocação pelas autoras de que “a autora AA, desde que lhe foi confirmado que o réu é seu pai, há cerca de um ano, telefona-lhe e pede-lhe que estabeleça a sua filiação, mas este recusa os seus apelos”, não traduz, pelo seu carater genérico e conclusivo, factualidade superveniente relevante suscetível de fundamentar a sua aplicação, de modo a justificar a adoção, por este Supremo Tribunal de Justiça, do entendimento justificativo da extensão do correspondente período temporal para a propositura da ação, para além de que as autoras não só não suscitaram a questão, como, em particular, não reagiram ao segmento do acórdão recorrido que emitiu pronúncia negativa nesse sentido, em termos de o mesmo constituir caso julgado formal, em conformidade com o disposto pelo artigo 620º, nº 1, do CPC.

A isto acresce, como já consta do relatório deste acórdão, que, na resposta à contestação, as autoras limitaram-se a rebater a exceção da caducidade e a sua constitucionalidade, sem qualquer referência factual quanto aos pressupostos da extensão do prazo de propositura da ação, não invocando o circunstancionalismo superveniente justificativo da aplicação do estatuído pelo artigo 1817, nº 3, b), do CC, que, no articulado inicial, imperfeitamente, alegaram.

Com efeito, incumbia às autoras a alegação dos factos constitutivos da contra-exceção da caducidade, resultante da previsão do artigo 1817º, nº 3, b), do CC, ao alongar o prazo geral consagrado no seu nº 1, quando o investigante só deles tenha conhecimento, após o decurso do mesmo, isto é, cabe ao investigante o ónus de invocar os factos que demonstrem que, apenas, após o decurso do prazo de 10 anos sobre a respetiva maioridade, teve conhecimento de factos ou circunstâncias essenciais e decisivas, idóneas a desencadear a propositura da ação, já que não era exigível que a tivesse proposto antes de ter adquirido conhecimento dos factos, subjetivamente, supervenientes, invocados.

Ora, o momento, processualmente, adequado para alegar tais factos, consubstanciadores de uma verdadeira contra-exceção, por forma a paralisar o efeito extintivo do direito que, normalmente, decorreria do esgotamento do prazo-regra, era o da apresentação da resposta à exceção de caducidade, deduzida pelo réu, na contestação, cabendo às autoras o ónus de, ainda que a título subsidiário, relativamente à tese da imprescritibilidade da ação, alegarem que só, tardiamente, tiveram acesso a factualidade fundamental para viabilizar a proposição da ação de reconhecimento judicial da paternidade[2].

2. Por ocasião da propositura da presente ação de investigação de paternidade, a autora AA tinha 69 anos e a autora BB 65 anos de idade.

As instâncias convergiram na decisão de julgarem procedente a exceção perentória da caducidade do direito de ação, defendendo o acórdão recorrido, em síntese conclusiva, que “não ocorre a inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873º do mesmo código, porque não violam, de forma desproporcionada, os direitos fundamentais consagrados nos art.ºs 16º n.º 1, 18º n.º 2 e 26º n.º 1 da C.R.P”.

Porém, as autoras sustentam, diferentemente, que é inconstitucional o prazo de caducidade, previsto no artigo 1817°, nº 1, do CC, na redação dada pela Lei n° 14/2009, de 1 de abril, porquanto o direito de investigação da paternidade não caduca, pois que se trata do direito fundamental ao conhecimento da identidade pessoal, que é o “direito de constituir família”, de natureza pessoal, intangível e imprescritível, no qual se inclui o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade, imposto pelo princípio da verdade biológica, cujo exercício se sobrepõe a todos os outros, nomeadamente, os do investigado e da sua família, bem como o do interesse público da estabilidade das relações jurídicas que com ele possam contender, independentemente de qualquer prazo que seja fixado na lei, não constituindo este um justo equilíbrio entre os interesses do investigante, do investigado e de sua família, antes afrontando o princípio da proibição da discriminação dos filhos nascidos fora do casamento.

3. No ordenamento jurídico nacional, defrontam-se, no que concerne à questão decidenda, duas teses contraditórias, uma que defende a inconstitucionalidade do prazo de caducidade e a consequente imprescritibilidade do direito à investigação da paternidade, e a outra que sustenta a sua constitucionalidade, com a reflexa caducidade do mesmo.

Deste modo, para os defensores da inconstitucionalidade, os prazos de caducidade impostos ao investigante, vedando que, a todo o tempo, se reconheça, por via judicial, a sua ascendência biológica, traduzem-se numa restrição violadora dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 18.º, n.º 2, 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP), configurando uma restrição desproporcionada do direito à identidade pessoal, considerando, ainda, que o estabelecimento da paternidade se insere no acervo dos direitos pessoalíssimos, tais como, o de conhecer e ver reconhecida a verdade biológica da filiação, a ascendência e a matriz genética de cada pessoa.

Assim sendo, o direito à investigação da paternidade ou da maternidade é imprescritível[3], sendo, portanto, a redação atual do artigo 1817.º, do CC, oriunda da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, inconstitucional, por violação do estipulado pelos artigos 18.º, 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1, todos da CRP, enquanto que, por sua vez, aqueles que defendem a constitucionalidade de tais prazos, fundamentam-se nos princípios da certeza e segurança jurídica, considerando insustentável a possibilidade de se instaurar a ação, a todo o tempo, por tal implicar uma situação de incerteza duradoura incidente sobre o pretenso pai e seus herdeiros, a perda ou envelhecimento das provas e, ainda, um incentivo no propósito da “caça às fortunas”.

Esta última tese encontrou a sua expressão acabada, no Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, de 22 de setembro, que considera, perfeitamente, aceitável o estabelecimento de prazos para a propositura da ação de investigação da paternidade, não se devendo pôr em causa a segurança jurídica do pretenso pai e da sua família, só para garantir ao investigante o direito de dispor de todo o tempo para intentar a referida ação, pois que não se conceberia um regime de imprescritibilidade que mantivesse tal situação de incerteza, perfeitamente, evitável.

4. O artigo 133.º, do Código Civil de 1867 (Código de Seabra), previa que as ações de investigação de paternidade só podiam ser intentadas pelos filhos enquanto os pretensos pais fossem vivos, exceto no caso de estes falecerem, sendo os filhos menores de idade, situação em que o prazo era alargado para os quatro anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, ou quando o filho obtivesse escrito dos pais a admitir a sua paternidade, hipótese em que a ação podia ser proposta, a todo o tempo, consagrando-se, assim, relativamente à matéria, o regime da imprescritibilidade que, no entanto, era pouco exequível, devido às exigências dos pressupostos da admissibilidade das investigações.

A investigação da paternidade ilegítima, contemplada pelos artigos 130.º a 133.º, do Código de Seabra, só era admitida, havendo escrito do pai a declarar a paternidade, se o filho beneficiasse de posse de estado, ou, na circunstância de ter havido violação da mãe, desde que o nascimento coincidisse com a data da pratica do crime, pois que, em todas as demais situações, a averiguação não era admitida, o que significa que o seu âmbito de aplicação era muito restrito, para não dizer, suprimido, desprovido de eficácia prática, sendo que esta restrição se justificava porque não havia interesse em que os filhos de relações extramatrimoniais, normalmente, de mulheres de classes mais baixas, beneficiassem de cobertura legal e, por essa via, pudessem subtrair proveitos, principalmente, financeiros, aos herdeiros legítimos sucessíveis do investigado.

Outra das justificações para o sucedido contendia com as dificuldades da prova do vínculo biológico, onde pontuavam as insuficiências da prova testemunhal.

Por isso, o Estado não intervinha, nesta esfera de intimidade pessoal, não tendo o vínculo biológico, quando não acompanhado de uma expressão de vontade, por parte do progenitor, qualquer peso específico.

Em seguida, o artigo 37.º, do Decreto nº 2, de 25 de dezembro de 1910, data até à qual se manteve em vigor o regime do Código de Seabra, estatuiu que “a ação de investigação da paternidade…só pode ser intentada em vida do pretenso pai…., ou dentro do ano posterior à sua morte, salvas as seguintes exceções…”, estendendo o prazo de propositura da ação de investigação de paternidade, até um ano após a morte dos supostos pais, pelo que o momento determinante da caducidade do prazo para a investigação passou a ser, não a vida do pretenso pai, mas o ano subsequente ao da sua morte, conhecendo, contudo, essa limitação temporal, três exceções, oriundas do Código de Seabra, ou seja, sendo o filho menor ou demente aquando do falecimento dos pais, gozava do prazo de quatro anos para propor a ação, após a maioridade, emancipação ou restabelecimento da sua razão (1.º), ou, mesmo tendo já decorrido o prazo legal, se o filho obtivesse documento escrito e assinado, em que os pais declarassem a sua paternidade, a ação poderia ser intentada, a todo o tempo, desde que o filho provasse que obteve o escrito, nos seis meses anteriores à proposição da ação, não prejudicando esta exceção as regras gerais sobre a prescrição da aquisição dos bens, mas podendo a filiação revestir, apenas, efeitos pessoais.

Esta nova solução legal relativa à investigação da paternidade, com prazos mais alargados, foi apodada de motivações, essencialmente, económicas, pois que a ação era intentada, praticamente, sempre depois da morte do pretenso progenitor, tendo como objetivo “a exigência tardia de bens materiais que já não concorrem para modificar a situação moral e social dos filhos ilegítimos e são extorquidos, quiçá muitas vezes com fraude, àqueles que desde há muito tinham legítima expectativa sobre esses bens”[4], convertendo a ação de determinação legal do pai num puro instrumento de caça à herança quando o pai fosse rico[5].

A faculdade de propor a ação de investigação da paternidade, a todo o tempo, manteve-se até à entrada em vigor do Código Civil de 1966.

Foi, porém, contra esta má instrumentalização da ação, em grande número de casos, e no intuito de aproximar o estabelecimento da paternidade do período de vida do filho em que o poder paternal é mais necessário e pode ser mais útil[6], que o artigo 1854.º, n.º1, do Código Civil de 1966, consagrou o prazo-regra de que “a ação de investigação de paternidade [ilegítima] só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois anos posteriores à sua emancipação ou maioridade”, sendo que a maioridade se atingia, por força do estipulado pelo respetivo artigo 130º, aos 21 anos, passando, assim, o momento chave do prazo de caducidade a ser os dois anos posteriores à maioridade ou emancipação e não a data da morte do pretenso progenitor, admitindo os restantes números do normativo em análise prazos excecionais, para situações tipificadas, nomeadamente, se a filiação já estivesse estabelecida, hipótese em que não era possível o reconhecimento judicial em contraposição com a definida na lei, sendo, então, necessário, remover, inicialmente, esse obstáculo, após o qual a ação podia ser proposta, no prazo de um ano, desde que a retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório tivesse sido requerida até ao momento em que o investigante fizesse 20 anos, após o abaixamento da data da maioridade [n.º2], se a ação fosse fundada em escrito onde o progenitor admitisse, de forma inequívoca, a maternidade ou paternidade, podia ser proposta, a todo o tempo, desde que o escrito apenas tivesse sido obtido pelo investigante, nos seis meses anteriores à proposição da ação [n.º3] e se a investigação se fundasse em posse de estado, o prazo para a propor era de um ano, após cessar o tratamento como filho [n.º4].

Com o novo Código Civil de 1966, a paternidade dos filhos nascidos fora do casamento só podia ser estabelecida, verificando-se, pelo menos, um dos pressupostos de admissibilidade da ação, constantes do artigo 1860.º, na sua versão originária, sendo necessário provar um ou mais desses requisitos para se dar início à averiguação da paternidade.

Assim, a investigação só era permitida, nos casos, taxativamente, tipificados na lei, isto é, existindo posse de estado [alínea a)], escrito a declarar, inequivocamente, a paternidade [alínea b)], convivência notória entre a mãe e o pretenso pai, durante o período legal da conceção [alínea c)], violência exercida pelo pretenso pai contra a mãe [alínea d)] e sedução da mãe, no período legal da conceção [alínea e)], sendo que estes pressupostos tornavam a investigação da paternidade muito difícil.

Com efeito, a situação particular relevante da exigência de convivência notória entre a mãe e o suposto pai, durante o período legal de conceção, era, extremamente, difícil de provar, porque sendo este um requisito destinado a aferir o estabelecimento da paternidade, fora do casamento, significava que a maior parte das investigações, naquele tempo, prendiam-se com filhos de relações extramatrimoniais, que são, por sua natureza, secretas, o que representava um modo de impedir a investigação de uma paternidade que se tornaria incómoda.

Os fundamentos subjacentes a este sistema de investigação condicionada da paternidade prendiam-se com a preservação da família legítima e a dificuldade da prova do vínculo biológico, mas, também, com a inexistência de interesse social em fazer pertencer uma criança a uma família que a não desejava, como acontece, no caso de relações sexuais ocasionais, e com a proteção dos herdeiros. É que, como a ação podia ser proposta, após a morte do suposto pai, se não existissem estes pressupostos de admissibilidade, poderia, facilmente, ser criada uma encenação para aceder a uma herança a que os investigantes poderiam não ter direito[7].

Assim sendo, o objetivo da instituição deste regime das «condições de admissibilidade» da ação era reduzir as possibilidades de investigação às situações em que o pretenso pai aceitava, de modo informal, o filho como seu (posse de estado, escrito do pai ou convivência notória com a mãe) ou aquelas situações em que ele tinha adotado uma postura que merecia ser sancionada (violência e sedução), não tendo o investigante o direito incondicionado de estabelecer a filiação biológica com o pai, mesmo que dispusesse de provas irrefutáveis, só o podendo fazer se o progenitor subentendesse essa relação ou não se pudesse valer da posição de impunidade que a lei lhe atribuía[8].

Porém, tratava-se de um regime de presunção judicial de paternidade e não de presunção legal, “iuris et iure”, que podia ser ilidida, mediante simples contraprova, sem necessidade de prova em contrário.

Com a Reforma Constitucional de 1977, adequou-se a lei civil à Lei fundamental, tendo o artigo 1817.º, do CC, mantido o regime da caducidade do prazo de propositura da ação, em dois anos, após a maioridade ou emancipação, ou seja, até aos 20 anos, impedindo, porém, a referência a filhos legítimos e ilegítimos, com a proibição da discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, de acordo com o disciplinado pelo artigo 36.º, nº 4, da CRP, deslocando-se o estabelecimento da paternidade e a proposição da ação para o período da menoridade do filho ou para os dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação[9].

Contudo, a Reforma de 1977 afastou-se da orientação restritiva das condições de admissibilidade da ação, adotando o princípio da livre investigação da paternidade fora do casamento, eliminando o sistema dos pressupostos de admissibilidade, que foram convertidos, pelo artigo 1871º, nº 1, em presunções legais, “tantum iuris”, da relação biológica de paternidade do investigado, consistentes em ilações tiradas de “um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, de acordo com o disposto pelo artigo 349.º, que se consideram ilidíveis quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado, atento o nº 2, daquele artigo 1871º, ambos do CC.

Constituem, assim, presunções “tantum iuris”, não na modalidade de presunções típicas, para cuja ilisão é necessária a produção de prova em contrário, em todos os casos e, por todos os meios de prova, ou, só em certos casos, ou, apenas, com determinados meios de prova[10], atento o preceituado pelo artigo 350.º, n.º 2, do CC, mas de presunções atípicas, com a especificidade de que, para a sua ilisão, basta que, no espírito do julgador, se formem “dúvidas sérias” sobre a paternidade.

O artigo 1871º, nº 2, afastou-se do regime geral das presunções judiciais, constante dos artigos 351º, 346º e 396º, todos do CC, em que se exige a prova em contrário para ilidir o que está assente por ficção legal, porquanto basta a contraprova tendente a criar a dúvida no espírito do julgador, mas deixando, tal como nas presunções judiciais, o critério da valoração dependente da “prudência” do juiz, liberando do encargo da prova o seu beneficiário, em termos tais que não lhe garantem uma ficção legal pleníssima, mas, tão-somente, uma consequência lógica, normal, do facto base produzir determinado efeito jurídico, desde que o percurso facto-efeito surja muito claro e isento de angústias intelectuais (dúvidas) do decisor[11], colocando, assim, “a fasquia da força probatória das presunções formuladas no nº 1 um pouco acima da altura própria das meras presunções de facto”[12].

5. O aludido prazo de dois anos para a propositura da ação, previsto pelo artigo 1817.º, nº 1, do CC, manteve-se até ser declarado inconstitucional, em 2006, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional[13], deixando de poder ser aplicado, até que a Lei nº 14/2009, de 1 de abril, alterou aquele artigo 1817º, nº 1, do CC, estendendo o prazo de dois para dez anos, após a maioridade ou emancipação do investigante.

Deste modo, desde 2006 a 2009, verificou-se uma situação de autêntico vazio legislativo, que não de uma lacuna jurídica, quanto à existência de prazo de caducidade para a propositura da ação de investigação de paternidade, apreciando os Tribunais as questões relativas às ações que iam sendo propostas, seguindo o entendimento da doutrina maioritária e considerando, de modo uniforme, que a ação de investigação não devia estar sujeita a prazo, atingindo-se “o ponto máximo da abertura no direito português, relativamente à investigação da paternidade e maternidade, que admitia não só a ação livre sem quaisquer condicionalismos ou controlo prévio, mas também a ação imprescritível, e em que o princípio da verdade biológica saía reforçado ganhando contornos de direito absoluto, não só orientador mas essencialmente conformador de praticamente todo o sistema de estabelecimento da filiação”[14].

Era a consagração da ideia de que a investigação, quer da paternidade, quer da maternidade, respeitava a interesses inalienáveis do cidadão, incorporados no seu estado pessoal, que não devia ser limitada no tempo[15].

Em 2009, com a entrada em vigor da nova lei[16], o legislador dissipou as dúvidas pré-existentes, adotando uma posição contrária à que a jurisprudência vinha defendendo, no anterior período de vazio legal, muito embora se mantivessem as incertezas, a nível jurisprudencial, com os Tribunais a emitirem respostas diferentes quanto aos pedidos de análise da constitucionalidade do prazo de caducidade.

Com efeito, não obstante o direito do filho continuar sujeito a limitações temporais, a extensão do prazo de caducidade aumenta as possibilidades de sucesso da ação, sendo razoável questionar se a dedução da exceção da caducidade pelo presumível progenitor, é merecedora de tutela, face ao direito fundamental do filho a conhecer a sua história de vida.

6. Em matérias relacionadas com questões jurídicas tão universais como as que se prendem com a caducidade do prazo da proposição da ação de investigação de paternidade, pode ter interesse saber o que sucede, no âmbito de outras experiências jurídicas e, sem perda do sentido de autonomia de cada sistema jurídico, daí retirar, porventura, conclusões, em especial, quando seja possível induzir princípios jurídicos comuns de tais experiências.

Em sede de direito comparado, a solução portuguesa no sentido da caducidade do prazo da propositura da ação de investigação da paternidade, não é exclusiva, outrotanto, sucedendo, em França, em que se verifica a caducidade do prazo, após dois anos da ocorrência do nascimento, sem embargo de serem admitidas situações excecionais a esse prazo geral, quando o filho atinge a maioridade, hipótese em que pode propor uma ação de investigação, até ao final dos seus vinte anos, nos termos do disposto pelo artigo 340.º, n.º 4, do Código Civil, ainda que a opção dominante siga a via da imprescritibilidade, como acontece, em Espanha, em que o artigo 133.º, do Código Civil, sustenta que “a ação de reclamação de filiação não matrimonial, quando falte a respetiva posse de estado, cabe ao filho durante toda a sua vida”, em Itália, em que o artigo 270º, do Código Civil, estatui que a ação para reconhecimento judicial de maternidade e paternidade é imprescritível para o filho, na Alemanha, em que o artigo 1600º, e), nº 1, do Código Civil, segue ainda a via da imprescritibilidade, tal como acontece com o artigo 1606º, corpo, do Código Civil brasileiro de 2002, que preceitua que a “ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz”.

O Código Civil de Macau, de forte inspiração e elaboração da escola coimbrã, estatui, no seu artigo 1677.º, n.º 1, que “a ação de investigação da maternidade pode ser proposta a todo o tempo”, aplicável à investigação da paternidade, por força da remissão do artigo 1722.º, não obstante, para evitar os inconvenientes de as ações de investigação poderem representar, em grande parte, simples interesses patrimoniais, ter inscrito, neste regime de investigação, a possibilidade de os seus efeitos serem, meramente, pessoais, excluindo o artigo 1656.º, n.º 1, quaisquer pretensões materiais, pelo que, se a ação é intentada mais de quinze anos depois do conhecimento dos factos da maternidade ou paternidade e quando se prove a intenção patrimonial, a filiação estabelece-se, apenas, com efeitos pessoais.

O artigo 263º, da Lei Suíça, previu prazos de caducidade, ao estatuir que a mãe pode intentar ação de investigação, até o filho ter um ano de idade, sendo que, a partir daí, o direito de investigar caduca para ela, mas não para o filho, que o poderá exercer, até um ano após atingir a maioridade, ou, inclusive, depois do seu termo, se o atraso se tornar desculpável, por motivos justificados.

7. São quatro, essencialmente, as razões invocáveis para o sistema que defende a restrição temporal do direito de investigar, sustentáculos do regime da caducidade, ou seja, a segurança jurídica, a ordem pública, o envelhecimento ou perecimento das provas e a proteção do património.

7.1. A segurança jurídica, na dimensão subjetiva do investigado e de sua família, atendendo à inerente perturbação e afetação séria do direito à reserva da vida privada, ideia-força, reiteradamente, utilizada, em favor da consagração do prazo de caducidade nas ações de filiação, convoca o direito à segurança dos pretensos pais e dos seus filhos/herdeiros, no sentido de que as pretensões jurídicas dos investigantes não se devam eternizar, indefinidamente, sobre os sujeitos, mantendo-se estes na expectativa de as mesmas se poderem vir a concretizar, num estado de sujeição permanente, que exige, em contraponto, a fixação da delimitação temporal do seu exercício, no sentido de saberem até quando “têm a espada sobre a cabeça”[17], a fim de que, terminado o prazo de caducidade, os pretensos progenitores ou os seus herdeiros possam confiar na estabilidade da sua situação pessoal e patrimonial[18], alcançando a paz e a harmonia da família.

Porém, sendo o interesse do investigado autotutelável, não se justifica que seja acautelado à custa do sacrifício de um bem pessoalíssimo do investigante, porquanto aquele “pode acabar com a insegurança, perfilhando ou promovendo a realização de testes científicos, mas, se não tem a consciência de poder ser declarado como progenitor, não sente a própria insegurança”[19].

Com efeito, por força do princípio da auto-responsabilidade das partes, o critério subjetivo do filho investigante na “apreciação da conveniência em determinar a identidade do seu progenitor, como elemento da sua identidade pessoal, corresponde a uma faculdade eminentemente pessoal”, que constitui, ainda assim, o melhor referencial para a defesa dos seus interesses, pelo que uma pretérita atitude omissiva não deve prevalecer sobre a sua vontade atual de propor a ação de investigação da paternidade.

É que, se a limitação voluntária dos direitos de personalidade, quando legal, é sempre revogável, nos termos do disposto pelo artigo 81º, n.º 2, do CC, a simples inércia ou passividade, durante certo período temporal, em instaurar uma ação de investigação de paternidade, não deve, por maioria de razão, inviabilizar a legitimidade para o fazer quando, de acordo com o critério atual do próprio, tal corresponde ao seu interesse na constituição plena da sua identidade pessoal, sendo certo que a afirmação desse interesse, numa fase etária mais avançada, pode, também, ser, legitimamente, influenciada pela consideração do interesse de outros, igualmente, afetados pelo desconhecimento da ascendência do investigante[20].

O conforto do princípio da segurança jurídica como alicerce do estabelecimento de prazos de caducidade, viria a ser questionado pelos seus próprios originários defensores, considerando que a admissão deste argumento se justifica, apenas, com o “direito de não ter incómodos, designadamente o direito de não ter de assumir a responsabilidade pessoalíssima do estatuto de pai”[21] [22].

Porém, atingindo-se, mais, precocemente, a maioridade, com a alteração legislativa introduzida ao artigo 130º, do CC, pelo DL nº 496/77, de 25 de novembro, seria de ponderar o alargamento do prazo, mantendo, ainda assim, a solução da caducidade, ou de prever uma cláusula que permitisse intentar a ação depois do prazo, por motivos justificados[23].

A tutela da segurança jurídica está, assim, colocada num patamar superior ao direito do filho conhecer as suas origens ou, dito de outro modo, este direito fica condicionado pelo decurso do prazo do seu exercício.

7.2. O interesse de ordem pública na determinação integral do vínculo de filiação, agora na perspetiva da segurança do investigante, a propósito dos impedimentos matrimoniais dirimentes relativos, justifica que seja obtida numa fase ainda precoce da vida do filho, evitando-se o prolongamento injustificado de uma situação de indefinição na constituição da relação jurídica de filiação.

7.3. O envelhecimento ou perecimento das provas é outro dos argumentos utilizados, em favor da manutenção do prazo de caducidade, em virtude da utilização dos meios tradicionais de prova, por não se mostrar possível a determinação científica da filiação, nos casos de inexistência de um registo universal de ADN, quando não é conhecido o paradeiro do investigado ou este já faleceu e o seu cadáver não está acessível, porque foi cremado, não existindo familiares diretos do suposto pai necessários à realização dos exames periciais.

Porém, este argumento do envelhecimento ou perecimento das provas tem, não obstante, perdido parte da sua consistência, ao longo dos anos, sem embargo de “os litígios quanto à paternidade sempre terem sido de prova difícil, pelo caracter discreto dos factos e pela emoção inevitável que os problemas suscitam; um terreno assim é propício a tudo o que se diz de mau acerca da prova testemunhal, e não era demais insistir na possibilidade de fraudes. Então compreende-se que a passagem do tempo aumente os perigos - as pessoas e lugares alteram-se, a memória falha, todos os conluios podem florescer para apoiar uma ação bem urdida”[24].

Ora, no que respeita à investigação da paternidade, sempre se poderá dizer que, “se a prova se vai tornando mais difícil com o decorrer do tempo, é o próprio investigante retardatário quem mais suporta essa desvantagem, e não parece curial limitar-lhe o direito de investigar para lhe garantir o êxito da prova…”[25].

Na verdade, a consagração do primado da verdade biológica, consubstanciado na possibilidade de utilização de exames de sangue e outros métodos científicos, tendo em vista a determinação da filiação, mormente, através de perfis de ADN, como meios de prova predominantes, permite afirmar a sua intemporalidade, não sendo de considerar a valia do argumento do esbatimento da prova, razão, suficientemente, forte para afastar a teoria dos «prazos de caducidade», devido às técnicas cientificas de investigação.

Com efeito, é agora possível determinar, com um grande grau de probabilidade, se um sujeito é ou não progenitor de outro, sendo os meios de prova utilizados para a investigação, admitidos pelo artigo 1801º, do CC, desde a Reforma de 1977, de natureza, predominantemente, científica, mantendo a sua verdade inalterável, por mais anos que passem, e podendo até ser obtidos, depois da morte do suposto pai, não sendo, portanto, de recear o risco do “envelhecimento” das provas que, como as testemunhais, servem, atualmente, como auxiliares da prova genética.

7.4. A proteção do património ou o argumento “caça-fortunas”, ou o perigo dos interesses, puramente, egoísticos[26] é outro dos fundamentos invocados contra a imprescritibilidade do prazo das ações de investigação, considerando-se que a não previsão de prazos de caducidade transformaria as ações de investigação da paternidade em ações de caça à fortuna, uma vez que eram propostas quando o suposto progenitor já se encontrava, em idade avançada, em virtude de a obtenção de dinheiro ou património ser o seu único objetivo, perdendo-se, assim, o efeito útil da ação, que visa acautelar que o filho consiga ter a presença dos pais durante o período da vida em que a sua personalidade ainda se encontra em formação.

A valia do fundamento “caça-fortunas” não resiste ao confronto com o instituto da ação de petição da herança, a que se reportam os artigos 2075º a 2078º, do CC, de natureza imprescritível, revelando a tolerância do direito civil, perante uma reivindicação tardia de bens, sem outros prazos que não sejam os que se prevêem para a usucapião[27], e que importa o sacrifício de quem tiver recebido os bens[28].

O artigo 1656.º, nº 1, a) e b), do Código Civil de Macau, consagra, a este propósito, a ineficácia patrimonial da “declaração de maternidade, perfilhação e estabelecimento da filiação em ação de investigação de maternidade ou de paternidade”, no que aproveite, patrimonialmente, ao declarante ou proponente, nomeadamente, para efeitos sucessórios e de alimentos, quando sejam efetuadas ou intentadas, decorridos mais de 15 anos após o conhecimento dos factos, através dos quais se poderia concluir a relação de filiação, ou as circunstâncias tornem patente que o propósito principal que moveu a declaração ou proposição da ação foi a obtenção de benefícios patrimoniais.

8. A defesa da solução da imprescritibilidade do prazo da propositura da ação de investigação da paternidade filia-se, outrossim, em diversos princípios que informam o ordenamento jurídico-constitucional, nomeadamente, o princípio da verdade biológica, o direito à identidade pessoal ou o direito ao conhecimento da ascendência biológica e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade.

8.1. O princípio da verdade biológica inspira o nosso Direito da Filiação e as suas regras de estabelecimento adquirem extrema relevância, porquanto a gravidade que a incerteza sobre os laços de filiação desperta nas pessoas evidencia a importância que o Direito atribui à verdade biológica dos vínculos como “critério ordenador e estruturante das relações entre as pessoas”[29]. Este princípio significa que “se pretende que a mãe juridicamente reconhecida e o pai juridicamente reconhecido sejam realmente os progenitores, os pais biológicos do filho”, ou seja, as normas legais existentes têm que ser adequadas, de modo a que a realidade jurídica expresse a verdade biológica e que se prevejam mecanismos de correção da paternidade ou da maternidade, juridicamente, estabelecidas, mas que não correspondam à verdade dos laços de filiação[30], estabelecendo-se, assim, a coincidência entre a verdade jurídica e a verdade biológica.

Apesar de o nosso sistema jurídico ser de génese, essencialmente, biologista, não aderiu, integralmente, ao princípio da verdade biológica, em tributo a outros valores ou princípios, constitucional ou ordinariamente, protegidos, pois que, ainda hoje, são admitidos prazos de caducidade, mantendo importância os princípios da segurança e certeza jurídica, razão pela qual as ações de investigação não estão previstas na lei como imprescritíveis.

Com efeito, em determinadas situações, o princípio do biologismo cede perante o vínculo afetivo, por razões de conveniência social, de vontade da proteção da família constituída pelo pretenso pai, de certeza e segurança jurídica ou, ainda, de dificuldades da prova, já que, maioritariamente, a prova era testemunhal, com todos os riscos a ela associados.

Porém, “sempre que o direito de mover uma ação judicial para o estabelecimento da paternidade estiver sujeito a caducar pelo decurso do tempo, pode dizer-se que a descoberta da verdade biológica não é um imperativo absoluto do sistema analisado: o decurso do prazo cala a revelação da progenitura e a relevância jurídica do parentesco. Os sistemas jurídicos que prescrevem alguma forma de caducidade da ação admitem que, em algum caso, falte o reconhecimento jurídico da verdade biológica”[31].

A alegada “liberdade de não-ser considerado pai”, apenas por terem passado muitos anos sobre a conceção do investigante, ou o interesse em eximir-se à responsabilidade jurídica correspondente, determinada, fundamentalmente, pelo “princípio da verdade biológica”, que inspira o nosso Direito da Filiação, não podem considerar-se dignos de tutela, pelo menos, ao ponto de sacrificar o direito do filho a apurar e ver, judicialmente, declarado quem é o seu pai[32].

8.2. O direito à identidade pessoal ou o direito ao conhecimento da ascendência biológica ou o direito ao conhecimento das raízes, em termos de filiação, consagrado pelo artigo 26.º, n.º 1, da CRP, consiste no conjunto de atributos e características que permitem individualizar cada pessoa na sociedade e que fazem com que cada indivíduo seja ele mesmo e não outro, diferente dos demais, admitindo um princípio de verdade pessoal, já que ninguém pode ser obrigado a viver de forma diferente do que entende melhor para si e do que, intrinsecamente, é[33], devendo ser considerado um direito de personalidade que se reveste da maior importância, do ponto em que está em causa o direito à identidade pessoal e o direito à integridade pessoal, inerentes à dignidade da pessoa humana, de acordo com o disposto pelo artigo 1º, da CRP, e, como tal, possível de ser exercido, em vida do pretenso progenitor, e continuado se, durante a ação, morrer, correndo esta contra os seus herdeiros, por se tratar de um direito, eminentemente, pessoal, imprescritível, do filho investigante[34] [35].

Apesar deste direito fundamental à identidade pessoal não se incluir, no âmbito das relações familiares, tem particular importância na discussão do direito a ver estabelecidos os laços de filiação[36], já que estes elementos são estruturantes e fundamentais para a identidade e personalidade de um indivíduo[37], razão pela qual a possibilidade de investigar a maternidade e a paternidade, e, assim, estabelecer vínculos de filiação, sem sujeição a pressupostos de admissibilidade, como acontecia até à Reforma de 1977, constitui um dos aspetos mais importantes da tutela concedida ao filho para conhecer as suas origens biológicas, a sua ascendência, corolário do direito à identidade pessoal.

Com efeito, no quadro do direito à identidade pessoal, existe um direito à historicidade pessoal[38] ou um direito ao conhecimento das raízes pessoais, que importa uma identidade histórica[39], no sentido de que a identidade da pessoa se determina, também, em relação à sua família, aos seus antepassados, e envolve a necessidade de conceber meios legais para demonstrar e estabelecer vínculos de filiação, seja através da averiguação oficiosa de maternidade e paternidade, seja da perfilhação, seja pela possibilidade de intentar ações de investigação ou pela admissão legal de utilização de meios de prova científicos que têm o poder de determinar, de forma mais conclusiva, os vínculos existentes.

Deste modo, o direito ao conhecimento e estabelecimento da maternidade e da paternidade constitui um direito fundamental implícito no direito à identidade pessoal[40], sendo certo que “nós somos o que o nosso património genético somado à educação que os nossos pais nos deram, resultou e, por isso, identidade pessoal e filiação interpenetram-se”[41].

Trata-se de “um direito de conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de ação cujas restrições têm de ser, constitucionalmente, justificadas, necessárias e proporcionais. É certo que tanto o pretenso filho como o suposto progenitor têm o direito de invocar este preceito constitucional, mas não será forçado dizer que ele pesa mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de investigar é indispensável para determinar as suas origens, a sua família, numa palavra, a sua «localização» no sistema de parentesco”[42].

Aliás, apreciando, pela primeira vez, a constitucionalidade dos prazos de caducidade, nas ações de investigação, o Tribunal Constitucional afirma, de forma inequívoca, que “não se vê como possa deixar de pensar-se o direito a conhecer e ver reconhecido o pai […] como uma das dimensões dos direitos à identidade pessoal, ou das faculdades que nela vai implicada”[43], acrescentando, noutra ocasião, que “deve, pois, dar-se por adquirida a consagração, na Constituição, como dimensão do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º nº1, de um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e paternidade”[44].

Ora, o estabelecimento de prazos de caducidade, nas ações de investigação, tem sido considerado atentatório do direito ao conhecimento das origens biológicas, corolário do direito à identidade pessoal.

8.3. O direito ao livre desenvolvimento da personalidade, constitucionalmente, garantido, tal como acontece na Lei Fundamental alemã, abarca duas dimensões, ou seja, uma cláusula geral de tutela da personalidade e o reconhecimento da liberdade geral de ação, podendo a existência deste direito ser, neste campo do direito da filiação, invocável, tanto pelo pretenso filho, como pelo suposto pai, sendo certo, contudo, que assume mais relevância o direito do filho em investigar a sua filiação, enquanto direito indispensável, que o direito do pai em tentar obstrui-la[45].

Por outro lado, surgindo família e casamento como duas instituições jurídicas autónomas, relevando a família proveniente do casamento, para além daquela que deriva dos laços de filiação, ou seja, a família de pais e filhos, este direito de constituir família compreende duas dimensões, isto é, o direito de procriar e o direito de estabelecer vínculos de filiação, donde decorre um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e paternidade[46], com relevância jurídica.

Constituído o vinculo de filiação entre o filho e o(s) progenitor(es), desencadeiam-se outros vínculos com terceiros, como os avós, tios, primos, etc., “surgindo uma nova constituição de parentela”[47], pelo que numa situação de conflito  entre o interesse dos pais, em não ver estabelecida a maternidade ou paternidade, e o interesse dos filhos, no estabelecimento desses laços, não podem os pais, após a procriação, invocar um direito a não constituir família[48], escusando-se a assumir os laços de filiação inerentes[49], devendo os seus direitos fundamentais cederem, tendencialmente, face aos direitos dos filhos.

Porém, apesar do caráter fundamental do direito de constituir família, com a conotação de estabelecer ou ver reconhecidos os laços de filiação, este não é um direito absoluto, já que pode ser condicionado, atendendo a outros direitos e interesses, legalmente, admissíveis, como acontece com a previsão de prazos de caducidade para a proposição de ações de investigação de maternidade e paternidade.

Assim, ainda que tendo presente a questão dos prazos de caducidade, o nosso sistema jurídico passou a admitir como objetivos os dados da Biologia e, portanto, não é possível discriminar ninguém, relativamente à filiação, se os dados biológicos dão como certa uma relação de sangue entre sujeitos, ou seja, todos os filhos são iguais, pois o que os legitima é o seu ADN e não o facto de provirem de uma relação matrimonial.

9. A relevância da procriação expressa-se na filiação biológica, que se consubstancia no parentesco, o qual, no 1.º grau da linha reta, é consequência de uma pessoa ter gerado a outra, atento o preceituado pelo artigo 1578.º, do CC.

Para além de vínculo biológico, a procriação representa, igualmente, um vínculo jurídico, porquanto “os poderes e deveres emergentes da filiação ou do parentesco nela fundado só são atendíveis se a filiação se encontrar legalmente estabelecida”, nos termos do disposto pelo artigo 1797º, nº 1, do CC, muito embora o seu reconhecimento, apenas, tenha eficácia declarativa e não constitutiva, considerando que “o estabelecimento da filiação tem eficácia retroativa”,[50] atento o disposto no correspondente nº 2.

Relativamente aos filhos, o direito ao estabelecimento da filiação “constitui-se como um ineliminável direito à identidade pessoal, na perspetiva do conhecimento das origens genéticas[51], sendo ao pretenso progenitor imputada uma responsabilidade inalienável[52]”.

O direito ao conhecimento da paternidade biológica, assim como o direito ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, cabem no âmbito de proteção, quer do direito fundamental à identidade pessoal, contemplado pelo artigo 26.º, n.º 1, quer do direito fundamental de constituir família, a que alude o artigo 36.º, n.º 1, ambos da CRP[53].

10. Apesar das virtualidades do nosso sistema jurídico, nem sempre a verdade jurídica coincide com a verdade biológica, podendo acontecer que surjam vários direitos em confronto que se torna necessário harmonizar, atendendo ao seu valor relativo.

Porém, o direito do filho poder, em qualquer momento, ver estabelecidos e reconhecidos os laços de filiação sobrepõe-se ao direito do progenitor a não ver diferida no tempo uma situação de incerteza ou até a não querer ver estabelecidos esses vínculos?

É que, conforme o valor relativo reconhecido a cada um destes direitos, maior impacto revestirá a adoção do regime da caducidade do prazo ou, por outro lado, o regime do reconhecimento da imprescritibilidade do direito de investigar a filiação, sendo que o nosso sistema jurídico já acolheu, em diferentes épocas, ancoradas em distintos valores, as duas opções.

A assunção de meios de prova científicos permite uma determinação objetiva dos vínculos de filiação biológica, não sendo já de temer a insegurança quanto aos meios de prova tradicionais, por sua natureza, extremamente, falíveis.

E, nesta contraposição de interesses, uns assumem prevalência sobre outros, atendendo à maior densidade relativa da evolução dos tempos, pois que “nenhum direito é (…) ilimitadamente elástico e cada novo direito tem de coexistir com os demais direitos, sem quebra da unidade”[54].  

Estando em causa direitos constitucionais e a sua harmonização com a legislação ordinária, é necessário relembrar que “a realização ótima das prescrições constitucionais depende da intensidade ou modo como os direitos são afetados no caso concreto, atentos o seu conteúdo e a sua função específica, isto é, a medida em que se vai comprimir cada um dos direitos (ou valores) é diferente, consoante o modo como se apresentam as alternativas possíveis de solução do conflito”[55].

Por isso, o facto de a lei prever um prazo de caducidade para as ações de investigação de paternidade e de maternidade significa que existem filhos que nunca vão ter possibilidade de estabelecer, juridicamente, a sua ascendência, ficando em causa a previsão do n.º 4, do artigo 36.º, da CRP, que preceitua a igualdade, perante a lei, dos filhos nascidos fora do casamento.

11. A primeira decisão proferida, pelo Tribunal Constitucional, sobre a matéria da constitucionalidade do prazo de caducidade, reporta-se ao acórdão nº 99/88, de 28 de abril de 1988[56], que apreciou a constitucionalidade dos n.ºs 3 e 4, do artigo 1817.º, do CC, constituindo questão decidenda a de saber se o direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da paternidade, pressuposto pelos artigos 25.º e 26.º, da CRP, se traduzia “ao nível do sistema legal, num imperativo absoluto, isto é, como excluindo toda e qualquer regulamentação que, não apenas restrinja, mas simplesmente condicione o exercício do direito em causa, podendo vir a traduzir-se, num obstáculo concreto à sua completa fruição”, concluindo-se que “a aplicação às ações de investigação de paternidade dos prazos constantes nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1817.º do CC não violava a Constituição, porque não se está perante uma restrição (que retiraria o seu alcance ou efeito útil) a esses direitos mas simplesmente a um condicionamento (que limita o seu exercício mas que é admitida pela Constituição)”[57].

O Tribunal Constitucional pronunciou-se, ainda, a favor da constitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, e, bem assim, da existência do prazo de dois anos, em casos em que a ação de investigação de paternidade foi proposta vários anos após os autores terem atingido a maioridade e sem que dúvidas subsistissem quanto ao vínculo biológico, que ficou sempre provado, considerando, de modo unânime, que o prazo do n.º 1, do artigo 1817.º, do CC, estava de acordo com as exigências constitucionais, não violando os princípios da proporcionalidade e da identidade pessoal, e sendo até exigível, por razões de certeza e segurança jurídicas, embora sem negar a existência de direitos fundamentais do filho investigante, nomeadamente, o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade, como dimensão essencial do direito à identidade pessoal, sendo que, porém, o decurso do prazo de dois anos impedia o reconhecimento do vínculo, e os argumentos tradicionais da segurança jurídica, distanciamento temporal e proteção do património sempre foram determinantes para que o Tribunal Constitucional se pronunciasse, a favor da constitucionalidade do prazo de dois anos, considerando haver uma ponderação justa dos direitos e interesses de ambas as partes[58].

A jurisprudência constitucional afasta-se, porém, do regime anterior de afirmação da constitucionalidade dos prazos, julgando, pela primeira vez, inconstitucional o prazo do n.º 2, do artigo 1817.º, do CC, numa situação em que era necessário determinar se a investigação da paternidade ficava impedida, após o autor da investigação ter atingido os vinte anos, não tendo havido, até ao fim desse prazo, fundamentos para a intentar, porque a sua paternidade se encontrava estabelecida, pela presunção do “pater is est…”, consagrada pelo artigo 1826.º, nº 1, do CC, pelo que, sendo impugnada a paternidade presumida pelo pai, o filho, que acabara por ver desaparecida essa menção no registo de nascimento, via-se impedido de intentar uma ação de investigação, por já ter decorrido o prazo, e daí que o n.º 2, do artigo 1817.º, do CC, previa que o cancelamento do registo inibitório fosse feito, até ao termo do prazo de dois anos, que já se havia esgotado.

O Tribunal Constitucional concluiu pela inconstitucionalidade desse n.º 2, por violar o direito à identidade pessoal, apesar de não ter posto em causa a admissibilidade da existência de prazos de caducidade[59], anunciando-se a possibilidade de inversão do rumo inflexível das decisões anteriores, ainda que, para o juízo de inconstitucionalidade, tenham contribuído as particulares condições do caso concreto[60], que evidenciavam a deficiente articulação do regime de impugnação da paternidade com o regime da investigação.

Esta modificação jurisprudencial secunda a alteração doutrinal sobre a existência de prazos, que defende a imprescritibilidade do direito de ação de investigação como a melhor solução para a questão controvertida, atendendo aos progressos da ciência e à alteração das mentalidades, com o reforço dos valores sociais e afetivos, e que, em casos limite, admite a aplicação do instituto do “abuso de direito” para que o autor possa ser tratado como se não tivesse o direito que invoca, porque nunca o quis usar quando podia fazê-lo, porque se guardou para um momento em que o suposto pai organizou a sua vida, em favor de outros herdeiros, ou porque o autor não pretende mais do que faturar no seu ativo patrimonial[61].

Contudo, a exceção do abuso do direito assenta num terreno muito movediço, pois que não é admissível a introdução, «contra legem», de restrições à plena capacidade sucessória, salvo as que decorrem de motivo de indignidade, não sendo subsumível a situação factual hipotizada à «fattispecie» do artigo 2034.º, do CC, pelo que, ao admitir-se que a ação pode ser proposta, sem sujeição a prazo de caducidade, então, o que se estaria a sancionar era a motivação de quem propõe a ação, embora atingindo as consequências que advêm, no plano sucessório, por força da lei, a todo aquele que é filho de outrem[62].

Não obstante o ineditismo dessa decisão do Tribunal Constitucional, este, ainda nesse mesmo ano, afirmava, novamente, a constitucionalidade do regime da caducidade do prazo de propositura da ação de investigação de paternidade, seguindo a orientação maioritária da jurisprudência[63].

Neste enquadramento de decisões contraditórias, em 2004, foi declarada, pela primeira vez, a inconstitucionalidade[64] do prazo de dois anos para a propositura da ação de averiguação da maternidade ou da paternidade, por violação da exigência de proporcionalidade, consagrada no artigo 18º, n.º 2, e dos artigos 26.º, n.º1 e 36.º, n.º 1, todos da CRP, enfatizando-se que o que estava em causa era a apreciação da constitucionalidade do prazo concreto constante da norma do artigo 1817.º, do CC, e não a admissibilidade constitucional de quaisquer outros limites temporais, e bem assim como que a solução da imprescritibilidade não era a única existente, chegando a defender-se uma alternativa à lei vigente, naquele momento, “quer ligando o direito de investigar às reais e concretas possibilidades investigatórias do pretenso filho, sem total imprescritibilidade da ação (por exemplo, prevendo um dies a quo que não ignore o conhecimento ou a cognoscibilidade das circunstâncias que fundamentam a ação), quer para obstar a situações excecionais, em que, considerando o contexto social e relacional do investigante, a invocação de um vínculo exclusivamente biológico possa ser abusiva, não sendo de excluir, evidentemente, o tratamento destes casos-limite com um adequado «remédio» excecional (seja ele específico – cfr. o regime referido do Código Civil de Macau – ou geral, como o abuso do direito, considerando-se ilegítimo desprezar os efeitos pessoais a ponto de se considerar a paternidade como puro interesse patrimonial, a “ativar” quando oportuno)”[65].

Este acórdão foi alvo de recurso que veio, afinal, a confirmar a decisão de 2004, dando origem ao acórdão do Plenário nº 11/05[66], que confirmou o acórdão de 2004[67], que julgou, também, inconstitucional o n.º 1, do artigo 1817.º, do CC, com os fundamentos invocados nas decisões anteriores, tendo, em seguida, sido declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do prazo de dois anos, previsto no artigo 1817.º, nº1, aplicável por remissão do artigo 1873.º, do CC, por violar o disposto nos artigos 26.º, n.º 1, 36.º, n.º1 e 18.º, n.ºs 2 e 3, todos da CRP, reproduzindo a fundamentação dos acórdãos que estiveram na base desta declaração, e concluindo que, na ponderação dos interesses do suposto pai e do filho na investigação, “pode duvidar-se que o pretenso progenitor mereça uma proteção da segurança da sua vida patrimonial que justifique a regra da exclusão do direito do investigante, logo a partir dos 20 anos e sem consideração de outras circunstâncias, a saber quem é o seu pai. (…) e também não se vê que possa só por si a proteção do interesse na paz e harmonia da família conjugal que pode ter sido constituída pelo pretenso pai considerar-se decisiva”, mas rematando que, apesar de durante mais de quinze anos se haver defendido a constitucionalidade do prazo de dois anos, nunca se negou a existência de um direito fundamental ao conhecimento das origens biológicas, simplesmente, admitiam-se outros valores, também, dignos de tutela legal.

Com a viragem jurisprudencial operada, por este acórdão n.º 23/2006, o prazo de dois anos jamais pôde ser aplicado, até que a Lei nº 14/2009, de 1 de abril, estendeu o prazo até aos vinte e oito anos de vida do investigante, tendo, entretanto, durante três anos, na ausência de norma habilitante, sido entendimento uniforme da jurisprudência a não submissão da ação a qualquer prazo, seguindo a posição maioritária da doutrina mais influente.

Com a entrada em vigor desta nova Lei nº 14/2009, de 1 de abril, o artigo 1817.º, do CC, passou a dispor que “o prazo para propositura da ação de investigação da maternidade e paternidade é alargado de dois para dez anos (n.º 1), que o prazo previsto no n.º 2 é alargado de um ano para três, admitindo-se novos factos que permitem a proposição da ação, para além dos 10 anos previstos no n.º1 (n.º 3).

Porém, apesar da identidade de posições da jurisprudência e da doutrina, o legislador não seguiu a opinião dominante da imprescritibilidade das ações de investigação, mas, também, não explicou os motivos que o levaram a admitir um prolongamento do prazo, já que a nova lei é desprovida de preâmbulo, embora seja razoável afirmar que a extensão do prazo veio favorecer, ainda assim, o direito do filho investigante a ver estabelecida a sua filiação, porque a ação passa a poder ser intentada até uma idade - vinte e oito anos - em que as pessoas têm já uma maturidade e experiência diferentes daquela que possuem aos vinte anos.

Após a entrada em vigor da nova lei, a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça fraturou-se, ora se julgando constitucional o prazo de dez anos[68], ora se defendendo a tese da sua inconstitucionalidade[69], sendo que esta última posição favorável à declaração de inconstitucionalidade do prazo de dez anos conduziu à prolação, pelo Tribunal Constitucional, de uma decisão[70] que não julgou inconstitucional a norma prevista, no artigo 1817.º, n.º 1, do CC, na redação da Lei nº 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, ao aplicar-se às ações de investigação de paternidade, por força do preceituado no artigo 1873.º, prevê o prazo de dez anos para acionar o mecanismo de investigação da paternidade, após a maioridade ou emancipação, considerando “legitimo que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respetiva ação de investigação da paternidade, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante”, justificando a sua decisão, ao afirmar que “apesar de na atual conjuntura a cada vez mais tardia inserção estável no mundo profissional poder acarretar falta de autonomia financeira (…) a alegada falta de maturidade e experiência do investigante perde muito da sua evidência quando se reporta aos vinte e oito anos de idade ou um pouco mais cedo nos casos de emancipação. Neste escalão etário, o individuo já estruturou a sua personalidade (…) já tem tipicamente uma experiência de vida que lhe permite situar-se autonomamente sem dependências externas”, pelo que não considerou o prazo estabelecido desproporcional e violador do direito à identidade pessoal, no sentido do conhecimento da paternidade biológica, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e do direito de constituir família, consagrado no artigo 36.º, n.º 1, ambos da CRP.

 12. O princípio da segurança jurídica reivindicado pelos pretensos progenitores que se não dispõem a assumir a paternidade, bem assim como a ideia da preocupação com a proteção do património não assumem hoje a mesma relevância, porque ser filho não significa, apenas, ter direito a uma eventual herança, mas sim a estabelecer um vinculo, se não de afeto, pelo menos, jurídico, pelo que sujeitar o filho à observância de um prazo é “uma restrição não justificada, desproporcionada” ao seu direito de investigar a paternidade[71].

Na verdade, o direito potestativo de investigação da paternidade, não vinculado a prazos de caducidade, é indissociável dos direitos constitucionais à identidade pessoal, à constituição da família e à não discriminação dos filhos nascidos de relações extramatrimoniais, sob pena de os mesmos serem cerceados, sem um motivo, suficientemente, justificativo, considerando a importância vital do conhecimento da origem, história e genealogia do indivíduo, e de ser posto em causa o princípio da dignidade da pessoa humana, sem prejuízo de, em casos de aproveitamento excessivo, se defender poder vir a afigurar-se necessário acautelar os interesses dos eventuais herdeiros do suposto progenitor.

Neste entendimento, para que o artigo 1817.º, n.º 1, do CC, pudesse ser interpretado num sentido consonante com a Constituição da República, os prazos só necessitariam de ser observados se o investigante quisesse retirar benefícios sucessórios do estabelecimento da filiação, admitindo-se que a ação fosse proposta já depois de caducar o prazo de dez anos, estabelecendo-se a filiação, apenas, com efeitos pessoais, e, assim, se satisfazendo os direitos fundamentais em causa, considerando-se que esta derrogação à natureza unitária do estatuto familiar se encontraria, plenamente, justificada[72].

Deste modo, sendo proposta ação de investigação de paternidade, muitos anos após o efetivo conhecimento dos supostos laços de filiação, poderia o investigado pai, em sede de contestação, invocar a exceção perentória impeditiva do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, nos termos do disposto pelo artigo 576º, nºs 1 e 3, do CPC, demonstrando as circunstâncias que justificariam, unicamente, o interesse patrimonial daquele na ação, o qual gozaria da faculdade de, em resposta a essa exceção, os contraditar.

E, assim, neste posicionamento, a aplicação do instituto do abuso de direito, prevista pelo artigo 334.º, do CC, nas situações em que se viesse a provar que o investigante, apenas, teria interesses patrimoniais na procedência da ação, faria incorrer o autor numa situação equivalente à de não ter o direito que invoca[73].

Porém, ainda que seja razoável prognosticar que o progenitor investigado não se venha a aproximar do filho e a assumir o papel de pai, em consequência de decisão que lhe seja desfavorável, proferida na ação de investigação, mesmo que se não constitua um vínculo afetivo, em simultâneo, com o vínculo jurídico, o reconhecimento judicial da sua condição de filho possibilita-lhe, pelo menos, a atribuição da identidade correspondente à procriação biológica.

Para além disso, muito embora, no âmbito do direito a constituir família, não possa ser garantida ao investigante a inserção numa autêntica comunidade de afetos, não pode ser subestimada a vertente do estatuto de filho, quanto à titularidade de direitos patrimoniais, designadamente, o direito a alimentos e os direitos sucessórios, na qualidade de herdeiro legitimário.

Não se compreende, aliás, que a procura, pelo investigante, de um efeito legal, que decorre, apenas, sem mais, do vínculo jurídico de filiação, seja considerado uma causa indigna da sua constituição, unicamente, porque já não será possível consubstanciar os efeitos pessoais que dele, também, promanam, o que, frequentemente, só acontece, porque, no mínimo, o pai negligenciou em assumir, em tempo oportuno, a responsabilidade decorrente do ato de procriação, sob pena de intolerável disparidade de tratamento dos filhos nascidos fora do casamento, sobrecarregando, desvantajosamente, a situação em que, por força dessa condição de nascimento, se encontram, naturalmente, colocados.

Seria, assim, constitucionalmente, inaceitável o propósito de fazer precludir o reconhecimento do estado de filho como via ínvia de obstar à aquisição de quaisquer efeitos patrimoniais decorrentes desse estatuto pessoal, sob pena de o filho ser, então, duplamente, penalizado, quer a nível pessoal, quer patrimonial.

“No que, em particular, diz respeito ao direito à herança, no caso de o filho estar num período da vida em que já não pode beneficiar da ação paterna, também, na esfera pessoal, mormente do seu contributo educativo para a formação da personalidade, seria um efeito perverso negar-lhe, a pretexto dessa situação  impossibilitante, o acesso ao único direito que lhe restará exercer, a ser procedente a ação de investigação. Mesmo que uma iniciativa tardia possa ser, tipicamente, associada ao exclusivo desejo de aquisição do direito a herdar, o que, aliás, é, dificilmente, sindicável, com objetividade, não se vê que alguém em condições de ver reconhecida a qualidade de filho deva ser impedido de acionar o meio processual para tanto pela razão de que só o faz para poder, em devido tempo, reclamar o que lhe é devido em função dessa qualidade. A efetiva vivência familiar, com a constituição de laços pessoais, não é, de acordo com o regime sucessório, condição de titularidade e de exercício dos direitos dos herdeiros legitimários. Tanto assim que os filhos gerados em matrimónio, e salvas as situações extremas justificativas de deserdação, não deixam de herdar, mesmo que não tenham chegado a estabelecer, ou tenham perdido, qualquer ligação pessoal com o progenitor, ou mesmo que essa ligação tenha um cunho litigioso”[74].

13. Além do interesse particular do filho em ver estabelecida a sua filiação, o Estado tem, igualmente, um interesse público na matéria, atendendo ao princípio da verdade biológica e ao valor do primado da família, como elemento fundamental da sociedade, que tem direito à proteção do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, de acordo com o disposto pelo artigo 67.º, n.º1, e à proteção da infância, cujo objetivo é o desenvolvimento integral das crianças contra todas as formas de abandono e discriminação, atento o preceituado pelo artigo 69.º, n.º 1, ambos da CRP.

Não sendo a averiguação oficiosa da paternidade um modo de estabelecimento da filiação, surge, porém, como concretização do interesse do Estado na observância do princípio da verdade biológica, por se tratar de “uma atividade imposta por lei com o objetivo de conduzir a tal estabelecimento por um dos modos possíveis”[75], fundamentando-se no direito à identidade e integridade moral, de modo a permitir a melhor socialização do filho e obrigar o progenitor a participar nas suas necessidades económicas.

Por outro lado, tendo-se acabado com as discriminações baseadas nas várias categorias de filhos, não faria sentido garantir a igualdade de direitos se não fosse o Estado a encetar os esforços possíveis para estabelecer a filiação[76].

Enquanto a filiação se não achar estabelecida, juridicamente, nenhuns direitos podem ser invocados, já que o seu estabelecimento é um ato sujeito a registo, pelo que, uma vez estabelecida e registada, a filiação jurídica tem eficácia retroativa, ao tempo em que se iniciou a filiação biológica, nos termos do disposto pelo artigo 1797.º, n.º2, do CC[77].

Questionou-se a constitucionalidade do prazo de caducidade do direito de ação de averiguação oficiosa da paternidade proposta pelo Ministério Público, nos dois anos subsequentes ao nascimento do menor, por se considerar que a existência de um prazo violaria o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, previsto no artigo 26.º, da CRP, na vertente do direito ao conhecimento e reconhecimento da ascendência biológica, nos mesmos termos que foi posta em causa a caducidade do direito do filho investigar, autonomamente, a sua paternidade, tendo, porém, aquele prazo sido julgado constitucional, pois que o Ministério Público age, então, em defesa do interesse público do Estado em ver estabelecidos, o mais, rapidamente, possível, os laços de filiação, e não em representação do menor, sendo certo que a proteção dos direitos fundamentais da criança “não pode ir ao ponto de exigir por parte do Estado uma intervenção sem quaisquer limites temporais, que se substitua à vontade dos cidadãos no exercício dos direitos de que são titulares”[78], pelo que, consequentemente, apesar de a ação de averiguação oficiosa ser condicionada, o decurso do prazo não extinguiria o direito do filho propor, por si próprio, uma ação com processo comum de investigação da paternidade.

Ora, a satisfação plena do direito à identidade e à integridade pessoais que a Constituição consagra implica a atribuição de meios técnico-jurídicos adequados à descoberta da ascendência, isto é, o reconhecimento de um direito à constituição do estado de filho[79].

14. Como já se disse, o Tribunal Constitucional decidiu “a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817º n.º 1 do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante; b) Não julgar inconstitucional a norma da alínea b) do n.º 3 do artigo 1817º do Código Civil, quando impõe ao investigante, em vida do pretenso pai, um prazo de três anos para interposição da ação de investigação de paternidade”[80], reafirmando a doutrina do Plenário daquele Tribunal, que, chamado a pronunciar-se, nos termos previstos pelo artigo 79º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, decidiu “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817º n.º 1 do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante”, considerando que “o limite temporal em causa no presente recurso é o prazo de caducidade estabelecido no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável às ações de investigação de paternidade, por força da remissão constante do artigo 1873.º, n.º 1, do mesmo diploma, segundo o qual essas ações só podem ser propostas durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.

Contudo, o alcance deste prazo só pode ser compreendido numa ponderação integrada do conjunto de prazos de caducidade estabelecidos nos diversos números do artigo 1817.º, do Código Civil.

Embora o disposto em todos estes preceitos não integre o objeto da questão de constitucionalidade que nos ocupa, o seu conteúdo não pode deixar de ser tido em consideração na apreciação da norma impugnada, uma vez que a sua eficácia flanquea­dora tem interferência no alcance extintivo do prazo de caducidade sob fiscalização. Os efeitos da aplicação deste prazo, só podem ser medidos, na sua devida extensão, se ponderarmos também a latitude com que são admitidas, no regime envolvente daquela norma, causas que obstem à preclusão total da ação de investigação, por força do decurso do prazo geral de dez anos, após a maioridade.

Ora, enquanto no n.º 2 se estabeleceu que se não fosse possível estabelecer a maternidade em consequência de constar do registo maternidade determinada, a ação já podia ser proposta nos três anos seguintes à retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório, no n.º 3 permitiu-se que a ação ainda pudesse ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) e em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.

Como já acima se explicou, os prazos de três anos referidos nos transcritos n.º 2 e 3 do artigo 1817.º do Código Civil, contam-se para além do prazo fixado no n.º 1, do mesmo artigo, não caducando o direito de proposição da ação antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a ação é ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos n.º 2 e 3; inversamente, a ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da ação, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação.

Isto significa que o prazo de dez anos após a maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil não funciona como um prazo cego, cujo decurso determine inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade, mas sim como um marco terminal de um período durante o qual não opera qualquer prazo de caducidade.

Verdadeiramente e apesar da formulação do preceito onde está inserido ele não é um autêntico prazo de caducidade, demarcando antes um período de tempo onde não permite que operem os verdadeiros prazos de caducidade consagrados nos n.ºs 2 e 3, do mesmo artigo.

Face ao melindre, à profundidade e às implicações que a decisão de instaurar a ação de investigação da paternidade reveste, entende-se que num período inicial após se atingir a maioridade ou a emancipação, em regra, não existe ainda um grau de maturidade, experiência de vida e autonomia que permita uma opção ponderada e suficientemente consolidada.

Apesar de na atual conjuntura a cada vez mais tardia inserção estável no mundo profissional poder acarretar falta de autonomia financeira, eventualmente desin­centivadora de uma iniciativa, por exclusiva opção própria, a alegada falta de maturidade e experiência do investigante perde muito da sua evidência quando se reporta aos vinte e oito anos de idade, ou um pouco mais cedo nos casos de emancipação. Neste escalão etário, o indivíduo já estruturou a sua personalidade, em termos suficientemente firmes e já tem tipicamente uma experiência de vida que lhe permite situar-se autonomamente, sem dependências externas, na esfera relacional, mesmo quando se trata de tomar decisões, como esta, inteiramente fora do âmbito da gestão corrente de interesses.

O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, revela-se, pois, como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma ação de investigação da paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada.

Por estas razões cumpre concluir que a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante, não se afigura desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, abrangidos pelo direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e o direito a constituir família, previsto no artigo 36.º, n.º 1, ambos da Constituição.” [81].

Na verdade, o Tribunal Constitucional reconheceu que “interesses gerais ou valores de organização social em torno da instituição familiar podem justificar a consolidação definitiva na ordem jurídica de uma paternidade, porventura não correspondente à realidade biológica, a partir do decurso de um determinado lapso de tempo. Nessa situação estarão os interesses da segurança e da certeza jurídicas respeitantes ao comércio jurídico em geral, que exigem a estabilização das relações de filiação já estabelecidas. Os referidos valores exigem que as relações de parentesco sejam dotadas de estabilidade, impondo-se aos interessados o ónus de agirem rapidamente, de forma a clarificarem as relações de parentesco existentes. Tais considerações mantêm toda a validade nos casos em que ocorreu posse de estado. E, assim, uma opção válida do legislador pretender dar segurança jurídica”[82].

É, também, essa exigência mínima da segurança jurídica que decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que aceita que as ações de estabelecimento da filiação fiquem sujeitas ao cumprimento de determinados pressupostos, nomeadamente, a exigência de prazos, desde que não se tornem impeditivos do uso do meio de investigação em causa, ou representem um ónus exagerado, porquanto a existência de um prazo limite para a instauração de uma ação de reconhecimento judicial da paternidade não é, só por si, violadora da Convenção, importando verificar se a natureza, duração e características desse prazo resultam num justo equilíbrio entre o interesse do investigante em ver esclarecido um aspeto importante da sua identidade pessoal, o interesse do investigado e da sua família mais próxima, em serem protegidos de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima, ocorridos há já muito tempo, e o interesse público da estabilidade das relações jurídicas[83].

  15. O juízo de constitucionalidade sobre os prazos de caducidade das ações de filiação professado pelo Tribunal Constitucional não revela uma tutela “absolutizada” e universal do entendimento do princípio da identidade pessoal, circunscrevendo-se à situação especial do estabelecimento da paternidade, sem repercussão noutras áreas em que estejam presentes interesses a valorar que não se oponham ao conhecimento da paternidade biológica.

Assim, à luz das conceções correntes acerca da importância do conhecimento das próprias origens, enquanto elemento fundamental da construção da identidade, a previsão constante do artigo 15.º, nºs 1 e 4, da Lei da Procriação Medicamente Assistida, ao estabelecer como regra, ainda que não absoluta, o anonimato dos dadores, no caso da procriação heteróloga, e, bem assim, o anonimato das gestantes de substituição, mas, no caso destas, como regra absoluta, mereceu censura constitucional, por constituir uma afetação, indubitavelmente, gravosa dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, consagrados no artigo 26.º, n.º 1, e do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, ambos da CRP, por se afigurar desnecessária tal opção, mesmo no que respeita à salvaguarda de outros direitos fundamentais ou de valores, constitucionalmente, protegidos, que sempre poderão ser tutelados, de maneira adequada, através de um regime jurídico que consagre a regra inversa, isto é, a possibilidade do anonimato dos dadores e da gestante de substituição, apenas, quando haja razões ponderosas para tal, a avaliar, casuisticamente[84].

Por outro lado, o artigo 1990.º-A, do CC, na redação introduzida pela Lei nº 143/2015, de 8 de setembro, sob a epígrafe «acesso ao conhecimento das origens», estabelece que “às pessoas adotadas é garantido o direito ao conhecimento das suas origens, nos termos e com os limites definidos no diploma que regula o processo de adoção”, designadamente, conforme resulta do artigo 4.º, do Regime Jurídico do Processo de Adoção, quanto ao carácter secreto do processo de adoção, o qual, nos termos do respetivo nº 2, “incluindo os seus preliminares, pode ser consultado pelo adotado depois de atingida a maioridade”, e do artigo 6.º, nºs 1 e 3, do mesmo diploma legal, que permite ao adotado, a partir dos 16 anos, ou com autorização dos pais adotantes, durante a menoridade, ter acesso ao conhecimento das suas origens, devendo os dados correspondentes ser conservados, durante, pelo menos, 50 anos, após a data do trânsito em julgado da sentença constitutiva do vínculo da adoção.

Independentemente da sensibilidade evidenciada pelo juízo constitucional quanto à tutela da possibilidade do anonimato dos dadores e da gestante de substituição, apenas, quando haja razões ponderosas para tal, a avaliar, casuisticamente, e da garantia legal do direito das pessoas adotadas ao conhecimento das suas origens, importa enfatizar que, em qualquer um dos dois diplomas acabados de considerar, a Lei da Procriação Medicamente Assistida e o Regime Jurídico do Processo de Adoção, não se estabelecem prazos de caducidade para o exercício desses direitos.

16. No âmbito do controlo da constitucionalidade das leis importa dar prioridade, antes de mais, à Constituição da República Portuguesa, embora se não deva excluir, de todo, a relevância constitucional dos instrumentos internacionais vinculativos para o Estado, na medida em que possam considerar-se como correspondendo a direito constitucionalizado ou que possam ser utilizados como critério de interpretação de normas constitucionais.

O prazo de dez anos foi considerado razoável pelo Tribunal Constitucional e não contraria a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, cujo critério de julgamento é o de que os prazos não sejam impeditivos da investigação e não criem ónus excessivos, em termos probatórios, para as partes, enão viola os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal, previstos no artigo 26º, nº1, e o direito a constituir família, previsto no artigo 36º, ambos da Constituição”[85].

As limitações temporais ao exercício do direito potestativo de investigação da paternidade, previstas no artigo 1817º, nºs 1, 2 e 3, do CC, serão, assim, compatíveis com os direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, bem assim como com os princípios da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, satisfazendo as exigências que decorrem do direito ao estabelecimento do vínculo da filiação, que se integra, no âmbito dos «direitos, liberdades e garantias pessoais», face ao disposto pelos artigos 26º e 36º, por um lado, e com o direito à segurança e estabilização das relações jurídicas, incluído no quadro dos «princípios fundamentais», atento o preceituado pelo artigo 2º, ambos da CRP, por outro.

Aliás, a ideia da segurança jurídica é sempre trazida à colação, a propósito da discussão sobre o prazo de caducidade[86], associado à propositura da ação de investigação da paternidade, como um valor superior do ordenamento jurídico, em relação aos direitos à identidade pessoal, à integridade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, incluindo ao próprio princípio da justiça, que pretere.

17. Compete, especificamente, ao Tribunal Constitucional administrar a justiça, em matérias de natureza jurídico-constitucional, nos termos do disposto pelo artigo 221º, da CRP.

O sistema de controlo da constitucionalidade adotado pela Constituição da República é um sistema misto, que combina o modelo americano do sistema difuso, que confere competência aos tribunais das diferentes ordens, nos feitos submetidos a julgamento, para recusarem a aplicação de normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados, de acordo com o disposto pelo artigo 204º, com o modelo austríaco do sistema concentrado, em que o Tribunal Constitucional, para além de decidir, abstratamente, conhece ainda dos recursos de constitucionalidade dos demais tribunais, em conformidade com o preceituado pelo artigo 280º, ambos da CRP, a quem não compete a última palavra sobre a matéria, podendo, no exercício da fiscalização concreta da constitucionalidade, recusar a aplicação de normas escolhidas para a regulação do caso ajuizado, por as julgarem inconstitucionais, mas cujas decisões o Tribunal Constitucional pode revogar.

18. A preponderância assumida, em veste constitucional, respaldada nas exigências provenientes da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pelos valores da segurança jurídica e da estabilidade das relações jurídicas, no confronto ponderado e proporcional com os direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, decorrentes do direito ao estabelecimento do vínculo da filiação, determina, no sentido do não afrontamento reiterado da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que se adote, no caso em apreço, a construção da constitucionalidade do prazo de caducidade do direito de ação de investigação da paternidade, com a consequente confirmação do acórdão recorrido.

CONCLUSÕES:

I - A invocação de circunstancionalismo superveniente justificativo do alongamento do prazo de propositura da ação de investigação da paternidade, a que alude a previsão do artigo 1817, nº 3, b), do Código Civil, a não acontecer no articulado inicial, deve ter lugar, em razão da arguição pelo réu investigado da exceção da caducidade, na contestação, na resposta à exceção da caducidade, cumprindo o autor investigante o ónus da alegação, ainda que a título subsidiário, relativamente à tese da imprescritibilidade da ação, dos factos constitutivos da contra-exceção da caducidade, demonstrando que, apenas, após o decurso do prazo de dez anos sobre a respetiva maioridade, teve conhecimento de factos ou circunstâncias essenciais e decisivas idóneas a desencadear a propositura da ação, isto é, dos factos, subjetivamente, supervenientes, invocados.

II – A Reforma de 1977 eliminou o sistema dos pressupostos de admissibilidade da ação de investigação de paternidade que converteu em presunções legais, “tantum iuris”, da relação biológica de paternidade do investigado, não na modalidade de presunção típica, para cuja ilisão é necessária a produção de prova em contrário, mas de presunção atípica, com a especificidade de que para a sua ilisão basta a contraprova tendente a criar no espírito do julgador “dúvidas sérias” sobre a paternidade, colocando, assim, a fasquia da força probatória das presunções formuladas no nº 1, do artigo 1871º, do CC, um pouco acima da altura própria das meras presunções de facto.

III - A tutela da segurança jurídica está colocada num patamar superior ao do direito do filho conhecer as suas origens ou, dito de outro modo, este direito fica condicionado pelo decurso do prazo do seu exercício, situado num quadro ajustado, razoável e proporcional.

IV – O argumento do envelhecimento ou perecimento das provas, utilizado em favor da manutenção do prazo de caducidade, no que respeita à investigação da paternidade, não se afigura convincente no sentido da limitação do direito de investigar para garantir o êxito da prova, pois que se esta se vai tornando mais difícil com o decorrer do tempo, é o próprio investigante retardatário quem mais suporta as desvantagens do incumprimento mais retardado desse ónus.

V - A consagração do primado da verdade biológica, consubstanciado na possibilidade do recurso a exames de sangue e outros métodos científicos, mormente, através de perfis de ADN, tendo em vista a determinação da filiação, como meios de prova predominantes, que não têm qualquer validade temporal, mantendo a verdade inalterável, por mais anos que passem, e podendo até ser obtidos depois da morte do suposto pai, está a coberto do receio do risco do “envelhecimento” das provas.

VI – Sendo a limitação voluntária dos direitos de personalidade, quando legal, sempre revogável, a simples inércia ou passividade, durante certo período temporal, em instaurar uma ação de investigação de paternidade, não deve, por maioria de razão, inutilizar a legitimidade para o fazer quando, de acordo com o critério subjetivo atual do próprio e o princípio da auto-responsabilidade das partes, tal corresponde a uma faculdade, eminentemente, pessoal na investigação da identidade do seu progenitor, como elemento da sua identidade pessoal.

VII - A valia do fundamento “caça-fortunas” atenua-se no confronto com o instituto da ação de petição da herança, de natureza imprescritível, revelando a tolerância do direito civil perante uma reivindicação tardia de bens, sem outros prazos que não sejam os que estão previstos para a usucapião.

VIII - O direito fundamental à identidade pessoal, na perspetiva do conhecimento das origens genéticas, que inclui o estabelecimento ou reconhecimento dos laços de filiação, não é um direito absoluto, já que pode ser condicionado, atendendo a outros direitos e interesses, legalmente, admissíveis, como acontece com a previsão de prazos de caducidade para a propositura de ações de investigação de maternidade ou paternidade.

IX - Apesar de o sistema jurídico nacional ser de génese, essencialmente, biologista, não aderiu, integralmente, ao princípio da verdade biológica, em detrimento de outros valores ou princípios, constitucional ou ordinariamente, protegidos, pois ainda hoje são admitidos prazos de caducidade, mantendo importância os princípios da segurança e certeza jurídica, respeitantes ao comércio jurídico em geral, que exigem a estabilização das relações de filiação já estabelecidas, porventura, não correspondentes à realidade biológica, a partir do decurso de um determinado lapso de tempo, razão pela qual as ações de investigação não estão previstas na lei como imprescritíveis, impondo-se aos interessados o ónus de agirem, rapidamente, de forma a clarificarem as relações de parentesco existentes.

X - A exigência de um prazo limite para a instauração de uma ação de reconhecimento judicial da paternidade, desde que não se torne impeditivo do seu uso, ou represente um ónus exagerado, em termos probatórios, para as partes, não é, só por si, violador dos direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal, importando verificar se a natureza, duração e características desse prazo resultam num justo e razoável equilíbrio entre o interesse do investigante em ver esclarecido um aspeto importante da sua identidade pessoal, o interesse do investigado e da sua família mais próxima, em serem protegidos de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima, ocorridos há já muito tempo, e o interesse público da estabilidade das relações jurídicas.

XI - As limitações temporais ao exercício do direito potestativo de investigação da paternidade, previstas no artigo 1817º, nºs 1, 2 e 3, do CC, são compatíveis com os direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, bem como com os princípios da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, satisfazendo as exigências que decorrem do direito ao estabelecimento do vínculo da filiação, por um lado, que se integra, no âmbito dos «direitos, liberdades e garantias pessoais», face ao disposto pelos artigos 26º e 36º, e do direito à segurança e estabilização das relações jurídicas, por outro, incluído no quadro dos «princípios fundamentais», atento o preceituado pelo artigo 2º, ambos da CRP.

XII – O juízo de constitucionalidade sobre os prazos de caducidade das ações de filiação professado pelo Tribunal Constitucional não revela uma tutela “absolutizada” e universal do entendimento do princípio da identidade pessoal, circunscrevendo-se à situação especial do estabelecimento da paternidade, sem repercussão noutras áreas em que estejam presentes interesses a valorar que não se oponham ao conhecimento da paternidade biológica.

XIII - A preponderância assumida, em veste constitucional, respaldada nas exigências provenientes da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pelos valores da segurança e estabilidade das relações jurídicas, no confronto ponderado e proporcional com os direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, decorrentes do direito ao estabelecimento do vínculo da filiação, determina que se adote a construção da constitucionalidade do prazo de caducidade do direito de ação de investigação da paternidade.

DECISÃO[87]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista das autoras, confirmando o douto acórdão impugnado.

                                                                         *

Custas da revista, a cargo das autoras.

                                                                          *

Notifique.

Helder Roque (Relator)

Roque Nogueira

Alexandre Reis

------------------------------
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira; 2º Adjunto: Conselheiro Alexandre Reis.
[2] STJ, de 9.3.2017, Processo nº 759/14.8TBSTB.E1.S1, www.dgsi.pt

[3] Sendo o prazo do artigo 1817.º, nº 1, do CC, um prazo de caducidade e não de prescrição “é erróneo afirmar que estas ações são (ou deviam ser) «imprescritíveis». “Embora a caducidade e prescrição sejam dois modos de ser do mesmo fenómeno extintivo e liberatório dos direitos subjetivos ou de quaisquer posições jurídicas subjetivas, na caducidade surpreende-se uma mais forte e objetiva tutela da certeza e segurança jurídica”, Remédio Marques, Caducidade da acção de investigação da paternidade: o problema da aplicação imediata de lei 14/2009 de 1 de abril às acções pendentes, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXXV, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, 200 e 201.
[4] Gomes da Silva, O Direito da Família no Futuro Código Civil, segunda parte”, BMJ, n.º 88, Lisboa, 1959, 86 e 87.
[5] Antunes Varela, Projecto do Código Civil, Lisboa, 1966, 48.
[6] Antunes Varela, Projecto do Código Civil, Lisboa, 1966, 48.
[7] José da Costa Pimenta, Filiação, 4.ª edição, Livraria Petrony, 2001, 146; e Guilherme de Oliveira, Critério Jurídico da Paternidade, Reimpressão, Coimbra, Livraria Almedina, 1998,100 a 109.
[8] Guilherme de Oliveira, O direito da filiação na jurisprudência recente, Coimbra, s.n., 1980, 4.
[9] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, V, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, 82.
[10] Vaz Serra, Provas, BMJ, nº 112, 128.
[11] STJ, de 21-9-2010, Processo nº 495/04.3TBOR.C1.S1, www.dgsi.pt
[12] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, V, Coimbra Editora, 1995, 303.
[13] Acórdão do TC nº 23/2006, de 10.01.2006, Processo n.º 885/2005, www.dgsi.pt
[14] Ana Rita Madeira, A acção de investigação da paternidade: caducidade versus imprescritibilidade, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 7, n.º 14, Coimbra Editora, 2010, 89.
[15] Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da Filiação, Coimbra, 1979, 4º; De Cupis, Comentario al Diirito Italiano della Famiglia, IV, 1992, 181.
[16] Lei nº 14/2009, de 1 de abril.
[17] Guilherme de Oliveira, Caducidade das Acções de Investigação ou caducidade do dever de perfilhar, a pretexto do acórdão n.º 401/2011 do Tribunal Constitucional, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 9, N.ºs 17 e 18, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, 107 a 115.
[18] Rafael Vale Reis, Filho depois dos 20…! Notas ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 486/2004 de 7 de Julho, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 2, n.º 3, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, 128.
[19] Guilherme de Oliveira, Caducidade das Acções de Investigação, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 9, N.ºs 17 e 18, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, 10.
[20] Voto de vencido do Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro, in “Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/2011, de 22.09.20111, Processo n.º 497/2010, www.dgsi.pt”
[21] Guilherme de Oliveira, A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito das pessoas e da família, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 6, n.º 12, Julho/Dezembro, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 112; no mesmo sentido, Rafael Vale Reis, Filho depois dos 20…! Notas ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 486/2004 de 7 de Julho, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 2, n.º 3, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, 131.
[22] Guilherme de Oliveira, Caducidade das Acções de Investigação ou caducidade do dever de perfilhar, a pretexto do acórdão n.º 401/2011 do Tribunal Constitucional, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 9, N.ºs 17 e 18, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, 53 e 54.
[23] Guilherme de Oliveira, Critério Jurídico da Paternidade, Reimpressão, Coimbra, Livraria Almedina, 1998, 465 a 468.
[24] Guilherme de Oliveira, Caducidade das Acções de Investigação, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, I, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, 49 a 58; e Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano I, n.º1, 2004, 8.
[25] Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da filiação, 2.ª reimpressão, Coimbra, Livraria Almedina, 1993, 41.
 [26] Rafael Vale Reis, Filho depois dos 20…! Notas ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 486/2004 de 7 de Julho, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 2, n.º 3, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, 129.
[27] Guilherme de Oliveira, A Jurisprudência constitucional portuguesa e o direito das pessoas e da família, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 6, n.º 12, Julho/Dezembro, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 111.
[28]  “Não parecendo justificar-se que um herdeiro, que já o era à data da abertura da herança, seja melhor tratado, em caso de preterição, do que aquele que, naquela data, ainda não possuía essa qualidade, embora já reunisse as condições para ser reconhecido como tal”, Voto de vencido do Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro, in “Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/2011, de 22.09.20111, Processo n.º 497/2010, www.dgsi.pt”
[29] Maria José Capelo, Interesse processual e legitimidade singular nas acções de filiação, Studia Iuridica, 15, Coimbra Editora, 1996, 11.
[30] Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, volume II, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, 52; Susana Costa, (S)Em nome do pai, 173, www.ces.uc.pt/rccs/includes/download.php?id=2306
[31] Guilherme de Oliveira, Critério Jurídico da Paternidade, Reimpressão, Coimbra, Livraria Almedina, 1988, citado, 460.
[32] Acórdão do TC nº 23/2006, de 10.01.2006, Processo n.º 885/2005, www.dgsi.pt
[33] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Anotada, I, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, 609.
[34] Acórdão do STJ, de 9-4-2013, Pº nº 187/09.7TBPFR.P1.S1, www.dgsi.pt
[35] A legitimidade processual subsidiária do cônjuge e descendentes do filho, estabelecida pelo artigo 1818º, do CC, constitui um direito próprio dos mesmos, não decorrendo do direito encabeçado pelo filho transmitido aos familiares, STJ, de 15-05-2013, Processo nº 787/06.7MAI.P1.S1, www.dgsi.pt

[36] Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, volume II, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, 50.
[37] Helena Machado, Vaca que anda no monte não tem boi certo: uma análise da prática judicial de normalização do comportamento sexual e procriativo da mulher, Revista Critica de Ciências Sociais, n.º 55, Novembro, Centro de Estudos Sociais, 1999, 181, disponível ainda em http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/3596
[38] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 1993, 179.
[39] Estela Barbas, Direito do Genoma Humano, Coimbra, Almedina, 2007, 496.
[40] Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 4.ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 2008, 187.
[41] Carla Amado Gomes, Filiação, adopção e protecção de menores - Quadro constitucional e notas de jurisprudência, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 4, n.º 8, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, 22.
[42] Guilherme de Oliveira, Caducidade das Acções de Investigação, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, 53.
[43] Acórdão do TC n.º 99/88, de 28.04.1988, Processo n.º 101/85, www.dgsi.pt
[44] Acórdão do TC nº 23/2006, de 10.01.2006, Processo n.º 885/2005, www.dgsi.pt
[45] Guilherme de Oliveira, A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito das pessoas e da família, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 6, n.º 12, Julho/Dezembro, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 11; Acórdão do TC nº 23/2006, de 10.01.2006, Processo n.º 885/2005, www.dgsi.pt
[46] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, revista atualizada e ampliada, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, 813.
[47] Maria José Capelo, Interesse processual e legitimidade singular nas acções de filiação, Studia Iuridica, 15, Coimbra Editora, 1996, 74.
[48] Jorge Martins Ribeiro, O direito do homem a rejeitar a paternidade de filho nascido contra a sua vontade. A igualdade na decisão de procriar, Coimbra, Coimbra Editora, 2013.
[49] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, revista, atualizada e ampliada, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, 814.
[50] João de Castro Mendes, Direito da Família, AAFDL, 1997, 222.
[51] Carla Amado Gomes, Filiação, adopção e protecção de menores - Quadro constitucional e notas de jurisprudência, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 4, n.º 8, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, 21.
[52] Paula Távora Vítor, A propósito da lei nº 14/2009, de 1 de Abril: Breves considerações, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 6, n.º 11, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 88.
[53] Sobre a distinção entre estes dois direitos, João Loureiro, “Filho(s) de um gâmeta menor? Procriação medicamente assistida heteróloga”, Revista Lex Medicinae, Ano 3.º (2006), n.º 6, 26 e segs.; Rafael Vale e Reis, “O direito ao conhecimento das origens genéticas”, 108 e 109.
[54] Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 4ª edição, revista e actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, 181.
[55] Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, 302.
[56] Acórdão do TC nº 486/04, de 7-7-2004, Processo nº 192/02, www.dgsi.pt
[57] Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição da Republica Portuguesa de 1976, 3.ª edição, Almedina, 2004, 222 e ss.; No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 370/91, de 25-09-1991, Processo nº 401/89, www.dgsi.pt
[58] Acórdão do TC nº 413/89, de 31.05.1989, Processo n.º 142/88; Acórdão do TC nº 451/89, de 21.06.1989, Processo n.º 287/87; Acórdão do TC nº 506/99, de 21.09.1999, Processo n.º 849/98, www.dgsi.pt. Este último acórdão teve por base um recurso do STJ que, na decisão de 25.06.1998, afirmou que o prazo de dois anos para arguir a maternidade e paternidade consistia numa restrição não admitida pela Constituição ao direito fundamental de conhecimento da ascendência biológica.
[59] Acórdão do TC nº 456/03, de 14-10-2003, Processo nº 193/03, www.dgsi.pt
[60] Rafael Vale Reis, Direito ao conhecimento das origens genéticas, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, 193.
[61] Guilherme de Oliveira, Caducidade das acções de investigação, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, 49 a 58; e Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano I, n.º1, 2004, 7 a 13; e Caducidade das acções de investigação ou caducidade do dever de perfilhar, a pretexto do acórdão n.º 401/2011 do Tribunal Constitucional, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 9, N.ºs 17 e 18, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, 107 a 115.
[62] Voto de vencido do Conselheiro Salazar Casanova, no Acórdão do STJ, de 9-4-2013, Processo n.º 187/09.7TBPFR.P1.S1, www.dgsi.pt
[63] Acórdão do TC nº 525/2003, de 29-10-2003, Processo nº 735/02, www.dgsi.pt
[64] A fundamentação para a consideração da inconstitucionalidade teria a ver com o facto de que “o prazo de dois anos em causa se esgota normalmente num momento em que, por natureza, o investigante não é ainda, naturalmente, uma pessoa experiente e inteiramente madura (…) E, sobretudo, que tal prazo pode começar a correr, e terminar, sem que existam quaisquer possibilidades concretas de – ou apenas justificação para – interposição da acção de investigação de paternidade, seja por não existirem ou não serem conhecidos nenhuns elementos sobre a identidade do pretenso pai (os quais só surgem mais tarde), seja simplesmente por, v.g., no ambiente social e familiar do filho ser ocultada a sua verdadeira paternidade, ou não existir justificação para pôr em causa a paternidade de quem sempre tenha tratado o investigante como filho”.
[65] Acórdão do TC nº 486/04, de 07.07.2004, Processo nº 192/02, www.dgsi.pt
[66] Acórdão do TC nº 11/05, de 12.01.2005, Processo n.º 192/02, www.dgsi.pt
[67] Acórdão do TC n.º 486/04, de 07.07.2004, Processo n.º 192/02, www.dgsi.pt
[68] Acórdãos do STJ de 29.11.2012, Processo n.º 367/10.2TBCBC-A.G1.S1; de 09.04.2013, Processo n.º 187/09.7TBPFR.P1.S1; de 15.05.2014, Processo n.º 3444/11.9TBTVD.L1.S1; de 18.02.2015, Processo n.º 4293/10.7TBSTS.P1.S1; de 28.05.2015, Processo nº 2615/11.2TBBCL.G2.S1; de 22.10.2015, Processo n.º 1292/09.5TBVVD.G1.S1; de 17.11. 2015, Processo n.º 30/14.5TBVCD.P1.S1; de 8.11.2016, Processo nº 4704/14.2T8VIS.C1.S1; e de 9.3.2017, Processo nº 759/14.8TBSTB.E1.S1, www.dgsi.pt
[69] Acórdãos do STJ, de 07.07.2009, Processo n.º 1124/05.3TBLGS.S1; de 08.06.2010, Processo n.º 1847/08.5TULSB.A.L1.S1 (nesta decisão, os juízes foram perentórios ao afirmar que os prazos de caducidade, independentemente do seu termo, se traduzem numa restrição desproporcionada ao direito à identidade pessoal); de 21-9-2010, Processo nº 495/04.3TBOR.C1.S1; de 06.09.2011, Processo n.º 1167/10.5TBPTL.S1; de 14.01.2014, Processo n.º 155/12.1TBVLC-A.p1.S1; de 31.01.2017, Processo nº 440/12.2TBBCL.G1.S1; www.dgsi.pt; e de 15-2-2018, Processo nº 2344/15.8T8BCL.G1.S2, ainda não publicado. 
[70] Acórdão do TC n.º 401/2011, de 22.09.2011, Processo n.º 497/2010, www.dgsi.pt
[71] Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 4.ª edição, AAFDL, Lisboa, 2015, 172; Paula Távora Vítor, A propósito da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril: breves considerações, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 6, n.º 11, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 91; Cristina Dias, Investigação da paternidade e abuso de direito. Das consequências jurídicas do reconhecimento da paternidade - anotação ao Ac. do STJ de 09.04.2013, Processo nº 187/09, Cadernos de Direito Privado, N.º 45, janeiro/março, Braga, CEJUR, 2014, 32 a 59; Guilherme de Oliveira, Caducidade das acções de investigação, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, 53 a 58; e “A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito das pessoas e da família”, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Ano 6, n.º 12, Julho/Dezembro, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 112; STJ, de 31.01.2017, Processo nº 440/12.2TBBCL.G1.S1, desta 1ª secção, mas com voto de vencido do Exº 1º Adjunto da presente conferência, www.dgsi.pt
[72] Jorge Duarte Pinheiro, Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º1 do Código Civil - Acórdão do TC nº 23/2006, de 10.01.2006, Cadernos de Direito Privado, n.º 15, Julho/Setembro, Braga, CEJUR, 2006, 178 e 179.
[73] Guilherme de Oliveira, Caducidade das acções de investigação, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, 57; Acórdão do STJ, de 21.09.2010, Processo n.º 495/04 – 3TBOR.C1.S1., www.dgsi.pt.
[74] Voto de vencido do Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro, in “Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/2011, de 22.09.20111, Processo n.º 497/2010, www.dgsi.pt”
[75] Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 4.ª edição, AAFDL, Lisboa, 2015, 135.
[76] Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da Filiação, Coimbra, Livraria Almedina, 1993, 145.
[77] Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da Filiação, Coimbra, Livraria Almedina, 1993, 10.
[78] Acórdão do TC n.º 604/2005, de 2.11.2005, Processo nº 813/04, www.dgsi.pt
[79] Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da Filiação, Coimbra, Livraria Almedina, 1993, 109.
[80] Acórdão do TC nº247/2012, de 22.5.2012, Processo nº 638/10, www.dgsi.pt
[81] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º401/2011, Diário da República, 2ª Série, de 3 de Novembro de 2011.

[82] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 247/2012, de 22.5.2012, Processo nº 638/10, fazendo-se alusão ao Acórdão do TC nº 401/2011, de 22.09.2011, Processo n.º 497/2010, www.dgsi.pt

[83] Caso Mizzi contra Malta, de 12 de janeiro de 2006, Processo nº 26111/02, European Court of Human Rights – Reports of Judgments and Decisions, Council of Europe, Strasbourg, Carl Heymanns Verlag, 2006, I, 106 e ss.; § 88=http://www.echr.coe.int/Documents/Reports_Recueil_2006-I.pdf.; Acórdão de 6 de julho de 2010, proferido no caso Backlund contra Finlândia, Processo nº 36498/05; Acórdão de 6 de julho de 2010, proferido no caso Gronmark contra Finlândia, Processo nº 17038/04, http://www.echr.coe.int/Documents/Reports_Recueil_2010-V.pdf.; Acórdão de 20 de dezembro de 2007, proferido no caso Phinikaridou contra Chipre, Processo nº 23890/02, www.echr.coe.int/hudoc
[84] Acórdão Tribunal Constitucional nº225/2018, Pº nº 95/17, de 24-4-2018, Diário da República n.º 87/2018, Série I, de 7-5-2018, que declarou “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do n.º 1, na parte em que impõe uma obrigação de sigilo absoluto relativamente às pessoas nascidas em consequência de processo de procriação medicamente assistida com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões, incluindo nas situações de gestação de substituição, sobre o recurso a tais processos ou à gestação de substituição e sobre a identidade dos participantes nos mesmos como dadores ou enquanto gestante de substituição, e do n.º 4 do artigo 15.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, por violação dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade de tais pessoas em consequência de uma restrição desnecessária dos mesmos, conforme decorre da conjugação do artigo 18.º, n.º 2, com o artigo 26.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa;”.
[85] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.11.2012, Proc. Nº 367/10.2TBCBC-A.G1.S1, www.dgsi.pt
[86] O fundamento de um prazo de caducidade contende com razões objetivas de segurança jurídica, sem atenção à negligência ou inércia do titular, mas, apenas, com o propósito de garantir que dentro do prazo nela estabelecido a situação se defina, Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ nº 107, 191.

[87] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira; 2º Adjunto: Conselheiro Alexandre Reis.