Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10112/19.1T8PRT-A.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
AÇÃO EXECUTIVA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
FALECIMENTO DE PARTE
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 11/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO SE CONHECE DO OBJECTO DO RECURSO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - O presente incidente de habilitação de herdeiros constitui um apenso de uma acção executiva e como deflui inequivocamente do preceituado no art. 854.º do CPC «Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso dos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução».
II - A decisão produzida em sede de incidente de habilitação de herdeiros é uma decisão interlocutória e não final, e em termos recursórios, para ser admissível a revista, a mesma tem de obedecer aos requisitos do normativo inserto no art. 671.º, n.º 2, als. a) ou b), do CPC, de onde se poder concluir que, não se estando perante uma situação em que o recurso seja sempre admissível (al. a)), a impugnação agora encetada apenas se poderia basear na alínea b), isto é, desde que se alegasse que o acórdão em crise estava em oposição com outro produzido pelo STJ, no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
III - Embora a decisão proferida no incidente ponha fim à intercorrência processual da habilitação, não conhece do mérito da causa executiva, sendo este conhecimento de fundo que dita a oportunidade da revista, art. 671.º, n.º 1, do CPC conjugado com o art. 854.º do mesmo diploma, não pondo, assim, fim à execução que se encontra a correr, antes determina a sua continuação.
IV - Uma questão é o efeito que o óbito de uma parte pode ter numa acção pendente, coisa outra é a extinção do direito que se pretende fazer valer por via do seu seu óbito.
V - O óbito de uma parte implica a suspensão da instância nos termos do disposto no art. 269.º, n.º 1, al. a), do CPC, até que seja promovida e declarada a habilitação dos herdeiros do falecido para no seu lugar prosseguirem os termos da causa, de harmonia com o preceituado nos arts. 351.º e ss., não dá lugar, ao contrário do que pretendem os recorrentes, à extinção da instância, sendo que esta apenas se poderá eventualmente vir a extinguir em casos especialíssimos quando o óbito torne impossível ou inútil a continuação da lide, n.º 3 do art. 269.º do CPC (vg. acção de divórcio ou de separação de pessoas e bens, acção de alimentos pedidos por um autor que venha a falecer, acção de nomeação e/ou de destituição de órgão social de sociedade).
Decisão Texto Integral:



PROC 10112/19.1T8PRT-A.P1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTÇA

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que AA instaurou contra BB veio aquele deduzir incidente de habilitação de herdeiros contra CC, DD e EE, menores, representados pelo seu pai FF, alegando que a Executada faleceu em 5 de Novembro de 2018, no estado de divorciada de FF, deixando como herdeiros os seus três filhos indicados.

A primeira instância indeferiu o incidente não julgando habilitados os Requeridos para, em nome da executada falecida, com eles prosseguirem também os termos da acção executiva de que os presentes autos constituem apenso.

Por Acórdão da Relação datado de 11 de Maio de 2021 foi decidido julgar procedente o recurso do Recorrente/Exequente e, em consequência, foi revogada a decisão de primeiro grau e determinada a sua substituição por outra a julgar os Requeridos/Recorridos habilitados como sucessores da Executada, prosseguindo contra eles a acção executiva.

Deste Aresto interpuseram os Requeridos recurso de Revista.

Por ter entendido que tal impugnação recursória não seria possível, uma vez que a decisão plasmada no Acórdão recorrido não consubstancia a situação prevenida no artigo 671º, nº 1 do CPCivil, porquanto a mesma não conheceu do mérito da causa, tratando-se antes de uma decisão de cariz processual, produzida numa intercorrência incidental, passível de recurso, apenas e tão só, nas situações aludidas nas alíneas a) e b) do nº 2 do supra mencionado normativo, as quais aqui não ocorrem, acrescendo ainda o óbice advindo do disposto no artigo 854º do CPCivil, determinei a audição das partes para se pronunciarem nos termos do artigo 655º, nº 1 do CPCivil, aplicável ex vi do disposto no artigo 679º do mesmo diploma.

Os Requeridos vieram-se pronunciar nos seguintes termos:

«[C]ontrariamente ao que consta do douto despacho sob resposta, entedem os Recorrentes que o presente recurso de revista tem cabimento legal e integra-se da disposição contida no art.º 671.º, n. 1 do CPC.

A decisão sob recurso que em 1.ª instância julgou os ora Recorrentes não habilitados e que o Tribunal da Relação do Porto veio a revogar, entendendo que deveriam ser habilitados, não poderá ser considerada uma decisão interlocutória de cariz meramente processual.

Na verdade, o despacho que decidiu pela não habilitação dos herdeiros tem por consequência a impossibilidade de prosseguimento da ação executiva, daí que, salvo melhor entendimento, não poderá ser vista como uma mera decisão interlocutória, antes uma decisão que põe fim a um processo.

Do mesmo modo que uma decisão que julgue a procedência dos embargos de executado ou de terceiro implica a extinção da execução nos autos principais, também a decisão que julgue procedente a oposição apresentada no apenso do incidente de habilitação de herdeiros terá o mesmo efeito na execução, pois, não poderá prosseguir contra pessoa falecida.

Em nenhuma das hipóteses acima referidas se poderá falar de decisões interlocutórias, mas de decisões finais e, como tal, integradas no conceito legal definido pelo art.º 671.º, n.º 1 do CPC.

Acresce, ainda, que nas alegações de recurso apresentadas pelos Recorrentes é citado e transcrito o sumário de um Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º 2064/99), em que a decisão proferida está em clara oposição ao Acórdão da Relação do Porto sob recurso e em concordância com a decisão proferida em 1.ª instância.».

Vejamos.

O presente incidente de habilitação de herdeiros constitui um apenso de uma acção executiva e como deflui inequivocamente do preceituado no artigo 854º do CPCivil «Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso dos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.».

Ora, a decisão plasmada no Acórdão que se pretende atacar, não se mostra prolatada em nenhuma das especificadas situações, nem vem arguida qualquer outra em que o recurso seja sempre admissível, vg, qualquer uma das consignadas no artigo 629º, nº 2 do CPCivil, não obstante agora os Recorrentes venham esgrimir que em sede de alegações invocaram um Acórdão da Relação de Coimbra cuja decisão está em oposição com a produzida no Aresto em equação, com certeza para poderem sustentar, tardiamente, quiçá, a bondade da impugnação na alínea d) do nº 2 do artigo 629º do CPCivil, só que, este preciso segmento reporta-se a situações muito especiais em que não possa haver recurso por motivo estranho à alçada do Tribunal, e, não obstante se pudesse admitir este entendimento, o recurso não satisfaria, mesmo assim, os requisitos necessários.

In casu, porque a decisão de que se recorre é uma decisão interlocutória e não final, a mesma teria de obedecer aos requisitos do normativo inserto no artigo 671º, nº 2, alíneas a) ou b), do CPCivil, de onde se poder concluir que, não se estando perante uma situação em que o recurso seja sempre admissível (alínea a)), a impugnação agora encetada apenas se poderia basear na alínea b), isto é, desde que se alegasse que o Acórdão em crise estava em oposição com outro produzido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, cfr neste sentido os Acórdãos de 29 de Janeiro de 2018 e de 30 de Setembro de 2021, deste mesmo Colectivo in www.dgsi.pt.

Alegam os Recorrentes que a decisão impugnada é uma decisão que põe fim ao processo.

É certo que põe fim ao incidente processual da habilitação, mas não conhece do mérito da causa executiva, sendo este conhecimento de fundo que dita a oportunidade da Revista, artigo 671º, nº 1 do CPCivil conjugado com o artigo 854º do mesmo diploma, não ponde, assim, fim à execução que se encontra a correr, antes determina a sua continuação.

Uma questão, é o efeito que o óbito de uma parte pode ter numa acção pendente, coisa outra é a extinção do direito que se pretende fazer valer por via do seu seu óbito.

O óbito de uma parte implica a suspensão da instância nos termos do disposto no artigo 269º, nº 1, alínea a) do CPCivil, até que seja promovida e declarada a habilitação dos herdeiros do falecido para no seu lugar prosseguirem os termos da causa, de harmonia com o preceituado nos artigos 351º e seguintes, não dá lugar, ao contrário do que pretendem os Recorrentes à extinção da instância, sendo que esta apenas se poderá eventualmente vir a extinguir em casos especialíssimos quando o óbito torne impossível ou inútil a continuação da lide, nº 3 do artigo 269º do CPCivil (vg acção de divórcio ou de separação de pessoas e bens, acção de alimentos pedidos por um Autor que venha a falecer, acção de nomeação e/ou de destituição de órgão social de sociedade), cfr Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código De processo Civil Anotado, Volume 1º, 495/496.

Aliás, sempre se diz ex abundanti, que a circunstância de os Recorrentes terem sido habilitados como herdeiros da Executada, qualidade essa que nem sequer puseram em causa na habilitação, não significa que venham a ser responsabilizados em sede executiva, pois nesta assiste-lhes vários meios de defesa dos seus interesses e direitos.

Destarte, nos termos do disposto no artigo 652º, nº 1, alínea b) do CPCivil, aplicável por força do artigo 679º do mesmo diploma, não se conhece da Revista interposta uma vez que existe uma circunstância que a tal obsta.

Custas pelos Recorrentes.

 

Lisboa, 3 de Novembro de 2021

Ana Paula Boularot (Relatora)

Fernando Pinto de Almeida

José Rainho

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).