Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
251/09.2TYVNG-I.P1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
DIREITO POTESTATIVO
IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO
ÓNUS DA PROVA
RECONVENÇÃO
SIMULAÇÃO
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO FALIMENTAR - EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ESPÉCIES DE ACÇÕES - INSTÂNCIA / COMEÇO E DESENVOLVIMENTO DA INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA.
Doutrina:
- Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa Anotado, p. 429.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.ºS 1 E 2, 343.º, N.º 1, 346.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 49.º, 120.º, 121.º, 123.º, N.ºS1 E 2, 125.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 10.º, N.º3, AL. A), 266.º, N.º 2, AL. A), 615.º, Nº1, AL. B), 666.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 30-1-2003 E DE 24-10-2006, AMBOS EM WWW.DGSI.PT.
-DE 17-9-2009, PROC. 307/09.1YFLSB, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1 – A resolução em benefício da massa insolvente é um instituto especial do processo de insolvência, que se destina à tutela da generalidade dos credores do insolvente, na medida em que permite ao Administrador da Insolvência que a eficácia dos negócios celebrados antes da declaração da insolvência possa ser destruída, verificados que sejam determinados requisitos.

2 – A declaração de resolução, efectuada pelo Administrador da Insolvência, deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo, não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação da respectiva acção de impugnação.
Decisão Texto Integral:

         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 

Por apenso aos autos nos quais foi declarada a insolvência de AA & C.a, LDA, veio BB, LDA, impugnar a resolução do contrato-promessa de compra e venda de um prédio urbano, celebrado em 11-9-2008, operada por carta de 18-11-2009, enviada pela Administradora da Insolvência.

Na contestação, a R. requereu a intervenção provocada dos credores da insolvente.

Alega, entre o mais, que aquele contrato foi simulado e impugna parte da factualidade alegada.

Em reconvenção, pede que seja declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda do imóvel e, caso assim não se entenda, que o mesmo seja declarado nulo, por simulado.

Houve réplica, na qual a A., essencialmente, impugnou a alegada simulação, seguindo-se tréplica.

                                               *

Entretanto, foi proferida decisão que não admitiu o incidente de intervenção de terceiros.

                                               *

Seguiu-se a prolação de saneador-sentença, que não admitiu a reconvenção e que julgou procedente a acção de impugnação, declarando nula e de nenhum efeito a resolução do contrato-promessa.

                                               *

Apelou a ré, mas a Relação do Porto, através do seu Acórdão de 7-10-2013, por unanimidade, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.

 

                                               *

         Continuando inconformada, a ré apresentou revista excepcional, com base em oposição de Acórdãos, que foi admitida pela formação preliminar deste Supremo a que se refere o art. 721-A, nº3, do C.P.C. com fundamento em oposição com o decidido no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27-4-2006, na revista nº 945/06, da 1ª Secção, ao abrigo do art. 721-A, nº1, al. c), do C.P.C., na redacção do dec-lei 303/07, de 24 de Agosto.

                                                        *

         A recorrente, concluiu as suas alegações, resumidamente, nos termos seguintes:

         1 – O presente recurso tem como objecto a admissibilidade do pedido reconvencional deduzido e a fundamentação da carta de resolução em benefício da massa insolvente entregue pela Senhora Administradora da Insolvência.

         2 – Pese embora a natureza da presente acção (simples apreciação negativa) e o ónus da prova pertencer à massa insolvente, é de considerar que estão verificados os pressupostos substantivos necessários à admissibilidade da reconvenção, nos termos do art. 266, al. a) do novo C.P.C., por o pedido da ré emergir de facto jurídico que serve de fundamento à defesa.      

         3 – Admitida a reconvenção, importa que o processo prossiga para despacho de condensação, instrução e julgamento.  

         4 – Analisada a carta de resolução, enviada pela Senhora Administradora da Insolvência, conclui-se, ao abrigo do art. 236 do C.C., que a declaração de resolução sustenta os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício do direito potestativo que é a resolução em benefício da massa insolvente.

         5 – Com efeito, constam da declaração de resolução factos concretos, apresentados pela Senhora Administradora da Insolvência, que sustentam os requisitos gerais previstos no art. 120 do CIRE, designadamente :

         - a realização pelo devedor de actos ou omissões;

         - prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente;

         - verificação desse acto ou omissão nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência;

         - existência de má fé de terceiro.

         6 – A carta refere a presunção de má fé de terceiro, precisando que a recorrida tinha conhecimento de que o acto era prejudicial à promitente vendedora/devedora e a sua situação iminente de insolvência nos termos do art. 120, nº5, al. b) do CIRE.      

         7 – Não é exigível uma fundamentação exaustiva, pela Senhora Administradora da Insolvência, quando resolve o negócio em benefício da massa insolvente.

         8 – A recorrida entendeu perfeitamente o alcance da declaração resolutória, como se constata do petitório que apresentaram.

         9 – O Acórdão recorrido mune-se de uma parca fundamentação de direito, aliada a uma errada interpretação da lei, padecendo assim de nulidade, nos termos do art. 615, nº1, al. b), do novo C.P.C., que estatui ser nula a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

         10 – Além disso, viola o art. 266 do novo C.P.C., as normas dos arts. 120 e 123 do CIRE e 436 e 236, do C.C.

         11 – O Acórdão recorrido deve ser revogado, julgando-se não verificada a nulidade da declaração resolutória, admitindo-se a reconvenção e prosseguindo o processo os seus termos subsequentes.

                                                        *

         Não houve contra-alegações.     

                                                        *

         Corridos os vistos, cumpre decidir.

                                                        *

A Relação considerou provados os factos seguintes:

1 - Em 27.03.09 deu entrada o pedido de declaração da insolvência da devedora AA & Cª, Lda.

2 - Em 21.05.2009 foi decretada a insolvência da devedora AA & Cª, Lda..

3 - Por carta de 18.11.09 enviada à A., com A/R, a administradora da insolvência veio declarar a resolução, em beneficio da massa insolvente, do contrato-promessa de compra e venda, outorgado em 11 de Setembro de 2008, referente ao prédio urbano de rés-do-chão e andar com garagem e logradouro, sito na Rua …, …, ..., Vila do Conde, descrita na CRP sob o n.º … e inscrito no artº …, com o seguinte teor:

“1. A 21 de Maio de 2009 às 08,10 horas foi proferida sentença de declaração de insolvência de devedora AA & Cª, Lda. (…).

2. Aí foi nomeada para administradora de insolvência a aqui signatária.

3. Entretanto, em 11 de Setembro de 2008 foi alegadamente outorgado o contrato-promessa de compra e venda, referente ao prédio urbano de rés-do-chão e andar com garagem e logradouro, sito na Rua ..., ..., ..., Vila do Conde, descrita na CRP sob o n.º ... e inscrito no artº ..., (…).

4. Ora, a promitente-vendedora AA & Cª, Lda. já então se encontrava no limiar da sua insolvência.

5. Deste modo, aquela alegada outorga daquele contrato-promessa de compra e venda, tratou-se de um acto prejudicial à massa insolvente, sendo óbvio que tal acto, inevitavelmente, diminuía, como diminuiu, a satisfação dos credores da insolvência, que, desta forma, se viram desapossados do assinalável valor patrimonial do dito prédio.

6. Assim, por ter legitimidade e estar em tempo - cfr. artº 123º do CIRE-, vem a A.I declarar para todos os efeito legais a RESOLUÇÃO EM BENEFIFIO DA MASSA INSOLVENTE do referenciado contrato-promessa de compra e venda.

7. Deve Vª Exª, de acordo com o artº 126º, 1 do CIRE, reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, no prazo legal de 8 dias, restituindo à massa insolvente o património da insolvente, com o respeito devido pelos direitos dos credores, sendo o prédio urbano de rés-do-chão e andar com garagem e logradouro, sito na Rua ..., ..., ..., Vila do Conde, descrita na CRP sob o n.º ... e inscrito no artº ..., a estes pertencentes e trazido para o acervo patrimonial da insolvente.

8. Acresce que, caso Vª Exª não declare apresentar e restituir o bem à massa insolvente, alegadamente prometido vender à massa insolvente para os aludidos efeitos, designadamente, o prédio urbano de rés-do-chão e andar com garagem e logradouro, sito na Rua ..., ..., ..., Vila do Conde, descrita na CRP sob o n.º ... e inscrito no artº ..., dentro do prazo fixado serão aplicadas as sanções previstas na lei (…).

9. Deverei lembrar que a declarada resolução pressupõe a má fé de terceiro, a qual porém, se presume neste caso, dado que se trata da prática de acto cuja pratica ocorreu à data em que a devedora se encontrava em situação de insolvência iminente – artº 120º, n.º 5, al. b) do CIRE.

10.(…)”.

                                                        *

         São três as questões a decidir:

         1 – Nulidade do Acórdão recorrido, por falta de fundamentação.

         2 -  Fundamentação da carta de resolução do contrato promessa em benefício da massa insolvente e impugnação da resolução desse negócio.

         3 – Admissibilidade da reconvenção.

                                                        *

         Vejamos cada uma das questões.

         1 – Nulidade do Acórdão recorrido, por falta de fundamentação.

        

         Nos termos dos arts. 615, nº1, al. b) e 666, nº1, do C.P.C., o Acórdão da Relação é nulo “quando não especifique os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão”.

         Como é entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência, só a falta absoluta de motivação, e não a fundamentação deficiente, errada ou incompleta, produz nulidade.

         Ora, o Acórdão recorrido encontra-se suficientemente fundamentado, quer de facto, quer de direito.

         O que se verifica é que a recorrente discorda da fundamentação e da decisão.

         Por isso, improcede a invocada nulidade.

         2 – A fundamentação da carta de resolução do negócio e a impugnação da resolução.

         A resolução em benefício da massa insolvente é um instituto especial do processo de insolvência, que se destina à tutela da generalidade dos credores do insolvente, na medida em que permite ao Administrador da Insolvência que a eficácia de negócios celebrados antes da declaração da mesma insolvência possa ser destruída, verificados que sejam certos requisitos.

         É um instituto cujos antecedentes se encontram nos artigos 1168,1170 e 1171 do C.P.C. de 1939, nos artigos 1200, 1202 e 1203 do C.P.C. de 1961 e nos artigos 156, 158 e 159 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falências.           

         Através do instituto da resolução em benefício da massa insolvente pretende-se a reconstituição do património do devedor (massa insolvente).

         Tal consegue-se, apreendendo para a massa  “ não só aqueles bens  que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos actos, que se mostram prejudiciais para a massa insolvente”, como se lê no Ponto 41 do Preâmbulo do decreto-lei que aprovou o CIRE.

         O CIRE estipula duas modalidades de resolução: resolução condicional (art. 120) e resolução incondicional (art. 121).

         Resulta do disposto no art. 120 do CIRE (na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, ainda aqui aplicável) que a resolução condicional depende da verificação dos seguintes requisitos:

         - realização pelo devedor de actos ou omissões;

         - prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente;

         - verificação desse acto ou omissão nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência,

         - existência de má fé de terceiro.

 

         Relativamente à resolução incondicional, basta a verificação dos requisitos previstos no art. 121 do CIRE, independentemente, portanto, dos consignados no art. 120.

   

         A resolução em benefício da massa insolvente efectiva-se por carta registada, com aviso de recepção, dentro dos seis meses subsequentes ao conhecimento do acto objecto de resolução, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração da insolvência. – art. 123, nº1, do CIRE.

         Todavia, enquanto o negócio não estiver cumprido, a resolução pode ser declarada sem dependência de prazo, por via de excepção – art. 123, nº2, do CIRE.

         A declaração de resolução, efectuada pelo Administrador da Insolvência,  deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo, não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação da respectiva acção de impugnação (Ac. S.T.J. de 17-9-2009, Proc. 307/09.1YFLSB, em www.dgsi.pt).

         Admitir esse suprimento, traduzir-se-ia na introdução de factualidade nova, em momento posterior ao exercício desse direito e que, por isso, não foi utilizada para fundamentar aquela declaração de resolução.

    

         Como é sabido, a resolução de actos prejudiciais à massa insolvente pode ser impugnada pela contraparte no negócio resolvido, mediante acção a propor contra a massa insolvente, no prazo de seis meses, sob pena de caducidade, acção que correrá por apenso ao processo de insolvência (art. 125 do CIRE, na redacção anterior à Lei nº 16/2012).

         Nos termos gerais do nosso direito positivo, compete àquele que invoca um direito a alegação e prova dos factos constitutivos desse direito – art. 342, nº1, do C.C.

         A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos cabe àquele contra quem o direito é invocado – art. 342, nº2.

         Mas a lei contempla algumas regras especiais, relativamente à repartição do ónus da prova.

         Assim, nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga – art. 343, nº1, do C.C.

         Na sua configuração geral, a acção de impugnação tem em vista a negação dos factos invocados pelo Administrador da Insolvência para fundamentar a resolução que declarou extrajudicialmente.

         Trata-se uma acção de simples apreciação negativa, que visa tão somente a demonstração da inexistência ou a inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência – art. 4, nº2, al. a) do anterior C.P.C., correspondente ao art. 10, nº3, al. a) do novo C.P.C.

         Com efeito, a alegação da inexistência de prejudicialidade do acto ou de má fé não constituem factos extintivos do direito de resolução, sendo antes a negação dos factos necessários ao nascimento do direito de resolução que, por via extrajudicial, foi exercido pelo Administrador da Insolvência.

         A inexistência de prejudicialidade ou de má fé alegadas pelo impugnante, a provarem-se, não determinam a extinção do direito potestativo de resolução, antes contendem com o nascimento desse direito, pois integram a negação dos factos constitutivos daquele direito.

 

         Por isso, é de concluir que, na presente acção de impugnação,  incumbe à ré, Administradora da Insolvência, a prova dos requisitos da resolução do negócio, invocados na carta, dirigida ao autor.                       

         Sem pretendermos ser demasiado rigorosos no que concerne às exigências substanciais da carta resolutiva, pois a lei não impõe que mesma seja exaustiva quanto à explicação dos fundamentos que levam à resolução, tem, no entanto, de entender-se que tal carta carece de conter factualidade suficiente para fazer nascer o direito de resolução, a apreciar casuisticamente, pois a deficiência de fundamentação da declaração de resolução não pode ser suprida na contestação da acção de impugnação daquela resolução.  

         Consequentemente, no caso em apreço, incumbia à Administradora da Insolvência indicar os factos concretos fundamentais da resolução do contrato promessa de compra e venda, pois só dessa forma o autor ficava em condições de poder impugnar a resolução, através da acção prevista no citado art. 125 .

         Com efeito, para poder exercer tal direito de impugnação, o impugnante tem de conhecer previamente quais são os factos fundamentais que contra ele são invocados.  

         No nosso caso concreto, tal como resulta da factualidade provada, está em causa a resolução condicional, nos termos do art. 120 do CIRE.

         Ora, perante o teor da carta enviada pela Administradora da insolvência, a declarar a resolução do contrato promessa, não pode deixar de concluir-se que não foi suficientemente alegada a verificação do requisito da prejudicialidade do contrato relativamente à massa insolvente.

         A este propósito, a carta apenas refere que se trata “de um acto prejudicial à massa insolvente, sendo óbvio que tal acto, inevitavelmente, diminuía, como diminuiu, a satisfação dos credores da insolvência que, desta forma, se viram desapossados do assinalável valor patrimonial do referido prédio”.

         Só que não se chega a concretizar em que é que se traduziu o prejuízo, ficando sem se saber e sem se provar a razão pela qual a celebração de um contrato promessa de compra e venda, só por si e sem mais, prejudica a massa insolvente.

         Questão diferente é dos efeitos da declaração da insolvência sobre os negócios em curso, nos termos dos arts 102 e segs do CIRE, que aqui não estão em questão.

         O requisito da má fé também não está suficientemente alegado, nem resultou provado.

         Estabelece o art. 120, nº4:

         “Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé de terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data”.

 

         O art. 120, nº5, acrescenta:

         “Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) – De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;

b) – Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência eminente;

c) Do início do processo de insolvência”.

 

        Acontece que também não foram alegados os factos fundamentais, integradores da previsão do mencionado art. 120, nº4, designadamente quanto à participação no acto ou ao seu aproveitamento de “pessoa especialmente relacionada com o insolvente”, situação em que a má fé se presumiria.

         A lei não define expressamente em que consiste a relação especial que releva para o efeito do nº4.

         Mas é de considerar que existe manifesta proximidade entre a suspeição que aqui está em causa e a que se identifica na qualificação dos créditos subordinados, consagrada no art. 49 do CIRE (Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa Anotado, pág. 429).

         Por isso, para a fixação do requisito do art. 120, nº4, tinha que ser alegada qualquer das situações previstas no aludido art. 49 do CIRE.

         Por outro lado, acresce que também não foi alegado, na carta de resolução enviada, que o terceiro tinha conhecimento de que, quando foi celebrado o ajuizado contrato promessa, o devedor se encontrava na invocada situação de insolvência iminente. 

        

         3 – A reconvenção:

                 

         A ré deduziu pedido reconvencional, solicitando que se declare resolvido o invocado contrato promessa de compra e venda ou, se assim não for entendido, que tal contrato seja declarado nulo, por simulação.

         Nos termos do art. 274, nº2, al. a) do anterior C.P.C., correspondente ao art. 266, nº2, al. a) do novo C.P.C., o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor, quando o pedido do réu emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.

   

         No caso concreto, estamos perante uma acção de simples apreciação negativa, que visa somente a demonstração da inexistência ou a inverificação dos pressupostos legais da resolução extrajudicial declarada pela Administradora da Insolvência.  

         Na acção de impugnação, o impugnante está apenas a exercer, de modo antecipado, o seu direito de contraprova ( art. 346 do C.C.), alegando factos que constituem a negação da factualidade invocada como fundamento do direito de resolução, exercido pela Administradora da Insolvência.

         Como se escreve na decisão da 1ª instância, “tendo o pedido reconvencional de emergir de facto que serve de fundamento à acção ou à defesa, e sendo a própria acção de impugnação o meio processual adequado para atacar o acto da Administradora da Insolvência, ou seja, já uma defesa por sua própria natureza, não pode a contestação-reconvenção servir para alterar a causa de pedir da resolução e, consequentemente, da acção”.

         A admissão de pedido cruzado implica que resulte naturalmente ou se contenha na causa de pedir do autor ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, a qual tem o escopo regra de obter uma modificação ou uma extinção do direito do autor.   

         Se, na reconvenção, a ré pretende ver declarada a eficácia da resolução extrajudicial por si efectivada, através da carta enviada ao promitente comprador, tal pedido mostra-se sem qualquer justificação, pois a improcedência da acção de impugnação tem essa necessária consequência, em termos jurídicos, tornando-se desnecessária qualquer outra providência por banda da ré, designadamente a instauração de uma acção de apreciação positiva (Ac. S.T.J. de 30-1-2003 ; Ac. S.T.J. de 24-10-2006, ambos em www.dgsi.pt).

         Acresce, conforme já atrás se deixou consignado, que a declaração de resolução deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo, não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação da acção de impugnação da resolução, pois aceitar tal suprimento traduzir-se-ia na introdução de factualidade nova em momento posterior ao exercício do direito potestativo e que, por isso, necessariamente, não fundamentou o direito de resolução.  

         Por causa disso e ainda dada a especial natureza da acção de impugnação, como de simples apreciação negativa, não pode, nesta acção de mera apreciação negativa, ser invocada a nova factualidade da simulação, por via de reconvenção.

         Qualquer alegação no sentido de ser pedida a declaração da nulidade do resolvido contrato promessa de compra e venda, porque implica em si mesma uma condenação, é incompatível com este tipo de acção de simples apreciação negativa.

         Por isso, a reconvenção é inadmissível.

                                                        *

         Sumariando:

         1 – A resolução em benefício da massa insolvente é um instituto especial do processo de insolvência, que se destina à tutela da generalidade dos credores do insolvente, na medida em que permite ao Administrador da Insolvência que a eficácia dos negócios celebrados antes da declaração da insolvência possa ser destruída, verificados que sejam determinados requisitos.  

         2 – A declaração de resolução, efectuada pelo Administrador da Insolvência, deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo, não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação da respectiva acção de impugnação.

         3 – Admitir esse suprimento, traduzir-se-ia na introdução de factualidade nova, em momento posterior ao exercício desse direito e que, por isso, não foi utilizada para fundamentar aquela declaração de resolução.

         4 – Assim, a carta resolutiva deve conter factualidade suficiente para fazer nascer o direito de resolução do negócio, a apreciar casuisticamente.

5 - A acção de impugnação da resolução extrajudicial é uma acção de simples apreciação negativa, incumbindo ao réu (Administrador da Insolvência) o ónus da prova dos requisitos da resolução do negócio, invocados na carta resolutiva.

         6 – Na acção de impugnação, não é admissível pedido reconvencional, para declarar a eficácia do negócio resolvido ou a sua simulação.    

                                                        *

         Termos em que negam a revista.

         Custas pela massa insolvente.

         Lisboa, 20-3-2014

Azevedo Ramos (Relator)

Nuno Cameira

Sousa Leite