Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANA PAULA BOULAROT | ||
Descritores: | MATÉRIA DE FACTO PRESUNÇÕES JUDICIAIS RECURSO DE APELAÇÃO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO APRECIAÇÃO DA PROVA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
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Data do Acordão: | 11/24/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I- As presunções judiciais, não constituem meios de prova, proprio sensu, mas antes operações «de elaboração das provas alcançadas por outros meios», no dizer de Antunes Varela, in RLJ, Ano 123,58, ou «meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência». II- Um dos princípios assentes em termos probatórios é o de que é lícito às instâncias retirarem ilações lógicas da materialidade assente, podendo esclarecê-la e desenvolvê-la, III- Há muito que se problematiza a questão da sindicância pelo Supremo Tribunal de Justiça dos juízos de inferência retirados pelas instâncias, apenas se admitindo que este Órgão controle se as presunções foram ou não obtidas com o recurso aos normativos legais aplicáveis, bem como se a sua obtenção se encontra ferida de alguma deficiência, nomeadamente, se o método discursivo utilizado lhe tolda a logicidade. IV- Como é comumente aceite, admite-se e é admissível, um controle pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a construção ou desconstrução das presunções judiciais, podendo verificar se a (in)utilização das mesmas pelo Tribunal da Relação violou alguma norma legal, se carecem de coerência lógica ou, ainda, se falta o facto base, ou seja se o facto conhecido não está provado. V- O erro sobre a substância de um tal juízo presuntivo só será sindicável pelo Tribunal de Revista em caso de manifesto contra senso e/ou desrazoabilidade. VI- O que aqui se cura é saber se eliminação da presunção que havia sido obtida em primeiro grau, no exercício dos poderes cognitivos que a Lei confere ao segundo grau, na apreciação da matéria de facto, está ou não eivada de algum vício que imponha o sancionamento por parte deste Supremo Tribunal de Justiça: o thema decidendum, não é saber se a Relação bem usou as presunções judiciais, mas antes se bem sancionou o seu uso pela primeira instância, sendo esta a vexata quaestio que é colocada nesta Revista. VII- O Supremo Tribunal pode-se pronunciar nesta sede: não se trata de sindicar a alteração em si, está a aferir da bondade de tal alteração, em termos de apurar se o segundo grau podia ou não eliminar, ou modificar, a factualidade dada como assente pelo primeiro grau através do uso de presunção judicial, sem que, com esta operação, se subvertam os princípios de direito probatório. | ||
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Decisão Texto Integral: | PROC 2350/17.8T8PRT.Pl1S1 6ª SECÇÃO
ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I AA, veio intentar a presente acção declarativa com processo comum contra BB, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização de valor não inferior a € 75.000,00, acrescida de juros de mora á taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento. Funda esta sua pretensão na responsabilidade civil por factos ilícitos, emergente da elaboração e envio pelo Réu ao Autor e a outros familiares, de cartas anónimas de conteúdo apto a lesar a honra, reputação, bom nome e dignidade social do Autor. O Réu contestou por excepção e por impugnação, tendo deduzido pedido reconvencional. Em sede de defesa indirecta invocou a excepção da prescrição; em sede de defesa directa impugnou os factos alegados pelo Autor; em reconvenção pediu a condenação do Autor no pagamento de uma indemnização que cifra em €25.000,00, por danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela sua conduta, traduzida na dedução de acusação crime infundada e de pedido de indemnização civil. Na Audiência Prévia, admitiu-se o pedido reconvencional, relegou-se para final o conhecimento da excepção da prescrição do direito invocado pelo Autor, definiu-se o Objecto do Litígio e foram fixados os Temas de Prova. A Final foi produzida sentença a julgar a acção parcialmente procedente condenando-se o Réu a pagar ao Autor uma indemnização de € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, a partir da citação até integral pagamento, absolvendo-se o mesmo do demais peticionado, e foi julgada improcedente a reconvenção, com a absolvição do Autor do pedido reconvencional. Inconformado, o Réu interpôs recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado procedente, com a sua absolvição do pedido, mantendo-se no mais o decidido. Foi interposto recurso de Revista pelo Autor, na sequência do qual se anulou o Acórdão impugnado, tendo vindo a ser produzido novo Acórdão pelo Tribunal da Relação do ………., fundado, praticamente, nos argumentos anteriormente produzidos e que deram lugar à anterior anulação, tendo-se concluído do mesmo modo. Irresignado com este desfecho recorre novamente o Autor, apresentando as seguintes conclusões: - O problema dos autos está em saber se a 1.ª instância utilizou ou não abusivamente, em sede de presunção judicial, as regras previstas pelos arts. 349.º e 351.º do CC, ou se, pelo contrário, foi a Relação do …….. que aplicou erroneamente os princípios subjacentes a essas regras, quando concluiu no sentido de que não se podia dar como assente a factualidade do facto provado n.º 5 do elenco seriado na sentença da 1.ª instância. - A questão da utilização das presunções judiciais pode ser apreciada pelo STJ se o acórdão do Tribunal da Relação, nesse segmento, ofender norma legal, padecer de manifesta ilogicidade ou se partir de factos não provados (ou, no inverso, desconsiderar factos provados) – cfr. Acórdãos do STJ de 14.07.2016, proc. 377/09.2TBACB.L1.S1, de 19.01.2017, proc. 841/12.6TBMGR.C1.S1 e de 11.04.2019, proc. 8531/14.9T8LSB.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. - As presunções são estabelecidas com base em factos instrumentais a partir dos quais, à luz das regras da experiência, se dão como provados os factos presumidos – cfr. artigo 349.º do Código Civil e Acórdãos do STJ de 19.01.2017, proc. n.º 841/12.6TBMGR.C1.S1 e de 11.04.2019, proc. 8531/14.9T8LSB.L1.S1. - O que se discute neste recurso é o juízo da Relação sobre a ilogicidade da presunção estabelecida pela 1.ª instância, bem como a ilogicidade da forma como afastou tal presunção, no quadro da aplicação dos arts. 349.º e 351.º do CC. Tal apreciação desse nexo lógico é matéria de direito, nos termos que têm vindo a ser consagrados pela jurisprudência do STJ. - Vejamos como é que as coisas devem ser elencados à luz da factualidade descrita pelo Acórdão da Relação sob recurso, considerando a sua fundamentação (das suas págs. 25 a 27), devidamente compaginada com a súmula dos depoimentos prestados (que consta das págs. 18 a 24): • O Réu, nas declarações prestadas em audiência de julgamento, começou por negar peremptoriamente a elaboração e o envio das cartas; • Confirmou conhecer a avó do Autor e a sua tia, Senhora CC, com quem existe o conflito familiar a que se reporta o facto provado n.º 1 (que envolve o A. e os seus tios, entre eles aquela senhora); • Admitiu tersido ele a enviar as cartas em causa nos autos, mas afirmando não se recordar que cartas seriam; • Depois, admitiu poderem ser cartas enviadas a pedido do DD, advogado, com quem mantém relações pessoais e comerciais, mas sem ter isso como certo; • Tal possibilidade de as cartas terem sido enviadas pelo DD foi negada peremptoriamente por este, explicando que quem trata do envio de correio no seu escritório é desde há muito uma funcionária, o que levou a Relação do ….. a considerar “desde logo evidente não ser de todo plausível que o ilustre advogado solicite, mesmo a um amigo, que se desloque ao correio para expedir correio do seu escritório”, razão pela qual a Relação do …. concluiu que “não merece nesta parte credibilidade a tese do Réu”; • Em face disso, a Relação do …….. considera que deve ser ponderado o relacionamento do Réu com a tia materna do Autor, a referida CC, sendo certo que a Relação do ……… admitiu que tal relacionamento pudesse ser uma mera amizade ou mesmo de algo mais (relação de namoro, um “caso” ou um affair a que as testemunhas GG, KK e LL se referiram); • Mais considerou a Relação do …….. que o depoimento da referida tia foi evasivo e pouco convincente; • Considerou ainda que, dada a personalidade do Réu, o envio das cartas teria de lhe ter sido solicitado por alguém das suas relações próximas de amizade, o que levou a Relação a perguntar sobre a quem é que ele estaria a prestar um favor, não sem deixar de transmitir a ideia de que a remessa das cartas poderia ter a ver com questões relativas ao litígio familiar que teria envolvido o Autor e a referida CC, amiga do Réu (talvez mesmo sua namorada). - Neste contexto, é verdadeiramente surpreendenteque a Relação do ……o continue a entender que a presunção estabelecida pela 1.ª instância se baseou apenas numa demasiado singela “falta de explicação plausível” para o envio das cartas. - Como assim? Então: • A Relação do …….. não considerou estapafúrdia a tese de que as cartas teriam sido enviadas a mando do DD?; • A Relação do ….. não considerou a relação de amizade – ou até talvez mais do que isso – entre a referida CC, que tinha um conflito familiar com o Autor, e o Réu?; • A Relação do ……. não relevou que, nas suas declarações, o Réu começou por dizer que não se lembrava quem lhe podia ter pedido para mandar as cartas, para depois ter recorrido ao “golpe baixo” de querer envolver o advogado, mas sem nunca referir, afinal, quem é que lhe teria pedido realmente para enviar as cartas, quando a própria Relação do ……. concluiu que teria de ser alguém das suas relações próximas de amizade? - Em face de tudo isto, em face da ausência de qualquer explicação plausível para o envio das cartas, quando não seria difícil que essa explicação tivesse sido dada, não é por demais evidente que a 1.ª instância não violou qualquer nexo lógico quando estabeleceu a presunção em apreço e que, pelo contrário, é a Relação do ……. que ofende as regras da lógica, do bom senso e da mais elementar experiência de vida? - Quem vai ao correio enviar cartas sem remetente, que tem o cuidado de contar e de que paga o porte, é, à partida – de acordo com uma elementar experiência de vida –, quem as elaborou, participou nessa elaboração ou conhece o que está a remeter. Sem prejuízo de poder existir uma explicação plausível que justifique o seu desconhecimento acerca desse conteúdo (relação profissional, pedido de um amigo, por ex.), o que naturalmente implica que se conheça tal explicação ou motivo razoável para ela não poder ser apresentada, o que no caso dos autos não acontece. É a esta luz que se estabelece o nexo lógico entre os factos indiciários e o facto presumido. - A não ser assim, estaria encontrada uma fórmula mágica para desresponsabilizar quem quer que seja, mesmo os mais aviltantes criminosos. Deixaria mesmo de se poder condenar os “correios de droga”, a não ser que se tivesse a prova directa de que eles sabem o que transportam. - Deste modo, é evidente que a sentença da 1.ª Instância não se bastou – para estabelecer a presunção em apreço – com uma singela referência à falta de uma explicação plausível para o envio das cartas. Pelo contrário, como se retira daquela sentença, agora reforçada com o acórdão recorrido, a conclusão da falta de explicação plausível tem precisamente a ver com os factos instrumentais estabelecidos a partir das declarações do Réu e da testemunha DD. E bem assim das demais testemunhas que descrevem o quadro de amizade entre o Réu e a CC (ou seja, II, GG, KK, LL e FF). - Os factos indiciários não se resumem à circunstância do Réu ter expedido as cartas (e pago o respectivo porte após diálogo com a funcionária dos correios e de ter tido o cuidado de as contar, certificando-se de que eram seis – cfr. facto provado n.º 20), englobando igualmente a matéria instrumental retirada dos depoimentos do Réu e de DD, e das demais testemunhas, nos termos constantes do acórdão recorrido, os quais são consentâneos com as regras de experiência comum. - São por isso factos indiciários os que atestam a forma como o Réu expediu as cartas e bem assim aqueles que demonstram a falta de explicação plausível para o Réu ignorar a razão pela qual as expediu. A partir daí é que se estabelece o nexo lógico, que nos leva ao facto presumido, que consta do facto provado n.º 5 do elenco seriado pela 1.ª Instância. Tal como as presunções não se podem estabelecer a partir de factos indiciários que não existem, também não se podem destruir através da desconsideração dos factos indiciários que as sustentam, como a Relação fez e cabe ao STJ sindicar, anulando o acórdão recorrido quanto ao item em apreço e subsequente procedência da apelação. - O acórdão recorrido padece de ilogicidade, quando desconsidera o nexo lógico estabelecido na 1.ª Instância para sustentar o facto presumido, o qual, ademais, só sai reforçado com os factos instrumentais que tal acórdão aprofunda e amplia. - Em suma, a 1.ª Instância estabeleceu a presunção da autoria das cartas a partir dos factos conhecidos que têm a ver não só com a sua remessa pelo Réu, mas também com as concretas explicações (ou falta delas) por ele apresentadas, o que o teor do acórdão recorrido permite ampliar e aprofundar. - Assim sendo, a sentença de 1.ª Instância aplicou adequadamente ao caso concreto os princípios ínsitos nos artigos 349.º e 351.º do CC, que a Relação violou, pervertendo o seu espírito, convocando erroneamente tais regras e subvertendo a própria natureza de um processo equitativo (moldado por valores de proporcionalidade e razoabilidade). Nas contra alegações o Réu pugna pela manutenção do julgado II Põe-se como questão a resolver no presente recurso a de saber se o Tribunal da Relação ao censurar a extracção de uma presunção por banda do primeiro grau, violou os princípios ínsitos nos artigos 349º a 351º do CCivil. O segundo grau, por via da anulação do julgamento factual levado a cabo por este Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 367 a 386, deu como assentes os seguintes factos: 1-O Autor tinha um litígio, por intermédio da sociedade comercial …………, administrada pela sua mulher, com uns seus tios, filhos da sua avó materna, falecida em 2013, entre eles, a sua tia CC. 2-Esse litígio surgiu após o Autor ter celebrado um negócio com a sua avó sobre prédios de que esta era proprietária, o qual se agudizou após o óbito da sua avó, ocorrido em 13 de Março de 2013, tendo mais tarde vindo a dar origem ao processo n.º …………, que correu termos na Secção ……… da Instância Central do Tribunal de ………., Comarca do ………., conforme documento junto a fls. 11 a 40v.º. 3-A tia do Autor, CC, tem uma relação de amizade com o Réu, com quem manteve também relações comerciais no âmbito do negócio de antiguidades que este exerce. 4-O Réu manteve igualmente relações comerciais com o advogado da mesma CC, DD, que patrocinou essa tia do Autor em matérias relativas ao litígio supra referido. 5-No dia 18 de Setembro de 2013, às 17h36m, no posto de correios de ……., o Réu remeteu ao Autor uma carta anónima que lhe era dirigida, do seguinte teor: “Meu boi, meu cabrão. Não pagas o que deves, ou melhor, o que roubaste, burlando tudo e todos, sem dó nem piedade e emporcalhas na merda o bom nome da família donde vieste e que era gente séria e honrada. Ficas a saber que vais pagá-las e se não acertares as contas com todos os que vigarizaste, podes ter a certeza que um dia aparecerás de barriga para o ar a ver estrelas. E, nem penses ir ao Brasil porque já lá terás jagunços à tua espera e acabarás numa valeta como a MM apareceu. Para filhos da puta como tu o remédio que há é um balázio nos cornos, e nos teus nem é difícil acertar porque são grandes”, conforme documentos juntos a fls. 8 e v.º. 6-Tal carta foi recebida pelo Autor, na sua morada, no dia 19 de Setembro de 2013. 7-Na mesma data, hora e local, o Réu enviou a familiares do Autor uma outra carta anónima, do seguinte teor: “Exmo(a) Senhor(a), há muito que se tornou público em ……. e ……… e até já em …………. que o vosso familiar AA, enxovalha e faz arrastar pela lama o nome da família que tem, intervindo em negócios escuros e burlas declaradas. A mim, surpreende-me que seus pais e tios, todos pessoas que eram consideradas sérias e de contas, permitam que o nome de família seja borrado por tão ignóbil sobrinho que, invocando o nome de família que usa, burla e rouba impunemente, fazendo-o em seu nome pessoal ou de sociedade que representa ou que outros por si representam. Sabemos até que à custa das aldrabices em que se mete ele matou a avó de desgosto numa burla que lhe fez para além de muitas outras burlas e manigâncias que tem feito com terceiros. O silêncio dos pais e tios face a toda esta situação quererá dizer que estão de acordo com o que o AA faz e com a forma como actua? Será, afinal, que aqueles que nós considerávamos uma família distinta, séria e honrada, afinal não passa de uma mixórdia que tem o AA como exponente máximo ou exemplo comportamental? 8-Tais cartas foram enviadas à mãe do Autor, EE, à sua tia CC, e aos seus tios FF e GG, também envolvidos no litígio supra referido, tendo sido recebidas nos dias subsequentes ao do respectivo envio, conforme documentos juntos a fls. 42 a 43v.°. 9-Uma outra carta foi ainda remetida a um outro familiar, HH, tio dos supra mencionados no número precedente. 10-A carta supra referida, remetida à tia CC, foi reenviada por esta à mãe do Autor, conforme documentos juntos a fls. 44 e v.°. 11-As expressões usadas na carta anónima dirigida ao Autor provocaram-lhe medo, inquietação e constrangimento. 12-0 Autor receou pela sua integridade física e pela sua liberdade, e pela integridade física das pessoas do seu agregado familiar. 13-0 Autor sentiu-se humilhado e vexado com as imputações constantes das referidas cartas anónimas, uma das quais dirigida a ele, outra dirigida a familiares, que dela lhe deram conhecimento. 14-0 Autor partilhou a recepção da carta com a sua mulher, pais e pessoas do seu círculo restrito, para os avisar do que se estava a passar, mas tal circunstância também o humilhou e vexou. 15-A sua família directa sentiu-se igualmente ferida com a situação descrita, e isso acentuou o sofrimento do Autor. 16-Logo que recebeu a primeira das cartas anónimas supra referidas, o Autor apresentou queixa-crime contra desconhecidos, que mais tarde alargou à situação decorrente da situação das outras cartas anónimas, conforme documento junto a fls. 46v.° a 48. 17-0 Autor só tomou conhecimento do envolvimento do Réu no envio das cartas em apreço depois de ter tido acesso ao relatório de visionamento dos fotogramas e do vídeo recolhido pelas câmaras de videovigilância dos CTT -…….., com referência ao dia 19 de Setembro de 2013, o que ocorreu no dia 10 de Abril de 2014, conforme documentos juntos a fls. 51 a 53. 18-Essa operação de envio das cartas ocorreu entre as 17h31m e as 17h39m do dia 18 de Setembro de 2013, tendo sido aposta nas cartas a hora 17h36m. 19-A estação de correios de …….. dispunha em 18 de Setembro de 2013, de um sistema de videovigilância dotado de 8 camarás. 20-O Réu dialogou com a funcionária dos correios que o atendeu para a entrega das cartas, pagou o respectivo porte e teve o cuidado de as contar, certificando-se que eram seis cartas. 21-Na data de 18 de Setembro de 2013 o Réu entrou na estação de correio de ………., solicitou uma esferográfica ao balcão, a que deu uso, tendo expedido um número não apurado de cartas, incluindo as referidas nos pontos 5 e 7 da matéria de facto provada, estas em envelopes sem qualquer manuscrito. 22-No âmbito do processo-crime instaurado, o Réu optou pelo silêncio, não prestando declarações, conforme documento junto a fls. 53v.° e 54. 23-Em face do silêncio do Réu naquele processo-crime, por alegadamente não ter prova da sua responsabilidade na autoria ou co-autoria das cartas em apreço, o Ministério Público entendeu não ter elementos suficientes para acusar o Réu dos crimes de ameaça, injúria e difamação por ele eventualmente praticados. 24-O Autor tomou conhecimento, por notificação de 12 de maio de 2015, de que o Ministério Público considerava não terem sido reunidos indícios suficientes da prática de crime, conforme documento junto a fls. 107 a 109. 25-O ora Autor, Assistente nesses autos, deduziu acusação particular relativamente aos crimes de injúria e difamação, tendo requerido abertura de instrução com vista à pronúncia pelo crime de ameaça, conforme documentos juntos a fls. 56v.° a 70, sendo visados o ora Réu e ainda o advogado DD, uma vez que a sua tia CC, durante o inquérito, informou que teria sido tal advogado que teria incumbido o ora Réu de enviar tais cartas, com vista a pressionar o ora Autor a uma solução conveniente aos seus clientes relativamente ao litígio supra referido. 26-Nessas peças processuais foi igualmente deduzido pedido de indemnização cível por causa dos factos em apreço. 27-Por requerimento de abertura de instrução de 02 de Setembro de 2015, o Réu sinalizou ao Autor, além do mais [pelos números do requerimento]: (3) a natureza caluniosa da acusação, (4) a falsidade dos pressupostos de facto e de direito, (15) ser extraneus relativamente ao litígio cível, conforme documento junto a fls. 109v.°all2. 28-Na subsequente decisão instrutória, foi lavrado despacho de não pronúncia, porquanto, relativamente aos crimes de injúria e difamação, se mostrava precludido o prazo de seis meses previsto no art.l 15.° do Código Penal, e, quanto ao crime de ameaça, o processo não poderia prosseguir contra o advogado DD, por não ter sido constituído arguido na fase de inquérito, e contra o ora Réu, porque só se teria demonstrado que ele teria enviado a correspondência em pauta sem se conhecer a sua responsabilidade na sua elaboração, conforme documento junto a fls. 70v.° a 73v.°. 29-Inconformado, o ora Autor interpôs recurso quanto à não pronúncia do ora Réu, conforme documento junto a fls. 74 a 83, mas o tribunal da Relação do ………, por Acórdão de 18 de maio de 2016, confirmou-a, embora apenas no segmento relativo à inexistência de indícios suficientes, conforme documento junto a fls. 84 a 92v.°. 30-Ao recurso do Autor respondeu o Réu em 09/03/2016, sinalizando, além do mais, o absurdo da invocação de presunção judicial e a inexistência de indícios da prática de crime por qualquer pessoa, conforme documento junto a fls.l 12v.° a 117. 31-Para se defender da acusação particular deduzida pelo Autor, o Réu teve de contratar advogado. 32-0 Réu exerce a profissão de antiquário, sendo tido como um profissional bem remunerado. 33-0 Autor conhece a actividade profissional exercida pelo Réu, 34-0 Réu é um conhecido e prestigiado antiquário, com nome na cidade do …… e nas regiões de ……… e …….. . Não se encontram provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão a proferir, nomeadamente, que: -O Réu pagou ao seu advogado; -O Réu foi confrontado por terceiros com as afirmações e suspeições formuladas pelo Autor; -O Réu, percebeu o retraimento e a frieza com que alguns clientes e outras pessoas ligadas ao meio, o passaram a tratar e considerar, e viu cancelados alguns negócios sem razão aparente; -Ao sentimento de indignação do Réu pela actuação do Autor, associam-se perturbações do padrão de sono e alimentares, e manifestações de irritação que anteriormente o não atingiam; -O Réu sentiu vergonha por ter de prestar justificações quanto a condutas que não praticou; -Os danos causados ao Autor permanecem até hoje, continuando a humilhá-lo, a vexá-lo, a intimidá-lo e a causar-lhe medo. O Tribunal da Relação, em «cumprimento» do Acórdão deste STJ (re)analisou a prova produzida, elencando-a pontual e textualmente – cfr fls 18 a 24 de tal Aresto – não sem fazer constar que já havia tido tal procedimento no Acórdão anterior, se não: «[É] hoje aceite por todos que face à competência alargada da Relação em sede de reapreciação da decisão de facto, em conformidade com o preceituado no nº1 do artigo 662.º do CPC, é lícito à 2.ª instância, com base mormente na prova gravada, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1.ª instância no domínio das presunções judiciais, nos termos do nº4 do artigo 607.º, aplicável por via do artigo 663.º, nº2, do mesmo Código. Assim sendo e desde logo, impunha-se que se procedesse à audição das gravações onde foram registados os depoimentos de parte do réu e do autor e as declarações prestadas em julgamento pelas testemunhas que cada um deles veio indicar. E foi o que se fez aquando da prolação da decisão proferida a fls. 298 e seguintes. De todo o modo e em cumprimento do ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça, procedemos de novo à audição de toda a prova produzida em julgamento. E ouvida que foi a gravação onde tal prova ficou registada, as conclusões que agora retiramos da mesma, podem ser sintetizadas do seguinte modo: Sem seguir a ordem cronológica dos depoimentos prestados nas duas sessões de julgamento, começamos pelas declarações de parte do autor; AA. Assim, logo no início do seu depoimento e quando confrontado com as cartas juntas aos autos a fls. 41 e 42, confirmou o recebimento e o teor das mesmas. Referiu que as mesmas foram recebidas em Setembro de 2013, a primeira para si e a segunda para os seus pais, salientando que nenhum dos respectivos subscritos trazia remetente. Declarou que atento o seu teor as mesmas cartas levou as ameaças a sério e que as mesma causaram a si e aos seus temor, angústia e pânico, referindo trem sido tempos difíceis quer a nível familiar quer a nível profissional. Referiu que sempre manteve um excelente relacionamento com a sua avó materna, considerando a mesma como a “sua melhor amiga”. Confirmou o negócio respeitante à venda dos terrenos da sua avó em …………, aludindo aos problemas que surgiram na sequência do mesmo e que por incumprimento de determinadas obrigações por parte das autoridades autárquicas, determinaram que no final voltasse tudo à “estaca zero”, o que causou grandes conflitos no seio da sua família materna. Disse ainda que depois do recebimento das cartas tentou descobrir quem as teria enviado, ficando com a convicção que poderia ser alguém da família. Afirmou só ter pensado que poderia ter sido o Réu quando na sequência da queixa que apresentou às autoridades policiais, viu as imagens captadas no posto de correio de ….. e então o identificou. Reiterou que até aí não tinha qualquer suspeita sobre ele. Disse conhecer o Réu pelo facto do mesmo ser habitual vendedor de antiguidades à sua avó e ser visita frequente da casa. Referiu saber que o Réu e a sua tia CC mantinham uma relação muito próxima. Salientou que na altura em que as cartas foram recebidas já a família estava desavinda por virtude do referido negócio dos terrenos de ………, declarando que nessa altura estava de relações cortadas com alguns dos seus tios (tios e tias). Agora quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo Autor: Desde logo o depoimento prestado pela sua mãe, a testemunha EE: Confirmou ter recebido uma das cartas que estão juntas ao processo em Setembro de 2013. Confirmou o teor da mesma, referindo ter tido também conhecimento do teor da carta que o seu filho recebeu e na qual era ameaçado de morte. Teve conhecimento que alguns dos seus irmãos também receberam cartas com conteúdos semelhantes. Disse não saber se a sua irmã CC recebeu também ela, uma carta destas. Declarou que as cartas tiveram repercussão no dia a dia do seu filho, causando-lhe angústia e desespero, designadamente por serem anónimas. Referiu que o seu filho se sentiu vexado e humilhado. Confirmou a existência de problemas entre o seu filho e alguns membros da família, tudo por causa dos terrenos de …….. . Conflitos esses que até deram origem a acções em tribunal. Disse lembrar-se de o seu filho ter colocado a hipótese destas cartas terem a ver com estas questões. Por fim referiu que o seu filho se dedica à compra e venda de imóveis. Quanto ao depoimento do pai do Autor, a testemunha II: Confirmou o recebimento de uma carta anónima em Setembro de 2013, dando conta do teor da mesma. Disse ter ouvido falar do Réu como um grande amigo da sua cunhada CC. Declarou lembrar-se de o ter visto no funeral da sua sogra acompanhado do DD. Referiu que após o falecimento da sua sogra a família nunca mais teve sossego, confirmando as questões referentes ao negócio dos terrenos de ……….. e as acções judiciais que daí derivaram. Confirmou que as cartas causaram a todos angústia e sofrimento. Por fim referiu que o seu filho trabalha na compra e venda de imóveis. Quanto ao depoimento da testemunha CC, também ela tia do Autor: Declarou ter recebido a carta de fls.42 e que na sequência, a remeteu à sua irmã EE. Na altura os seus irmãos também lhe disseram ter recebido cartas de teor idêntico. Referiu nunca ter apurado quem terá escrito e colocado no correio, as referidas cartas. Confirmou ter visto em tribunal as imagens captadas nos correios de …………... Declarou recordar-se que alguém lhe terá dito que tinha sido o DD quem tinha pedido ao Réu para pôr as cartas no correio. Confirmou que o referido DD foi seu advogado na altura da partilha da herança pelo falecimento da sua mãe. E isto pelo facto da sua mãe já antes ter sido também representada por ele noutras questões. Disse conhecer o Réu pelo facto da sua mãe ser uma boa cliente da sua loja de antiguidades. Quanto ao depoimento da testemunha GG, também tia do Autor: Disse conhecer o Réu por este ser antiquário e lhe ter comprado uns móveis há mais de 20 anos. Referiu lembra-se da presença do mesmo no funeral da sua mãe, que também era sua cliente. Declarou ser do seu conhecimento que a sua irmã CC é amiga do Réu, chegando inclusivamente a ouvir dizer que ambos mantinham uma relação de namoro, o que a CC nunca confirmou. Quanto às cartas confirmou o recebimento de uma das que estão juntas ao processo e o seu respectivo teor. Referiu que na altura pensou logo que o autor das mesmas fosse alguém que tivesse problemas com o seu sobrinho por causa dos terrenos de ……….., pensando nomeadamente num senhor que era construtor civil, mas cujo nome não soube indicar. Em relação ao depoimento da testemunha KK, primo do Autor: Disse conhecer o Réu por este ter vendido móveis à sua mãe e à sua avó. Afirmou pensar que o Réu é amigo próximo da sua tia CC, tendo ouvido dizer a um empregado da sua avó, que eles eram namorados ou que tinham “um caso”. Referiu ter sabido das cartas mas que não as viu nem sabe quem as enviou. Quanto ao depoimento da mulher do Autor, a testemunha LL: Confirmou o teor da carta junta a fls.42 e oi recebimento desta. Fez referência ao facto da mesma não ter remetente e ter sido enviada dos correios de ……… . Declarou que abriu a carta com o seu marido e que na altura não lhes ocorreu qualquer razão para o seu envio, suspeitando apenas que poderia ser de alguém da família e ter a ver com as questões referentes aos terrenos de ……….. . Disse que depois vieram a saber que os seus sogros também receberam uma carta do género (a de fls.42). Afirmou que de início nunca desconfiaram do Réu. Confirmou que apresentaram queixa às autoridades policiais e que chamados a visualizar as imagens do posto dos correios de ……….., então identificaram o Réu. Referiu terem ficado receosos e chocados, atento o teor das cartas. Disse saber da relação de amizade que a tia CC mantinha há muito com o Réu, chegando a falar-se que tinham “um afaire”. Confirmou que a avó do seu marido era uma excelente cliente do Réu, chegando inclusivamente a compra-lhe peças que depois deixava na sua loja por não ter espaço em casa para as colocar. Salientou que em Setembro de 2013 havia um litígio entre a empresa de que ela e o marido são os únicos sócios com algumas pessoas da família, por causa do negócio dos terrenos de ………. . Afirmou que quando receberam a carta concluíram que tudo tinha a ver com dinheiro e que se tratava de uma forma de pressionar o seu marido a pagar a essas pessoas da família com quem estavam em litígio. Quanto ao depoimento do tio do Autor, a testemunha FF: Disse não conhecer pessoalmente o Réu, sabendo apensas que este vendida antiguidades à sua mãe. Também referir saber da relação de amizade que existia entre o Réu e a sua irmã CC, mas que nunca viu mais nada. Confirmou que em 2013 recebeu uma carta anónima, idêntica a outras que as suas irmãs receberam. Em relação ao depoimento prestado pela testemunha DD: Disse conhecer todos os intervenientes no processo. Referiu ter sido cliente do Réu. Que quanto ao Autor, este lhe foi apresentado pela sua falecida avó, de quem chegou a ser advogado. Confirmou conhecer o teor da carta de fls.42 no âmbito do processo-crime que correu termos anteriormente. Salientou não ter tido qualquer intervenção na redacção ou no envio das cartas. Fez notar que quando foi ouvido no processo-crime, á data a CC, tia do Autor, era sua cliente e que foi então que foi feita referência à elaboração e envio de umas cartas para iniciar o processo de partilha por falecimento da avó do Autor. Esclareceu não ter chegado a enviar quaisquer cartas nesse processo, já que entretanto a CC se desentendeu consigo e mudou de advogado. Referiu que depois a CC deu o dito por não dito quanto á redacção e envio de tal correspondência. Declarou ter apenas uma relação comercial com o Réu, apesar de se conheceram há mais de 15 anos, referindo que os contactos entre ambos tinham em regra lugar nas lojas deste primeiro em ……….. (…….) e depois na ………… . Esclareceu que tais contactos ocorriam habitualmente ao Sábado, recordando-se que por uma vez foi a casa do Réu (à garagem) ver uma peça. Disse que normalmente não se encontravam no seu escritório e que nunca foi seu hábito pedir ao Réu para levar cartas ao correio, já que tal tarefa pertence desde sempre à sua funcionária. Agora os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelo Réu. Primeiro o depoimento da testemunha NN: Antes do mais, importa referir que na parte final deste depoimento pelo ilustre mandatário do Réu foi expressamente declarado que para si, a “credibilidade desta testemunha era zero”. De qualquer forma, consideramos referir aqui o que pela mesma foi dito. Assim, começou por dizer que é amigo do Réu há mais de 30 anos e que não conhece o Autor. Referiu ter uma convivência muito próxima com o Réu e a mulher. Confirmou que o Réu é casado há muitos anos e tem três filhos. Salientou que por causa de todos estes problemas com processos o Réu fechou a loja da …….. e que há mais de três anos que anda abatido e diz que não compreende porque é que lhe fizeram isto. Tem o Réu como uma pessoa incapaz de ser autor de cartas como as dos autos, nem de as enviar mesmo para ajudar um amigo. Nunca o ouviu utilizar expressões semelhantes às que constam das cartas. Referiu ter tido conhecimento do seu teor há cerca de três dias, através de um advogado que não aquele que aqui representa o Réu, advogado esse, que não identificou referindo apenas que tem escritório na rua do …………… . E foi aqui que o ilustre mandatário do Réu fez a declaração supra referida. Quanto ao depoimento prestado pela testemunha JJ: Disse ser amigo do Réu há mais de 50 anos por trem sido colegas de liceu no Colégio …….. em ……………. . Referiu ser visitas de casa um do outro. Que por isso conhece muito bem a mulher do Réu e não tem este como pessoa capaz de ter “casos” amorosos. Confirmou que o réu é um antiquário muito conceituado com lojas primeiro em ……….. e depois na ……. Declarou ter sabido dos processos através do Réu mas nunca viu as cartas. Disse estar certo que estes processos têm prejudicado muito o Réu, levando-o inclusivamente a fechar a loja da …….. . Tem o Réu como pessoa pacata, não acreditando ter sido ele o autor das cartas, já que não o vê a escrever tais expressões mesmo debaixo do anonimato. Por fim referiu saber que para além da sua actividade profissional bem conseguida o Réu tem fortuna pessoal por ter sido herdeiro de um tio já falecido. Por fim e quanto ao depoimento de parte do Réu: O mesmo começou por negar peremptoriamente a elaboração e o envio das cartas dos autos. Disse ainda só ter visto o Autor por duas vezes e que por isso não tinha qualquer razão para escrever estas cartas. Utilizou, inclusivamente a seguinte expressão: “não existe nenhum nexo de causalidade com estas pessoas”. Afirmou estar muito incomodado com toda esta situação e que não sabe nem quer saber dos problemas que possam existir no seio da família do Autor. Confirmou que a avó do Autor era sua cliente e que conhece a tia do Autor, a CC. Referiu que no exercício da sua actividade profissional de antiquário, que também passa pela avaliação de peças de arte, vai com frequência os correios. Declarou ter estudado em …………. no Colégio …………., razão pela qual tem uma forte ligação com essa cidade. Aceita ter estado na estação dos Correios de …………., a qual se situa em frente da Confeitaria ………….. onde vai com regularidade sozinho ou com amigos. Não nega ser ele quem aparece nas imagens gravadas na referida estação dos correios, mas afirma não se recordar que cartas eram aquelas que então aparece a enviar. Admite serem cartas enviadas a pedido do DD, com quem mantém relações pessoais e comerciais, mas não tem tais factos como certos. Por fim referiu ser do seu conhecimento a existência de câmaras de gravação de imagem nas estações de correio e mais concretamente na de ……….». Depois de ter sintetizado o teor dos depoimentos ouvidos, concluiu do seguinte modo: «Perante todos estes depoimentos o que podemos concluir é o seguinte: Tais depoimentos, nomeadamente os prestados pelas testemunhas indicadas pelo Autor, podem ser tidos, genericamente, como isentos e credíveis. Mais, importa também não esquecer que os mesmos devem ser conjugados com a restante prova produzida nos autos, designadamente com o teor das cartas juntas a fls.41 a 43v.º e com o conteúdo das imagens captadas no interior do Posto dos CTT de ……., no dia 18 de Setembro de 2013, às 17 h e 36 m. E de todos estes meios de prova o que se retira é o que, para além do mais, consta dos pontos 6, 7, 8, 9, 10 e 11 dos factos provados. Ou seja, neste ponto da matéria de facto, sufragamos sem dúvidas, a convicção da Sr.ª Juiz “a quo”, a qual se encontra melhor contida na fundamentação da decisão de facto de fls.212 v e seguintes. O que apesar de tudo, continuamos a não poder subscrever é a asserção que logo a seguir se fez constar na mesma fundamentação (cf. fls.217) e que já antes aqui deixamos integralmente transcrita e realçada a “negrito” e que agora nos dispensamos de voltar a reproduzir. Assim o que em nosso entender deve ser tido como provado é apenas e só o que consta dos supra referidos pontos da decisão de facto. Diversamente, o que em nosso entender não se pode ter como provado é o que foi feito constar do ponto 5. dos factos provados e que é em suma o seguinte: -Que foi do Réu a autoria das referidas cartas; -Que o Réu teve conhecimento do conteúdo dessas cartas; -Que o Réu quis denegrir, causar, embaraço, intimidar e pressionar o Autor, relativamente à solução a adoptar no litígio que o opunha aos seus familiares. E isto e desde logo porque o simples facto de o Réu ter expedido uma ou várias cartas nos Correios não pode ter, por si só, a virtualidade de sustentar de forma processualmente válida a imputação de que o mesmo produziu ou participou por qualquer meio na sua elaboração. Concretizando: Já ficou dito que em nosso entender, a decisão recorrida omitiu a concretização do nexo lógico que somado ao facto base (ou facto indiciário), levou, necessariamente, ao facto presumido, aludindo-se apenas e de uma forma demasiado sintética “à falta de explicação plausível” para o envio das cartas. Ou seja, o circunstancialismo de facto que foi desde logo objecto de alegação pelo Autor no artigo 5º da petição inicial não resultou confirmado, como lhe cabia, pela prova trazida pelo mesmo ao processo. E isto pelo seguinte conjunto de razões: A tese do Réu vai no sentido de que as cartas que de facto levou ao correio e enviou aos destinatários sem remetente puderem ser cartas cujo envio lhe terá sido pedido pelo seu amigo advogado DD. Quando confrontado com tal versão dos factos este Sr. Advogado, ao depor como testemunha, afastou tal hipótese, explicando que quem trata do envio do correio do seu escritório é desde há muito uma sua funcionária. Perante tais versões, resulta desde logo evidente não ser de todo plausível que um ilustre advogado solicite, mesmo a um amigo, que se desloque ao correio para expedir correio do seu escritório. E a ser assim, não merece nesta parte credibilidade a tese do Réu. No entanto, a verdade é que não foi produzida prova suficiente que permita afirmar que foi o Réu que decidiu escrever, redigiu e remeteu as cartas que aqui estão em discussão. E é aqui que em nosso entender, deve ser ponderado o relacionamento deste com a tia materna do Autor, CC. Se tal relacionamento se tratava, ou ainda trata, de uma amizade ou de algo mais, foi dúvida que ficou sem esclarecimento válido e que as testemunhas ouvidas não souberam esclarecer. A verdade é que no seu depoimento a referida tia do Autor foi evasiva e pouco convincente, com o aliás já tinha sido no processo-crime, procurando contornar esta questão do seu relacionamento com o Réu, relacionamento que todos afirmam vir desde o tempo em que ainda era viva a sua mãe com quem a mesma sempre coabitou. Ora nada nos leva a questionar a afirmação do Réu e segundo a qual nada tinha contra o Autor. Mas dos depoimentos prestados o que resultou evidente foi que em dado momento e por questões referentes ao referido negócio da venda dos terrenos de ………., surgiram conflitos graves no seio da família do Autor, resultando aqui e ali a ideia de que a referida tia CC (e outos familiares), se terão então incompatibilizado com o mesmo Autor. E provou-se ainda que tal clima se manteve mesmo após o falecimento da sua avó materna, comprovando-se ainda que a referida CC chegou a consultar o DD para a patrocinar na partilha por óbito da sua mãe. O que ficou por apurar foi o papel do Réu em toda esta situação. Ou seja, confirmando-se não ter sido o Réu quem decidiu elaborar as cartas dos autos, cabe perguntar a quem estava ele a prestar um favor, quando se prontificou a deslocar-se a um a estação de correios, no caso a de ………. e a remeter as mesmas a cada um dos respectivos destinatários…? Ora dada a personalidade revelada pelo Réu e confirmada por quem com ele privou e priva, teria que ser sempre alguém das suas relações próximas de amizade. Perante tais dúvidas que continuam a subsistir, não podia por ser afirmativa a resposta aos factos alegados pelo Autor no artigo 5º da petição inicial. Por outro lado e como também já vimos, tais factos também não podiam ser considerados provados como ocorreu na decisão recorrida tendo por base o que decorre do disposto nos artigos 349º e 351º do Código Civil. Ou seja, sendo claro que cabia ao Autor a prova de tal matéria e não logrando este tal objectivo, tinha esta matéria que ser tida como não provada. E sendo assim, merece pois acolhimento a pretensão recursiva do réu/apelante, impondo-se por isso que tais factos (os do ponto 5.) passem de provados a não provados.». Manteve-se, assim, a decisão fáctica que já havia sido objecto do primeiro Acórdão, e, precisamente com os mesmos fundamentos. Seguidamente, o Acórdão agora em reapreciação, ao invés de se pronunciar nos precisos termos em que este Supremo Tribunal de Justiça havia procedido à anulação, limitou-se a repetir a apreciação anteriormente feita, como se a nossa decisão aqui tomada, tivesse esse objecto, o que não ocorreu. A anulação efectuada por este Supremo Tribunal de Justiça era clara, precisa e concisa: «[A] solução factual encetada pelo Tribunal da Relação, fez eliminar o ponto 5., uma vez que entendeu, face à audição da prova testemunhal registada nos autos, que os factos ali constantes não resultaram provados, nem os mesmos poderiam resultar de qualquer operação probatória, obtida através de presunção judicial, como foi concluído em primeira instância. Como deflui de tal Aresto, o ponto 5. foi eliminado, mas deixaram-se intactos os pontos 6. a 8. da materialidade apurada – agora pontos 5. a 7. – bem como os demais expressamente impugnados – 12 a 16 -, apenas se tendo acrescentado um dos facto propostos pelo Réu, na sua conclusão 6ª , alínea c), i), ao qual foi atribuído agora o ponto 19. com o seguinte teor «A estação de correios de ………. dispunha em 18 de Setembro de 2013, de um sistema de videovigilância dotado de 8 camaras.», e embora no seu excurso tenha decidido igualmente deferir o acrescentamento do ponto de facto aludido em ii) daquela mesma alínea conclusiva, isto é « O advogado da tia do Autor CC, DD admitiu ter ponderado remeter cartas aos familiares do Autor.», esta materialidade foi completamente omitida na factualidade dada por assente. De outra banda, surpreendentemente, sem qualquer menção, explicação, e/ou, ponderação fáctico/jurídica, faz desaparecer o que constava do ponto 21. dado como provado em primeiro grau, com o seguinte teor «21-0 Réu sabia que o teor das cartas prosseguia os fins supra referidos.». Esta «eliminação» (?) não deixa de nos colocar algumas perplexidades. (…) Por um lado, verificamos que o Acórdão da Relação, pura e simplesmente não se pronuncia sobre o aludido ponto de facto - 21. – fazendo-o retirar da matéria provada após a reapreciação da mesma, para além de que, embora tenha dado por assente o supra aludido ponto de facto cujo aditamento foi admitido – constante da conclusão 6, alínea c), ii) do qual constava que « O advogado da tia do Autor CC, DD admitiu ter ponderado remeter cartas aos familiares do Autor.», facto esse que, se foi aditado deveria ter alguma relevância para a solução de direito, mas que se não vislumbra da fundamentação encetada. O nó górdio nos presentes autos incide sobre a fundamentação do Aresto, por via da eliminação do ponto 5., face à subsistência dos pontos 6. a 8., e 12 a 16, o qual expressamente resolve a questão do seguinte modo: «[A]ssim o que a tal propósito se deve ter como provado é o que consta dos pontos 6 e 8 dos factos provados é que é o seguinte: Que as cartas remetidas da estação de correios de …………, pelas 17.36 h do dia 13.09.2013, foram recebidas pelo autor AA e pelos seus pais e tios; Que tais cartas foram remetidas pelo Réu. O que em nosso entender não se pode ter como provado é o que foi feito constar do ponto 5. dos factos provados e é foi resumidamente o seguinte: Que foi do Réu a autoria das referidas cartas; Que o Réu teve conhecimento do conteúdo dessas cartas; Que o Réu quis denegrir, causar, embaraço, intimidar e pressionar o Autor, relativamente à solução a adoptar no litígio que o opunha aos seus familiares. E isto e desde logo porque o simples facto de o Réu ter expedido uma carta nos Correios não pode ter a virtualidade de sustentar de forma processualmente válida a imputação de que o mesmo produziu ou participou por qualquer meio na sua elaboração.». Daqui deflui, que o segundo grau considerou que as cartas (anónimas) foram remetidas ao Autor pelo Réu, e foram recebidas por aquele pelos seus pais e tios (pontos 6., 7. e 8.); o que o segundo grau afastou, como não provado, foi que tenha sido o Réu o autor de tais missivas e/ ou soubesse do seu conteúdo, bem como que tivesse querido denegrir, causar, embaraço, intimidar e pressionar o Autor, relativamente à solução a adoptar no litígio que o opunha aos seus familiares (ponto 5.). A eliminação daquele ponto só aparentemente resolve a questão, na medida em que se mantêm os pontos 6., 7. e 8., que não foram objecto de impugnação, nem o Tribunal viu qualquer necessidade de alterar face à justificação que prontamente deu de que a remessa da carta anónima pelo Réu, não pode querer significar que a tenha elaborado, mas, ao manter toda a restante factualidade incólume, apenas tendo aceite acrescentar dois factos, o que significa que apesar de omisso no elenco factual, o ponto 21. não foi eliminado, porque nenhuma referência lhe foi feita no Acórdão, a sua manutenção que se tem de ter, por ora, como assente, isto é que «O Réu sabia que o teor das cartas prosseguia os fins supra referidos.», incidindo os fins supra referidos sobre toda a matéria constante nos pontos 6. a 20., na numeração originária advinda de primeira instância, a subsistência desse específico evento contradiz, a se, a conclusão retirada aquando da reapreciação dos pontos 5. a 8., já que sendo os pontos 6. a 8., a concretização daquele ponto 5., a eliminação deste e a manutenção daqueles outros, particularmente do ponto 21., torna incongruente a presunção tirada, aqui sim, que a expedição de uma carta por alguém não significa que tenha sido esse alguém a escrevê-la e/ou que tenha tido uma qualquer participação na sua elaboração, quando a restante materialidade indica precisamente o contrário do que se diz, isto é que o Réu, aqui Recorrido, sabia do teor da carta e que com ela estava a lesar o Autor (« 21-0 Réu sabia que o teor das cartas prosseguia os fins supra referidos.»), como deflui inequivocamente da matéria constante dos pontos 6. a 20. Assim sendo, sem embargo de estarmos em sede de Revista, o Supremo Tribunal de Justiça não fica tolhido nos seus poderes de apreciação se os factos em causa, por algum motivo, como acontece no caso dos autos, estejam eivados de contradições lógicas e incongruências, que impossibilitam a tomada conscienciosa de uma decisão de direito sobre os mesmos, nos termos do artigo 682º, nº2 do CPCivil, sendo pois mister a anulação do julgamento efectuado para se proceder a uma nova apreciação de todos factos postos em crise, tendo-se em atenção a existência do primitivo facto 21.. (…) Destarte, concede-se parcialmente a Revista, anula-se o Aresto em crise, devendo ser reapreciada toda materialidade factual nos termos expostos.». O Aresto em análise, novamente impugnado pelo Autor, aqui Recorrente, limitou-se a expurgar da factualidade assente no ponto 21., vinda de primeiro grau e por si omitida aquando da primeira apreciação, que havíamos apontado como estando em contradição com a materialidade posta em evidência. Fê-lo do seguinte modo: «[o] acabado de decidir, implica, necessariamente e sob pena de contradição insanável, que oficiosamente se reavalie o que foi decidido relativamente ao ponto 21 dos factos provados. Ora como todos já vimos na sentença recorrida (e no mesmo ponto de facto), foi dado como provado que “o Réu sabia que o teor das cartas prosseguia os fins pretendidos”. E fundamentou-se tal decisão nas razões que já antes aqui deixamos melhor descritas aquando da análise do decidido relativamente ao ponto 5 dos factos provados e que aqui damos por reproduzidos. E vale também a argumentação que então fizemos constar e que questionando o que ficou consignado pelo Tribunal “a quo” e que deixamos salientado a “negrito”, levou à alteração da referida matéria do ponto 5 de provada para não provada. Recorde-se a ideia que ali deixamos aflorada e segundo a qual, o Réu ao deslocar-se aos correios de ………. para expedir as cartas dos autos estava fazer um favor a uma pessoa que lhe era próxima. No entanto e apesar disso, temos como certo que ficou por provar se de facto o Réu conhecia o teor das referidas cartas e, concomitantemente, se o mesmo teor prosseguia os fins antes melhor referidos. Ou seja, em nosso entender a prova que foi produzida, (a testemunhal, as declarações de parte e a testemunhal) não permite que a factualidade que o Autor veio alegar no artigo 26º da petição inicial (e posteriormente vertida no ponto 21.) e cujo respectivo ónus cabia ao Autor, seja tida como provada.» Mas, sem qualquer argumentação advinda quiçá das perplexidades que apontamos existir no primeiro Acórdão e que nos levou à respectiva anulação, a Relação do …….., ignorou por completo as referências por nós efectuadas quanto à subsistência dos pontos 6. a 8., atenta a eliminação do ponto 5., mantendo igualmente aqui, neste novo Aresto, a aludida materialidade, embora dizendo a determinado passo que «[N]o entanto, a verdade é que não foi produzida prova suficiente que permita afirmar que foi o Réu que decidiu escrever, redigiu e remeteu as cartas que aqui estão em discussão.» e mais à frente «[t]emos como certo que ficou por provar se de facto o Réu conhecia o teor das referidas cartas e, concomitantemente, se o mesmo teor prosseguia os fins antes melhor referidos», fazendo tábua rasa de tudo o que naqueles pontos se deu como assente, isto é: «6-No dia 18 de Setembro de 2013, às 17h36m, no posto de correios de Santo Tirso, o Réu remeteu ao Autor uma carta anónima que lhe era dirigida, do seguinte teor: “Meu boi, meu cabrão. Não pagas o que deves, ou melhor, o que roubaste, burlando tudo e todos, sem dó nem piedade e emporcalhas na merda o bom nome da família donde vieste e que era gente séria e honrada. Ficas a saber que vais pagá-las e se não acertares as contas com todos os que vigarisaste, podes ter a certeza que um dia aparecerás de barriga para o ar a ver estrelas. E, nem penses ir ao Brasil porque já lá terás jagunços à tua espera e acabarás numa valeta como a MM apareceu. Para filhos da puta como tu o remédio que há é um balázio nos cornos, e nos teus nem é difícil acertar porque são grandes”, conforme documentos juntos a fls. 8 e v.º. 7-Tal carta foi recebida pelo Autor, na sua morada, no dia 19 de Setembro de 2013. 8-Na mesma data, hora e local, o Réu enviou a familiares do Autor uma outra carta anónima, do seguinte teor: “Exmo(a) Senhor(a), há muito que se tornou público em ……. e …………. e até já em …………. que o vosso familiar AA, enxovalha e faz arrastar pela lama o nome da família que tem, intervindo em negócios escuros e burlas declaradas. A mim, surpreende-me que seus pais e tios, todos pessoas que eram consideradas sérias e de contas, permitam que o nome de família seja borrado por tão ignóbil sobrinho que, invocando o nome de família que usa, burla e rouba impunemente, fazendo-o em seu nome pessoal ou de sociedade que representa ou que outros por si representam. Sabemos até que à custa das aldrabices em que se mete ele matou a avó de desgosto numa burla que lhe fez para além de muitas outras burlas e manigâncias que tem feito com terceiros. O silêncio dos pais e tios face a toda esta situação quererá dizer que estão de acordo com o que o AA faz e com a forma como actua? Será, afinal, que aqueles que nós considerávamos uma família distinta, séria e honrada, afinal não passa de uma mixórdia que tem o AA como exponente máximo ou exemplo comportamental? Caso nada seja feito para se repararem os erros de tal “melro” é assim que temos que pensar”.». Exposta deste modo a materialidade questionada nestes autos e que subjaz ao petitório formulado pelo Autor, aqui Recorrente, quid juris, no que tange à problemática aqui em equação? Insurge-se o Autor, em sede de conclusões de recurso, contra o Acórdão recorrido, porquanto na sua tese a Relação do ……… que aplicou erroneamente os princípios subjacentes a essas regras previstas nos artigos 349º e 351º do CCivil, quando concluiu no sentido de que não se podia dar como assente a factualidade do facto provado n.º 5 do elenco seriado na sentença da 1.ª instância e por esta ter utilizado abusivamente, em sede de presunção judicial, aquelas regras, pretendendo que este Supremo Tribunal sancione a actuação do segundo grau e reponha a matéria constante daquele ponto. Como já deixamos exarado no nosso anterior Acórdão, e constitui, aliás, posição por nós assumida reiteradamente «[o] que o Supremo pode conhecer em matéria de facto são os efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça, pois o que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido.», cfr inter alia os Ac STJ de 8 de Janeiro de 2019 e de 18 de Junho de 2019 da aqui Relatora e deste mesmo colectivo, in www.dgsi.pt. Um dos princípios assentes em termos probatórios é o de que é lícito às instâncias retirarem ilações lógicas da materialidade assente, podendo esclarecê-la e desenvolvê-la, cfr Ac STJ de 27 de Maio de 2010 (Relator Nuno Cameira) e de 25 de Novembro de 2014 (Relator Pinto de Almeida, aqui primeiro Adjunto), in www.dgsi.pt. O STJ, em sede de apreciação factual, encontra-se espartilhado pelo disposto no artigo 674º, nº3 do CPCivil, no qual se estipula que «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.». No âmbito de aplicação deste específico normativo encontram-se as presunções, porquanto tratando-se de um mecanismo inspirado nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica e nos próprios dados da intuição humana, traduzindo-se num juízo de valor formulado sobre os factos provados que se integra na matéria de facto, o Supremo tribunal de Justiça só poderá verificar se elas exorbitam o âmbito dos factos provados ou se deturpam o sentido normal dos factos de que foram retiradas, ou padeçam de uma evidente ilogicidade e/ou partam de factos dados por não provados, isto é, averiguar se foram extraídas dentro dos limites contidos nos artigos 349º e 351º do CCivil e se tais limites não tiverem sido respeitados, estaremos perante um caso de violação da lei e, então, porque se trata já de uma questão de direito, caberá a este Órgão intervir, controlando e decidindo em ordem a fazer respeitar a conteúdo fáctico que foi dado como provado e/ou não provado. Como é do conhecimento geral há muito que se problematiza a questão da sindicância pelo Supremo Tribunal de Justiça dos juízos de inferência retirados pelas instâncias, apenas se admitindo que este Órgão controle se as presunções foram ou não obtidas com o recurso aos normativos legais aplicáveis, bem como se a sua obtenção se encontra ferida de alguma deficiência, nomeadamente, se o método discursivo utilizado lhe tolda a logicidade. Dispondo o artigo 607°, n°4 do CPCivil, aplicável ex vi dos artigos 663°, n°2 e 679°, do mesmo diploma, que na fundamentação do Acórdão - em sede de reequacionamento da avaliação probatória efectuada em primeiro grau -, o Tribunal deverá declarar quais os factos julgados como provados e não provados, analisando criticamente as provas, concatenando toda a matéria de facto adquirida extraindo dos factos apurados as presunções impostas pelas regras da experiência, tal significa que as sobreditas inferências surjam à margem de qualquer materialidade objectivamente questionada e sujeita a demonstração, positiva e/ou negativa, pelas partes em conflito, constituindo, por isso jurisprudência corrente que "É lícito aos tribunais de instância tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, e fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde que, sem a alterarem antes nela se apoiando, se limitem a desenvolvê-la, conclusões essas que constituem matéria de facto, como tal alheia à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça", apud Ac STJ de 19 de outubro de 1994, in BMJ 440/361, citado no Ac STJ de 22 de Maio de 2012 (Relator Fonseca Ramos), in vvrww.dgi.pt; cfr Antunes Varela, J Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2a edição, 500/501. Como é comumente aceite, admite-se e é admissível, um controle pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a construção ou desconstrução das presunções judiciais, podendo verificar se a utilização das mesmas pelo Tribunal da Relação violou alguma norma legal, se carecem de coerência lógica ou, ainda, se falta o facto base, ou seja se o facto conhecido não está provado. O erro sobre a substância de um tal juízo presuntivo só será sindicável pelo Tribunal de Revista em caso de manifesto contra senso e/ou desrazoabilidade. O que aqui se cura é saber se eliminação da presunção que havia sido obtida em primeiro grau, no exercício dos poderes cognitivos que a Lei confere ao segundo grau, na apreciação da matéria de facto, estão ou não eivados de algum vício que imponha o sancionamento por parte deste Supremo Tribunal de Justiça. O thema decidendum, não é saber se a Relação bem usou as presunções judiciais, mas antes se bem sancionou o seu uso pela primeira instância, sendo esta a vexata quaestio que é colocada nesta Revista. A este propósito veja-se Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o novo processo civil, 442, o qual nos esclarece que «[o] erro sobre a fixação dos factos materiais da causa também pode incidir sobre as presunções judiciais baseadas nos factos apurados nas instâncias, isto é, sobre as ilações extraídas desses factos com fundamento em regras de experiência”, acrescentando que “a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça relativamente à matéria de facto implica, com as restrições constantes no art.º 722.º, n.º 2, 2.ª parte, que esse órgão não pode controlar a escolha e a decisão sobre essa matéria realizadas nas instâncias. Mas daí nada resulta quanto ao controlo pelo Supremo das presunções judiciais utilizadas pelas instâncias com base nos factos considerados adquiridos, porque a inadmissibilidade de alterar a matéria de facto nada pode significar quanto ao controlo sobre essas presunções. Quer dizer: quaisquer que sejam as limitações quanto à alteração pelo Supremo da matéria de facto, essas restrições nada valem para o controlo das presunções judiciais, porque este toma como base a matéria apurada nas instâncias e não envolve qualquer modificação desta matéria.». Afigura-se-nos que tem toda a razão, já que, quer actue pela positiva, reafirmando a posição extraída pela Relação, quer pela negativa, isto é, censurando a conclusão a que a segunda instância tenha chegado, o Supremo Tribunal de Justiça não se vai imiscuir na factualidade assente, alterando-a, quiçá, indo antes fiscalizar, soit disant, a forma como as presunções foram obtidas e/ou desconstruídas pelas instâncias e, desta forma, está ainda a actuar dentro dos poderes que lhe são cometidos pelo artigo 674º (correspondente ao artigo 722º do CPCivil pregresso), nº3 do CPCivil, onde se dispõe «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.», cfr neste sentido os Ac STJ de 16 de Outubro de 2012 (Relator Nuno Cameira) e de 18 de Maio de 2017 (Relator Chambel Mourisco), in www.dgsi.pt. Enfatizando o que acima se disse, não se tratando de sindicar a alteração em si, mas a bondade de tal alteração, em termos de apurar se o segundo grau podia ou não eliminar, ou modificar, a factualidade dada como assente pelo primeiro grau através do uso de presunção judicial, sem subverter os princípios de direito probatório, já o Supremo Tribunal se pode pronunciar. Assim. O primeiro grau deu como provado o seguinte facto: «5-Em Setembro de 2013, o ora Réu decidiu elaborar e remeter cartas anónimas ao ora Autor e a outros familiares também envolvidos naquele litígio, a fim de, através da divulgação de imputações destinadas a denegri-lo e a causar-lhe embaraço familiar e social, o intimidar e pressionar relativamente à solução a adoptar quanto ao litígio supra referido.». Fundou a sua convicção na seguinte fundamentação: «[N]o que se refere aos factos n. °s 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 21, foram tidos em consideração os depoimentos das testemunhas: .EE, mãe do Autor, a qual recebeu, em Setembro de 2013, a carta junta afls. 42, enviada para a sua morada, constante de fls. 42v. ° tendo referido que os seus irmãos, FF, GG e CC receberam cartas semelhantes, e que a sua irmã CC lhe escreveu sobre o assunto, na carta junta afls. 44 e v.°. .CC, tia do Autor, a qual recebeu a carta junta afls. 42 ev.°, e escreveu a carta junta afls. 44v. °, que enviou à testemunha anterior, e que referiu que os seus irmãos FF e GG lhe disseram que tinham recebido cartas semelhantes; .GG, tia do Autor, a qual recebeu uma carta igual à carta junta a fls. 42, num subscrito sem remetente, datado de 18/09/2013, às 17h36m, e que referiu que o seu irmão FF recebeu uma carta igual, e .LL, esposa do Autor, que confirmou a recepção, pelo Autor, da carta junta afls. 41. Em sede de declarações de parte, referiu o Autor que por causa das referidas cartas, quer o declarante quer a sua mulher recearam pelos filhos. Resulta do teor das cartas juntas afls. 41 a 43v.° que as mesmas foram enviadas do Posto dos CTT de ………….., no dia 18 de Setembro de 2013, às 17h36m. Nesse mesmo dia e hora, apenas o Réu e uma outra pessoa se encontravam no interior do aludido Posto dos CTT, conforme se pode constatar, através do visionamento das imagens constantes do CD junto aos autos, exibido em audiência de julgamento, tendo o Réu procedido ao envio de, pelo menos seis cartas, e essa outra pessoa, ao envio de três cartas registadas. A testemunha CC e um outro familiar do Autor, KK, confrontados com os fotogramas extraídos da gravação, identificaram desde logo o Réu, no momento em que este procedia à remessa das cartas, conforme documentos juntos afls. 54v. ° a 56. Em sede de depoimento de parte, referiu o Réu que ia várias vezes ao escritório do DD e que, uma vez por outra, este lhe pedia para colocar cartas no correio, depoimento este que, desde logo, causa estranheza pelo facto de as cartas em causa terem sido enviadas do Posto dos CTT de ………., e a testemunha DD ter o seu escritório em ……….. . Tal depoimento foi, de resto, contrariado pelo depoimento prestado pelo próprio DD, que referiu não ter tido qualquer intervenção no que respeita às aludidas cartas anónimas, acrescentando ter no seu escritório, há 32 anos, uma funcionária que coloca as cartas no correio, nunca tendo a testemunha pedido ao Réu para efectuar tal serviço. Ora, os depoimentos prestados pelas testemunhas EE, CC, GG e LL, conjugados com o teor das cartas juntas a fls. 41 a 43v. ° e o conteúdo das imagens captadas no interior do Posto dos CTT de ……………, no dia 18 de Setembro de 2013, às 17h36m, permitem dar como assente que o Autor recepcionou a carta sem remetente junta afls. 8 ev.°, e que os seus familiares recepcionaram cartas igualmente sem remetente com o teor da carta junta afls. 43, as quais foram enviadas pelo Réu, do Posto dos CTT de ……….., no dia 18 de Setembro de 2013, às 17h36m. Assim sendo, e na falta de uma explicação plausível para o envio, pelo Réu, ao Autor e seus familiares, de seis cartas sem remetente, pode inferir-se, por presunção, com considerável grau de probabilidade, à luz do disposto nos arts. 349. ° e 351. °, ambos do Código Civil, que o Réu elaborou e remeteu as aludidas cartas anónimas, que enviou ao ora Autor e a outros familiares envolvidos no litígio referido no ponto 1.° dos factos provados, afim de, através da divulgação de falsas imputações, destinadas a denegri-lo e a causar-lhe embaraço familiar e social, o intimidar e pressionar relativamente à solução a adoptar quanto ao referido litígio, sabendo que o teor das referidas cartas era susceptível de provocar no Autor medo, inquietação e constrangimento, bem como um sentimento de humilhação e vexame pelas imputações constantes das referidas cartas.». O segundo grau, no segundo julgamento havido, voltou a pronunciar-se do mesmo modo em relação à anulação da matéria dada como assente naquele ponto 5., o que fez, repete-se, do seguinte modo, depois de enunciar, exaustivamente, os meios de prova utilizados: «[E] de todos estes meios de prova o que se retira é o que, para além do mais, consta dos pontos 6, 7, 8, 9, 10 e 11 dos factos provados. Ou seja, neste ponto da matéria de facto, sufragamos sem dúvidas, a convicção da Sr.ª Juiz “a quo”, a qual se encontra melhor contida na fundamentação da decisão de facto de fls.212 v e seguintes. O que apesar de tudo, continuamos a não poder subscrever é a asserção que logo a seguir se fez constar na mesma fundamentação (cf. fls.217) e que já antes aqui deixamos integralmente transcrita e realçada a “negrito” e que agora nos dispensamos de voltar a reproduzir. Assim o que em nosso entender deve ser tido como provado é apenas e só o que consta dos supra referidos pontos da decisão de facto. Diversamente, o que em nosso entender não se pode ter como provado é o que foi feito constar do ponto 5. dos factos provados e que é em suma o seguinte: -Que foi do Réu a autoria das referidas cartas; -Que o Réu teve conhecimento do conteúdo dessas cartas; -Que o Réu quis denegrir, causar, embaraço, intimidar e pressionar o Autor, relativamente à solução a adoptar no litígio que o opunha aos seus familiares. E isto e desde logo porque o simples facto de o Réu ter expedido uma ou várias cartas nos Correios não pode ter, por si só, a virtualidade de sustentar de forma processualmente válida a imputação de que o mesmo produziu ou participou por qualquer meio na sua elaboração.». Contudo, o Aresto em crise, manteve intacta a materialidade assente nos pontos 6 a 10 (agora enumerados como 5 a 9), de onde consta, expressamente, no que nos interessa, que: «6-No dia 18 de Setembro de 2013, às 17h36m, no posto de correios de ……, o Réu remeteu ao Autor uma carta anónima que lhe era dirigida, do seguinte teor: “Meu boi, meu cabrão. Não pagas o que deves, ou melhor, o que roubaste, burlando tudo e todos, sem dó nem piedade e emporcalhas na merda o bom nome da família donde vieste e que era gente séria e honrada. Ficas a saber que vais pagá-las e se não acertares as contas com todos os que vigarizaste, podes ter a certeza que um dia aparecerás de barriga para o ar a ver estrelas. E, nem penses ir ao Brasil porque já lá terás jagunços à tua espera e acabarás numa valeta como a MM apareceu. Para filhos da puta como tu o remédio que há é um balázio nos cornos, e nos teus nem é difícil acertar porque são grandes”, conforme documentos juntos a fls. 8 e v.º. 7-Tal carta foi recebida pelo Autor, na sua morada, no dia 19 de Setembro de 2013. 8-Na mesma data, hora e local, o Réu enviou a familiares do Autor uma outra carta anónima, do seguinte teor: “Exmo(a) Senhor(a), há muito que se tornou público em …….. e ………. e até já em ………… que o vosso familiar AA, enxovalha e faz arrastar pela lama o nome da família que tem, intervindo em negócios escuros e burlas declaradas. A mim, surpreende-me que seus pais e tios, todos pessoas que eram consideradas sérias e de contas, permitam que o nome de família seja borrado por tão ignóbil sobrinho que, invocando o nome de família que usa, burla e rouba impunemente, fazendo-o em seu nome pessoal ou de sociedade que representa ou que outros por si representam. Sabemos até que à custa das aldrabices em que se mete ele matou a avó de desgosto numa burla que lhe fez para além de muitas outras burlas e manigâncias que tem feito com terceiros. O silêncio dos pais e tios face a toda esta situação quererá dizer que estão de acordo com o que o AA faz e com a forma como actua? Será, afinal, que aqueles que nós considerávamos uma família distinta, séria e honrada, afinal não passa de uma mixórdia que tem o AA como exponente máximo ou exemplo comportamental? 9-Tais cartas foram enviadas à mãe do Autor, EE, à sua tia CC, e aos seus tios FF e GG, também envolvidos no litígio supra referido, tendo sido recebidas nos dias subsequentes ao do respectivo envio, conforme documentos juntos a fls. 42 a 43v.°. 10-Uma outra carta foi ainda remetida a um outro familiar, HH, tio dos supra mencionados no número precedente.». Quer dizer, encontra-se provado que o Réu enviou no dia 18 de Setembro de 2013, ao Autor e a familiares deste, cartas anónimas com um determinado teor, que se deixou transcrito, sendo certo que em relação a esses precisos factos foi sufragada «sem dúvidas a convicção da Senhora Juiz a quo», sic, mas imediatamente após se ter feito esta afirmação, faz-se uma outra a contrariar aquela, mas eivada de uma total ilogicidade qual é a de que «Diversamente, o que em nosso entender não se pode ter como provado é o que foi feito constar do ponto 5. dos factos provados e que é em suma o seguinte: -Que foi do Réu a autoria das referidas cartas; -Que o Réu teve conhecimento do conteúdo dessas cartas; -Que o Réu quis denegrir, causar, embaraço, intimidar e pressionar o Autor, relativamente à solução a adoptar no litígio que o opunha aos seus familiares. E isto e desde logo porque o simples facto de o Réu ter expedido uma ou várias cartas nos Correios não pode ter, por si só, a virtualidade de sustentar de forma processualmente válida a imputação de que o mesmo produziu ou participou por qualquer meio na sua elaboração.». Ora, se se dá como assente, sem quaisquer dúvidas, que o Réu enviou uma carta anónima com um determinado teor que se deixa consignado, como é que se pode concluir que o Réu, Autor do envio de tais cartas, ignora o seu teor? Poderíamos até admitir, por mera hipótese, que o Réu não tivesse tido qualquer participação na elaboração das cartas, mas o que não podemos aceitar, porque a prova produzida não nos permite, é que o Réu ignorasse o teor das mesmas e consequentemente, o conteúdo das cartas que enviou da Estação de Correios de ……….. . Acresce ainda que o segundo grau elimina a sobredita presunção, sem qualquer explicação cabal, nomeadamente que tal ilação tivesse sido tirada sem qualquer suporte material e permite-se, até, fazer considerações sobre o comportamento do Réu por forma a consolidar a sua convicção dizendo a determinado passo «[R]ecorde-se a ideia que ali deixamos aflorada e segundo a qual, o Réu ao deslocar-se aos correios de ………. para expedir as cartas dos autos estava fazer um favor a uma pessoa que lhe era próxima. E isto e desde logo porque o simples facto de o Réu ter expedido uma ou várias cartas nos Correios não pode ter, por si só, a virtualidade de sustentar de forma processualmente válida a imputação de que o mesmo produziu ou participou por qualquer meio na sua elaboração. No entanto e apesar disso, temos como certo que ficou por provar se de facto o Réu conhecia o teor das referidas cartas e, concomitantemente, se o mesmo teor prosseguia os fins antes melhor referidos.». Não podemos deixar de consignar a nossa perplexidade em relação a estas afirmações. Se não. De onde decorre a ideia de que o Réu estaria a fazer um favor a alguém? Depois, tendo em atenção a materialidade que resulta dos actuais pontos 5 e 7, anteriores 6 e 8, que permaneceram intactos, como é que se pode concluir que o Réu desconhecia o teor das cartas? E, conhecendo-as, como demonstra tal factualidade, como se pode afirmar que o Réu não quisesse ofender os direitos de personalidade do Autor? O Tribunal da Relação no exercício do seu controlo sobre a construção do raciocínio silogístico efectuado pelo primeiro grau e que conduziu à retirada da presunção, censurou-o porquanto «[a] decisão recorrida omitiu a concretização do nexo lógico que somado ao facto base (ou facto indiciário), levou, necessariamente, ao facto presumido, aludindo-se apenas e de uma forma demasiado sintética “à falta de explicação plausível” para o envio das cartas.». Mas, ao desconstruir a presunção retirada pela primeira instância, o Tribunal da Relação funda a sua convicção na análise da prova testemunhal produzida e ainda nas asserções que faz, à guisa de conclusão, sem qualquer arrimo, quer na materialidade provada, quer na materialidade não provada «Ou seja, confirmando-se não ter sido o Réu quem decidiu elaborar as cartas dos autos, cabe perguntar a quem estava ele a prestar um favor, quando se prontificou a deslocar-se a um a estação de correios, no caso a de …….. e a remeter as mesmas a cada um dos respectivos destinatários…? Ora dada a personalidade revelada pelo Réu e confirmada por quem com ele privou e priva, teria que ser sempre alguém das suas relações próximas de amizade. Perante tais dúvidas que continuam a subsistir, não podia por ser afirmativa a resposta aos factos alegados pelo Autor no artigo 5º da petição inicial. Por outro lado e como também já vimos, tais factos também não podiam ser considerados provados como ocorreu na decisão recorrida tendo por base o que decorre do disposto nos artigos 349º e 351º do Código Civil.». Ora, as citadas afirmações constituem proposições genéricas, destituídas de qualquer fundamentação factual plausível, correspondendo a meras especulações que entram em contramão com factualidade assente, de relevância extrema para a decisão do pleito e que tiram a razão de ser à censura que acabou por ser efectuada à presunção judicial tirada em primeiro grau e que deu origem ao questionado ponto 5., que aqui se repõe, porque estribado numa análise coerente das provas e efectuado na observância do disposto nos artigos 349º e 351º do CCivil. O conceito de lógica refere-se ao conjunto de regras e princípios que regem a construção de raciocínios e juízos, com o objectivo de chegar ao conhecimento, como convicção racionalmente justificada. As presunções judiciais, não constituem meios de prova, proprio sensu, mas antes operações «de elaboração das provas alcançadas por outros meios», no dizer de Antunes Varela, in RLJ, Ano 123,58, ou «meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência», no entendimento de Vaz Serra, in RLJ, Ano 108,352. As presunções judiciais «[p]ressupõem a existência de um facto conhecido (base da presunção), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelo meios probatórios gerais; provado esse facto, intervém (…) o julgador a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se, para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida»: in casu a base da presunção reside nos factos 6. a 9., tendo o facto presumido, o 5., sido assacado por inferência lógica com o auxilio dos depoimentos das testemunhas que foram ouvidas em audiência, as declarações de parte do Autor e as declarações de parte do Réu, o qual não apresentou explicação plausível para o envio das cartas como vem acentuado na fundamentação de primeira instância, sendo certo que foi ele a enviá-las. Aqui chegados teremos necessariamente de subscrever a tese do Autor quando acentua, no seu acervo conclusivo que «[é] evidente que a sentença da 1.ª Instância não se bastou – para estabelecer a presunção em apreço – com uma singela referência à falta de uma explicação plausível para o envio das cartas. Pelo contrário, como se retira daquela sentença, agora reforçada com o acórdão recorrido, a conclusão da falta de explicação plausível tem precisamente a ver com os factos instrumentais estabelecidos a partir das declarações do Réu e da testemunha DD. E bem assim das demais testemunhas que descrevem o quadro de amizade entre o Réu e a CC (ou seja, II, GG, KK, LL e FF). Os factos indiciários não se resumem à circunstância do Réu ter expedido as cartas (e pago o respectivo porte após diálogo com a funcionária dos correios e de ter tido o cuidado de as contar, certificando-se de que eram seis – cfr. facto provado n.º 20), englobando igualmente a matéria instrumental retirada dos depoimentos do Réu e de DD, e das demais testemunhas, nos termos constantes do acórdão recorrido, os quais são consentâneos com as regras de experiência comum. São por isso factos indiciários os que atestam a forma como o Réu expediu as cartas e bem assim aqueles que demonstram a falta de explicação plausível para o Réu ignorar a razão pela qual as expediu. A partir daí é que se estabelece o nexo lógico, que nos leva ao facto presumido, que consta do facto provado n.º 5 do elenco seriado pela 1.ª Instância. Tal como as presunções não se podem estabelecer a partir de factos indiciários que não existem, também não se podem destruir através da desconsideração dos factos indiciários que as sustentam, como a Relação fez (…)» As conclusões têm, pois, de proceder quanto a este particular. 2.Do direito. O Autor, aqui Recorrente, fundou a sua pretensão indemnizatória na responsabilidade civil do Réu/Recorrido por acto ilícito, consistente na violação da sua honra, causando-lhe sentimentos de humilhação, vergonha e de medo. Estamos face a uma violação de um direito absoluto consagrado no artigo 70º, nº1 do CCivil, consubstanciada em ofensas à personalidade moral do Autor, aqui Recorrente. Resulta do normativo inserto no artigo 483º, nº1 do CCivil que «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação», incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, de acordo com o disposto no artigo 487º, nº1, do mesmo diploma legal. Constituem pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente e não de um facto natural causador de danos; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, cfr Antunes Varela, Das Obrigacões em Geral, I Vol., 1986, 477/478. Como resulta do acervo factual apurado, provados ficaram todos os elementos consubstanciadores da responsabilidade assacada ao Réu, por violação do direito de personalidade do Autor, consubstanciado nas ofensas à sua dignidade, honra, reputação e bom nome, as quais lhe causaram danos morais, traduzidos em medo, inquietação e constrangimento; receio pela sua integridade física e pela sua liberdade, e pela integridade física das pessoas do seu agregado familiar; humilhação e vexame com as imputações constantes das referidas cartas anónimas; a família directa do Autor sentiu-se igualmente ferida com a situação descrita, e isso acentuou o seu sofrimento (factos 11 a 15). A primeira instância fixou a indemnização em 20.000 Euros, montante este que o Recorrente não questiona e que tendo em atenção o preceituado no artigo 496º, nº1 do CPCivil, se nos afigura adequada ao danos morais sofridos pelo Autor aqui Recorrente.
III Destarte, concede-se a Revista, revogando-se a decisão plasmada no Acórdão impugnado, repristinando-se a sentença de primeiro grau.
Custas pelo Réu, aqui Recorrido.
Lisboa, 24 de Novembro de 2020 (Ana Paula Boularot) (Com o voto de conformidade do Primeiro Adjunto, Conselheiro Fernando Pinto de Almeida e do segundo Adjunto, Conselheiro José Rainho,, nos termos do artigo 15º-A do DL 10-A/2020 de 13 de Março com as alterações do DL 20/2020 de 1 de Maio)
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC). |