Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
24900/18.2T8PRT.P3.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

II. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).

III. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume nos termos do art.º 799.º n.º 1 do Código Civil e art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, a descontar o rendimento, entretanto percebido pela Autora); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

1. AA, instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum contra Banco BIC Português, S.A. (anteriormente designado BPN, Banco Português de Negócios, S.A.), onde concluiu pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia global de €58.164,38, sendo €50.000,00 de capital e €8.164,38 de juros, à taxa legal de 4%, desde 28.10.2014 até à data da interposição da ação, bem como os juros vincendos, à mesma taxa, até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente, pediu que seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os €50.000,00 que o autor entregou ao réu em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004, bem como seja declarado ineficaz a aplicação que o réu tenha feito dos referidos montantes, sendo, ainda, condenado a restituir ao autor a quantia de €50.000,00 que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao réu, acrescido de juros legais, vencidos e vincendos, desde a data da citação até integral cumprimento.

Pediu, por fim, que seja o réu condenado a pagar-lhe a quantia de €1.800,00 a título de dano não patrimonial.

Articulou, com utilidade, que era cliente do banco réu e que foi contactado por um seu funcionário para efetuar uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, tendo-lhe sido transmitido que a aplicação financeira em causa tinha capital e juros garantidos pelo banco e com rentabilidade assegurada.

Acrescentou que não lhe foi dado a conhecer o tipo de produto e as condições da aplicação financeira, nem tão-pouco recebeu qualquer nota informativa ou informação relativa à entidade emitente ou lhe foram entregues documentos comprovativos da aquisição do produto em causa.

Mais alegou, que o funcionário da ré sabia que o autor não tinha formação técnica que lhe permitisse à data conhecer o referido produto financeiro e que tinha um perfil conservador, sendo certo que o autor só aceitou efetuar a referida aplicação financeira dado lhe ter sido assegurado que se tratava de um produto garantido pelo banco e, ainda, que se tratava de um produto que podia ser reembolsado em qualquer altura, mediante a sua vontade.

Alegou, ainda, que nunca lhe foi entregue qualquer documento escrito relativo à subscrição do produto, o qual, seria sempre nulo por violação do regime das cláusulas contratuais gerais.

Asseverou que na data de vencimento da subscrição não lhe foi devolvido o capital investido apesar das suas diversas solicitações junto do banco réu, nem foi cumprido o pagamento de juros acordado, sendo certo que a referida situação causou e causa ao autor preocupação, angústia e receio de que não venha a recuperar o seu dinheiro.

2. Regularmente citado, o réu veio contestar, por exceção e por impugnação.

Invocou a exceção de prescrição pelo decurso do prazo de dois anos, e sem prescindir e por impugnação, negou os factos alegados.

3. Notificado, o autor apresentou resposta à matéria de exceção, mantendo no essencial a posição vertida na petição inicial e pugnando pela improcedência da exceção de prescrição.

4. Após ter sido julgada a questão da competência territorial, foi dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador e foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

5. Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e condenou o réu Banco BIC Português, S.A. a pagar ao autor AA a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros à taxa legal vencidos desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, bem como a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal, vencidos desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.

6. Inconformado, o /Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão mantendo a sentença proferida em 1ª Instância.

7. Novamente irresignado, o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. insurgiu-se contra o aludido acórdão, interpondo revista excecional, aduzindo as seguintes conclusões:

“1) O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja - como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º n.º 1 als. a) e b) do Código de Processo Civil.

Acresce que...

9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto - corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme.

21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a. Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b. A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c. O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d. Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

28) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

30) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

31) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

32) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

33) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

35) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

36) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

37) A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido, assim fazendo V. Exas. ... ... JUSTIÇA!”.

8. O Recorrido/Autor/AA apresentou contra-alegações, aduzindo, para o efeito, as seguintes conclusões:

“1. O recurso apresentado não é mais do que uma repetição da argumentação de direito do recorrente já sobejamente conhecida, sem qualquer enquadramento, sequer, no caso concreto.

2. Basta olhar para os factos provados para perceber a violação grosseira dos deveres de informação por parte do recorrente, e, bem assim, o preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil.

3. O recorrente alega matéria de direito sem considerar a matéria de facto dada como provada.

4. O BPN, na sua relação com o autor, intervinha, por um lado, como instituição de crédito e por outro lado, como intermediário financeiro, por conta da SLN.

5. Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF - em vigor na altura da subscrição das obrigações – impunha, nomeadamente estava obrigado a assegurar aos clientes, em todas as atividades que exercia, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para oferecer condições apropriadas de qualidade e eficiência (art.º 73º do RGICSF).

6. Estava ainda o recorrente obrigado a proceder com diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estavam confiados, em todas as relações que estabeleciam com os seus clientes (art.º 74º do RGICSF).

7. A este respeito, dispõe ainda o art.º 77.º/1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que, “As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

8. Face ao exposto, resulta, de forma inequívoca, dos normativos legais do RGICSF, a responsabilidade do Banco recorrente enquanto instituição de crédito.

9. Outrossim, estamos perante um contrato de intermediação financeira, em que o Banco recorrente intermediou a subscrição das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 por parte do autor.

10. À partida, a subscrição de obrigações obriga apenas o emitente – neste caso, a SLN – à restituição da quantia investida e juros contratados.

11. Porém, para além de desenvolver as diligências de intermediação para subscrição das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 da sociedade SLN por um seu cliente, o Banco recorrente garantiu, ele próprio, a restituição do capital e pagamento dos juros, isto é, a rentabilidade do investimento.

12. É isso que resulta claramente da factualidade provada, na medida em que o Banco recorrente fez equiparar tal investimento a um depósito bancário a prazo (em que é o Banco que se obriga a restituir o capital e a proceder ao pagamento de juros) e assegurou, ele próprio, através do seu funcionário, o pagamento do capital e dos juros.

13. Há aqui uma responsabilização própria do Banco, contratual, em que o mesmo, para além de intermediário financeiro, se obrigou também solidariamente a assegurar o pagamento das obrigações subscritas, e que, incumprida como foi tal responsabilização – pois que se provou que, atingida a maturidade das obrigações, não foi restituído o capital e não foram pagos todos os juros devidos – faz incorrer o Banco recorrente no dever de indemnizar o cliente pelos danos causados.

14. Temos assim um facto ilícito – o não cumprimento do acordado contratualmente, isto é, restituição, pelo Banco recorrente, do capital investido e totalidade dos juros estipulados -, que se presume culposo (por força do disposto no art.º 799º do Código Civil), sendo que tal presunção não foi ilidida pelo recorrente, mostrando-se o dito incumprimento gerador de danos – consistentes na privação da disponibilidade do capital e juros acordados contratualmente.

15. Assim, a responsabilidade do intermediário financeiro, no caso o Banco recorrente, decorre, desde logo, do disposto no artigo 314.º do CVM (na redação que foi oferecida pelo DL n.º 486/99, de 13-11).

16. É fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos.

17. A informação sobre o risco da operação é fator fundamental do dever de informação plasmado no artigo 312.º do CVM, pois que só com ela existirá uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

18. Atente-se, de resto, sobre a matéria, no teor do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto (disponível em www.dgsi.pt), proferido em 13/06/2018, no âmbito do processo n.º 925/17.4T8VFR-P1, que se pronunciou sobre um caso semelhante ao dos presentes autos.

19. Por sua vez, a culpa na responsabilidade contratual presume-se, nos termos do art. 799.º do CC. Esta norma, segundo Menezes Cordeiro, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. «Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa”» (cfr. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª Edição revista a atualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 431-432).

20. Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade» (cf. Menezes Cordeiro, in op. e loc. cit.).

21. Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa (cf. Menezes Cordeiro, op. e loc. cit., p. 433).

22. O art. 304.º do CVM determina que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado (n.º 1). Além disso, devem conformar a sua atividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (n.º 2).

23. Da matéria de facto provada emerge que o Banco assegurou ao cliente que o produto que ele subscreveu não continha riscos significativos, tanto mais que foi transmitida a informação que o capital seria 100% garantido pelo BPN, e, especialmente, que era como se fosse um depósito a prazo.

24. Como foi sapientemente decidido no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2016, in www.dgsi.pt., proc.º n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1: “A declaração do Banco, segundo a qual “estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco’’, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente de reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade.”

25. Neste sentido também se orientou um outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-01-2013 (proc.º n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), segundo o qual (…) “trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a A. e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do artigo 236.º n.º 1 do C.C., não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a A. traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados ativos financeiros”.

26. E continua-se, no citado Acórdão: “A confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor coletivo da segurança jurídica”.

27. Neste caso, sendo o prestador das informações um Banco, a questão da responsabilidade coloca-se com mais acuidade. O dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização especifica, que os bancos objetivamente possuem (cfr. Agostinho Cardoso Guedes, A responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil, Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, p. 138 e 139)”.

28. No caso dos autos, o Banco recorrente, na qualidade de intermediário financeiro em que também aqui operou, não podia deixar de pautar o seu comportamento contratual em nome do relacionamento de confiança existente entre si e o autor pelo princípio da boa-fé (cfr. art. 762º nº2 do C. Civil).

29. No caso em apreço, estamos perante um investidor que não tinha conhecimentos na área financeira, nem sobre as especificidades dos produtos financeiros, devendo, portanto, a informação ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio e de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes (art. 312º-A, nº 1, als. c) e d) do CVM), como será o caso do risco associado à operação, o que resulta também do art. 312º-E, nº 1 do mesmo Código, segundo o qual “O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa” e referindo-se no nº 2 aos elementos que a descrição dos riscos deve incluir.

30. Ademais, a informação deve ser prestada com a antecedência suficiente à vinculação a qualquer contrato de intermediação financeira ou, na pendência de uma relação de clientela, antes da prestação da atividade de intermediação financeira proposta ou solicitada (art. 312º-B, nº1, do CVM).

31. No caso em apreço, a responsabilidade do Banco recorrente pelo reembolso do capital investido existe, uma vez que este garantiu ao autor que se tratava de uma aplicação com garantia por si do montante do capital investido, proposta que recebeu o acolhimento do autor por se tratar de um produto comercializado pelo BPN, pelo que parece não haver dúvidas que nestas circunstâncias negociais o autor pode reclamar do Banco recorrente o reembolso do capital investido, porque aquele compromisso implicou uma assunção de responsabilidade.

32. Estamos, aqui, no domínio da responsabilidade contratual feita em nome do relacionamento anterior de clientela existente entre o autor e o Banco recorrente, e, nessa perspetiva, o banco tem de assumir contratualmente o reembolso do capital investido (cfr. art. 798 e segs. do C. Civil).

33. Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize, em primeira linha, a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, nomeadamente se no relacionamento contratual com o investidor (cliente) este assumir também o pagamento do valor nominal dos títulos financeiros adquiridos, conforme aconteceu no caso em apreço.

34. Mas ainda que assim não se entendesse, também seria o Banco recorrente aqui responsável extracontratualmente em consequência da violação de deveres, não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304º do CVM, como sejam os ditames da boa-fé, elevado padrão de diligência, lealdade e transparência, como também da violação dos mais elementares deveres de informação a que aludem os arts. 7.º/1 e 312.º/1, ambos do CVM, e art. 77º/1 do RGICSF, fazendo, assim, incorrer o Banco recorrente na responsabilidade a que alude o art. 304º-A n.º 1 do CVM, sendo certo também que o Banco recorrente não ilidiu a presunção legal de culpa do n.º 2 do citado art. 304º-A.º, constituindo-se, por essa via, também na obrigação de indemnizar os danos causados ao autor/recorrido enquanto subscritor das obrigações nos termos sobreditos.

35. Efetivamente, tendo o recorrente avançado para a venda do produto financeiro aqui em causa sem observar os deveres de informação junto do autor/recorrido - a que estava obrigado na qualidade de intermediário financeiro em que interveio -, torna-se responsável pelos prejuízos causados ao autor, nos termos do art. 314 nº 1 do CVM, sendo certo, também, que não se mostra ilidida a presunção a que alude o nº 2 do citado art. 314 – que impendia sobre o Banco recorrente.

36. Nunca foi intenção do autor/recorrido investir em produtos de risco, como era do conhecimento da gerente/funcionário do recorrente, sendo que o autor sempre esteve convencido que o Banco BPN lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.

37. Se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, em que o capital não era garantido pelo BPN e que não o poderia resgatar a qualquer altura, não o autorizaria – cfr. pontos 13, 15, 16 dos factos provados.

38. Outrossim, não há qualquer prova de que tenha sido explicada a diferença, sendo que se fosse explicado ao autor que quem efetivamente reembolsava era uma outra empresa que podia não ter o mesmo tipo de garantia que alegadamente o BPN dava; e que a ligação entre as duas empresas afinal não era tão forte, podendo suceder que a SLN não tivesse meios para o reembolso; aquele não celebrava o contrato, pois iria correr o risco de uma entidade cujos concretos e reais contornos não há prova que tenham sido fornecidos, sendo certo que só celebrou o contrato por pensar que o produto era do Banco BPN, estando o dinheiro seguro numa instituição bancária conhecida no mercado.

39. A factualidade provada aponta para uma subscrição em que o essencial não foi devidamente explicado, omitindo-se ou deturpando-se os reais riscos da mesma – sendo passada a informação de que o Banco recorrente se responsabilizava pelo pagamento das obrigações, embora, na realidade, e tendo em conta o seu comportamento posterior, não tivesse essa intenção.

40. Saliente-se, também que esta falta de informação se torna ainda mais grave quando se conclui que o autor, com quem foi acordada a subscrição, era um investidor não qualificado, sem formação técnica ou capacidade para distinguir diferentes características de diferentes produtos financeiros - cfr. pontos 5 e 5A dos factos provados.

41. Dizer-se que o produto tem capital garantido (e, mais propriamente, pelo próprio Banco BPN), quando, na verdade, não tem, não pode ser visto como artifício ou sugestão admissível, tanto mais que a obrigação de informação é essencial e resulta da lei (arts. 253.º/2 e 485.º/2 do CC).

42. E mesmo a entender-se - o que não se concebe nem concede - que não exista um especial dever de informação, legal ou convencional, a doutrina entende que se a informação é efectivamente dada, mas com inexatidão e grave negligência, e dessa inexatidão resultam prejuízos sérios para quem a solicitou e a recebeu dentro de uma relação de confiança, estando o informante ciente de tal risco, deve haver obrigação de indemnizar por violação de um ‘dever de proteção e cuidado´ (cfr. Baptista Machado, “A Cláusula do Razoável”, RLJ, n.º 120, p. 161-164).

43. Quando uma pessoa contrata a emissão de obrigações a seu favor, emprestando dinheiro a um Banco, tem de ser claramente informada a quem está a emprestar dinheiro para poder aquilatar da futura capacidade dessa beneficiária em efetuar o reembolso (ao que acresce a circunstância de estarem em causa obrigações subordinadas, a serem pagas depois dos outros credores, ainda que antes dos acionistas.

44. Em qualquer contrato de empréstimo, quem empresta tem de conhecer a quem o faz para poder decidir com segurança, podendo avaliar os riscos da restituição.

45. Não estando claro e percetível, no boletim de subscrição, qual a entidade que teria de reembolsar o autor/recorrido, compete ao Banco (através do seu funcionário) esclarecer devidamente o cliente.

46. No caso, teria o Banco recorrente de esclarecer o autor, não só que as obrigações em causa não iam ser reembolsadas pelo «seu» Banco (mas por uma outra entidade), mas também que entidade era (no caso, a SLN).

47. O autor/recorrido não foi devidamente informado sobre o beneficiário da subscrição das obrigações, da identidade do responsável pelo reembolso da quantia que emprestou, das suas características e situação económica (ainda que em termos básicos e lineares), o que seriam informações essenciais a prestar pelo Banco recorrente, através dos seus funcionários, o que, ao não suceder, fez com que o autor emprestasse dinheiro sem saber exatamente a quem e ainda quem é que lhe iria reembolsar o valor, pensando, legitimamente, que era o «BPN».

48. O que preocupa o Estado não é advertir os investidores de que mais tarde ou mais cedo haverá uma crise económica, mas sim adverti-los do risco próprio do investimento que está a ser feito com intervenção de um intermediário financeiro.

49. Buscar na crise do subprime, ou em crises análogas, uma justificação para negar a responsabilização do intermediário financeiro que viola deveres de informação e assim condiciona a tomada de decisão do cliente é dar por assente uma causalidade sem verificação do respetivo processo interno. É aceitar a fácil e cómoda desresponsabilização de um setor de atividade que se quer altamente profissional.

50. E não foi a nacionalização do Banco, pertencente ao grupo, que determinou tal incumprimento. Antes o contrário: foram os diversos “incumprimentos” do grupo que determinaram, para se salvar os interesses públicos subjacentes ao Banco, a nacionalização deste.

51. É evidente que ao autor/recorrido não foi prestada informação pertinente quanto ao que verdadeiramente estava a subscrever. Foi-lhe apresentado e criado um quadro que condicionou a declaração de vontade tal como acabou por se exteriorizar, quadro esse que essencialmente assentou na circunstância de o capital investido se encontrar garantido, tal como sucede com um depósito a prazo, e em que plenamente confiou - dada a relação que mantinha com o gerente da instituição bancária.

52. Tivesse o autor tomado conhecimento do que verdadeiramente estava em causa e não teria investido em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, que, aliás, jamais o funcionário do recorrente lhe explicou o que eram e o que representavam.

53. Assim, o Banco recorrente é responsável pelo pagamento, primeiro porque - através do seu gerente/funcionário - garantiu o reembolso do capital, pelo próprio Banco BPN, na data do vencimento da aplicação traduzida no investimento em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004; depois, porque o referido banco violou os seus deveres para com o autor/recorrido, enquanto cliente, bem como os seus deveres de intermediário financeiro, ao omitir informações e ao prestar informações não verdadeiras, determinando aquele a realizar o investimento em causa.

54. Com efeito, sendo o Banco recorrente responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art.º 800.º/1 do Código Civil), conclui-se que aquele violou, como já se disse, os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente, gerador de uma relação de confiança, quer na qualidade de intermediário financeiro.

55. Tal atuação dos funcionários do Banco recorrente constitui comportamento ilícito.

56. De todo o modo, a propósito do pressuposto da ilicitude inerente à responsabilidade contratual, a mesma também decorre do facto de o réu/recorrente ter assumido o reembolso do capital investido.

57. Assim, a ilicitude decorre da circunstância de o réu/recorrente ter violado o compromisso de garantia de restituição dos juros e do capital.

58. Acresce que o réu/recorrente não afastou a presunção de culpa que o onera (cfr. Artigos 798º e 799º do CC), devendo afirmar-se o nexo entre o facto e o dano, pelo que incorreu em responsabilidade contratual.

59. Consequentemente, apurado tal comportamento ilícito e culposo, forçosa é a conclusão de que o réu/recorrente incorreu em responsabilidade contratual.

60. No que concerne ao nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e, nomeadamente, os deveres de informação a que o Banco recorrente está obrigado pelo relacionamento de cliente existente e os danos que o autor reclama, parece não haver dúvidas quanto à conexão, porquanto uma coisa parece ser certa: se o Banco recorrente não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido e da possibilidade de resgate do capital a qualquer momento, seguramente o autor/recorrido não teria dado a sua anuência na aquisição dos identificados ativos financeiros (cfr. art. 563º do C. Civil).

61. E também o Banco recorrente, em toda esta realidade negocial, teve um comportamento culposo, nomeadamente quando, durante toda a vigência do produto, não teve uma palavra sobre as características do mesmo, sobre os riscos, não prestando ao Autor, investidor privado, qualquer tipo de informação – e, não obstante, avançou para uma aplicação de um montante na ordem dos € 50.000,00 sem a diligência devida para uma operação com essa envergadura de capital.

62. Sublinhe-se, neste particular, que o art. 304 nº 2 do CVM introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família constante do art. 487 nº 2 do CC (ex vi do art. 799 nº2 do C Civil) - cfr. Gonçalo André Castilho dos Santos in a Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o cliente, pag.208 e segs.

63. Fazendo o confronto com a factualidade que vem provada, resulta que o autor/recorrido apenas autorizou a realização da aplicação porque o gerente do Banco recorrente lhe disse que tinha uma aplicação com capital garantido e com rentabilidade assegurada, podendo aquele ser resgatado a qualquer momento, sendo certo que nunca explicou ao autor/recorrido o que eram obrigações subordinadas, e, em concreto, o que eram obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004.

64. Estamos, aqui, perante uma flagrante violação não só dos princípios orientadores da atividade de intermediação financeira, consagrados no art. 304 do CVM, como sejam os ditames da boa-fé, elevados níveis de padrão de diligência, lealdade e transparência, como também dos mais elementares deveres de informação, referenciados dos citados art. 7 nº1 e 312 nº1 do CVM, comportamento esse que foi decisivo e causal na produção dos danos, incorrendo, assim, o Banco recorrente, também por essa via, na responsabilidade a que alude o art. 314 nº1 do CVM.

65. Na responsabilidade civil por facto ilícito, o nexo causal entre o facto (no caso, a informação falsa prestada pelo recorrente sobre o sujeito da obrigação de reembolso do produto financeiro subscrito pelo autor) e o dano, ou seja, o não reembolso do capital investido, afere-se também com recurso à denominada formulação negativa da causalidade, ou seja, o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar, de todo em todo, indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto.

66. Donde se impõe concluir pelo estabelecimento de nexo de causalidade entre o facto ilícito que é imputado ao recorrente e os danos sofridos pelo recorrido.

67. Todavia, convém frisar que se trata de uma informação de cariz elevadamente objetivo: já que apenas se trata de informar o cliente se estava ou não assegurado o reembolso por parte do Banco do capital investido, informação, esta, que não estava dependente de quaisquer variantes analíticas ou evolução da conjuntura económico-financeira. Era uma informação prestada aquando da subscrição do produto, objetiva, não dependendo de qualquer condição - e que era verdadeira ou falsa.

68. Assim, a omissão ou errada prestação de tal informação foi causal da segurança do autor/recorrido em subscrever as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, fazendo que as subscrevesse e agora sofra um dano por não lhe ser reembolsado o dinheiro aplicado.

69. O comportamento do Banco recorrente foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que foi com base na informação de capital garantido pelo próprio BPN e sem risco que o autor/recorrido deu o seu acordo na aquisição de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

70. Verifica-se, por isso, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e, nomeadamente, os deveres de informação a que o recorrente está adstrito e os danos que o autor reclama (cfr. artigo 563.º do Código Civil).

71. Estão preenchidos, assim, todos os pressupostos da responsabilidade civil – ilicitude, culpa grave provada, nexo de causalidade entre facto e dano (que, diga-se, se entende que também se presume no domínio bancário – Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª edição, página 432).

72. Porque o dano sofrido pelo autor decorreu da prestação de informação falsa e a falsidade da informação é uma forma de violação do dever de prestar informações por ação, presume-se a culpa do Banco recorrente, nos termos previstos no nº 2 do artigo 304º-A do Código dos Valores Mobiliários.

73. De todo o modo, houve incumprimento, por parte do recorrente, na pessoa dos seus funcionários, de deveres inerentes à atividade de intermediação financeira, nos termos que resultavam dos arts. 7º (qualidade da informação), 8º (conteúdo das recomendações), 304º e 312º (dever de informação) do CVM.

74. Note-se, ainda, que a situação dos autos pode ser igualmente enquadrada na modalidade de responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco recorrente informou o autor que estava garantido o retorno (cfr., neste sentido, o dito Ac. do S.T.J. de 17-03-2016, disponível in www.dgsi.pt., proc. n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1).

75. Com efeito, afirma a doutrina (cfr. Agostinho Cardoso Guedes, A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485.º do Código Civil, RDES, Ano XIV, 1988, p. 138 e ss., citado no Ac. do S.T.J. de 17-03-2016): ”Sempre que alguém se dirige a um banco para com ele celebrar um contrato (um depósito bancário, um empréstimo, a compra de títulos da sociedade proprietária do banco, um desconto, um empréstimo hipotecário, depósito de títulos, etc.) e se inicie uma actividade comum dos contraentes destinada a análise e elaboração do projeto de negócio, não parece restar qualquer dúvida que qualquer dos contraentes fica imediatamente vinculado aos deveres resultantes do art.227º.”

76. E Menezes Leitão (Informação Bancária e Responsabilidade, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor. Inocêncio Galvão Telles, Volume II, Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 230) considera “(…) que mesmo nos casos em que o banco presta conselhos ou recomendações sobre negócios (consultoria em relação a decisão de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários, etc.), mesmo neste âmbito, sempre que a informação prestada tenha um cariz objetivo, se deve presumir a culpa do banco nos termos do art. 799º do CC, que, como entidade especializada na matéria, se compromete à prestação de informações exatas, cabendo a ele ilidir sempre essa presunção com a demonstração de que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.”

77. Ora, como deflui do exposto, estão preenchidos, no caso, os pressupostos da responsabilidade contratual decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente: a ilicitude, por violação do dever de informação e do compromisso de garantia do capital e de juros; a culpa, a qual se presume nos termos do art. 799.º/1 do CC, e a causalidade, ou seja, o nexo entre o facto e o dano, que a doutrina também considera estar abrangida pela presunção do art. 799.º/1 do CC (cfr. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 432).

78. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos causados ao autor/recorrido (art. 563º do CC) deve ser analisado através da demonstração que decorre claramente da matéria de facto, de que, se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor/recorrido não teria investido naquela aplicação.

79. O valor do dano é o equivalente ao capital investido (50.000,00 euros), valor que o Banco assegurou ao autor/recorrido que não estava em risco.

80. Donde não merece o acórdão recorrido qualquer censura, nem se mostram violadas as normas invocadas pelo recorrente, pelo que deve improceder o recurso por este apresentado.

Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a revista ser julgada improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos, com as legais consequências.

Assim decidindo, farão V. Exas. A habitual JUSTIÇA.”

9. Remetidos os autos à Formação, foi admitida a revista excecional.

10. Entretanto, foram os autos suspensos até ao trânsito em julgado dos autos pendentes para uniformização de jurisprudência, atinente à responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.

11. Os aludidos autos para uniformização de jurisprudência (Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.) já transitaram em julgado.

12. Foram dispensados os vistos.

13. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem?


II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados:

“1. Por incorporação, por fusão, das sociedades comerciais anónimas BPN - Banco Português de Negócios, SA (sociedade incorporante) e Banco BIC Português, SA (sociedade incorporada), o banco réu passou a adoptar a sua actual denominação social "Banco BIC Português, SA”, conforme certidão constante de fls. 13 a 46 e cujo teor se dá por integralmente reproduzida.

2. A SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA emitiu a “nota informativa” que constitui o documento de fls. 57v a 74, referente às obrigações subordinadas “SLN Rendimento Mais 2004”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e da qual consta, além do mais, o seguinte:

“1. ADVER ÊNCIA AOS INVESTIDORES

A presente oferta publica de subscrição não está sujeita ao registo prévio junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, nos termos do disposto na alínea f) do artigo 111º do Código de Valores Mobiliários. Consequentemente, a presente nota informativa não foi objecto de qualquer apreciação pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.

A presente oferta pública de subscrição não foi objecto de notação por qualquer sociedade de prestação de serviços de notação de risco (rating) registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

As condições da emissão obrigacionista objecto desta nota informativa foram aprovadas pelo Banco de Portugal, em 1 de Outubro de 2004, pelo que o presente empréstimo obrigacionista é considerado, para efeitos de cálculo dos fundos próprios da EMITENTE, como empréstimo subordinado. Assim, as condições do empréstimo obrigacionista prevêem que:

- Em caso de falência ou liquidação da EMITENTE, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da EMITENTE;

- O prazo inicial de reembolso das obrigações é de 10 anos;

- Os obrigacionistas não poderão solicitar o reembolso antecipado da emissão (inexistência de “put option”);

- O eventual reembolso antecipado da emissão por iniciativa da EMI EN E (“cal option”) terá de ser precedido do acordo prévio do Banco de Portugal. (...)

2. DESCRIÇÃO DA OFERTA

Emitente SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA.

Montante e natureza: Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, em forma escritural e ao portador, com o valor nominal de € 50.000 cada perfazendo um montante global de até € 50.000.000.

Finalidade do empréstimo: Consolidação da dívida da emitente, potenciando um melhor equilíbrio entre as maturidades do seu passivo e o seu activo.

Modalidade de subscrição: Pública e directa.

(...)

Forma de emissão: A emissão será efectuada em uma ou mais séries de acordo com as necessidades do Emitente e com a procura de aforradores. As séries serão fungíveis a partir do pagamento do primeiro cupão de juros.

(...)

Período de subscrição da primeira série: De 11 de Outubro de 2004 a 22 de Outubro de 2004.

Datas de liquidação financeira: Dia útil imediatamente seguinte ao final do período de subscrição de cada série.

Valor nominal: €50.000 por obrigação.

Preço de subscrição e modo de realização: €50.000 por obrigação. O pagamento será integralmente efectuado na data da liquidação financeira.

Representação: As obrigações serão ao portador e escriturais, registando-se a sua colocação e movimentação em contas abertas em nome dos respectivos titulares, de acordo com o estipulado na Legislação aplicável.

Pagamento de juros: Semestral e postecipadamente.

(...)

Reembolso e prazo: O prazo máximo do presente empréstimo é de 10 anos, sendo amortizado ao par, de uma só vez, em 25 de Outubro de 2014, salvo se houver reembolso antecipado, nos termos previsto no ponto “CALL OP ION” abaixo.

Reembolso antecipado: Não é permitido o reembolso antecipado de emissão por iniciativa dos obrigacionistas.

(...)

Garantias e subordinação: As receitas da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, respondem integralmente pelo serviço da dívida do presente empréstimo obrigacionista.

Em caso de falência, liquidação ou processo análogo da EMITENTE, os pagamentos dos juros e o reembolso das obrigações representativas da presente emissão ficam subordinadas ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, tendo, contudo, os detentores das obrigações, prioridade sobre os accionistas da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA.

Colocação e agente pagador: BPN - Banco Português de Negócios, S.A..

(...)”.

3. O autor era cliente do réu (anterior BPN), na sua agência do ..., com a conta à ordem nº ...01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças.

4. Em data não concretamente apurada de Outubro de 2004, o gestor da conta do autor naquela agência contactou este, propondo-lhe realizar uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido e com rentabilidade assegurada.

5. O dito funcionário do banco réu sabia que o autor não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, não sabendo o que eram obrigações ou obrigações subordinadas.

5. O autor exerce a sua actividade profissional na área da restauração, por conta própria, desde 1989, tem apenas o 4º ano de escolaridade e à data da subscrição do produto financeiro em causa tinha cerca de 10 funcionários ao serviço da sociedade por si constituída.

6. E tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.

7. O dito funcionário estava convencido, de acordo com indicações superiores que lhes foram transmitidas, que o produto “SLN Rendimento Mais 2004” constituía um produto financeiro seguro e que não oferecia risco para os subscritores.

8. Tendo assegurado ao autor que a referida aplicação era um mero sucedâneo de um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado.

9. E que poderia ser por ele resgatada a qualquer altura, tal como sucedia com os depósitos a prazo, dada a elevada procura daquele produto.

10. Na sequência, o autor veio a autorizar, de forma não concretamente apurada, a aplicação da quantia de € 50.000,00 em obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

11. Sem que, contudo, soubesse em concreto o que era, não lhe tendo sido prestadas quaisquer informações adicionais orais ou escritas sobre tal aplicação, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.

12. Nomeadamente, não lhe foi dada explicada, lida ou fornecida a nota informativa aludida em 2.

13. O que motivou a autorização para tal operação, por parte do autor, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gestor de conta que o capital era garantido, com pagamento de juros semestrais e podia ser resgatado a qualquer altura.

14. O autor actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

15. Se lhe tivesse sido explicado e o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2004, que o capital não era garantido pelo BPN e que não o podia resgatar a qualquer altura, não o autorizaria, ou seja, não teria subscrito obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

16. Nunca foi intenção do autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários do réu e actuou convencido que o réu lhe restituiria o capital quando o solicitasse.

17. O funcionário do banco réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.

18. Daí a convicção plena com que o autor ficou da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que transmitiu segurança ao autor e nunca o alertou para qualquer irregularidade, face ao que lhe tinha sido dito pelo referido gestor de conta da agência do ....

19. E que manteve até ao momento em que tentou resgatar o seu dinheiro, por volta do ano de 2009.

20. Tendo só aí sido informado que a responsabilidade por tal pagamento era a SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA (entretanto, Galilei, SGPS, SA).

21. Em Janeiro de 2005, o autor utilizou as obrigações em causa como garantia de um financiamento junto do banco réu, por sugestão do gestor de conta.

22. Porém, nem nessa altura, nem antes ou depois, os funcionários do banco réu lhe explicaram em que se traduzia adquirir obrigações subordinadas e quais as suas implicações, nem lhe entregaram qualquer documento que contivesse quaisquer clausulado sobre as obrigações subordinadas em causa.

23. Na data de vencimento das obrigações, o banco réu não restituiu o montante que o autor lhe confiou.

24. Continuando o autor a ser titular de 50.000,00 obrigações “SLN Rendimento Mais 2004”, depositadas na sua conta de títulos nº ...67, aberta no banco réu, conforme documento de fls. 9 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

25. A situação descrita provocou e provoca ao autor ansiedade, tristeza e preocupação, por recear ser desapossado do montante aplicado no produto em causa.

26. Entre Abril de 2005 e Abril de 2015 foram depositados pelo banco réu na conta bancária do autor os juros remuneratórios relativos à aludida aplicação, no valor total de € 14.641,04, tendo o autor recebido de forma periódica os respectivos extractos bancários com a indicação do pagamento de tal remuneração.”

Factos Não Provados

“- que o funcionário do banco réu assegurou que o capital seria reembolsado pelo banco réu;

- que a nota informativa aludida no ponto 2. do elenco dos factos provados estava disponível para consulta do autor;

- o autor conhece, pelo menos, desde o mês seguinte ao da operação em causa as características do produto que subscreveu, tendo recebido um aviso de débito correspondente à subscrição efectuada;

- o produto foi apresentado ao autor com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente.”


II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem? (1)

Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo, perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância que, aliás, não mereceu censura, mantendo-se inalterada), concluiu, no segmento decisório, pela confirmação da decisão proferida em 1ª Instância que condenou o Banco BIC, a pagar ao autor, AA a quantia de €50.000,00, acrescida dos juros à taxa legal vencidos desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, bem como a quantia de €1.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros à taxa legal, vencidos desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento.

O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo.

Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., o Tribunal recorrido proferiu aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo posto em crise com a interposição da presente revista.

Elaborando o enquadramento jurídico que a facticidade demonstrada exige, diremos que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de atividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, são atividades de intermediação financeira: a) Os serviços de investimento em valores mobiliários; b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento; c) A gestão de instituições de investimento coletivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições, sublinhando, outrossim, que os serviços de investimento compreendem: a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.

O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

Subsumida a facticidade adquirida processualmente, não temos dificuldade em reconhecer, aliás, pacificamente aceite pelas partes, a celebração entre o Autor/AA e o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. (que além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações da SLN, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas), de um negócio jurídico, qualificado como contrato de intermediação financeira.

Sendo, pois, incontroversa, a qualificação jurídica do ajuizado negócio outorgado entre as partes, impõe-se saber e decidir, se o Banco/Réu violou, quanto ao Autor, deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição do produto financeiro articulado, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu é responsável pela pretensão jurídica arrogada nestes autos.

Neste particular, sublinhamos, desde já, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.

Colhemos do Código dos Valores Mobiliários que os intermediários financeiros, enquanto entidades que exercem, a título profissional, atividades de intermediação financeira, estão sujeitos a múltiplos deveres de informação, sejam deveres comuns ou específicos do serviço de investimento/auxiliar que em cada caso concreto esteja em causa.

Enunciamos, de seguida, os preceitos legais que importam aos princípios que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respetiva atividade; os deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo; os preceitos legais atinentes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

O art.º 304º do Código dos Valores Mobiliários estabelece os princípios que devem orientar a atividade dos intermediários financeiros:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.”

O art.º 312º do Código dos Valores Mobiliários, estatui, acerca dos princípios gerais do intermediário financeiro, concretamente os deveres de informação:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

Ainda quanto ao dever de informação, o art.º 7º do Código dos Valores Mobiliários, preceitua no seu n.º 1:

“1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.”

De igual modo, refira-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários, relaciona os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes, deve pôr à disposição destes os valores mobiliários pelo mesmo preço por que os adquiriu.”

Ademais, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º, a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das atividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respetiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso, proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Merecendo, a este propósito ser sublinhado o art.º 77.º, n.º 1, do consignado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que estatui:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

Dos enunciados normativos importa reter que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objetiva, completa, verdadeira, actual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

Doutrina e Jurisprudência reconhecem, pacificamente, resultar dos enunciados preceitos legais, impor-se ao intermediário financeiro, para além do dever de informação, clara e relevante para a opção que pretende tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do investidor, cliente, sendo certo que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta, ao cabo e ao resto, no dever de agir de boa-fé, neste sentido, Agostinho Cardoso Guedes, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, Gonçalo Castilho dos Santos, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018.

Conforme decorre da lei, o dever de informação exigido ao intermediário financeiro inclui um dever de recolha de informação (sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento), um dever de avaliação da adequação do investimento proposto ao cliente.


No que tange à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, estabelece o art.º 314º do Código dos Valores Mobiliários:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Necessariamente esta responsabilidade pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a demonstração do facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Para o caso trazido a Juízo releva especialmente o facto de ter sido uniformizada jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que, a respeito do pressuposto da ilicitude, consignou a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”

Outrossim, a propósito do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao exigido nexo de causalidade entre o facto e o dano, decorre do enunciado acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que a demonstração desse nexo de causalidade constitui ónus do investidor, ainda que não qualificado, como resulta do ponto 1 do sumário do consignado AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respetiva resposta uniformizador, cujo teor adiante se declara:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” 

Daqui se colhe a firme orientação segundo a qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, ficando clarificado, não poder aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude.

Elaborada a caracterização e enquadramento jurídico, relembremos a decisão da matéria de facto relevante para daí podermos conhecer da alegada violação dos deveres de informação, por parte Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, impondo-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostas ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação.

Relembremos os factos adquiridos processualmente.

“3. O autor era cliente do réu (anterior BPN), na sua agência do ..., com a conta à ordem nº ...01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças.

4. Em data não concretamente apurada de Outubro de 2004, o gestor da conta do autor naquela agência contactou este, propondo-lhe realizar uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido e com rentabilidade assegurada.

5. O dito funcionário do banco réu sabia que o autor não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, não sabendo o que eram obrigações ou obrigações subordinadas.

5. O autor exerce a sua actividade profissional na área da restauração, por conta própria, desde 1989, tem apenas o 4º ano de escolaridade e à data da subscrição do produto financeiro em causa tinha cerca de 10 funcionários ao serviço da sociedade por si constituída.

6. E tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.

7. O dito funcionário estava convencido, de acordo com indicações superiores que lhes foram transmitidas, que o produto “SLN Rendimento Mais 2004” constituía um produto financeiro seguro e que não oferecia risco para os subscritores.

8. Tendo assegurado ao autor que a referida aplicação era um mero sucedâneo de um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado.

9. E que poderia ser por ele resgatada a qualquer altura, tal como sucedia com os depósitos a prazo, dada a elevada procura daquele produto.

10. Na sequência, o autor veio a autorizar, de forma não concretamente apurada, a aplicação da quantia de € 50.000,00 em obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

11. Sem que, contudo, soubesse em concreto o que era, não lhe tendo sido prestadas quaisquer informações adicionais orais ou escritas sobre tal aplicação, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.

12. Nomeadamente, não lhe foi dada explicada, lida ou fornecida a nota informativa aludida em 2.

13. O que motivou a autorização para tal operação, por parte do autor, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gestor de conta que o capital era garantido, com pagamento de juros semestrais e podia ser resgatado a qualquer altura.

14. O autor actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

15. Se lhe tivesse sido explicado e o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2004, que o capital não era garantido pelo BPN e que não o podia resgatar a qualquer altura, não o autorizaria, ou seja, não teria subscrito obrigações SLN Rendimento Mais 2004.

16. Nunca foi intenção do autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários do réu e actuou convencido que o réu lhe restituiria o capital quando o solicitasse.

17. O funcionário do banco réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.

18. Daí a convicção plena com que o autor ficou da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que transmitiu segurança ao autor e nunca o alertou para qualquer irregularidade, face ao que lhe tinha sido dito pelo referido gestor de conta da agência do ....

19. E que manteve até ao momento em que tentou resgatar o seu dinheiro, por volta do ano de 2009.

20. Tendo só aí sido informado que a responsabilidade por tal pagamento era a SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA (entretanto, Galilei, SGPS, SA).

21. Em Janeiro de 2005, o autor utilizou as obrigações em causa como garantia de um financiamento junto do banco réu, por sugestão do gestor de conta.

22. Porém, nem nessa altura, nem antes ou depois, os funcionários do banco réu lhe explicaram em que se traduzia adquirir obrigações subordinadas e quais as suas implicações, nem lhe entregaram qualquer documento que contivesse quaisquer clausulado sobre as obrigações subordinadas em causa.

23. Na data de vencimento das obrigações, o banco réu não restituiu o montante que o autor lhe confiou.

24. Continuando o autor a ser titular de 50.000,00 obrigações “SLN Rendimento Mais 2004”, depositadas na sua conta de títulos nº ...67, aberta no banco réu, conforme documento de fls. 9 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

25. A situação descrita provocou e provoca ao autor ansiedade, tristeza e preocupação, por recear ser desapossado do montante aplicado no produto em causa.”

Daqui resulta ser o Autor, titular de uma obrigação subordinada, na qual foram aplicadas as suas poupanças e sem estar devidamente esclarecido acerca das suas características, as quais não eram adequadas ao seu perfil de investidor, avesso ao risco, sendo o Autor, pessoa habituada a aplicar o seu dinheiro apenas em depósitos a prazo, o que era do conhecimento dos funcionários da agência do BPN, com os quais o Autor lidava e em quem confiava, sendo que se ao Autor tivesse sido dadas completas informações sobre as características do produto financeiro que lhes foi proposto, lhe tivessem mostrado e explicado integralmente o conteúdo da nota informativa respeitante a esse produto, o Autor não o teria adquirido.

Está, pois, adquirido processualmente que o Autor não possuía conhecimentos sobre os diversos tipos de produtos financeiros, concretamente, as obrigações subordinadas, e não sabia avaliar, por isso, os riscos da aplicação neste produto financeiro, sendo certo que ficou convencido de que o seu dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto do Banco, garantido e assegurado pelo Banco/Réu, um produto proposto sem risco e com reembolso garantido.

Esta declaração, para com o Autor, deverá ser compreendida à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais - art.º 236º do Código Civil - .

A declaração só pode significar que o Banco/Réu assumiu um compromisso perante o Autor, seu cliente, o do reembolso do capital investido no consignado produto financeiro. É isto que decorre das regras da normalidade do acontecer e da relação de confiança com uma instituição bancária que não pode deixar de ser ponderada no interesse do próprio sistema financeiro.

O Banco/Réu incumpriu o compromisso assumido de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do Autor, enquanto investidor e cliente, de tal sorte que o Banco/Réu, ao deixar de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, que lhe eram impostos, enquanto intermediário financeiro, tudo isto, no interesse legítimo do seu cliente, aqui Autor, não cuidou de proceder com boa-fé.

Assim, reconhecemos verificada a ilicitude da conduta do Banco/Réu, na violação do dever de informação e do compromisso assumido de garantia do capital investido, sendo este não cumprimento, sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual, impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, sendo que a culpa do devedor, aqui Banco/Réu, é reconhecidamente grave, até pelo especial dever de diligência que impendia sobre o Banco/Réu, grosseiramente desconsiderado.

Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil contratual, concretamente, o facto ilícito, traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira; a culpa, que se presume nos termos do direito substantivo civil, e o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, importa apreciar do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, saber se o Autor, acaso tivesse sido informado das verdadeiras características do produto que adquiriu, a troco da entrega de dinheiro a que procedeu, se não o teria efetuado.

Como sabemos, a nossa lei substantiva civil ao tratar do pressuposto do nexo de causalidade, no âmbito da responsabilidade civil, estabelece a teoria da causalidade adequada, o mesmo é dizer que é necessário que, em concreto, a ação ou omissão tenha sido condição do dano; e que, em abstrato, dele seja causa adequada, perfilhando, assim, o nosso ordenamento jurídico, a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”.

Outrossim, como já adiantamos, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o Banco/Réu é responsável pelo dano sofrido pelo Autor, necessário se torna que este demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao Autor, ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto, ou seja, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o Autor não teria investido naquela aplicação financeira, isto é, impõe-se que da facticidade demonstrada se possa concluir que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever o produto financeiro, se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corria o risco de perder o dinheiro investido.

Com vista a este particular pressuposto da responsabilidade civil, e rememorando a matéria de facto adquirida processualmente, concluímos que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever aquele produto financeiro (compra da obrigação subordinada) se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corria o risco de perder o seu dinheiro, importando, assim, retirar dos factos demonstrados, o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, enquanto pressuposto da responsabilidade civil contratual, tão evidente se torna ao cotejar os factos concretos que permitem estabelecer o nexo entre o incumprimento dos deveres de informação e os prejuízos alegados pelo Autor.

Em face da facticidade demonstrada, a subsumir juridicamente, nos termos consignados, não reconhecemos à argumentação aduzida pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., virtualidade bastante no sentido de alterar a decisão recorrida, merecendo esta a aprovação deste Tribunal ad quem.


III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, negando-se a revista, mantendo-se, consequentemente, o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 10 de novembro de 2022

                                                         

Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes