Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1110/07.9TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALEMENTE A REVISTA PRINCIPAL NEGADA REVISTA SUBORDINADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CAUSAS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ALÉM DO CUMPRIMENTO / COMPENSAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / PROCEDIMENTOS CAUTELARES ESPECIFICADOS / SENTENÇA (NULIDADES) / RECURSOS.
Doutrina:
- Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil", Anotado, volume 1.º, p.501, 4ª edição.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 496.º, N.ºS 1 E 3, 562.º, 564.º, 566.º, 847.º, N.º3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 405.º, N.º2, 668.º, N.º 1, AL. C), 716.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 4-5-1995, COL. JUR. 1995, II, 26.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 6-7-2000, COL. JUR. 2000, II, 144;
-DE 31-3-2004, PROC. 04B497, 10-3-2005, 15-3-2005, 9-6-2005, 14-6-2005, 19-12-2006 E DE 72-2-2008, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 4-10-2005, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 4-12-2007, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 17-1-2008 E DE 29-1-2008, AMBOS IN WWW.DJSI.PT;
-DE 7-2-2008, COL. JUR. 2008, TOMO I, PÁGS. 91 E SEGS.;
-DE 27-10-2009, DE 19-5-2009 E DE 4-10-2007, TODOS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Face ao estatuído no art. 405.º, n.º 2, do CPC, no caso de arbitramento de reparação provisória (nos termos dos arts. 403.º e segs. daquele código), a decisão final da acção de indemnização deve condenar o lesado a restituir, a quem o reparou provisoriamente, a importância que recebeu a mais.

II - Se uma das parcelas da condenação da seguradora/ré se mantém ilíquida, a devolução do art. 405.º, n.º 2, do CPC, apenas se materializará quando essa parcela se tornar líquida e caso se revele que a indemnização global definitiva é inferior à estabelecida provisoriamente; significa isto que a restituição (a existir) só será possível após a liquidação da parcela ilíquida.

III - O dano biológico é um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, afectando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa, sexual, social e sentimental. É um dano que determina perda das faculdades físicas e até intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a idade do ofendido. Em termos profissionais conduz este dano o lesado uma posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho, exigindo-lhe um maior esforço para o desenvolvimento da sua laboração.

IV - O dano biológico é indemnizável per si, independentemente de se verificarem, ou não, as consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado.

V - A indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja culpa ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como, por exemplo, o valor actual da moeda.

VI - Neste âmbito o valor da indemnização deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, tendo por finalidade proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva.
Decisão Texto Integral:

                                              

                                               Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

                       

                        I- Relatório:

                        1-1- AA, propôs a presente acção com processo ordinário contra Companhia de Seguros - BB, SA pedindo que a R. seja condenada, a reembolsa-la de todas as perdas patrimoniais decorrentes do presente sinistro, a custear todos os tratamentos necessários para a sua recuperação total, ou parcial, nomeadamente a cirurgia à coluna a que terá de se submeter, a pagar-lhe a quantia de 250 000,00 euros pelos danos não patrimoniais já sofridos e a pagar-lhe todos os danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados e só passíveis de liquidação em execução de sentença, tudo acrescido dos juros legais devidos desde a data da citação e até integral pagamento.                                              

                        Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que no dia 23 de Fevereiro de 2006 foi vítima de um acidente de viação e de trabalho, tendo a R. assumido a responsabilidade pelos danos dele decorrentes e tendo sido satisfeito o valor dos seus vencimentos até Setembro de 2006, mês em que o médico da seguradora do acidente de trabalho lhe deu alta. Ficou com uma incapacidade permanente total para o trabalho, uma vez que é enfermeira e sofreu lesões na coluna cervical que lhe inutilizam o membro superior esquerdo, tendo necessidade de ser submetida a uma operação cirúrgica à coluna, o que não resolverá completamente o problema, pois ficará sempre a sentir dor. Por via desta incapacidade para o trabalho, deixou de ter o rendimento de que dependia para suportar as suas despesas e as do seu agregado familiar, vendo-se obrigada a recorrer a um crédito pessoal pelo qual paga a mensalidade de 93,11 euros e a contratar uma empregada doméstica, tendo-se visto numa situação de grande insuficiência económica até ser arbitrada, em providência cautelar, a reparação provisória de 2.000,00 euros mensais, pelo que tem prejuízos patrimoniais de 160,49 euros em despesas com o crédito pessoal, os salários mensais de 4.000,00 euros que deixou de auferir, descontados os montantes que já lhe foram pagos, despesas com consultas, tratamentos e medicamentos a liquidar em execução de sentença e terá ainda de despender quantia, também a apurar em execução de sentença, com a operação à coluna, a que acrescem diversos danos não patrimoniais que avalia em 250 000,00 euros.

                         

                        A R. contestou alegando, em resumo, que mantém a sua posição de assumir a responsabilidade pelos danos sofridos pela A., apesar de a petição inicial ser completamente omissa quanto aos factos danosos e respectiva imputação de responsabilidade. Impugna, por desconhecimento, os danos invocados na petição inicial, acrescentando que o perito do tribunal de trabalho atribuiu à A. uma IPP de 6% e que o valor pedido a título de danos não patrimoniais é excessivo.

                       

                        O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

                        Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente condenando-se a R. a pagar à A. a quantia de 61.775,50 €, a importância necessária ao pagamento das despesas com a frequência, pela A., da consulta da dor e das consultas do foro psiquiátrico em que a mesma é seguida em consequência do acidente dos autos, a liquidar em execução de sentença, acrescidos dos juros de mora devidos sobre os montantes aludidos computados desde a data da sentença e até integral pagamento à taxa anual de 4% ao ano. Mais se condenou a A. a restituir à R. o diferencial entre o montante por esta pago àquela no âmbito do procedimento cautelar apenso a estes autos e o montante global liquidado da indemnização ora fixada em favor da primeira.

                         

                        1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram a A. e a R., esta subordinadamente, de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 7-3-2013, julgado parcialmente as apelações da A. e da R. e proferido a seguinte decisão:

                        “a) fixar em 100 000,00 euros (cem mil euros) a indemnização a pagar pela ré a título de perda de capacidade de trabalho;

                        b) condenar a ré a pagar à autora a quantia necessária ao pagamento das despesas da autora com futuras consultas da dor e futuras consultas de psiquiatria necessárias devido às lesões dos autos, bem como ao pagamento das despesas da autora com os tratamentos e medicamentos que aí sejam prescritos;

                         c) manter o restante decidido na sentença recorrida e condenar a autora a restituir à ré a diferença entre o valor pago por esta no âmbito da providência cautelar de arbitramento de indemnização provisória e o valor da indemnização já liquidada em ambas as instâncias”.                

                       

                        1-3- Irresignadas com este acórdão, dele recorreram a A. e a R., esta subordinadamente, para este Supremo Tribunal, recursos que foram admitidos como revistas e com efeito devolutivo.

                       

                        A recorrente principal alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                        1ª- Dispõe a sentença do Tribunal a quo: "Dado que os montantes pagos até ao momento pela Ré se cifrarão nesta altura em € 126.000,00, a Autora deve a Autora ser condenada a restituir o diferencial (nº 2 do artigo 405º do Código de Processo Civil). Porém dado que uma parcela de condenação se mantém ilíquida, a efectivação de tal restituição apenas se revelará possível aquando da liquidação".

                        2ª- Decidindo nos seguintes termos: "Ainda pelo exposto condeno a Autora AA a restituir à Ré "BB - Companhia de Seguros S.A" o diferencial entre o montante por esta pago àquela no âmbito do procedimento cautelar apenso a estes autos e o montante global liquidado da indemnização ora fixada em favor da primeira"

                        3ª- Ora, dispõe a disposição legal invocada pelo Tribunal a quo na fundamentação da decisão de restituição a onerar a aqui Recorrente: "A decisão final, proferida na acção de indemnização, quando não arbitrar qualquer reparação, ou atribuir reparação inferior à provisoriamente estabelecida, condenará sempre o lesado a restituir o que for devido"

                        4ª- Interposto recurso de Apelação, pela aqui Recorrente, para o Tribunal da Relação de Lisboa, veio este último, por meio do Acórdão em crise, reiterar o entendimento sufragado na sentença do Tribunal a quo, mantendo inalterada a sentença deste último.

                        5ª- Entende a Recorrente que a "reparação atribuída" não se encontra liquidada à data da sentença do Tribunal a quo, uma vez que, parte da mesma ainda não se mostra líquida, conforme decidido na aludida sentença.

                        6ª- Assim, os termos da decisão proferida pelo Tribunal a quo, não permitem a subsunção à estatuição do artigo 405° nº 2 do CPC, uma vez que não se vislumbra i) da ausência de arbitramento de reparação; ii) da atribuição de reparação inferior à provisoriamente estabelecida;

                        7ª- Concluindo-se pela impossibilidade de preenchimento dos requisitos integrantes da estatuição do artigo 405° nº 2 do CPC, não se poderá ver aplicada a sua previsão, ie. a condenação da Recorrente à restituição da quantia devida à Recorrida.

                        8ª- Não obstante a ausência de razoabilidade legal da decisão, em clara violação ao estabelecido nos artigos 405º nº 2 e 661° nº 2, todos do CPC, padece a mesma de manifesta contradição com os seus fundamentos, nos termos e ao abrigo do artigo 668° nº 1 d) do CPC….

                        9ª- Devendo ser declarada nula, por não escrita, com as legais consequências.

                        10ª- Aguardando os autos a decisão a proferir na liquidação, com vista a indagar da existência do direito à restituição e respectiva quantificação.

                        11ª- Mal andando o Tribunal da Relação de Lisboa, por meio do acórdão em análise, ao manter na integra o entendimento sufragado na sentença do Tribunal a quo, à revelia dos artigos 405° nº 2, 661° nº 2, 668° nº 1 d), todos do CPC, padecendo de manifesto erro de julgamento.

                        12ª- No que concerne ao cálculo da indemnização arbitrada a título de diminuição da capacidade de ganho, analisando o cálculo da indemnização em consideração às variáveis consideradas pelo Tribunal a quo, não obstante, a análise do valor encontrado, com recurso exclusivo a critérios matemáticos, em apelo a juízos de equidade, entende a aqui Recorrente que o juízo de equidade deveria ter sido efectuado no apuramento do montante indemnizatório a atribuir, e não a final, como efectuado na sentença do Tribunal a quo e reiterado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

                        13ª- Pois que, na esteira da jurisprudência relevante, perfilha a Recorrente o entendimento que sufraga a falibilidade das fórmulas matemáticas no apuramento do montante indemnizatório a título de danos futuros.

                        14ª- De todo o modo, certo é que, com todo o respeito e consideração, a análise do montante apurado, com recurso à figura da equidade, nos termos em que é efectuado, pelo Tribunal a quo e Tribunal da Relação de Lisboa, é meramente formal, tudo se passando, na ausência de qualquer juízo de equidade.

                        15ª- Analisando a fórmula concretamente aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa entende a Recorrente que o valor apurado não se encontra correcto.

                        16ª- Tal conclusão encontra fundamento, não apenas no recurso exclusivo a fórmulas matemáticas, como igualmente na divergência de valores encontrados, quando comparada factualidade semelhante nas decisões jurisprudenciais

                        17ª- Assim, recorrendo à fórmula corrigido, contida no acórdão nº 370/04.lTBVGS.Cl, de 2.3.2010, do Tribunal da Relação de Coimbra, temos uma indemnização apurada de 209.676.9€.

                        18ª- Termos em que, mal andou a Tribunal da Relação de Lisboa ao decidir como decidiu, em clara violação do disposto no artigo 562° do CC …

                        19ª- Uma vez que a indemnização atribuída, com fundamento no método de cálculo utilizado, não permite a cabal reconstituição da situação anterior, na esfera jurídica da Recorrente.

                        20ª- No que concerne à indemnização arbitrada a título de danos morais, entende a Recorrente que o montante indemnizatório se figura manifestamente irrisório.

                        21ª- De facto, é expressamente erigido a critério de fundamentação, na sentença em crise, os valores atribuídos na jurisprudência, a título do dano ora em apreço, respectivamente, e conforme citado, nos seguintes acórdãos: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº 1002/07.lTBSTS.P 1.S 1 de 9 de Fevereiro de 2012, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº 31/05.4 TAALQ.L2.S 1 de 23 de Fevereiro de 2012 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo nº 127/09.3 TCFUN.Ll-2 de 23 de Fevereiro de 2012.

                        22ª- Da análise dos dois primeiros dos acórdãos citados, a quantia atribuída a título de indemnização por dano morais, para casos alegadamente semelhantes ao discutido nos autos, diverge daquela que fora atribuída pelo Tribunal a quo e reiterada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, respectivamente de 50.000,00€ (cinquenta mil euros) e 30.000,00€ (trinta mil euros).

                        23ª- Apenas nos últimos dos acórdãos citados é atribuída à Recorrente uma indemnização de 20.000,00 € (vinte mil euros), todavia, as variáveis presentes nos presentes autos e consideradas naqueles outros impõem uma diferenciação na indemnização atribuída.

                        24ª- De facto, nos presentes autos apurou-se uma IPG de 27 pontos (equivalente a 27%), enquanto nos autos anteriores a IPG é de 14,5%.

                        25ª- Face a todo o exposto, mal andou a sentença em crise ao arbitrar o quantitativo ora em análise à aqui Recorrente, violando o disposto no artigo 496° do CC.

                        26ª- Devendo, ao invés, ser atribuída à Recorrente a indemnização de 40.000,00€ (quarenta mil euros).

           

                               A recorrente subordinada também alegou, tendo retirado as seguintes conclusões:

                        1ª- O dano patrimonial futuro, na vertente de lucro cessante, deve ser aferido com a segurança possível, atendendo ao que aconteceria segundo “o normal decurso das coisas” no caso concreto, recorrendo-se à temperança e à equidade quando não possa ser avaliado o seu exato valor, nos termos do disposto nos arts. arts. 564.º e 566.º do Código Civil.

                        2ª- O que é necessário é tentar analisar globalmente a situação do lesado e proceder a uma prognose realista de forma a verificar o que este efetivamente perdeu, sob pena da indemnização vir transformar-se numa injustificada fonte de rendimento a que o lesado nunca teria acesso se não fosse o facto ilícito, em clara violação do disposto no art. 562º do Código Civil.

                        3ª- No caso dos autos, deve ponderar-se o número previsível de anos de vida ativa da Autora (cerca de 25 anos, visto que, à data contava já com 40 anos de idade), o seu rendimento anual ilíquido (que se cifrava em € 41.417,69), o grau de incapacidade permanente de 27 pontos e o valor já recebido por conta do seguro de acidentes de trabalho.

                        4ª- Considerando os factos dados como provados, e os critérios que devem presidir ao cálculo deste tipo de danos, entende a R. que a quantia arbitrada é algo excessiva, sendo mais adequada às circunstâncias específicas do caso concreto a quantia arbitrada em 1ª Instância.

                        A recorrida Seguradora contra-alegou, pronunciando-se pela improcedência do recurso da A..

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

                        2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil, na redacção anterior às alterações introduzidas no regime de recursos pelo Dec-Lei 303/2007 de 24/8).                                       Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:

                         Quanto ao recurso principal:

                        - Incorrecta aplicação do disposto no artigo 405° nº 2 do CPC, pelo que não se poderá condenar a recorrente na restituição da quantia devida à recorrida.

                        - Nulidade do acórdão por manifesta contradição da decisão com os seus fundamentos (art. 668° nº 1 d) do CPC).

                        - Cálculo da indemnização arbitrada à A. a título de diminuição da capacidade de ganho.

                        - Valor da indemnização arbitrada à A. a título de danos não patrimoniais.

                         Quanto ao recurso subordinado:                 

                        - Valor do dano patrimonial futuro atribuído à A.

                       

                        2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

                        1- A autora nasceu em 14 de Julho de 1965 (facto alegado no artigo 37° da petição inicial, comprovado pela referência ao respectivo bilhete de identidade feita no relatório de perícia de fls. 429 e ss. e considerado nos termos do n° 3 do artigo 659° do Código de Processo Civil).

                        2- A autora é enfermeira (alínea h) dos factos assentes).

                        3- Na data do acidente referido em 3., a autora auferia uma retribuição anual ilíquida de € 41.417,69 (com € 7.951,16 de retenção na fonte) - (resposta ao quesito 11°).

                        4- No dia 23 de Fevereiro de 2006 a autora foi vítima de um acidente de viação ocorrido na Avenida ..., em Lisboa (alínea a) dos factos assentes).

                        5- Em consequência do acidente de viação referido em 4. a autora sofreu um traumatismo da coluna cervical (resposta ao quesito 2°).

                        6- Em consequência do acidente de viação referido em 4. a autora ficou a padecer de uma incapacidade temporária para o trabalho durante 189 dias (resposta ao quesito 1°).

                        7- Em consequência das lesões provocadas pelo acidente de viação referido em 4. a autora ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral fixável em 27 pontos (resposta ao quesito 40°).

                        8- A incapacidade referida em 7. permite que autora continue a exercer a sua actividade profissional de enfermeira, implicando, contudo, esforços acrescidos para o desempenho dessa actividade (resposta ao quesito 41°).

                        9- Em consequência das lesões que sofreu na sequência do acidente de viação referido em 4. a autora não poderá executar com precisão todas as tarefas inerentes à sua profissão de enfermeira nem poderá segurar ou tratar determinados doentes (respostas aos quesitos 9° e 10°).

                        10- Antes do acidente referido em 4., a autora sofria de lesões vértebro-discais prévias, sobretudo a nível C6 e C7, que se agravaram com o acidente (respostas aos quesitos 42° e 43°).

                        11- Em consequência das lesões provocadas pelo acidente de viação referido em 4. a autora viu dificultada a progressão na sua carreira (resposta ao quesito 20°).

                        12- Em consequência das lesões que sofreu na sequência do acidente de viação referido em 4. a autora sente dores fortes e permanentes e sentirá permanentemente dores físicas até ao termo da sua vida se as causas não forem resolvidas (respostas aos quesitos 6º e 7º).

                        13- Em consequência das lesões que sofreu na sequência do acidente de viação referido em 4. a autora deixou, em grande parte, de poder desempenhar as mais elementares funções domésticas (resposta ao quesito 17°).

                        14- Em consequência das lesões provocadas pelo acidente de viação referido em 4. a autora tornou-se uma pessoa mais triste e isolada (resposta ao quesito 21°).

                        15- E sofre de uma ansiedade constante que a transformou numa pessoa muito insistente na resolução dos seus problemas grandes ou pequenos o que dificulta o seu relacionamento com terceiros (respostas aos quesitos 22° e 23°).

                        16- E levou a que tenha hoje que ser seguida em consultas do foro psiquiátrico (resposta ao quesito 24°).

                        17- Em consequência das lesões provocadas pelo acidente de viação referido em 4. a autora terá que ser seguida na consulta da dor (resposta ao quesito 25°).

                        18- Como consequência das fortes dores físicas de que padece em consequência do acidente referido em 4. a autora tem dificuldade em adormecer, sendo raras as vezes que não acorda a meio da noite (respostas aos quesitos 26° e 27°).

                        19- A autora sente-se deprimida com as dores persistentes (resposta ao quesito 28°).

                        20- Em consequência das lesões provocadas pelo acidente de viação referido em 4. a autora deixou de poder conduzir (resposta ao quesito 30°).

                        21- Em consequência do referido em 20. a autora deixou de levar o seu filho e os sobrinhos ao colégio que frequentam, o que sempre fez até à data do acidente de viação referido em 4. (respostas aos quesitos 31° e 32°).

                        22- O sinistro referido em 4. foi um acidente simultaneamente de viação e de trabalho (alínea e) dos factos assentes).

                        23- Após a ocorrência do sinistro referido em 4., a situação clínica da autora também foi acompanhada pelos serviços clínicos da companhia de seguros CC, na sequência de um contrato de seguro de trabalho que havia sido celebrado entre ambas (alínea f) dos factos assentes).

                        24- Por carta datada de 29 de Março de 2006 dirigida à autora, que a recebeu, a ré declarou que "(…) decorrida a instrução do processo de sinistro acima mencionado (acidente ocorrido em 23/02/2006) e de acordo com todos os elementos e documentos disponíveis, informamos V. Exa. de que assumimos a responsabilidade (...)" (alínea b) dos factos assentes).

                        25- A ré pagou à autora os seguintes montantes a título de diferenças de vencimento:

Euros: 4.083,35 referente ao período de 24 de Fevereiro a 31 de Março de 2006;

Euros: 3.500,00 referente ao mês de Abril de 2006;

Euros: 3.500,00 referente ao mês de Maio de 2006;

Euros: 7.000,00 referente aos meses de Junho e Julho de 2006;

Euros: 7.000,00 referente aos meses de Agosto e Setembro de 2006 (alínea c) dos factos assentes).

                        26- No dia 12 de Setembro de 2006 o médico da companhia de seguros CC concedeu alta à autora (alínea g) dos factos assentes).

                        27- No âmbito do contrato de seguro referido em 26., a companhia de seguros "CC" pagou à autora a quantia total de € 2.962,52 desde 24 de Fevereiro a 20 de Setembro de 2006, a título de indemnização por ITA (resposta ao quesito 47°).

                        28- Na sequência da decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar que correu por apenso, a ré tem pago à autora a quantia mensal de Euros: 2.000,00 desde o mês de Dezembro de 2006 (alínea d) dos factos assentes).

                        29- O agregado familiar da autora é apenas constituído pela autora, um filho e dois sobrinhos (com referência à data da petição inicial) (resposta ao quesito 12°).

                        30- O agregado familiar da autora tem os seguintes encargos fixos:
1º- Empréstimo para aquisição de habitação - Euros: 426,54;

2º- Crédito Pessoal - Euros: 93,11;

3º- Despesas com consumos de água, electricidade, telefone e gás - Euros: 150,00 (em média);

4°- Alimentação - montante não apurado;

5º- Colégio do filho e dos sobrinhos da autora - Euros: 840,00;

6º- Colégio do sobrinho da autora DD da autora - Euros: 362,00;

7°- Combustível - montante não apurado;

8º Prestação mensal para pagamento do veículo da autora - Euros: 310, 93 (resposta ao quesito 15°).

                        31- Para além de todas os encargos discriminados em 30. a autora tem também despesas com o seu vestuário pessoal, actividades extracurriculares de pedopsiquiatra, vestuário das crianças e actividades lúdicas (com referência à data da petição inicial) (resposta ao quesito 16°).

                        32- A Autora depende dos rendimentos referidos em 3. (resposta ao quesito 13°).

                        33- Em Junho de 2006, a autora contraiu um crédito pessoal no valor Euros: 2.073,67 para poder custear todas as suas despesas (resposta ao quesito 14°).

                        34- Em Fevereiro de 2007, a autora tinha € 1.474,50 em dívida pela frequência escolar do sobrinho DD, referente aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2006 e Janeiro e Fevereiro de 2007 (resposta ao quesito 33°).

                        35- O presidente da Junta de Freguesia da ... declarou no "Atestado" datado de 30 de Outubro de 2006 que "AA vive em comunhão de mesa e habitação com o sobrinho DD, de 18 anos de idade, com o filho EE, de 10 anos de idade e com a sobrinha FF, de 10 anos de idade" (alínea i) dos factos assentes). ---------------------------------------

                        2-3- A recorrente principal começa por manifestar o seu inconformismo por ter sido condenada, nos termos do aresto recorrido, a restituir à R. a diferença entre o valor pago a ela no âmbito da providência cautelar de arbitramento de indemnização provisória e o valor da indemnização já liquidada em ambas as instâncias. Isto porque a "reparação atribuída" não se encontra liquidada à data da sentença do Tribunal a quo, uma vez que, parte da mesma ainda não se mostra líquida, conforme decidido na aludida sentença. Por isso, não deve ser aplicado o disposto no art. 405° nº 2 do CPC.

                        Esta mesma questão já havia sido colocada na apelação tendo respondido o douto acórdão recorrido dizendo, designadamente, que “… a ré já pagou à autora o valor mensal de 2.000,00 euros durante 75 meses, ou seja, a quantia de 144 000,00 euros… No caso dos autos e, mediante a alteração operada no presente acórdão, a ré vai ficar condenada no pagamento de uma quantia líquida de 120.000,00 euros (100.000,00 euros + 20 000,00 euros) e no pagamento de uma indemnização a liquidar em execução de sentença. O facto de parte da condenação não estar liquidada não pode impedir a aplicação do artigo 405° n° 2 do CPC relativamente à parte da indemnização que já é líquida (à semelhança do que acontece com a compensação de créditos em que, nos termos do artigo 847° n°3 do CC, a iliquidez não impede a compensação). Não pode a ré ficar à espera de que a autora intente uma liquidação de sentença para receber o reembolso a que tem direito à luz do artigo 405° n°2 do CPC. Sendo assim e sendo o valor do que já foi prestado pela ré, a título de indemnização provisória arbitrada ao abrigo do artigo 403° do CPC, superior à reparação líquida arbitrada na presente decisão, deverá haver aplicação ao n°2 do artigo 405° do mesmo código, sem prejuízo de a autora, assim que tiver despesas com as consultas da dor e de psiquiatria, poder a qualquer altura reclamá-las da ré”.

                        Quer isto dizer que o aresto recorrido, em contrário do considerado pela recorrente, entendeu aplicar à situação, o disposto no dito art. 405º nº 2 e consequentemente ordenou a restituição da A. à R. nos termos acima referenciados.

                       

                        O art. 405º nº 2 do C.P.Civil estabelece, no que diz respeito ao arbitramento de reparação provisória, que “a decisão final, proferida na acção de indemnização, quando não arbitrar qualquer reparação ou arbitrar reparação inferior à provisoriamente estabelecida, condenará sempre o lesado a restituir o que for devido”.

                        Face a este dispositivo, no caso de arbitramento de reparação provisória (nos termos dos arts. 403º e segs. do C.P.Civil), a decisão final da acção de indemnização deve condenar o lesado a restituir, a quem o reparou provisoriamente, a importância que recebeu a mais.

                        Sobre este aspecto teórico não se nos afigura que possa subsistir qualquer dúvida.

                        A questão que a recorrente coloca diz respeito ao facto de a reparação atribuída nesta acção (de indemnização) não se encontrar ainda liquidada na sua totalidade, pois a R. foi, para além de ter sido sentenciada no pagamento de uma importância líquida, condenada no pagamento de uma quantia ilíquida (designadamente no pagamento da quantia necessária ao pagamento das despesas da A. com futuras consultas da dor e futuras consultas de psiquiatria necessárias devido às lesões dos autos, bem como ao pagamento das despesas da autora com os tratamentos e medicamentos que aí sejam prescritos). Nestas circunstâncias, diz a recorrente, não se encontram preenchidos os requisitos integrantes do dito art. 405º nº 2.                           

                        Somos em crer, estar a razão do lado da recorrente.

                        Porque se verificou a condenação da R. no pagamento de uma quantia não determinada (iliquidez de parte da indemnização), não está ainda estabelecido se a A. recebeu alguma importância a mais. Não está, assim, ainda determinado se a reparação (final) será, como diz a lei, “inferior à provisoriamente estabelecida”. E note-se que só nesta circunstância (ou no caso, sem interesse para aqui, de não se arbitrar definitivamente qualquer indemnização) é que haverá lugar à restituição a que alude a disposição.

                        Quer isto dizer e em síntese, que dado que uma das parcelas da condenação da R. se mantém ilíquida, a devolução do art. 405º nº 2 apenas se materializará aquando essa parcela se tornar líquida e caso se revele que a indemnização global definitiva é inferior à estabelecida provisoriamente.

                        Significa isto que a restituição (a existir) só será possível após a liquidação da parcela ora ilíquida.   

                        Não foi esta, todavia, a posição do acórdão recorrido, pois ordenou a devolução dizendo, como se viu, que “o facto de parte da condenação não estar liquidada não pode impedir a aplicação do artigo 405° n° 2 do CPC relativamente à parte da indemnização que já é líquida (à semelhança do que acontece com a compensação de créditos em que, nos termos do artigo 847° n°3 do CC, a iliquidez não impede a compensação)”.

                        É certo que o art. 847° n°3 do C.Civil, não impede a compensação no caso da iliquidez da dívida.

                        Mas para além deste dispositivo dizer respeito ao instituto da compensação (e para o caso vertente existir disposição própria, o dito art. 405º nº 2), o certo é também que ainda não está estabelecido, se A. deve ser considerada devedora e a R. credora e quais os montantes que devem ser considerados para esses efeitos[1]. O crédito da R. é meramente hipotético, podendo, inclusivamente, a final não se verificar. A compensação carece (ainda) de objecto.

                        Nesta parte o acórdão recorrido deve ser revogado.

                        2-4- Sustenta depois a recorrente que a sentença é nula já que padece de manifesta contradição com os seus fundamentos, nos termos e ao abrigo do artigo 668° nº 1 d) do CPC. Isto porque na sentença (de 1ª instância) se referiu …”dado que uma parcela de condenação se mantém ilíquida, a efectivação de tal restituição apenas se revelará possível aquando da liquidação”, mas acabando, porém, por condenar a recorrente “a restituir à R. o diferencial entre o montante por esta pago àquela no âmbito do procedimento cautelar apenso a estes autos e o montante global liquidado da indemnização ora fixada em favor da primeira”.

                        Ou seja, segundo a recorrente, os fundamentos do aresto estão em contradição com a decisão.

                               Esta irregularidade havia já sido colocada na apelação, tendo-lhe o acórdão recorrido respondido dizendo que “…não se verifica contradição, logo, nulidade. A sentença limitou-se a fazer considerações sobre a parte da indemnização a liquidar em execução de sentença e depois, na parte decisória, procedeu à aplicação do disposto no n°2 do artigo 405° do CPC”.

                        Nos termos do art. 668º nº 1 al. c) do C.P.Civil, aplicável ao acórdão da Relação por força do disposto no art. 716º nº 1, o acórdão será nulo “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.

                         Isto é, o acórdão será nulo “quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou acórdão expressa” (A. Varela, in Manual, 1ª edição, pág. 671). Está aqui em causa um erro lógico, derivado de os fundamentos usados não estarem em sintonia com a decisão tomada. No processo lógico, as premissas de facto e de direito apuradas pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao oposto.

                        Ora o acórdão recorrido não padece deste vício já que apreciou a nulidade, justificou a posição assumida e a decisão está conforme com essa fundamentação.

                        Questão diversa, será o saber-se se o acórdão recorrido, ao assumir a posição que assumiu em relação à sentença de 1ª instância, fez uma correcta aplicação da lei, mais concretamente, se analisou e ajustou correctamente os preceitos processuais aplicáveis à nulidade invocada. Mas a lucubração sobre estes pressupostos ultrapassa a questão adjectiva em discussão (nulidade da sentença), devendo antes falar-se em erro de julgamento, matéria relativamente à qual[2] o poder jurisdicional se encontra esgotado.

                        2-5- Defende ainda a A. recorrente que, no que concerne ao cálculo da indemnização arbitrada a título de diminuição da capacidade de ganho, analisando o cálculo da indemnização em consideração às variáveis consideradas pelo Tribunal a quo, não obstante, a análise do valor encontrado, com recurso exclusivo a critérios matemáticos, em apelo a juízos de equidade, o juízo de equidade deveria ter sido efectuado no apuramento do montante indemnizatório a atribuir, e não a final, como efectuado na sentença do Tribunal a quo e reiterado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. Pois que, na esteira da jurisprudência relevante, perfilha a recorrente o entendimento que sufraga a falibilidade das fórmulas matemáticas no apuramento do montante indemnizatório a título de danos futuros. De todo o modo, certo é que a análise do montante apurado, com recurso à figura da equidade, nos termos em que é efectuado, pelo Tribunal a quo e Tribunal da Relação de Lisboa, é meramente formal, tudo se passando, na ausência de qualquer juízo de equidade. Analisando a fórmula concretamente aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa entende a recorrente que o valor apurado não se encontra correcto. Tal conclusão encontra fundamento, não apenas no recurso exclusivo a fórmulas matemáticas, como igualmente na divergência de valores encontrados, quando comparada factualidade semelhante nas decisões jurisprudenciais Assim, recorrendo à fórmula corrigido, contida no acórdão nº 370/04.lTBVGS.Cl, de 2.3.2010, do Tribunal da Relação de Coimbra, temos uma indemnização apurada de 209.676.90 €. O Tribunal da Relação de Lisboa ao decidir como decidiu, em clara violação do disposto no artigo 562° do C.Civil não permite a cabal reconstituição da situação anterior, na esfera jurídica da recorrente.

                       

                        Ainda sobre o mesmo tema defende a R. Seguradora, recorrente subordinada, que o dano patrimonial futuro, na vertente de lucro cessante, deve ser aferido com a segurança possível, atendendo ao que aconteceria segundo “o normal decurso das coisas” no caso concreto, recorrendo-se à temperança e à equidade quando não possa ser avaliado o seu exacto valor, nos termos do disposto nos arts. arts. 564.º e 566º do Código Civil. O que é necessário é tentar analisar globalmente a situação do lesado e proceder a uma prognose realista de forma a verificar o que este efectivamente perdeu, sob pena da indemnização vir transformar-se numa injustificada fonte de rendimento a que o lesado nunca teria acesso se não fosse o facto ilícito, em clara violação do disposto no art. 562º do Código Civil. No caso dos autos, deve ponderar-se o número previsível de anos de vida activa da A. (cerca de 25 anos, visto que, à data contava já com 40 anos de idade), o seu rendimento anual ilíquido (que se cifrava em € 41.417,69), o grau de incapacidade permanente de 27 pontos e o valor já recebido por conta do seguro de acidentes de trabalho. Considerando os factos dados como provados, e os critérios que devem presidir ao cálculo deste tipo de danos, entende a R. que a quantia arbitrada é algo excessiva, sendo mais adequada às circunstâncias específicas do caso concreto a quantia arbitrada em 1ª instância.

                        Dado que este tema é comum a ambos os recursos, irão estes ser apreciados conjuntamente.

                        O douto acórdão recorrido, tendo ponderado nos elementos que referenciou, entendeu ser manifestamente insuficiente o valor de 41.771,50 € fixado pelo tribunal de 1ª instância, tendo considerado que a indemnização ajustada pela perda de capacidade de ganho da A. deveria ser assentada em 100.000,00 €.

                        A recorrente A., por sua vez, entende que a quantia justa para a indemnizar neste âmbito será de 209.676.90 € e a Seguradora considera conforme a indemnização fixada na 1ª instância (41.771,50 €).

                        Vejamos:

                        Pretende-se, neste âmbito, procurar uma indemnização que compense a lesada pelo prejuízo corporal que, em razão do acidente, ficou a padecer para o resto dos seus dias. Não existem dúvidas que incapacidade ou diminuição da capacidade de ganho, porque previsível, é indemnizável a título de danos futuros/lucros cessantes (art. 564º do C.Civil).

                        A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano, sendo que não podendo ser avaliado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º nºs 2 e 3 do mesmo diploma).

                        Como se trata de danos futuros e, portanto, impossível de determinar com exactidão, a sua fixação não poderá deixar de passar pela utilização de um critério de equidade. Poder-se-á, porém, como elemento auxiliar, usar fórmulas ou tabelas financeiras, com objectivo de lograr um critério mais ou menos objectivo e uniforme. Não é, porém, demais sublinhar que as tabelas ou fórmulas financeiras devem ser usadas como critério meramente indicativo, devendo ser os seus resultados alterados, caso se mostrem desajustado ao caso concreto. A indemnização deve, a final, ser fixada através da equidade, como determina a lei.

                        Mesmo que se possa colocar a hipótese de não ocorrer, na prática, uma diminuição de salário ou vencimento, a pertinente indemnização não deve deixar de se colocar, por se considerar ser necessário um maior esforço por banda da lesada, para obter o mesmo rendimento. Considerar-se-á a incapacidade em termos de prejuízo funcional. É o chamado dano biológico que consiste, precisamente, “na diminuição somático-psíquico do indivíduo com repercussão na vida de quem o sofre” (in acórdão deste STJ de 4-10-2005 em www.dgsi.pt/jstj.nsf). Trata-se de um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida da lesada, afectando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa, sexual, social e sentimental. É um dano que determina perda das faculdades físicas e até intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a idade da ofendida. Em termos profissionais conduz este dano a lesada a uma posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho, exigindo-lhe, outrossim, um maior esforço para o desenvolvimento da sua laboração. Ou seja, é um prejuízo que se repercute no seu padrão de vida, actual e vindouro.

                        Este dano é indemnizável per si, independentemente de se verificarem, ou não, consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado (neste sentido vai a jurisprudência deste STJ, vide designadamente o acórdãos de 27-10-2009, de 19-5-2009 e de 4-10-2007 todos publicados no mesmo sítio na internet).

                        Em virtude deste entendimento, é evidente que a condenação da R. Seguradora, no pagamento de uma indemnização pela incapacidade permanente parcial de que a A. ficou a padecer, se justifica.

                        No que respeita ao quantum da indemnização, a jurisprudência tem vindo a entender que a indemnização neste âmbito deve ser calculada, em atenção ao tempo provável da vida activa da lesada, aos seus rendimentos anuais e à incapacidade sofrida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até ao fim desse período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a uma taxa de juros (neste sentido, entre outros, Acs. do STJ de 6-7-00, Col. Jur. 2000, II, 144 e da Relação de Coimbra de 4-5-1995, Col. Jur. 1995, II, 26).

                        Dada a complexidade desta fórmula, temos vindo a adoptar a orientação de usar como elemento orientador uma regra mais simples, como a indicada no acórdão de 4-12-2007 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf) que tem por base a indicada fórmula em que os factores a aplicar (calculados por aplicação o programa informático Excell), serão os mencionados nesse aresto (vide também Acórdão deste Supremo de 7-2-2008, Col. Jur. 2008, Tomo I, págs. 91 e segs.-)

                        No caso dos autos, a A. tinha remuneração anual líquida de 33.466,53 €, tinha 40 anos à data do acidente (nasceu em … de … de 19…) e tinha 41 anos à data da alta (Setembro de 2006), sendo esta última data, como se entendeu no douto acórdão recorrido, a que se deve considerar para o cálculo de indemnização, uma vez que, até aí, sofreu ITA (que mereceu indemnização própria)[3], pelo que a vida activa da lesada a considerar deverá ser computada em 24 anos (65 – 41) e 27 % o grau de incapacidade permanente, sendo de 16,93554 o factor[4]. Assim a operação a realizar será esta:

                        33466,53 x 16,93554 x 27% o que dará 153.028,91.

                        Chegados aqui haverá que descontar uma percentagem de 1/3 de rendimentos que serão os que a lesada gastaria consigo própria.

                        Assim, 153.028,91 – 1/3 = 102.019,28.

                        Por outro lado pese embora se deva considerar, para efeitos de cálculo, a vida activa do lesado até aos 65 anos, pois é nessa altura que se atinge a idade da reforma[5], parece-nos ser de ponderar que a vida não acaba com essa idade, mantendo-se a capacidade de ganho da lesada por mais algum tempo, se bem que se aceite que essa capacidade de auferir proventos diminui patentemente após terminar a vida profissional activa. Nesta conformidade, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal[6], deve-se considerar uma idade de aproximadamente 70 anos, como limite da capacidade de ganho do lesado.

                        Haverá atender também a uma esperada melhoria das condições de vida no futuro, bem como um aumento de produtividade e de ganhos em função da progressão profissional. Além disso, não poderemos deixar de ponderar que a incapacidade permanente que a A. ficou a padecer, a irá inabilitar (parcialmente) não só para a sua vida profissional, mas também para todos os actos da vida principalmente para aqueles que demandem esforço físico.

                        Daí que o cálculo a que acima chegámos deve ser entendido como determinativo da indemnização mínima.

                        Por tudo o exposto, somos em crer que se afigura correcta e equilibrada uma indemnização no montante de 120.000 €, reputando-se exageradas e diminutas as quantias defendidas, respectivamente, pela A. e pela R..

                        Nesta parte a decisão recorrida, será (também) revogada.

                                               

                        2-6- Sustenta ainda a A. recorrente que, no que concerne à indemnização arbitrada a título de danos morais, o montante indemnizatório se figura manifestamente irrisório, divergindo essa importância dos valores atribuídos na jurisprudência em casos semelhantes, devendo ser atribuída à recorrente a indemnização de 40.000,00 €.

                        No douto acórdão recorrido sobre o tema referiu-se, para além do mais, que “… provou-se que a autora sofreu traumatismo na coluna cervical que lhe agravou lesões anteriores e lhe causaram e causam dores fortes e permanentes e que lhe determinaram ITA durante cerca de seis meses e uma IPG de 27 pontos, necessitando de esforços acrescidos para exercer a sua profissão de enfermeira e ficando impedida de executar algumas tarefas nessa profissão, necessitando de seguir consultas da dor e de psiquiatria. Ponderadas todas estas circunstâncias e, por um lado, o desgosto que a autora naturalmente sentirá, mas, por outro lado, o facto de que a ITA foi inferior a um ano e de que a autora não sofreu internamentos, nem sofreu cirurgias (não se tendo provado que seria necessária qualquer cirurgia), parece-nos que é suficiente e adequada a indemnização de 20.000,00 euros arbitrada pelo tribunal recorrido”.

                        Manteve, pois, o aresto recorrido, a indemnização que havia sido fixada na 1ª instância.          

                        A obrigação de indemnização neste âmbito decorre do disposto no art. 496º nº 1 do C.Civil que estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela dos direitos ”.

                        Não se concretiza na disposição legal os casos de danos não patrimoniais que justifiquem uma indemnização. Refere-se tão só que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Significa isto que cabe ao tribunal, no caso concreto, dizer se o dano merece ou a tutela do direito.

                        No caso vertente parece-nos que, pela sua gravidade, os danos sofridos pela A. merecem ser indemnizados. Aliás este aspecto é pacífico não sendo questionado no acórdão recorrido.

                        No que toca ao quantum indemnizatório estabelece o art. 496º nº 3 que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º ”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor actual da moeda. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela “o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida ” (C.Civil Anotado, volume 1º, pág.501, 4ª edição).

                        Como temos vindo a entender o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico (neste sentido, entre muitos, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 17-1-2008 e de 29-1-2008 cujo relator foi o do presente acórdão, ambos in www.djsi.pt/jstj.nsf).

                        A indemnização por danos não patrimoniais, terá por finalidade proporcionar um certo desafogo económico à lesada que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ela, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva. Isto é, esta indemnização destina-se a proporcionar, na medida do possível, à lesada uma compensação económica que lhe permita satisfazer com mais facilidade as suas necessidades primárias que possam constituir um alívio e um consolo para o mal sofrido.

                        No caso dos autos, as consequências do acidente para a lesada, revestiram alguma gravidade, como os factos assentes acima mencionados reflectem. Vide principalmente os referidos sob os nºs 5 e 7.

                        A incapacidade de que ficou a padecer permite que a A. continue a exercer a sua actividade profissional de enfermeira, implicando, contudo, esforços acrescidos para o desempenho dessa actividade. Em consequência das lesões que sofreu a A. não poderá executar com precisão todas as tarefas inerentes à sua profissão de enfermeira nem poderá segurar ou tratar determinados doentes. Viu dificultada a progressão na sua carreira. Sente dores fortes e permanentes e sentirá permanentemente dores físicas até ao termo da sua vida se as causas não forem resolvidas. Deixou, em grande parte, de poder desempenhar as mais elementares funções domésticas. Tornou-se uma pessoa mais triste e isolada, sofrendo de uma ansiedade constante que a transformou numa pessoa muito insistente na resolução dos seus problemas grandes ou pequenos o que dificulta o seu relacionamento com terceiros, o que leva a que tenha hoje que ser seguida em consultas do foro psiquiátrico. Terá, igualmente, que ser seguida na consulta da dor. Como consequência das fortes dores físicas de que padece tem dificuldade em adormecer, sendo raras as vezes que não acorda a meio da noite. Sente-se deprimida com as dores persistentes. Deixou de poder conduzir, tendo deixado, igualmente, de levar o seu filho e os sobrinhos ao colégio que frequentam, o que sempre fez até à data do acidente de viação.

                        Todas estas circunstâncias revelam desgostos e sofrimentos, o que leva a concluir-se que, sob o ponto de vista psicológico, a A. sofreu lesões de alguma gravidade, sendo patente o seu mal-estar físico e anímico.

                        Evidentemente que não desconhecemos a dificuldade que existe, neste campo, em concretizar em algo de material, aquilo que é imaterial ou espiritual, realidades tais como “dor”, “desgosto”, “sofrimento” “contrariedades” “preocupações” “mágoa”. Mas a lei impõe que assim seja devendo o juiz na fixação ou concretização de tais danos, como já se disse, usar de todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida.

                        Ponderando em todos os elementos salientados, no valor da moeda, somos em crer que um montante no valor atribuído pelas instâncias (já com apreciável alcance monetário) se revela equilibrado e adequado para ressarcir os danos em causa.

                        Nesta parte o acórdão recorrido será confirmado.

                        III- Decisão:

                        Por tudo o exposto concede-se parcialmente a revista da A. e, consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido no que toca à condenação da A. a restituir à R. a diferença entre o valor pago por esta no âmbito da providência cautelar de arbitramento de indemnização provisória e o valor da indemnização já liquidada e no que respeita aos danos patrimoniais futuros sofridos pela A. que se fixam em 120.000 €.

                        No mais confirma-se o aresto recorrido.

                        Nega-se a revista ao recurso subordinado da R.

                        Custas por ambas as partes, na acção, consoante o seu vencimento e na revista da A., na proporção de 1/3 para a A. e 2/3 para a R..

                        As custas da revista da R. serão suportada, em exclusivo, por esta.

Lisboa, 2 de Dezembro de 2013

Garcia Calejo (Relator)

Helder Roque

Gregório Silva Jesus

________________________
[1] Se a A. acabar por ser considerada credora, não haverá, obviamente, lugar a qualquer devolução monetária.
[2] Porque não questionada (a questão processual) em termos de recurso.
[3] A IPP de que ficou afectada foi calculada a partir da data da alta.
[4] Como se diz no acórdão deste STJ indicado, a fórmula tem como suporte a aplicação do programa informático Exell à formula utilizada pelo STJ do acórdão de 5-5-1994, tendo sido construída tendo como referência a atribuição de 3 % ao factor aí indicado como taxa de juros previsível no médio e longo prazo.
[5] De futuro a idade da reforma, como é notório, tenderá a ser mais alta.
[6] Neste sentido, entre outros, Acórdãos do STJ de 31-3-2004 , proc. 04B497/ITIJ/net, 10-3-2005, 15-3-2005, 9-6-2005, 14-6-2005, 19-12-2006 e de 72-2-2008 in www.dgsi.pt/jstj.nsf.