Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
74/07.3TCGMR.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: DIREITO REAL
REGISTO PREDIAL
POSSE
USUCAPIÃO
PRESUNÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITOS REAIS / POSSE.
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO - REGISTO PREDIAL / EFEITOS DO REGISTO.
Doutrina:
- José Alberto Gonzalez, A Realidade Registal Predial para Terceiros, p. 204 e segs..
- Manuel Rodrigues, A Posse, p. 276
- Menezes Leitão, Direitos Reais, pp. 283/284, 287.
– Mota Pinto, Direitos Reais, pp. 191, 264 e seg., 367.
- Oliveira Ascenção, Direito Civil – Reais, p. 352.
- Seabra Lopes, Direito dos Registos e do Notariado, p. 173.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 350.º, 1268.º, 1297.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 729.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CDRP): - ARTIGOS 6.º, 7.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27/11/93, CJ S., T. I, P. 100, DE 5/7/2001, Pº 01A2097 E DE 4/5/2004, Pº 04A570, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 18/5/1999, BOL. Nº 487, P. 32.
-DE 8/5/2001, CJ S., T. 2, P. 57.
-DE 19/9/2012, Pº 973/09.8TBVIS.C1.S1
Sumário :
1. A presunção resultante da inscrição do direito de propriedade no registo predial, não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos, não tendo o registo a finalidade de garantir os elementos de identificação do prédio.

2. A presunção derivada do registo predial pode entrar em conflito com a presunção da titularidade resultante da posse de outrem sobre o mesmo prédio. Resultando do art. 1268.º do CC que a presunção derivada do registo apenas prevalecerá se for anterior ao início da posse, pois, de contrário, será a presunção a favor do possuidor que prevalecerá. Significando esta última presunção que o possuidor, numa acção de reivindicação, não tem o ónus da prova, cabeando ao reivindicante esse encargo.

3. A usucapião, forma de aquisição originária do respectivo direito de propriedade, está na base de toda a nossa ordem imobiliária, valendo por si, em nada sendo prejudicada pelas vicissitudes registais. Nada podendo fazer contra ela o titular inscrito no registo.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:          

AA e BB vieram intentar acção, com processo ordinário, contra CC – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, S. A. e DD, LDA, pedindo a condenação:

1. das rés, a reconhecerem o direito de propriedade dos Autores sobre um prédio urbano, que identificam, do qual faz parte uma parcela de terreno com cerca de 87,40 m2;

2. da 1ª Ré, a reconhecer que o seu prédio não confina com a Av. ..., mas sim com a estrema sul do prédio os Autores;

3. da 2ª Ré, a reconhecer que não é arrendatária da parcela de terreno em causa;

4. da 2ª Ré, a rebaixar o piso da parcela e a destapar uma porta, retirando fiadas de tijolo;

5. das Rés, no pagamento de uma indemnização a liquidar em execução de sentença e de uma sanção pecuniária compulsória;

6. da 1ª Ré, a rectificar, no registo predial e na inscrição matricial, a confrontação norte do seu prédio.

Alegando, para tanto, e em suma:

São proprietários do prédio urbano do qual faz parte a dita parcela de terreno com cerca de 87,40 m2, tendo as Rés ocupado ilicitamente tal parcela e nela executado vários trabalhos.

Citadas as rés, vieram contestar, tendo a 1ª Ré deduzido reconvenção onde peticionou a condenação dos Autores a reconhecerem-na como dona e possuidora do prédio descrito no artº. 73º do seu articulado e de que dele faz parte a parcela em causa; a rectificarem, na descrição predial e na inscrição matricial, a confrontação poente do prédio dos Autores; a pagarem-lhe uma indemnização a liquidar em execução de sentença pelos prejuízos causados.

Mais requereram a intervenção acessória provocada de EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL alegando que, em caso de decaimento nesta acção, a 1ª Ré teria direito de regresso sobre os supra identificados, os quais lhe asseguraram que o prédio por si àqueles adquirido confrontava directamente com a Av. ....

Houve réplica e tréplica.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Depois de habilitado o adquirente MUNICÍPIO DE GUIMARÃES por ter adquirido à 1ª ré CC o prédio confinante com o dos autores, foi admitido um articulado superveniente por ele deduzido, com ampliação da base instrutória.

Realizada a audiência foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 692 a 700 melhor consta.

Foi proferida sentença na qual na parcial procedência da acção, se decidiu:

a) absolver o Réu Município de Guimarães de todos os pedidos formulados;

b) condenar a DD, Lda no rebaixamento do piso da parcela de terreno referida em I.33, por forma a destapar a janela que para a mesma deita e também  por a forma a que deixe de se introduzir água das chuvas no interior do prédio dos Autores;

Tendo-se, ainda, decidido, na parcial procedência da reconvenção, condenar os Autores:

a) a reconhecerem que o Réu Município de Guimarães é dono e possuidor do prédio urbano descrito em I.9 e I.10. e que do mesmo faz parte a parcela de terreno referida em I.33, a qual tem a área total de 88,50 m2;

b) a absterem-se de, por qualquer forma, impedirem, limitarem ou dificultarem o exercício do direito de propriedade do Réu sobre os referidos prédio e parcela de terreno;

c) a rectificarem, na descrição predial e na inscrição matricial do prédio referido em I.1., a respectiva confrontação poente, de modo a que delas passe a constar que esse prédio confronta com o Município de Guimarães;

Absolvendo-se os Autores do mais que vem peticionado.

Inconformados os autores com tal decisão, dela interpuseram, sem êxito, recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

De novo irresignados, vieram os mesmos autores pedir revista para este Supremo Tribunal de justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

1ª- Por força do prescrito no art° 1316°, na alínea a) do art° 1.317°, no nº 1 do art° 408°, no art" 874° e na alínea a) do art. 879°, todos do Código Civil, o direito de propriedade da coisa, que constitui objecto do contrato de compra e venda, transmite-se, no momento da celebração do contrato para o comprador e, nesse mesmo momento, o vendedor perde-o e deixa de ter título relativo a ela.

2ª- Por força do disposto no n° 1 do art° 7º, nas alínea c) e d) do nº 1 do art. 82° e no nº 2 do art° 91°, todos do Código do Registo Predial, o objecto do registo inclui a realidade material do prédio sobre que recai a inscrição, traduzida na respectiva descrição predial com a composição, áreas e confrontações, que dela constem.

3ª- Por força do prescrito no n° 1 do art. 6° do Código do Registo Predial, o direito de propriedade inscrito em primeiro lugar prevalece sobre o direito de propriedade, que se lhe seguir relativamente ao mesmo bem.

4ª - Por força do disposto no n° 2 do art. 1260° do Código Civil, a posse exercida sobre a coisa pelo transmitente do direito de propriedade dela presume-se de má fé, desde o momento da sua transmissão e a duração do seu exercício não pode ser adicionada à duração da posse exercida sobre a coisa com boa fé por outro, a quem aquele, posteriormente, transmitiu o direito de propriedade dela e perfazer a duração de dez anos, prevista na alínea a) do art. 1.294° do Código Civil, para, por usucapião, este adquirir o direito de propriedade da coisa.

5ª - É ineficaz, relativamente ao titular do direito de propriedade da coisa, o negócio posteriormente, celebrado pelo mesmo vendedor com outro comprador, a quem transmite o direito de propriedade da coisa e o titular da coisa, indevidamente, vendida não necessita de arguir a nulidade desse negócio e pode reivindicá-la do posterior comprador.

6ª - Os Autores I recorrentes e a primitiva Ré CC - Sociedade Imobiliária, S.A. arrogam-se o direito de propriedade da parcela de terreno dos pontos 33. e 34. dos factos provados por integrar os respectivos prédios dos pontos 1. e 2. e 10. e 11. dos factos provados, que lhes foram vendidos e que compraram aos mesmos vendedores.

7ª - Os Autores I recorrentes, de acordo com os pontos 1. e 2. dos factos provados, por escritura de compra e venda de 16 de Março de 1990, compraram o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, primeiro e segundo andares, com a área total de duzentos e cinquenta e nove metros quadrados, sendo cem metros quadrados de área coberta ( ... ), a confrontar do Norte com a Avenida ..., do Sul e Nascente com herdeiros de GG e do Poente com MM, inscrito na matriz urbana sob o artigo duzentos e catorze e cuja aquisição o Autor I recorrente, desde 3 de Fevereiro de 1994, pela respectiva inscrição …, efectuada na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, tem, definitivamente, registada a seu favor e que integra a referida parcela de terreno, tal como o prédio foi comprado e registado.

8ª - Esses vendedores, em 20 de Setembro de 1999, relativamente aos prédios rústicos, inscritos na matriz sob os arts. …° e …°, "Campo ..." e "Campo ... ", situados nas traseiras - a Sul e Nascente - e para Sul do prédio vendido ao Autor / recorrente, dos quais em 16 de Março de 1990, também eram comproprietários, requereram o registo desses prédios rústicos e actualizaram a respectiva descrição predial, nos termos que constam dos pontos 4., 6., 8. e 9. dos factos provados e por escritura de compra e venda de 2 de Novembro de 1999 venderam o respectivo prédio já actualizado, inscrito na respectiva matriz urbana sob o art° …° à primitiva Ré CC - Sociedade Imobiliária, S.A., cuja aquisição está registada a seu favor pela inscrição … de 19 de Novembro de 1999, nos termos que constam dos pontos 10. e 11. dos factos provados e que integra a referida parcela de terreno.

9ª - Relativamente a essa parcela de terreno, essa escritura de compra e venda, celebrada pela primitiva Ré CC - Sociedade Imobiliária, S.A. em 2 de Novembro de 1999, é ineficaz quanto aos Autores / recorrentes por causa dos mesmos vendedores lha terem vendido, pela escritura de 16 de Março de 1990 e cuja aquisição ficou, definitivamente registada a favor do Autor / recorrente desde 3 de Fevereiro de 1994.

10ª- A posse exercida por esses vendedores sobre essa parcela de terreno desde 16 de Março de 1990 é intitulada e a sua duração não pode ser acrescida à da duração, exercida pela primitiva Ré CC - Sociedade Imobiliária, S.A. desde o dia 19 de Novembro de 1999 até ao dia 8 de Fevereiro de 2007, em que foi citada para os termos da acção, para, por usucapião, adquirir o direito de propriedade dessa parcela de terreno.

11ª- O acórdão recorrido, por falta de aplicação, violou o disposto no art. 1.316°, na alínea a) do art° 1.317°, no n° 1 do art° 408°, no art. 874°, na alínea a) do art° 879°, no nº 2 do art° 1.260° e na alínea a) do art. 1.294°, todos do Código Civil e, ainda, o disposto no n" 1 do art° 6°, no n° 1 do art° 790, nas alíneas c) e d) do n° 1 do art° 82° e no n" 1 do art° 91°, estes do Código do Registo Predial, pelo que deve ser revogado, e, tendo em consideração os pedidos deduzidos a fls. 22 e 23 da petição inicial e, ainda, a habilitação do Réu Município de Guimarães, deve ser substituído por acórdão que:

a) Condene o Réu Município de Guimarães e a 28 Ré a reconhecer, que os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano, identificado nos pontos 1., 2. e 3. dos factos provados.

b) Condene o Réu Município de Guimarães e a 28 Ré a reconhecer, que desse prédio dos Autores faz parte integrante a parcela de terreno, descrita nos pontos 33. e 34. dos factos provados.

c) Condene o Réu Município de Guimarães e a 2ª Ré a absterem-se de praticar, de futuro, qualquer acto, que ofenda o direito de propriedade dos Autores, relativamente à parcela de terreno e prédio, descrita e descritos, respectivamente, nos pontos 33., 34., 1., 2. e 3. dos factos provados.

d) Condene o Réu Município de Guimarães a rectificar, quer na respectiva descrição predial, quer na respectiva inscrição matricial do seu prédio, referido no ponto 9. dos factos provados, a respectiva confrontação Norte, por forma a que delas deixe de constar, que confronta com a Avenida ... e passe a constar, que confronta com o prédio dos Autores e a sua parcela de terreno, descritos, respectivamente, nos pontos 1., 2., 3., 33. e 34. dos factos provados.

e) Absolva os Autores/recorrentes de todos os pedidos, em que na procedência parcial da reconvenção, foram condenados pela sentença, proferida em primeira instância e que o acórdão recorrido confirmou.

O recorrido MUNICÍPIO DE GUIMRÃES contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir:


*

Vem dado como PROVADO:

1. Por escritura de compra e venda, celebrada em 16 de Março de 1990, no Segundo Cartório da Secretaria Notarial desta cidade, lavrada de fls. 9 a 11 no respectivo livro de Escritura Diversas nº ..., EE, FF, GG e JJ, este por si e, ainda, como procurador de KK, HH, II e de LL, declararam vender, pelo preço recebido de três milhões de escudos, ao A. marido, que declarou comprar, “o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, primeiro e segundo andares, com a área total de duzentos e cinquenta e nove metros quadrados, sendo cem metros quadrados de área coberta, situado na Praça …, da aludida freguesia de …, a confrontar do Norte com a Avenida ..., do Sul e Nascente com herdeiros de GG e do Poente com MM”, o qual “faz parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número doze mil trezentos e três e está inscrito na respectiva matriz sob o artigo duzentos e catorze” (cfr. documento de fls.26 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) – alínea A. dos Factos Assentes (F.A.).

2. O A. marido, desde 3 de Fevereiro de 1994 e pela respectiva inscrição G-3, efectuada na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, tem definitivamente registada a seu favor a aquisição do prédio descrito sob o Nº 00…/freguesia de …, o qual foi desanexado do prédio nº. … (cfr. fls.32 a 36, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) – alínea B. dos F.A.. 

3. Esse prédio, actualmente, está inscrito na matriz urbana dessa freguesia de … sob o artº …º – alínea C. dos F.A..

4. No dia 16 de Março de 1990, os vendedores referidos em 1. e que eram os herdeiros de GG, eram também comproprietários de outros prédios situados nas traseiras – a Sul e Nascente – desse prédio, nomeadamente, do prédio rústico, denominado “Campo ...”, situado ao Poente e na parte de baixo do Mercado Municipal, inscrito na respectiva matriz rústica da freguesia de … sob o artº…º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº … e do prédio urbano, constituído por um barraco com a área coberta de 160m2, composto de rés-do-chão com duas divisões, inscrito na respectiva matriz urbana daquela freguesia de ... sob o artº …º e construído em terreno desse prédio rústico, de 581,40m2 de terreno desse prédio rústico inscrito na dita matriz sob o artº …º e, ainda, daquele barraco inscrito na matriz urbana sob aquele artº …º – alínea D. dos F.A..

5. Do conjunto referido em 4. era arrendatária a 2ª Ré, A. DD, Ldª. por o ter tomado de arrendamento, para armazém de materiais de construção e recolha de seus veículos, por contrato de arrendamento, que havia celebrado com aquele GG e cujo objecto, os identificados vendedores, já na qualidade de comproprietários dos prédios rústico e urbano referidos em 4., por acordo celebrado, antes de 16 de Março de 1990 com a 2ª Ré, tinham alterado – alínea E. dos F.A..

6. Aqueles mesmos vendedores também eram comproprietários do prédio rústico, denominado “Campo ...”, sito para Sul do prédio vendido ao A. marido e ao Poente do Mercado Municipal e que confrontava do Sul com traseiras dos prédios da Rua …, do Nascente com o Mercado Municipal, do Poente com quintais e dependências das traseiras da Rua ... e do Norte com terrenos deles, inscrito na respectiva matriz rústica da freguesia de ... sob o artº …º e do qual, bem como, dos identificados em 4., se tinham tornado comproprietários por, em comum e na proporção de 1/8 para cada um, os terem adquirido por sucessão por morte deferida no inventário daquele GG – alínea F. dos F.A..

7. Em 16 de Março de 1990, a parcela de terreno em causa era utilizada como viela de acesso aos prédios referidos de 4. e 5., situados a Sul e a Nascente do prédio vendido ao Autor, e nomeadamente, era utilizada pela 2ª Ré, a coberto do contrato de arrendamento referido em E., para acesso aos prédios identificados em 4. e, em cujo terreno do inscrito na matriz rústica sob o artº …º e, ainda, em cujo terreno do inscrito na matriz rústica sob o artº …º e referido em 5, tinham, entretanto, sido construídos vários pavilhões, um tanque e um telheiro, que levaram a que o prédio, inscrito na matriz urbana sob o artº …º, por ampliação desse origem ao prédio, actualmente, inscrito na respectiva matriz urbana da freguesia de ... sob o artº …º – alínea G. dos F.A..

8. Em 20 de Setembro de 1999, os vendedores identificados em 1., mediante a requisição de registos, a que couberam as apresentações nºs .. e … da Conservatória do Registo Predial de Guimarães desse dia, requereram a seu favor o registo da aquisição daqueles prédios rústicos, inscritos na respectiva matriz da freguesia de ... sob os arts. …º e …º e referidos em 4. e 5. e, nessa requisição, em declarações complementares quanto aos respectivos actos de registo declararam, relativamente àqueles prédios rústicos:

“Actualmente é composto por um prédio urbano, destinado a indústria de mármores, com 6 pavilhões, tendo o 1º 138m2, o 2º 69m2, o 3º 350m2, o 4º 152m2, o 5º 338m2 e o 6º 116ºm2, um tanque com 16 m2, logradouro com 3007m2 e um telheiro com 314m2”, “Confronta do Norte com MM, Herdeiros de NN e Avenida ..., Sul e Poente com Viela da Rua ... e do Nascente com terreno do Mercado Municipal e da …” e “Está inscrito na respectiva matriz sob o artº … e tem o valor patrimonial de Esc. 6.088.134$00,” (cfr. fls.39 a 42 cujo teor se dá por integralmente reproduzido) – alínea H. dos F.A..

9. Com base nessa requisição e no nela declarado foi aberta, em 20 de Setembro de 1999, a respectiva ficha predial nº…., referente à freguesia de ..., na qual, no que concerne à respectiva descrição predial e quanto àqueles prédios dos artºs. …º e …º rústicos, passou a constar, como sendo um prédio, sito no lugar de São ... – ... – a confrontar do Norte com MM, Herança de NN e Avenida ..., do Sul e Poente Viela da Rua … e do Nascente com terreno do Mercado Municipal e da ..., com 4.500m2, e a ela averbado, pelo respectivo averbamento 1 daquela apresentação 73 de 20 de Setembro de 1999, como prédio urbano, inscrito naquele artº …º e com a composição, referida em 8., e cuja aquisição pela inscrição G-1, desde aquele dia 20 de Setembro de 1999, ficou registada a favor daqueles vendedores, por sucessão por morte deferida em inventário daquele GG (cfr. certidão de fls.43 a 46, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) – alínea I. dos F.A..

10. Posteriormente, por escritura de compra e venda, celebrada em 2 de Novembro de 1999, no Segundo Cartório Notarial desta cidade, lavrada de fls. 57 a 58 vº no respectivo livro de Escrituras Diversas Nº …, os mesmos vendedores, pelo preço de cento e oitenta milhões de escudos, declararam vender à 1ª Ré, CC – Sociedade Imobiliária, S.A., que declarou comprar, o prédio urbano com a composição, com as confrontações, com a inscrição matricial e com a descrição predial, referidas em 9. (cfr. fls. 47 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) – alínea J. dos F.A..

11. Pela inscrição G… de 19 de Novembro de 1999, essa aquisição está registada a favor da 1ª Ré, CC – Sociedade Imobiliária, S.A. (cfr. fls.43 a 46 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) – alínea L. dos F.A...

12.  Antes da 1ª Ré CC – Sociedade Imobiliária, S.A. ter comprado o prédio, a 2ª Ré A. DD, Ldª., na qualidade de arrendatária realizou, na parcela de terreno em causa, os actos seguintes: elevou, com cascalho, que cimentou, o respectivo piso, que era em terra batida e sensivelmente, a cerca de 11 metros do seu comprimento, medidos da esquina Norte/Poente da respectiva fachada Poente da casa do prédio referido em A., implantou, a toda a largura dessa parcela de terreno, um portão, em chapas metálicas, com a largura de cerca de 3,80 metros e a altura de cerca de 2,35 metros e que dotou de fechadura, cujas chaves reservou para si, tendo, com tijolos, tapado uma porta – alínea M. dos F.A..

13. E com três fiadas de tijolos, encimou um muro, feito em blocos de cimento pelos AA., no alinhamento da fachada Poente da casa desse prédio – alínea N. dos F.A..

14. O A. solicitou à 2ª Ré para pôr termo a esses actos e para, inclusivamente, remover o portão do local em que o implantou, tendo esta respondido nos termos da missiva enviada ao Autor e junta a fls. 56 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) – alínea O. Dos F.A..

15. Até hoje a 2ª Ré não pôs termo a esses actos, nem removeu o portão – alínea P. dos F.A..

16. À 1ª Ré CC – Sociedade Imobiliária, S.A. o A. solicitou, que removesse aquele portão, tendo esta respondido nos termos da missiva enviada ao Autor e junta a fls. 57 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) – alínea Q. dos F.A..

17. Em 3.03.1994, os Autores promoveram a inscrição na Conservatória do Registo Predial de Guimarães do prédio em apreço a favor dos identificados vendedores (Ap. 13/030294, sob a cota G2) e, de seguida, a seu próprio favor (Ap. 15/030294, sob a cota G3), sendo certo que, previamente, em 22.02.1994, o Autor preencheu, assinou e apresentou na 2.ª Repartição de Finanças de Guimarães a declaração/modelo 129, para alteração de inscrição do prédio na matriz urbana, na qual, entre outras coisas, consta que a confrontação a poente é com MM, sendo a área descoberta de 159 m2 (cfr. documento junto a fls.77 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) – alínea R. dos F.A..

18.  Antes da data referida em 1., os Autores foram arrendatários da cave e do rés-do-chão do prédio referido em 1., enquanto que o primeiro andar era ocupado, para fins habitacionais, por outros arrendatários – alínea S. dos F.A..

19.  A Ré DD, LDA colocou junto ao passeio público da Av. ..., um portão a toda a largura da parcela de terreno em causa, no local assinalado nas fotografias de fls. 112 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), tendo em vista vedar o prédio que lhe foi dado de arrendamento e, assim, conferir segurança e protecção ao negócio de compra e venda de drogas, materiais de construção, mármores e vidros que aí explorava e ainda explora – alínea T. dos F.A..

20.  No prédio referido em 1., os Autores exploravam uma lavandaria que fechou há cerca de dez anos – alínea U. dos F.A..

21. No prédio situado a nascente do referido em 1. situava-se, no rés-do-chão, uma taberna – alínea V. dos F.A..

22. Pelo menos ocasional e esporadicamente passavam na faixa de terreno em causa, e no logradouro situado nas traseiras do prédio referido em 1., carros de bois, com pipas e meias pipas de vinho, para abastecer essa taberna – alínea X. dos F.A..

23. No passado dia 11 do corrente mês de Fevereiro, na Divisão de Polícia Municipal de Guimarães, foi autuada a participação n.º …, em virtude de chamada telefónica recebida naqueles serviços, pelas 9h15m, alegando que “(…) na Av. ..., freguesia de …, deste Concelho, junto ao estabelecimento “DD”, estão a demolir um muro/portão em terreno supostamente desta edilidade, sem autorização para o efeito” – cfr. documento de fls. 418 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – alínea Z. dos F.A.

24. No seguimento da identificada participação, no próprio dia, pelas 9h30m, deslocaram-se ao local as agentes da Polícia Municipal, OO (n.º ...) e PP (n.º ...), tendo aí verificado que tinha sido “(…) demolido o muro do alçado lateral direito da habitação n.º ... e retirado o portão, tendo sido deslocado para outra posição do arruamento” – alínea AA. dos F.A..

25. Na ocasião, as referidas agentes da Polícia Municipal identificaram o responsável pela execução dos trabalhos, QQ, legal representante da sociedade Construções RR, Lda., com sede em ..., da freguesia de ..., concelho de Fafe, o qual, por sua vez, as informou que estava a trabalhar por conta do “proprietário”, Sr. SS, aqui Autor – alínea BB. dos F.A..

26. De imediato, as referidas agentes, estabeleceram contacto com o Autor, questionando-o quanto ao licenciamento dos trabalhos em curso, tendo o mesmo admitido que não tinha sido emitida qualquer licença para os mesmos e que existia “(…) um litígio com a Câmara Municipal de Guimarães relativamente a este assunto”, conforme decorre da informação e fotografias anexas à participação a fls. 419 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – alínea CC. dos F.A..

27. Em consequência, os trabalhos em curso foram embargados e o Autor advertido de que não podia continuar os mesmos – alínea DD. dos F.A..

28. No dia 26 de Maio de 2011, o Município de Guimarães adquiriu à CC – Sociedade Imobiliária, S.A. o prédio referido em 10. e 11., destinado à concretização do projecto designado por “...” – alínea EE. dos F.A..

29. No dia 13 de Dezembro de 2011, o Autor marido enviou ao Município de Guimarães, carta registada com o Código de Registo RC …PT, a qual foi por este recebida, com o teor seguinte: “ Na obra, designada “ ... “, que está a ser realizada, o Município de Guimarães, sem minha autorização, ocupou do meu prédio a área de terreno, que é objecto do processo, que corre termos sob o nº …TCGMR da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães e prepara-se para nela realizar obras, sendo que já arrancou três árvores de fruta: uma figueira, um ameixoeiro e um magnoeiro. Assim, pela presente, intimo o Município de Guimarães a desocupar, de imediato, a respectiva área de terreno e a abster-se de nela realizar qualquer obra” – cfr. fls.471, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – alínea FF. dos F.A..

30. No dia 11 de Fevereiro de 2012, os Autores removeram o portão do local onde estava implantado e referido em M., com manutenção das colunas a que estava antes preso, no local mencionado em 12. e que, no local, permanecem – alínea GG. dos F.A..

31. E iniciaram a demolição parcial do muro mencionado em 13. com manutenção dos respectivos sinais do seu alinhamento que, no local, permanecem – alínea HH. dos F.A..

32. Em Março de 2011, a Ré A. DD, Lda. procedeu à entrega de tal prédio completamente devoluto de pessoas e bens, tendo deixado de ser inquilina do conjunto referido em 4 – alínea II. dos F.A..

33. A parcela de terreno assinalada a sombreado no desenho de fls. 37 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) tem uma largura variável entre 3,87 metros na entrada que dá para a Avenida ... e 3,80 m, na sua parte final, conforme mais rigorosamente consta de fls. 117, e tem o cumprimento total de 22,35m (correspondente à soma de 11,50m+1.42m+1,79m+7,64m) e uma área total de 88,50m² - provado por acordo das partes.

34.  Essa parcela de terreno situa-se entre a estrema Nascente do prédio de MM, mencionado em 1., e a fachada Poente da casa e terreno, localizado nas suas traseiras, do prédio referido em 1. – resposta ao artº. 2º da B.I..  

35. Na fachada poente desta casa do prédio referido em 1. existiam, e existem, uma janela no primeiro andar e uma janela na cave voltadas directamente para essa parcela de terreno – resposta ao artº. 3º da B.I..

36. Junto à fachada poente da casa existe um anexo cujas portas estão voltadas directamente para essa parcela de terreno, tendo existido a porta referida na parte final da alínea M) dos factos assentes – resposta ao artº. 4º da B.I.[1].

37. Por si e antepossuidores, os Autores ocupam o prédio referido em 1. – resposta ao artº. 7º da B.I..

38. Dando-o de arrendamento e recebendo as respectiva rendas, neles fazendo obras e melhoramentos, suportando as respectivas despesas e impostos, desde há mais de quinze, vinte e trinta anos, sem interrupção temporal, sem oposição de ninguém, à vista de toda a gente, como se donos fossem – respostas aos artºs. 8º a 15º da B.I..

39. A declaração de fls. 38 (cujos dizeres aqui se dão por reproduzidos) está assinada pelos Autores – resposta ao artº. 16º da B.I..

40. Com a elevação referida em 12., a Ré tapou, parcialmente, uma janela, que existia e ainda existe, na fachada Poente da casa do prédio identificado em 1., ao nível da sua cave – resposta ao artº. 19º da B.I..

41.  E por efeito dessa elevação, por essa janela, quando aberta, passou a introduzir-se nesse rés-do-chão a água das chuvas, que, antes dessa elevação ter sido efectuada, corria, naturalmente e no sentido Norte / Sul, pela mencionada parcela de terreno para o terreno dos prédios rústicos referidos em 4. e 5. e, actualmente, para o terreno do prédio referido em 9. – respostas aos arts. 20º e 21º da B.I.

42. Quando a 2ª Ré abre e mantém aberto aquele portão, a sua abertura processa-se de Norte para Sul e fica, com toda a sua largura, preso e encostado ao muro de blocos de cimento referido em 13. e tapando o local da porta referida em 12. – respostas aos arts. 26º a 28º da B.I..

43. A Ré CC só comprou o referido prédio referido em 10., pelo indicado preço, em virtude de o mesmo confrontar directamente com a Av.ª ..., permitindo o acesso directo e sem quaisquer limitações a esta via, o que era uma condição essencial para a decisão de celebrar aquele negócio, facto que os vendedores conheciam e asseguraram que se verificava à ré CC, que disso ficou convencida – respostas aos arts. 40º a 45º da B.I..

44. O facto de o prédio referido em 10. não confrontar directamente com a dita Av.ª ... causa prejuízos à CC – resposta ao artº. 46º da B.I..

45.  A A. DD, Lda. recuou o aludido portão cerca de onze metros para sul do local onde se encontrava – resposta ao artº. 50º da B.I..

46. Depois desse recuo, os Autores passaram a aceder com bidões de produtos químicos à lavandaria referida em 20., através da porta lateral – respostas aos arts. 51º e 52º da B.I..

47. A A. DD tinha as chaves do portão – respostas aos artº.s 53º da B.I..

48. A Ré CC usa o prédio referido 9. e a parcela referida em 33. há mais de 15, 20 e 30 anos, usando-os e efectuando neles obras de conservação e de transformação, cultivando-o, limpando-o e dele retirando todos os seus frutos e utilidades – respostas aos arts. 56º a 58º da B.I..

49. Por si e por seus antepossuidores, contínua e ininterruptamente, com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia, incluindo os próprios Autores – respostas aos arts. 60º a 63º da B.I..

50. Sem oposição de ninguém até à solicitação referida em 14., como se dona fosse – respostas aos artºs. 64º e 65º da B.I..

51. O acesso ao primeiro andar, ao rés-do-chão e à cave do prédio referido em 1. fazia-se por uma porta que deitava directamente para a Avenida ..., à semelhança do que acontece actualmente – respostas ao artº. 67º e 68º da B.I..

52. Depois do referido em 20., os AA. deram de arrendamento parte do prédio à TT, Lda., a qual aí esteve instalada e a funcionar até Janeiro de 2004 – respostas aos artºs. 71º e 72º da B.I..

53. Nos dias que se seguiram ao referido em 27., o Autor estacionou um veículo automóvel na parcela referida em 33. e 34., impedindo a passagem por essa parcela de terreno - respostas aos artºs. 73º e 74º da B.I..

54. O Autor apenas retirou o veículo depois de instado para o efeito pela Polícia Municipal – resposta ao artº. 75º da B.I..

55. O descrito em 53. e 54. e 23. a 27. não foi consentido pelo Réu-Reconvinte – resposta ao artº. 76º da B.I..

56. Os Autores sabiam que estes autos já tinham a audiência de julgamento agendada e que havia sido requerida a inspecção judicial ao local – respostas  aos arts. 77º e 78º da B.I..

57. O que não fez os Autores absterem-se de ordenar os descritos trabalhos de construção, alterando conscientemente o local objecto de discussão nos presentes autos, o que fizeram com o propósito de impedir um correcto juízo sobre os factos e a boa decisão da causa, causando ao Réu incómodos – respostas aos artºs. 79º a 82º da B.I..

58. No projecto de fls.473 prevê-se a construção de uma escadaria, sem a permanência do portão referido em 12. – respostas aos arts. 87º e 88º da B.I..


*

São, como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, as atrás enunciadas e que pelos recorrentes nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.

As quais assim se podem resumir:

Havendo-se transmitido para os autores/recorrentes o direito de propriedade do prédio, objecto do contrato de compra e venda celebrado em 16/3/1990, dele fazendo parte integrante, segundo os mesmos, a parcela em discussão, com a área de 88,50 m2, cuja aquisição o autor marido registou a seu favor na Conservatória do Registo Predial, em 3/2/1994 (desanexado do prédio nº …, e, tendo essa mesma parcela de terreno sido integrada no prédio pelos mesmos vendedores vendido à primitiva ré CC, em 2/11/1999, com registo da respectiva aquisição em 19/11/1999, concluir se tem ser tal negócio, como venda de coisa alheia, ineficaz em relação aos autores, sendo intitulada a posse exercida pelos vendedores sobre tal parcela, desde a referida data de 16/3/1990, não podendo a duração de tal posse ser acrescida à da ré CC.

E, assim, desde que esta registou o prédio a seu favor, seja, em 2/11/1999, até à data da sua citação para a acção, em 8/2/2007, não decorreu o prazo necessário à aquisição da questionada propriedade por banda da ré.

Havendo, assim, que saber se a dita parcela de terreno com a área de 88,50 m., faz parte integrante do prédio vendido ao autor marido e por ele comprado pela escritura de compra e venda de 16 de Março de 1990 e cuja aquisição registou a seu favor na CRP em 3 de Fevereiro de 1994.

Sendo certo que essa mesma e ora questionada parcela de terreno foi integrada no prédio vendido pelos vendedores à primitiva ré CC e por ela comprado pela escritura de 2/11/1999, cuja aquisição registou a seu favor na CRP, em 19/11/1999.

Sustentando, a propósito, os ora recorrentes que os anteriores donos dos prédios, ao venderem a questionada parcela à primitiva ré, que também integrava o prédio que aos mesmos adquiriram, venderam coisa alheia que já não lhes pertencia.

Não têm razão nesta sua pretensão, tendo em conta a factualidade que nos aparece como provada nas instâncias.

E que este Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de revista, não pode alterar. Aplicando, antes e apenas, quanto ao que agora importa, definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido – art. 729.º, nº 1 do CPC.

Não podendo a decisão por este proferida quanto à matéria de facto ser alterada pelo STJ, salvo excepções que ora não importam – nº 2 deste mesmo preceito legal.

Com efeito, não havendo ofensa se uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe  a força de determinado meio de prova , o erro na apreciação as provas não pose ser objecto de recurso de revista[2]

Sucedendo, desde logo, não resultar, com segurança, da factualidade apurada que a dita faixa de terreno ora em causa, com a área de 88,50 m2, aludida nos pontos 33 a 36 atrás elencados, e não obstante as áreas e confrontações atinentes à descrição do prédio adquirido pelo autor marido, registado a seu favor na dita CRP de Guimarães, faça parte integrante desse prédio[3].

Atentemos, porem, e antes de mais, no falado registo predial, o qual, como iremos ver, por si mesmo, não resolve a questão que temos a decidir.

Um dos mais importantes efeitos substantivos do registo é o da atribuição ao seu titular da presunção da titularidade do direito.

Por força de um dos seus princípios orientadores, o da presunção da verdade registal, ou da exactidão do registo, também chamado da fé pública registal, o que consta do registo é juridicamente existente e, consequentemente, quem aparece no registo como titular de um direito real sobre um bem imóvel é o seu verdadeiro titular, podendo, portanto, dispor desse direito.

Trata-se de uma presunção juris tantum, naquelas duas vertentes, que pode, todavia, ser destruída por prova em contrário – art. 7.º do Código do Registo Predial[4]/[5]

E, assim, quem tem tal presunção a seu favor escusa de provar o facto que a ela conduz: o efeito da presunção é o de inverter o ónus da prova – art. 350.º do CC[6].

Sendo certo, por outro lado, por via do princípio da prioridade, que reflecte o aforismo latino prior tempore, potior jure, isto é, primeiro no tempo, melhor direito, caso seja possível a concorrência de direitos similares, pertencentes a titulares diferentes sobre o mesmo prédio, estabelece a lei o critério da prevalência do direito primeiramente inscrito no registo, independentemente da antiguidade do título.

E, assim, prescreve o art. 6.º do mesmo CdRP, e no que aqui importa, que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos[7].

Sabendo-se – assim sendo comummente entendido, ao que se crê - que a presunção resultante da inscrição do direito não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos no registo. Pois, o registo predial não tem como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio[8].

Bem como que o registo é normalmente meramente enunciativo: estabelecendo, embora, uma presunção de titularidade, não dá nem tira direitos. Sendo a regra, no nosso sistema jurídico a de que o registo não tem eficácia constitutiva ou extintiva de direitos[9].

Nele emergindo o seu caracter declarativo: a verdade material não substitui a registal ou tabular, mantendo-se as duas, cada uma com o seu regime e esferas específicas. Dirigindo-se o registo mais à publicidade do que à plenitude da garantia[10].

Ora, dúvidas não restarão que, face ao registo predial pelo autor marido efectuado, no que concerne ao prédio que adquiriu através da compra e venda titulada pela escritura pública outorgada em 16 de Março de 1990, presume-se o mesmo titular do respectivo direito de propriedade.

Sendo, porém, tal presunção, como atrás vimos, ilidível.

Presunção essa, apenas atinente ao prédio como tal constante da respectiva descrição predial. Sem que da mesma se permita retirar que a questionada faixa de terreno dele faz parte integrante.

Sendo, ainda, certo, mesmo dando-se de barato que a dita faixa integra o prédio registado em nome do autor marido, que tal presunção pode, ainda, entrar em conflito com a presunção de titularidade resultante da posse de outrem sobre o mesmo prédio, ou sobre parte integrante desse mesmo prédio.

Resultando do art. 1268.º que a presunção advinda do registo apenas prevalecerá se for anterior ao início da posse, pois, de contrário, será a presunção a favor do possuidor que prevalecerá[11].

Sendo tal posse protegida por lei apenas por se presumir que por detrás dela existe na titularidade do possuidor o direito real correspondente[12].

Significando esta presunção que, numa acção de reivindicação, o possuidor não tem o ónus da prova, cabendo ao reivindicante esse encargo[13].

Sendo ao reivindicante, no caso de posse de outrem – posse de facto e não mera posse jurídica – que incumbe fazer prova do seu direito contrário a tal posse, sob pena de o réu triunfar na demanda[14].

Ora, provado que está que a primitiva ré CC usa a questionada parcela de terreno há mais de 30 anos, nela efectuando obras de conservação e de transformação, cultivando-a, limpando-a e dela retirando todos os seus frutos e utilidades, estando, assim, na posse, desde então, da mesma[15]/[16], concluir se tem, face ao prescrito no mencionado art. 1268.º, que tal ré goza da presunção da titularidade do direito de propriedade respectivo, sendo certo que o arrogado direito do autor marido, mesmo que conste do registo predial, e, assim, fundado neste, é posterior ao início daquela posse (o registo a favor do autor é de 3/2/1994).

Também por aqui, improcederia a acção contra a primitiva ré CC (agora está, no lugar dela, habilitado o MUNICÍPIO de GUIMARÃES).

Mas, há mais.

Estando-se, agora, no âmbito da aquisição originária do direito de propriedade sobre a questionada parcela.

Por via da pretendida usucapião.

A qual está na base de toda a nossa ordem imobiliária, valendo por si, em nada sendo prejudicada pelas vicissitudes registais[17]/[18].

Nada podendo fazer o titular inscrito no registo contra a usucapião.

Sendo a usucapião a aquisição do direito de propriedade (ou de outro direito) sobre uma coisa (e tratamos agora dos imoveis) em razão da posse com determinadas características (arts 1287.º e ss )[19].

A qual necessita de ter certas características e de ser mantida por certo lapso de tempo.

Exigindo-se, para que com a mesma se possa aceder à usucapião, uma posse pública e pacífica, variando os prazos, consoante exista registo de mera posse e boa fé, registo de mera posse e má fé, título de aquisição e seu registo e má fé, posse de boa fé e não existência de título de aquisição, nem registo deste sendo a posse de má fé (arts 1294.º a 1297.º)

Sendo de 15 anos o prazo para a posse de boa-fé.

E de 20 anos o prazo para a posse de má-fé.

Ora, provado ficou que a primitiva ré CC ocupa e frui a parcela em questão, por si e ante possuidores[20], de forma contínua e ininterrupta, com o conhecimento de todos (seja, de forma pública), sem oposição de ninguém até à solicitação aludida em 14 (seja, de forma pacífica).

Fazendo-o há mais de 30 anos.

Tendo, assim, adquirido a propriedade em apreço por usucapião.


*


Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 14 de Novembro de 2013

Serra Baptista (Relator)

Álvaro Rodrigues

Fernando Bento

___________________
[1] Resposta alterada pelo acórdão recorrido.
[2] Ac. do STJ de 19/9/2012 (Azevedo Ramos), Pº 973/09.8TBVIS.C1.S1
[3] Não obstante o teor do contrato-promessa junto de fls 432 a 433 e da declaração de fls 38, documentos particulares que apenas poderão ter sido valorado pelas instâncias, sem poder de censura, a tal propósito, por banda deste STJ.
[4] Doravante designado por CdRP.
[5] Cfr., também, Menezes Leitão, Direitos Reais, p. 283.
[6] Sendo deste diploma legal todas as disposições legais a seguir citadas sem outra menção.
[7] Seabra Lopes, Direito dos Registos e do Notariado, p. 173, que temos vindo a seguir de perto.
[8] Oliveira Ascenção, Direito Civil – Reais, p. 352 e Acs do STJ de 27/11/93 (Joaquim de Carvalho), CJ S., T. I, p. 100, de 5/7/2001 (Silva Paixão), Pº 01A2097 e de 4/5/2004 (Pinto Monteiro), Pº 04A570, in www.dgsi.pt. Cfr., no entanto, José Alberto Gonzalez, A Realidade Registal Predial para Terceiros, p. 204 e segs.
[9] Menezes Leitão, ob. cit., p. 287.
[10] Ac. do STJ de 18/5/1999 (Pereira da Graça), Bol. nº 487, p. 32.
[11] Ibidem, p. 283/284.
[12] Ac. do STJ de 8/5/2001, CJ S., T. 2, p. 57.
[13] Mota Pinto, Direitos Reais, p. 264 e seg.
[14] Manuel Rodrigues, A Posse, p. 276
[15] A nossa lei, quanto ao conceito de posse (art. 1251.º do CC), acolheu, no essencial, a concepção subjectiva, de Savigny, sendo a mesma integrada não apenas pelo poder de facto sobre a coisa (o corpus), mas também pelo animus, que consiste na intenção do possuidor de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente a tal domínio de facto – Henrique Mesquita, Direitos Reais, p. 65 e ss. Mas, não obstante a lei exigir que o possuidor prove a coexistência destes dois elementos, podendo tal prova ser bem difícil, no que concerne ao psicológico, a própria lei, no art. 1252.º, nº 2 do CC, estabelece que, em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto sobre a coisa. Ou seja, o exercício do corpus faz presumir a existência do animus – Mota Pinto, Direitos Reais, p. 191.
[16] Não se dizendo sequer, em relação a tal fruição da parcela, que a ré o fez, durante tão alargado lapso de tempo, também por intermédio de outrem. Pode parecer estranho, mas é o facto que, em si mesmo, advém das instâncias. E que aqui se tem de dar como adquirido.
[17] Oliveira Ascenção, ob. cit., p. 367.
[18] A aquisição por via da usucapião, porque é originária, mesmo que houvesse registo anterior ao início da respectiva posse, cederá o mesmo perante tal forma de aquisição – cit. Ac. do STJ de 18/5/1999.
[19] Não valendo para a usucapião a posse violenta ou oculta, enquanto assim for (art. 1297.º do CC).
[20] Em nada relevando serem estes os anteriores proprietários e vendedores.