Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4591/06.4TBVNG.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: CHEQUE
REVOGAÇÃO
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANÁRIOS EM ESPECIAL / CHEQUE.
Doutrina:
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 4ª edição, p.329.
- Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, 2008, p. 227 e seguintes.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º1, 491º, 492º, 493º, Nº1, 566.º, N.º3, 616º, Nº2 E 807º, Nº2.
LEI UNIFORME SOBRE CHEQUES: - ARTIGOS 19.º, 40.º, 46.º, N.º1, AL. C).
Jurisprudência Nacional:
CÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 2010.10.12, CJ/STJ, ANO XVII, TOMO III, PÁGINA 130;
-DE 2012.05.10, REVISTA Nº 272/08.2TVPRT.P3.S1, EM WWW.DGSI.PT.
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ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA DE 2008.02.28 E PUBLICADO NO DR, I SÉRIE, DE 2008.04.04.
Sumário :

1 - O não pagamento de um cheque revogado e sem provisão no período que suportasse o débito do cheque, faz presumir, segundo as regras da experiência e das probabilidades, que o seu portador não receberá o seu montante.

2 - Se mais tarde o tomador puder vir a receber o referido montante invocando uma relação subjacente ao negócio cartular, é um facto que terá que ser alegado e demonstrado pelo Banco sacado.

3 - Ao tomador do chegue revogado compete apenas alegar e provar que não recebeu o seu montante em virtude do ilícito cancelamento do pagamento do cheque, cumprindo assim o ónus que sobre si impende de alegar e provar o nexo de causalidade entre esse facto ilícito e o dano, assim consubstanciado.

4 - Ao Banco sacado competirá alegar e provar que apesar de o tomador não receber esse montante através do desconto do cheque revogado, o receberá ou poderá receber por outro modo, daí se retirando que aquele tomador não teria qualquer prejuízo com a revogação.

5 - A existência deste nexo de causalidade e deste dano só poderia ser posta em causa se o sacado lograsse provar que a sua conduta era inapropriada para a produção do dano, do que desde logo resultaria que o seu comportamento nem sequer constituiria um comportamento apto à produção do resultado danoso.

6 - A irrelevância negativa da causa virtual é uma regra geral, pelo que a falta de provisão de um cheque nenhuma influência pode ter na responsabilidade do sacado como autor do dano que era inerente ao não pagamento do cheque por ilícita aceitação da sua revogação.

7 - Da revogação ilícita de um cheque e da consequente proibição do seu pagamento, sempre resultaria para o seu portador, independentemente do seu resultado final, a privação de determinadas oportunidades para chegar a esse resultado – o pagamento – ou seja, a perda de uma chance.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 2006.05.24, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia – 1ª Vara Mista - AA veio intentar contra o Banco BB, S.A. a presente ação com processo ordinário

Pediu

a condenação deste último a pagar-lhe a quantia de 15.303,92 euros, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 1.385,32 euros, bem assim dos vincendos até integral liquidação daquele primeiro quantitativo.

Alegou

 em resumo, que

- o Banco/réu procedeu à devolução de dois cheques sacados por AA sobre conta de que este era titular nesse Banco, um deles com a menção de “falta ou vício na formação da vontade” e outro com a menção de “furto”, cheques esses emitidos em 2004.01.20 e 2004.03.20 e que havia (ele autor) recebido por endosso da sociedade “D........”, a favor de quem tinham sido emitidos por aquele AA;

- o Banco/réu, ao assim proceder, impediu que (ele autor) obtivesse o montante titulado nos mencionados cheques, em clara violação do prescrito nos artigos 28º, 29º e 32º da Lei Uniforme sobre Cheques, posto ter aceitado a eventual ordem de revogação dos mesmos antes de findo o respectivo prazo de apresentação, constituindo-se na obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados, equivalentes ao montante de tais cheques.

Contestando

e também em resumo, a ré alegou que

a devolução dos aludidos cheques se ficou a dever a ordens escritas e expressas do aludido sacador, o que justificava (legalmente) o seu procedimento, assim inexistindo motivo para se dar como apurado o invocado prejuízo, para além deste, no caso, não poder ser-lhe imputado, dado a conta sacada não dispor de fundos bastantes para suportar o pagamento dos ditos cheques.

Requereu a intervenção principal acessória do sacador dos mencionados cheques, sobre quem assistia direito de regresso, para o caso de vir a ser condenado no pagamento da indemnização peticionada.

O autor replicou, rejeitando a procedência da defesa por exceção aduzida pelo contestante, concluindo nos termos inicialmente formulados.

Admitido o falado incidente de intervenção, foi citado o chamado AA, o qual apresentou articulado próprio em que, no que aqui interessa reter – para além de deduzir incidente da sua própria intervenção principal ao lado do réu para justificar pedido reconvencional a formular contra o autor, bem assim de ter deduzido a intervenção principal da dita sociedade endossante dos cheques – arguiu a sua ilegitimidade para ser chamado à ação, mais adiantando ter o autor adquirido os mencionados títulos com conhecimento de que os mesmos não eram para ser apresentados a pagamento, tendo o seu endosso sido efetuado no intuito de o prejudicar (a ele interveniente).

Respondeu o autor a este último articulado para sustentar a improcedência da matéria de exceção aduzida pelo chamado, bem assim a inadmissibilidade dos incidentes e reconvenção pelo mesmo deduzidos.

Subsequentemente, proferiu-se despacho saneador, onde foi considerada improcedente a exceção de ilegitimidade do chamado, bem como inadmissíveis os incidentes de intervenção e pedido reconvencional por aquele último deduzidos no seu articulado.

Fixou-se a matéria de facto tida como assente entre as partes e organizou-se base instrutória, peças este objeto de reclamação que veio a ser atendida.

Em 2011.02.17, depois de efetuada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de 15.303,92 € e respectivos juros.

A ré apelou, com êxito, pois a Relação do Porto, por acórdão de 2012.10.04, alterou a decisão recorrida, condenando apenas a ré a pagar ao autor a quantia de 7.651,96 € e respetivos juros, quantia esta titulada pelo cheque emitido em 2004.03.20.

Inconformado, o autor deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

A recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

a única questão proposta para resolução consiste em saber se da revogação do cheque emitido em 2004.03.20 resultou um prejuízo para o autor no montante nele inscrito.

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

 1 - O Autor recebeu, por endosso da empresa “D........, Ld.ª”, os cheques n.ºs 000000000 e 000000000 que se encontram juntos a fls. 12 e 13, sacados pelo Chamado AA sobre a sua conta n.º 00000000, no “Banco BB, S.A.”, no valor de 7.651,96 €, cada, com datas de emissão, respectivamente, de 20.1.04 e de 20.3.04;

2 - Depositados os referidos cheques na conta de depósito à ordem de que o Autor é titular no “Banco de Investimento, S.A.”, foram os mesmos apresentados a pagamento na compensação, dentro do prazo de oito dias, tendo sido devolvidos pelo Banco Réu com as seguintes menções, constantes do respectivo verso:

. cheque emitido em 20.1.03: devolvido na compensação na mesma data, com a menção de “falta ou vício na f. da vontade”;

. cheque emitido em 20.3.04: devolvido na compensação em 29.3.04, com a menção de “furto”;

3 - A devolução dos cheques foi comunicada ao Autor através do seu banco por cartas registadas, datadas de 20.1.04 e de 29.3.04;

4 - O Banco Réu recusou o pagamento dos cheques referidos em 2;

5 - O Autor não recebeu do sacador e da endossante os valores inscritos nos cheques;

6 - Os dois cheques referidos em 2 foram entregues ao portador/beneficiário em data anterior à que deles consta como data de emissão;

7 - Foram entregues com, pelo menos, mais um cheque e destinados, todos eles, a titular prestações iguais (7.651,95 €) de um pagamento mais amplo;

8 - No período de 20 a 28 de Março de 2004, a conta sacada n.º 0000000 não tinha provisão que suportasse o débito do cheque referido em 2, emitido em 20.3.04;

9 - No período referido em 8, o saldo credor da dita conta era inferior ao valor do cheque referido em 2, emitido em 20.3.04;

10 - Os montantes dos cheques referidos em 2 correspondem a quantias devidas à sociedade “D........” pela sociedade “A...- Fábrica de Calçado, Ld.ª”, por virtude de fornecimentos daquela a esta;

11 - Foi ao saber que tais cheques iam ser apresentados a pagamento que o Chamado, por carta, comunicou a revogação ao Banco sacado, declarando revogar os mesmos cheques por “vício na formação de vontade”;

12 - Na sequência da comunicação acima referida, o Banco recusou o pagamento dos cheques referidos em 2;

Os factos, o direito e o recurso

Conforme se refere no acórdão recorrido, não está aqui em causa que a aceitação da revogação dos cheques por parte da ré foi injustificada e, portanto, ilícita.

O que está aqui em causa é apenas a consequência dessa aceitação em relação a um desses cheques - o identificado com o número 000000000, emitido em 2004.03.20 - em que a conta não tinha provisão, já que em relação ao outro cheque a ré recorrente conformou-se com a condenação proferida na 1ª instância.

Na sentença recorrida entendeu-se que apesar da não provisão do cheque, com a aceitação da sua revogação foi causado um dano ao autor, no montante naquele cheque inscrito.

No acórdão recorrido entendeu-se que não estando a conta provisionada, seria esta a causa real e adequada do dano e não a aceitação pelo Banco sacado da ordem de revogação ou seja e conforme aí se escreveu, “resulta, assim, do exposto, não revelarem os factos provados que a atitude do recorrente de não pagar os referidos cheques à recorrida a esta provocasse, em termos de causalidade adequada, algum prejuízo, além do mais porque para tal pagamento não havia provisão na conta”.

O autor recorrente entende que “a causa efetiva e real (e única) da privação do autor da quantia inscrita no cheque foi a recusa ilícita do Banco réu em proceder ao seu pagamento”.

Com todo o respeito pelo entendimento vertido no acórdão recorrido, cremos que o autor tem razão.

Sobre a questão que nos ocupa, já nos pronunciamos no acórdão de que foi relator e adjunto os aqui também relator e 1º adjunto, acórdão este proferido em 2012.05.10, no recurso de revista nº 272/08.2TVPRT.P3.S1, disponível na íntegra em www.dgsi.pt, que, por não haver motivo para alterar o entendimento aí vertido, é refletido no presente acórdão.

Assim, recordemos o que se escreveu a esse respeito no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido por este Supremo em 2008.02.28 e publicado no DR, I Série, de 2008.04.04 e de que o relator e o 1º adjunto deste acórdão foram subscritores a que, obviamente, aderimos:

Temos, então, que o Banco é, em princípio, responsável pelo pagamento ao tomador de uma indemnização correspondente ao valor dos cheques ou, pelo menos, ao valor do prejuízo resultante do seu não pagamento, se se entender que o mesmo não é idêntico ao valor dos cheques não pagos.

Podia dizer-se, em contrário do supra exposto que não se verificaria o nexo causal entre o dano e o facto culposo se a conta sacada não se encontrasse provisionada quando os cheques foram apresentados a pagamento.

Porém, a ser assim, o réu teria de recusar o seu pagamento com tal fundamento, uma vez que do contrato de cheque resulta apenas para o Banco a obrigação de pagar cheques regularmente emitidos e desde que a conta se encontre provisionada.

Mas, numa situação idêntica à dos autos, o Banco ao aceitar ilicitamente a revogação dos cheques (uma vez que apresentado a pagamento no prazo legal) impediria que se verificasse o facto que implicava a obrigação de notificação do sacador para regularizar a situação dentro dos trinta dias referidos no art. 1.º do DL n.º 316/97 e comunicação ao Banco de Portugal, o que, na prática impediria o portador de usar um meio de pressão sobre o devedor que a lei lhe confere, sendo utópico presumir que este disponha de património que garanta solvabilidade.

Aliás, a falta de provisão na data da apresentação a pagamento de cada um dos cheques não é equivalente a falta absoluta de provisão. Se o cheque apresentado a pagamento fosse recusado por falta de provisão, nada nos diz que o cheque não pudesse ser novamente apresentado a pagamento e obtivesse provisão.

Um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual em que se move a causa de pedir nesta ação consiste no dano, cuja verificação, não obstante a existência de um facto ilícito, é condição essencial para que haja obrigação de indemnizar, ou seja, a obrigação de reparar os prejuízos causados ao lesado, sem os quais esta obrigação não existe, como decorre do estipulado no artigo 483º, nº1, do Código Civil.

“O não pagamento ao portador do montante titulado por um cheque, no momento da apresentação a desconto, independentemente da causa que lhe esteja subjacente, vem a significar a falta de realização do valor correspondente ao quantitativo da prestação a que aquele, na qualidade de credor, tinha direito, com o consequente dano patrimonial verificado”.

“Por outro lado, um Banco que recusa o pagamento de um cheque revogado determina, segundo as regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, que o tomador seja privado do respectivo montante, não sendo conjeturável prognosticar que o sacador disponha de outros bens acessíveis que garantam a respectiva solvabilidade”- do acórdão deste Supremo, de 2010.10.12, “in” Coletânea de Jurisprudência/Supremo Tribunal de Justiça, ano XVII, tomo III, página 130.

Dito doutro modo: o não pagamento de um cheque revogado e sem provisão no período que suportasse o débito do cheque, faz presumir, segundo as regras da experiência e das probabilidades, que o seu portador não receberá o seu montante.

E isto porque a revogação – justificada ou não justificada, para o caso não interessa – tem como finalidade inerente precisamente esse efeito: o não pagamento do cheque.

Se mais tarde o tomador pudesse vir a receber o referido montante invocando uma relação subjacente ao negócio cartular, é um facto que, a nosso ver, teria que ser alegado e demonstrado pelo Banco sacado, sendo que no plano das hipóteses, como esse recebimento poderia sempre ocorrer no futuro, a simples consideração desta possibilidade paralisaria sempre a responsabilidade da instituição de crédito sacada por ilícita aceitação de uma revogação de um cheque, uma vez que a realidade dessa possibilidade sempre se teria que considerar como ausência de produção de dano.

Ao tomador do chegue revogado compete apenas alegar e provar que não recebeu o seu montante em virtude do ilícito cancelamento do pagamento do cheque, cumprindo assim o ónus que sobre si impende de alegar e provar o nexo de causalidade entre esse facto ilícito e o dano, assim consubstanciado.

Ao Banco sacado competirá, como se disse, alegar e provar que apesar de o tomador não receber esse montante através do desconto do cheque revogado, o receberá ou poderá receber por outro modo, daí se retirando que aquele tomador não teria qualquer prejuízo com a revogação.

A existência deste nexo de causalidade e deste dano só poderia ser posta em causa se o sacado lograsse provar que a sua conduta era inapropriada para a produção do dano, do que desde logo resultaria que o seu comportamento nem sequer constituiria um comportamento apto à produção do resultado danoso.

O que nos remete para a questão da relevância/irrelevância da causa virtual.

Esta verifica-se sempre que o dano resultante da causa real se tivesse igualmente verificado, na ausência desta, por via de outra causa, denominada a causa virtual.

No caso em apreço, o cheque não tinha provisão.

Assim, o cancelamento do pagamento do cheque por via da sua revogação constituiria a causa real, enquanto a falta de provisão constituiria a causa virtal.

A relevância positiva desta causa virtual, no sentido de que a existência desta causa serviria para afastar a responsabilidade do autor da causa real não pode ser admitida, uma vez que implicaria que se teria de prescindir do nexo de causalidade, já que este seria interrompido pela ocorrência da causa real.

A relevância negativa da causa virtual está prevista expressamente na lei para certo tipo de situações – artigos 491º, 492º, 493º, nº1, 616º, nº2 e 807º, nº2, todos co Código Civil – constituindo estas normas disposições excecionais e, por isso, não sendo de considerar para todos os casos aquela relevância negativa.

Resta, pois, considerar, como consideraram Menezes Leitão e os autores aí citados “in” Direito das Obrigações, 4ª edição, página 329, que a irrelevância negativa da causa virtual é uma regra geral.

E que “verificando-se a imputação delitual de um facto ao agente, naturalmente que ele há-de responder pelos danos causados (artigo 483º), não prevendo a lei como regra geral que essa responsabilidade seja perturbada pela causa virtual (…)”.

Concluímos, pois, que por este lado, a falta de provisão do cheque nenhuma influência podia ter na responsabilidade do sacado como autor do dano que, como acima ficou dito, era inerente ao não pagamento do cheque por ilícita aceitação da sua revogação.

Ora, no caso concreto em apreço, nem a recorrente, nem o chamado AA, sacador do cheque, alegaram e, consequentemente, provaram, que o autor podia receber o montante do cheque por outro meio.

Assim, consubstanciado está o prejuízo sofrido pelo autor com a emissão do cheque em causa e justifica-se também a condenação da ré no montante desse cheque.

Além do mais, da revogação ilícita de um cheque e da consequente proibição do seu pagamento, sempre resultaria para o seu portador, independentemente do seu resultado final, a privação de determinadas oportunidades para chegar a esse resultado – o pagamento – ou seja, a perda de uma chance.

Assim e desde logo, conforme se refere no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência atrás referido, ficou o portador do cheque privado da oportunidade de usufruir dos meios de pressão consubstanciados na notificação do sacador para regularizar a situação dentro dos trinta dias referidos no artigo 1º do Decreto Lei 316/97, de 19.11, com a cominação de que a falta de regularização implicaria a rescisão da convenção de cheque, na obrigação de emitir novos cheques sobre o Banco sacado, na proibição de celebrar ou manter convenção de cheque com outras instituições e na inclusão na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco  e na comunicação ao Banco de Portugal.

Depois, ficou o portador do cheque privado da oportunidade de este ser apresentado novamente a pagamento e eventualmente, poder obter provisão.

É que o cheque podia não ter provisão na altura em que inicialmente foi apresentado a pagamento, mas mais tarde, essa provisão já existir e ser pago.

Também o portador do cheque perdeu a oportunidade de eventualmente o cheque, mesmo sem provisão, pudesse ser pago a descoberto, através de uma operação de facilidade de caixa.

Finalmente, o portador do cheque perdeu a oportunidade de o utilizar como título executivo numa ação executiva para cobrança coerciva da quantia inscrita no mesmo e nos termos dos artigos 40º da Lei Uniforme sobre Cheques e no artigo 46º, nº1, alínea c) do Código de Processo Civil.

Estamos, pois, perante situações em que o pagamento do cheque se podia verificar no futuro, embora não fosse certo que isso acontecesse.

E apesar desta incerteza, o autor, como portador legítimo do chegue – cfr. facto 1 do elenco dos factos provados e artigo 19º da referida Lei Uniforme sobre Cheques – encontrava-se em situação de vir alcançar o pagamento.

Finalmente, o comportamento do Banco sacado, ao aceitar ilicitamente a revogação do cheque, destruiu as expetativas do autor e inviabilizou a obtenção do resultado esperado, ou seja, o pagamento do montante inscrito no cheque.

Estão assim preenchidos os pressupostos da ressarcibilidade da chamada “perda de chance”, dano que se não confunde com a perda da vantagem esperada – aqui, o pagamento do cheque – mas diz respeito à perda da chance de obter uma vantagem – o referido pagamento.

Mas qual o “quantum” reparatório por essa chamada “perda de chance”?

Rute Teixeira Pedro “in” A Responsabilidade Civil do Médico, 2008, páginas 227 e seguintes, aponta para uma solução em que o “quantum” da indemnização corresponderia ao valor da utilidade económica que seria alcançada com a verificação do resultado final, reduzida em proporção de um coeficiente que traduzisse o grau de probabilidade de o alcançar.

Quanto à utilidade económica, seria, obviamente, o pagamento do montante inscrito no cheque.

Quanto ao grau de probabilidade de alcançar o pagamento do chegue e situando-se a questão na eficácia do exercício das oportunidades acima referidas, não temos elementos que nos conduzam a uma solução segura.

Sendo assim e na inoperância deste critério, temos que utilizar a equidade, nos termos do nº3 do artigo 566º do Código Civil.

E utilizando a equidade, temos que a sua mais justa seria fazer coincidir o prejuízo do autor com o montante do cheque.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em conceder a revista e, revogando-se o acórdão recorrido, condenar o réu nos termos da decisão de 1ª instância.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 21 de Março de  2013

Oliveira Vasconcelos (Relator)

Álvaro Rodrigues

Fernando Bento