Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
763/17.4T8GRD.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Tendo a autora (de 51 anos de idade e auferindo o salário líquido de € 515,00 x 14), em consequência de acidente de viação, sofrido lesões que, para além do coeficiente de incapacidade de que ficou afectada (13 pontos), lhe provocam sérias dificuldades no desempenho da sua actividade profissional habitual ou outra qualquer actividade similar (que implique força, agilidade e mobilidade) e mesmo para as tarefas normais e mais básicas do seu dia-a-dia (vestir-se, calçar-se, higiene pessoal); que essas dificuldades, só atenuadas pelo recurso permanente a ajudas (colete dorso lombar), medicação e tratamentos médicos, para além do esforço acrescido que exigem, se traduzem numa redução acentuada da possibilidade de adaptação e de escolha da actividade profissional, mesmo como trabalhadora indiferenciada, é adequado para ressarcir este dano patrimonial futuro o montante de € 50.000,00.
II - Ponderando que a autora: na sequência desse acidente, para o qual não contribuiu, foi submetida a internamento hospitalar (12 dias); foi longo o período com tratamentos e deles continua a necessitar (fisioterapia); teve de usar, durante 6 meses, colete dorso lombar e vai ter necessidade de o continuar a utilizar (nos períodos de trabalho, de esforços físicos e na condução); as sequelas permanentes que apresenta são graves, com os inerentes e graves reflexos físicos e psíquicos (a carecer de acompanhamento psiquiátrico) e afectam não só a sua capacidade funcional, mas também a sua qualidade de vida, dificultando-lhe a realização actividades comuns da sua vida diária, com relevante prejuízo de afirmação pessoal sofreu dores muito intensas e irá sofrer dores (grau 4/7), só atenuadas com medicação, de que depende permanentemente, é ajustado, para compensar o da não patrimonial sofrido, o montante de € 35.000,00.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA instaurou esta acção declarativa, de condenação, contra a COMPANHIA DE SEGUROS TRANQUILIDADE, S.A., actualmente Seguradoras Unidas, S.A..

Pediu a condenação da ré no pagamento da quantia de € 220.000,00 de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (deduzidos os valores já pagos mencionados nos arts. 53º e 54º da p.i.), bem como os juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.

Como fundamento, alegou que foi vítima de um acidente de viação causado por culpa do condutor de veículo segurado na Ré, que a transportava, tendo sofrido, em consequência deste acidente, graves lesões, bem como, múltiplos danos patrimoniais (ficando privada do trabalho que tinha e respectiva remuneração) e não patrimoniais daí advenientes, sustentando a responsabilidade da Ré no seu ressarcimento.

Foi apensada a esta acção a providência cautelar de arbitramento de reparação provisória que correu termos sob o processo nº 335/17......., onde as mesmas partes destes autos celebraram transacção, homologada por sentença transitada em julgado, nos termos da qual a Ré se obrigou a pagar à Autora a quantia mensal de €450,00.

A ré contestou, defendendo-se por impugnação e excepção, confirmando a ocorrência do acidente e assumindo a responsabilidade pelos danos decorrentes do mesmo, alegando, todavia, que as sequelas sofridas pela Autora já se encontram estabilizadas e que havia um quadro de patologias pré-existentes, sendo os danos peticionados manifestamente exagerados.

Concluiu pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.

Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença, em que se julgou a acção parcialmente procedente, nestes termos:

(…) condena-se a Ré COMPANHIA DE SEGUROS TRANQUILIDADE, S.A. a pagar à Autora AA a indemnização global de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), correspondendo €110.000,00 (cento e dez mil euros) à indemnização por danos patrimoniais e €40.000,00 (quarenta mil euros) à compensação pelos danos não patrimoniais, sofridos pela Autora na decorrência do acidente descrito nos autos, a que haverá que descontar os montantes já pagos pela Ré e a satisfazer por aquela até trânsito em julgado da decisão final nestes autos, a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento por reporte ao montante fixado a título de compensação pelos danos não patrimoniais, e bem como juros de mora à taxa legal sobre a quantia indemnizatória por danos patrimoniais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, no mais se absolvendo a Ré do contra si peticionado pela Autora.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou em parte procedente, tendo decidido:

1-Condenar a Ré a pagar à Autora AA a indemnização global de € 51.000,00 (cinquenta e um mil euros), correspondendo € 26.000,00 (vinte e seis mil euros) à indemnização por danos patrimoniais e € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) à compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela Autora na decorrência do acidente descrito nos autos, a que haverá que descontar os montantes já pagos pela Ré e a satisfazer por aquela até trânsito em julgado da decisão final nestes autos, a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a data da decisão da 1º Instância e até efectivo e integral pagamento por reporte ao montante fixado a título de compensação pelos danos não patrimoniais, e bem como juros de mora à taxa legal sobre a quantia indemnizatória por danos patrimoniais, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

2- Absolver a Ré do mais peticionado; (…)

Discordando desta decisão, a autora vem pedir revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

1ª. Há muito que a jurisprudência vem afirmando que a indemnização não pode ter um carácter miserabilista, nem pode representar um negócio – há que ser realista e criteriosamente recorrer à equidade, máxime quando se trate ou de compensação ou de indemnização por lucro cessante, o que não dispensa a análise comparativa com as atribuídas em casos similares, nem a inserção atualista referida quer ao momento da lesão, quer ao da fixação da indemnização e a evolução da economia – cfr., entre outros, acórdão do STJ de 11/11/2004 (proferido no Processo 05A1386, disponível em www.dgsi.pt).

2ª. O Acórdão recorrido enferma desse miserabilismo retrógrado, reduzindo os valores da indemnização arbitrada pela 1ª Instância, quer a título de danos patrimoniais, quer a título de danos não patrimoniais, para patamares absolutamente irrealista e desajustados à concreta situação em apreço.

3ª. O valor indemnizatório por tal dano patrimonial futuro, sendo indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no artigo 566º, nº 3, do CC, sendo que a equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio – cfr. Ac. TRC de 14/3/2017 (Proferido no Processo nº 595/14.1TBCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt).

4ª. Assim, na esteira do decidido no douto Ac. do STJ de 7/5/2014, “quanto ao dano derivado da afetação da capacidade de ganho, deve manter-se - à falta de posição tomada pelo legislador – o critério consistente em encontrar um capital que de rendimento proporcione o que deixou de se auferir e se extinga no fim presumível de vida ativa da pessoa visada” (in, www.sgsi.pt).

5ª. Na doutrina e na jurisprudência são várias as fórmulas, tabelas e fórmulas matemáticas de cálculo que têm sido utilizadas, como claramente se evidencia na douta sentença de 1ª Instância – e também no douto acórdão recorrido –, sendo que nenhum dos critérios é absoluto e, seja qual for o adotado, deve ser sempre temperado com as especificidades do caso concreto e as regras da equidade.

6ª. O princípio, por todos aceite, é o de que deverá atribuir-se ao lesado uma quantia em dinheiro que produza um rendimento (fixo) mensal equivalente ao perdido, mas que, simultaneamente, não lhe proporcione um enriquecimento injustificado à custa do lesante.

7ª.  - O julgamento de acordo com a equidade, como modo adequado de conformação das normas legais às características do caso concreto, não pode prescindir do que normalmente acontece no respeitante à expetativa de vida dos homens e das mulheres do nosso país (a qual não termina quando termina a vida ativa, sendo razoável ter em conta uma esperança média de vida de 80 anos); à progressão profissional de um trabalhador; á sua idade e à flutuação do valor da moeda; tendo em consideração um período de tempo correspondente ao da vida provável da vítima.

8ª. No caso vertentes, na sentença de 1ª Instância, seguindo as orientações jurisprudenciais dominantes, como critérios uniformizadores conducentes a um juízo justo conforme a equidade, levando em conta que a sinistrada tinha .. anos à data do acidente, que se encontrava profissionalmente ativa, auferindo um vencimento mensal líquido de € 515,00 (14 vezes por ano), uma esperança média de vida de 80 anos, os períodos significativos de repercussão temporária na atividade profissional, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado e partindo do pressuposto de que as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares e exigem significativas dependências permanentes e ajudas, temperado com fatores corretivos (entre outros a receção antecipada de capital –que, neste caso, não é total, porque a Recorrente está a receber mensalmente da Recorrida, desde 2017, quantia de € 450,00, cujo montante será descontado na indemnização), fixou a indemnização a título de danos patrimoniais na quantia de € 110.000,00 (cento e dez mil euros).

9ª. No acórdão recorrido tal valor é reduzido para €26.000,00 (vinte e seis mil euros).

10ª. O critério adotado no douto acórdão recorrido parte do pressuposto – errado – de que a Recorrente ficou ligeiramente afetada ou limitada para o exercício da sua atividade profissional e continuará a ter condições para a exercer plenamente – o que não corresponde à realidade, como claramente decorre da factualidade dada como provada nos autos.

11ª. Determinar - como o faz o acórdão recorrido - o valor da indemnização por danos patrimoniais futuros levando em conta uma percentagem de 13% (valor do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado), o vencimento de € 515,00 a multiplicar por 29 anos, descontando ¼ do valor apurado, procurando compensar com pouco mais de €5.000,00 os esforços suplementares e as dependências permanentes de ajudas é desajustado às especificidades do caso concreto e ao efetivo prejuízo resultante para a Recorrente.

12ª. Perante tal factualidade, dada como provada nos autos, a imagem que esta situação sugere é a de que, se a Recorrente fosse, à data do sinistro, uma atleta olímpica, após e em consequência das sequelas dele resultantes passaria a ser uma atleta paraolímpica ou uma atleta que concorre na categoria de atletismo adaptado.

13ª. Foi esta diferença que o tribunal de 1ª Instância – que teve a imediação da prova e da própria Recorrente – percebeu claramente, arbitrando a indemnização, quer a título de danos patrimoniais, quer a título de danos morais, ajustada à especificidade e gravidade da situação, segundo critérios de justiça e equidade, e o tribunal de 2ª Instância não percebeu, tendo como principal critério na fixação da indemnização um défice funcional permanente de integridade Físico-Psíquica de 13 pontos, considerando, ao nível dos danos patrimoniais, que a perda decorrente do sinistro para a Recorrente corresponde a 13% do vencimento que tinha à data do acidente.

14ª. O caminho seguido pelo tribunal recorrido é errado, iníquo, conduzido a valores indemnizatórios absolutamente desajustados, por defeito, à concreta e específica situação em causa nos autos.

15ª. Da factualidade provada decorre que à data do sinistro a Recorrente tinha 51 anos, era uma pessoa alegre, calma, tranquila e dormia bem; trabalhava para a “T........., S.A.”, desempenhando funções de empregada de ... no Hotel P................., na .................

16ª. A empregada de ... numa unidade hoteleira realiza, entre outras, as seguintes tarefas: limpeza das áreas comuns (corredores, salas, etc), limpeza dos ..., incluindo das respetivas casas de banho, mudança das roupas das camas e dos atoalhados, por vezes a mudança de colchões e a colocação de camas suplementares, sendo, por regra, um trabalho exercido individualmente e/ou em equipas de duas pessoas.

17ª. As diversas tarefas que as empregadas de andares duma unidade hoteleira têm de executar têm períodos certos para a sua realização, de modo a não causarem perturbações para os hóspedes e a garantirem que entre a hora de saída e a hora de entrada os quartos e zonas comuns ficam devidamente limpas e preparadas.

18ª. Resulta da factualidade provada que o exercício de tal atividade profissional implica, nomeadamente, o transporte de cargas superiores a 10kg, a constante execução de flexões dorsais e outras, grande mobilidade e agilidade e a permanência de pé durante a maior parte das oito horas do período diário de trabalho.

19ª. Resulta também da matéria de facto dada como provada que a Recorrente tem dificuldade em efetuar dorso flexões, tem de ajoelhar-se para apanhar qualquer objeto do solo, sente dores intensas quando pega em cargas superiores a 10kg e quando permanece de pé por longos períodos, tem dormência nos membros superiores e inferiores, tem dificuldade em realizar movimentos de rotação. Assim

20ª. Atento o tipo de tarefas e exigências da atividade profissional que a Recorrente exercia à data do sinistro e as limitações decorrentes das sequelas com que ficou em consequência do mesmo, é manifesto que ficou totalmente incapacitada para o exercício da sua profissão, não obstante o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (de acordo com os critérios da Tabela Nacional de Incapacidades) tenha sido fixada entre 9 e 13 pontos.

21ª. Nos relatórios das perícias realizadas e esclarecimentos solicitados refere-se que a Recorrente não se encontra incapaz para a realização da atividade profissional, mas que o seu exercício exige esforços suplementares, dependência permanente de ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e ajudas técnicas; no relatório de 23/7/2018 (ponto 65 da tábua de factos provados) concretiza-se que os esforços complementares se traduzem na adoção de novas posturas na realização de determinadas tarefas (o Sr. Perito médico ouvido em esclarecimentos do decurso do julgamento, sugeriu que a Recorrente executasse ajoelhada as tarefas de limpeza ou que exigem dorso flexões!...), na execução mais morosa das mesmas, necessidade de pausas, repartição de carga, alternância nas tarefas a realizar; do relatório de 8/7/2019 (ponto 68 da tábua de factos assentes) decorre que as ajudas medicamentosas traduzem-se na necessidade de permanente recurso a medicação regular, tal como analgésicos, antiespasmódicos ou antiepiléticos, sem os quais a Recorrente não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações de vida diária; os tratamento médicos regulares, correspondem à necessidade de recuso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, sugerindo-se, no caso, um programa de fisioterapia anual e acompanhamento médico-psiquiátrico; quanto às ajudas técnicas, as mesmas reconduzem-se, por exemplo, ao uso de cinta de contenção lombar para alívio álgico, a usar durante os períodos laborais, de esforços físicos e na condução. Assim:

22ª. Embora nos relatórios periciais não se considere a Recorrente totalmente incapaz para o exercício da sua profissão, os esforços suplementares que para o efeito tem de fazer e as ajudas ou dependências de que tem de socorrer-se para o efeito tornam o exercício da sua profissão, na prática, impossível ou, de todo o modo, inexigível.

23ª. A Recorrente tentou retomar o trabalho logo após o primeiro período de readaptação determinado pelos serviços clínicos da Seguradora, não tendo conseguido executar as tarefas inerentes à sua profissão de forma expedita e eficaz tendo sido mandada para casa pela entidade patronal (ponto 27 da tábua de factos assentes), que cessou o contrato de trabalho que mantinha com ela (ponto 33 da tábua de factos assentes).

24ª. Perante o facto de todos os senhores peritos referirem que a Recorrente não se encontra incapaz para o exercício da sua atividade profissional, embora com esforços suplementares, ajudas médicas, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas, refere Pedro Brito Monteiro (In Revista Portuguesa do Dano Corporal, nº 25, pág. 48), “casos haverá em que as sequelas, embora compatíveis com o exercício da atividade profissional demandarão esforços complementares tais que tornarão muito exigente o desempenho da mesma, ao passo que noutros, os esforços acrescidos serão ligeiros ou muito ligeiros, praticamente não se repercutindo naquela atividade”.

25ª. Se, como resultou demonstrado nos autos (ponto 40 da tábua de factos provados), as sequelas decorrentes do sinistro afetam negativamente a Recorrente no desempenho das tarefas normais do seu dia-a-dia, tendo dificuldades em vestir-se, calçar-se, fazer a sua higiene pessoal e a generalidade das tarefas domésticas, não pode considerar-se que tem capacidade para o exercício da sua atividade profissional, que é bastante mais exigente.

26ª. As repercussões das sequelas com que a Recorrente ficou são extraordinariamente significativas, com reflexo no presente e futuro profissionais da mesma, não podendo também olvidar-se na fixação da indemnização, para além das limitações apuradas, as suas habilitações e histórico laboral, sendo absolutamente razoável concluir – como concluiu o tribunal de 1ª instância - que as possibilidades da Recorrente conseguir ocupação profissional que lhe garanta, pelo menos, o mesmo rendimento que tinha à data do sinistro, são extremamente baixas.

27ª. Assim, embora teoricamente possa considerar-se que a Recorrente não ficou totalmente incapacitada para o exercício da sua atividade profissional, na realidade/na prática, ficou sendo ainda altamente improvável, face às suas concretas circunstâncias (idade, formação escolar, histórico profissional e limitações), que consiga obter ocupação profissional compatível com as suas limitações físico-psíquicas.

28ª. A factualidade provada nos autos revela, assim, a existência de um dano biológico de natureza patrimonial, com repercussão permanente na atividade profissional da Recorrente, exigindo-lhe esforços suplementares no seu exercício e condicionando outras opções de emprego que, na realidade, consubstancia uma situação equivalente a uma incapacidade total para o trabalho.

29ª. O valor justo e equitativo para ressarcir o dano patrimonial futuro da Recorrente não deve ser inferior a € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), ou quando assim não se entenda, a quantia de €110.000,00 (cento e dez mil euros), fixada pelo tribunal de 1ª instância.

30ª. Também no que tange aos danos não patrimoniais, não se justifica a redução operada pelo Acórdão recorrido em relação ao valor fixado em 1ª Instância.

31ª. A Recorrente reclama na petição a quantia global de €50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, atribuindo €25.000,00 à repercussão das sequelas do sinistro nas suas potencialidades, qualidade de vida e afetação da vida quotidiana, e €25.000,00 ao seu sofrimento físico e psicológico dele emergentes.

32ª. O Tribunal de 1ª Instância fixou a indemnização por danos não patrimoniais no valor global de €40.000,00, indemnização que, sem apresentar qualquer razão concreta, a segunda instância reduziu para €25.000,00 – valor este manifestamente desajustado para ressarcir os danos não patrimoniais decorrentes do sinistro para a Recorrente, que se prolongarão pela vida fora.

33ª. Face à factualidade dada como provada nos, supra evidenciada (que aqui não repetimos, mas damos como reproduzida), os danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente, em ambos os planos em que os mesmos são segmentados na petição inicial, revelam uma enorme gravidade e consequências extremamente nefastas.

34ª. O valor que consideramos ajustado é o peticionado (€ 50.000,00) sendo que, quando assim não se entenda, deverá manter-se o arbitrado pelo tribunal de 1ª Instância (€ 40.000,00).

35ª. O douto acórdão recorrido viola, designadamente, o disposto nos artigos

562º, 563º, 564º e 566º do Código Civil, pelo que deve ser revogado, proferindo decisão que condene a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de €150.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de €50.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, ou, quando assim não se entenda, que mantenha a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância.

A ré contra-alegou, tendo concluído pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

Discutem-se no recurso os montantes que devem ser atribuídos à autora como indemnização pelo dano patrimonial futuro e pelos danos não patrimoniais que a mesma sofreu em consequência do acidente descrito nos autos.

III.

Na sentença da 1ª instância foram julgados provados os seguintes factos (decisão mantida pela Relação e que se reproduz):

1. A Autora instaurou contra a Ré, como preliminar da presente ação, providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, que correu seus termos pelo Juízo Local Cível ...... – Juiz ..., Comarca ......, sob o processo no 335/17......., na qual formalizaram transação, homologada por sentença, já transitada em julgado, nos termos da qual a Ré se obrigou a pagar à Autora a quantia mensal de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros). (artigo 1º da petição inicial)

2. No dia 15 de janeiro de 2015, por volta das 17:40 horas, ao Km 156,2 – ........ – da ..., ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes as viaturas de matrículas ..-OL-.. e ..-LC-... (artigo 3º da petição inicial)

3. Nas circunstâncias de tempo e lugar atrás descritas ambos os veículos circulavam na ..., no sentido ................ / …... (artigo 4º da petição inicial)

4. O ..-OL-.. circulava na retaguarda do ..-LC-... (artigo 5º da petição inicial)

5. Sensivelmente ao Km. 156,2 – ........ – da aludida via, o ..-OL-.. embateu com a sua frente na traseira do ..-LC-... (artigo 6º da petição inicial)

6. No local a ... tem duas faixas de rodagem em cada sentido de trânsito, tendo o embate ocorrido no sentido ................ / ….., na faixa do lado direito. (artigo 7º da petição inicial)

7. O ..-OL-.. colidiu com a sua frente na traseira do ..-LC-.., porquanto o condutor daquele adormeceu enquanto conduzia. (artigo 8º da petição inicial)

8. A viatura de matrícula ..-OL-.. era à data do sinistro propriedade do “Centro Hospitalar ..........., EPE”. (artigo 9º da petição inicial)

9. Era conduzido por BB, funcionário daquele Centro Hospitalar. (artigo 10º da petição inicial)

10. Por seu turno, o ..-LC-.. pertencia à sociedade “António Saraiva & Filhos, Lda.” e era conduzido por CC. (artigo 11º da petição inicial)

11. À data do acidente a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo de matrícula ..-OL-.., propriedade do “Centro Hospitalar ..........., EPE”, encontrava-se transferida para a Ré, “Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.”, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº.......883. (artigo 12º da petição inicial)

12. Nas circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o sinistro o ..-OL-.. transportava utentes do “Centro Hospitalar ...........”  ….. para o Hospital ................ (artigo 16º da petição inicial)

13. A Autora era transportada no ..-OL-.., seguindo no banco da frente do lado direito. (artigo 17º da petição inicial)

14. A Autora havia sido internada no Hospital ............... em 12/01/2015. (artigo 18º da petição inicial)

15. No dia 13.01.2015 foi transferida do Hospital ............... para os Hospitais  .........................., a fim de aí ser submetida a exames e tratamentos. (artigo 19º da petição inicial)

16. No dia 15.01.2015, após a realização de tais exames e tratamentos, foi novamente encaminhada para o Hospital ..............., sendo transportada no veículo de matrícula ..-OL-... (artigo 20º da petição inicial)

17. Quando ocorreu o acidente a Autora seguia no banco da frente, do lado direito, do ..-OL-... (artigo 21º da petição inicial)

18. Em consequência do descrito acidente, a Autora sofreu lesões em diversas partes do corpo, nomeadamente traumatismo vertebro-medular, com fratura do corpo vertebral de L1, traumatismos diversos ao nível do tórax e da mão esquerda. (artigo 23º da petição inicial)

19. Na sequência do sinistro a Autora foi transportada de ambulância para o serviço de urgência do Hospital  ….., onde foi observada e submetida a exames e tratamentos às lesões decorrentes do acidente. (artigo 24º da petição inicial)

20. Permaneceu no referido hospital até 16.01.2015, tendo sido nessa data transferida para os Hospitais da .........................., onde ficou internada alguns dias, durante os quais foi igualmente submetida a exames e tratamentos. (artigo 25º da petição inicial)

21. Foi daí transferida para o Hospital ..............., onde ficou internada, no serviço de ortopedia, até ao dia 26 de janeiro de 2015. (artigo 26º da petição inicial) 22. Na sequência da alta hospitalar a Autora foi encaminhada para o serviço de consulta externa do Hospital ..............., que não frequentou, por indicações da Ré, passando a ser seguida em clínicas por esta indicadas, inicialmente na ….. e posteriormente em ……. (artigo 27º da petição inicial)

23. Os serviços clínicos da Ré consideraram a Autora em situação de incapacidade temporária absoluta desde a data do acidente até 3 de julho de 2015. (artigo 28º da petição inicial)

24. De 4 a 10 de julho de 2015 os serviços clínicos da Ré consideraram-na em situação de readaptação ao trabalho, com incapacidade temporária parcial de 50%. (artigo 29º da petição inicial)

25. Mantiveram-na em situação de readaptação ao trabalho até 15 de janeiro de 2016, com incapacidade temporária parcial de 30% e com incapacidade temporária parcial de 20% até 26 de janeiro de 2016. (artigos 30º e 31º da petição inicial)

26. Em 26 de janeiro de 2016 os serviços clínicos da Ré deram alta à Autora. (artigo 32º da petição inicial)

27. A Autora tentou retomar o trabalho logo após o primeiro período de readaptação determinado pelos serviços clínicos da Ré, não tendo conseguido executar as tarefas inerentes à sua profissão da forma expedita e eficaz como antes sucedia, tendo sido mandada para casa pela entidade patronal. (artigo 36º da petição inicial)

28. A Autora foi observada pelo médico de medicina do trabalho que presta serviços para a sua entidade patronal, que a declarou inapta temporariamente, consignado numa carta não datada (junta a fls. 18 verso e 19 dos autos de providência cautelar a estes apensos), que esta “não deve não pode não é aconselhável:

-efectuar transporte de carga com peso superior a 10 kg;

-efectuar qualquer tipo de mobilização sem ajuda de segunda pessoa;

-efectuar períodos contínuos de trabalho superiores a 3 horas sem 30 minutos de pausa/descanso;

-não pode efectuar dorso flexões”. (artigo 37º da petição inicial)

29. À data do acidente a Autora trabalhava para “T........., S.A.”, desempenhando funções de empregada de ... no Hotel P................., na ................. (artigo 39º da petição inicial)

30. O exercício de tal atividade profissional implica, nomeadamente, o transporte ocasional de cargas com peso superior a 10 kgs., a constante execução de flexões dorsais e outras, grande mobilidade e agilidade e a permanência de pé durante a maior parte das oito horas do período diário de trabalho. (artigo 40º da petição inicial)

31. A Autora tem dificuldade em efetuar dorso flexões; tem de ajoelhar-se para apanhar qualquer objeto do solo; sente dores intensas quando pega em cargas superiores a 10 kgs. e quando permanece de pé por longos períodos; tem dormência nos membros superiores e inferiores; tem dificuldade em realizar movimentos de rotação. (artigo 41º da petição inicial)

32. A “T........., S.A.” não tem atualmente outra atividade compatível com as limitações da Autora. (artigo 42º da petição inicial)

33. A Autora não exerce qualquer atividade profissional desde a data do acidente, tendo a sua entidade patronal cessado o contrato de trabalho que mantinha com esta (embora sem o formalizar), não tendo processado mais salários àquela além do referido em 36. e não tendo a Autora prestado (ou se apresentado a prestar) mais qualquer dia de trabalho além do referido em 36. (artigos 43º e 44º da petição inicial)

34. A Autora nasceu em ... de 1963 e tem como habilitações literárias o equivalente ao 9º ano de escolaridade. (artigos 45º e 46º da petição inicial)

35. Ao longo do seu percurso profissional desempenhou funções no sector ... (.. anos como operadora em ...) e depois na hotelaria, inicialmente como ... e ulteriormente como empregada .... (artigo 47º da petição inicial)

36. Desde, pelo menos, a data do sinistro (15.01.2015) que a Autora não recebe qualquer retribuição da sua então entidade patronal, por trabalho prestado posteriormente a essa data, à exceção de €44,78 relativos aos dois dias em que retomou o trabalho e foi depois mandada para casa. (artigo 50º da petição inicial)

37. À data do acidente a Autora auferia o vencimento base de €602,00, recebendo, em média, mensalmente, a quantia líquida de €515,00, 14 vezes em cada ano. (artigo 51º da petição inicial)

38. Desde a data do acidente até à data da instauração da presente ação (2017.05.31), a Autora recebeu da Ré a quantia de €2.519,54, a título de compensação por perda de salário, enquanto a considerou em situação de incapacidade temporária, tendo recebido da Segurança Social concessão provisória de subsídio de doença, de 15.01.2015 a 10.02.2015, no valor global de €270,96. (artigo 53º da petição inicial e 13º da contestação)

39. A partir do mês de abril de 2017, na sequência do acordo formalizado na providência cautelar de arbitramento supra identificada a Ré passou a pagar mensalmente à Autora a quantia de €450,00, a título de renda para reparação provisória do dano. (artigo 54º da petição inicial)

40. As sequelas decorrentes do sinistro afetam negativamente a Autora no desempenho das tarefas normais do seu dia-a-dia, tendo esta dificuldades em vestir-se, calçar-se, fazer a sua higiene pessoal e não consegue executar a generalidade das tarefas domésticas como antes fazia, sem dificuldades. (artigos 59º e 60º da petição inicial)

41. Desde o sinistro que a generalidade dessas tarefas domésticas é executada por terceiros, pelo facto da Autora não conseguir, sem dificuldade, executá-las sozinha, como antes sucedia. (artigo 61º da petição inicial)

42. A Autora deixou de poder conduzir veículos automóveis para além de breves trajetos, por ficar com dormência nos membros inferiores, o que, para além das dores que lhe provoca, retira-lhe sensibilidade e capacidade de reação. (artigo 62º da petição inicial)

43. Em resultado das sequelas decorrentes do acidente a Autora passou a exercer com maior esforço e penosidade a generalidade das atividades de vida diárias. (artigos 63º e 64º da petição inicial)

44. As sequelas do acidente repercutiram-se em diminuição da capacidade física, da resistência, da capacidade para certos esforços e necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado. (artigo 65º da petição inicial)

45. Devido às lesões decorrentes do sinistro, aos tratamentos a que foi submetida, à prolongada e penosa recuperação e às sequelas de que ficou afetada, a Autora sentiu (e por vezes ainda sente) fortes dores físicas, nomeadamente ao nível da coluna vertebral e da mão esquerda, referindo sentir dormência praticamente constantes nos membros superiores e inferiores. (artigo 69º da petição inicial)

46. A Autora sofreu – e sofre – profundo abalo moral e psicológico. (artigo 70º da petição inicial)

47. Enquanto permaneceu no serviço de urgência foi submetida a diversos exames e tratamentos. (artigo 71º da petição inicial)

48. Autora ficou internada durante 12 dias, durante os quais realizou novos exames e foi submetida a diversos tratamentos. (artigo 72º da petição inicial)

49. Quer no período de internamento, quer após a alta hospitalar, durante cerca de 6 meses, a Autora é conveniente usar um colete dorso lombar. (artigo 73º da petição inicial)

50. Para realizar viagens de duração superior a 15 minutos a Autora tem de usar colete dorso lombar – o que sucederá previsivelmente até ao fim da vida. (artigo 74º da petição inicial)

51. Nos meses subsequentes à alta hospitalar a Autora permanecia a maior parte do tempo deitada ou sentada, por não conseguir permanecer de pé. (artigo 75º da petição inicial)

52. A Autora não consegue permanecer sentada durante longos períodos, sendo-lhe também penoso permanecer deitada muito tempo na mesma posição. (artigos 76º e 77º da petição inicial)

53. Dorme mal, acordando várias vezes em cada noite, com fortes dores na coluna. (artigo 78º da petição inicial)

54. A Autora ficou psicologicamente afetada nos termos infra concretizados e com baixa autoestima, devido às limitações com que ficou na sequência do acidente. (artigo 79º da petição inicial)

55. Antes do sinistro a Autora era uma pessoa alegre, calma, tranquila e dormia bem. (artigo 80º da petição inicial)

56. Após o sinistro passou a ter frequentes manifestações de irritabilidade, inquietação e estresse. (artigo 81º da petição inicial)

57. A Autora havia sido internada no dia 12.01.2015 e encontrava-se em tratamentos no dia do acidente. (artigo 5º da contestação)

58. Após, a mesma foi seguida pelos serviços clínicos que prestam serviço à Ré. (artigo 6º da contestação)

59. No dia 26.01.2016 a Ré considerou que as sequelas de que a Autora padecia se encontravam consolidadas, cfr. relatório de avaliação de dano corporal junto a fls. 32 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (artigo 7º da contestação)

60. Pelos serviços clínicos que prestam serviço à Ré a Autora teve alta com uma IPG de 10 pontos, com esforços acrescidos e Q.D. de 4/7. (artigos 8º e 9º da contestação)

61. A Autora não se encontra curada das lesões decorrentes do acidente, mas as sequelas já se encontram estabilizadas nos termos infra referidos de 62. a 69. (artigos 33º da petição inicial e 4º da contestação)

62. No relatório de exame ortopédico realizado pelo INML à Autora, datado de 13.12.2017 (e cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido), é sugerida uma desvalorização arbitrada de 5 pontos, por reporte à Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (código Md 0903). (proveniente da perícia médico-legal junta a fls. 102 e 103 - artigo 5º, n.º 2, al. b) do CPC)

63. No relatório da perícia psiquiátrica médico-legal realizada à Autora, datado de 6.03.2018 (cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido), conclui-se, entre o mais, que:

“1. A examinanda evidencia um quadro clínico entendível no diagnóstico de Neurose Pós-Traumática (entidade nosológica codificada na rubrica F48.8 da CID 10), em relação estreita com o acidente de que foi vítima a 15.01.2015.

2. Este quadro, que lhe acarreta uma ligeira repercussão na sua autonomia pessoal, social e profissional, deverá ser valorizado no âmbito da reparação do dano pós-traumático em Direito Civil. A natureza dos sinais e sintomas observados e descritos justificam uma valorização entre 4 e 10 pontos em conformidade com os critérios de avaliação das incapacidades constantes no Anexo II do Decreto-Lei de 352/2007, de 23 de Outubro, sobre a rubrica n.º 9 do capítulo I – Perturbações Persistentes do Humor (código Nb 0903). No caso em concreto arbitra-se uma valorização de 8 pontos”. (proveniente da perícia médico-legal junta de fls. 149 a 151 - artigo 5º, n.º 2, al. b) do CPC)

64. Em 28.05.2018, nos termos do relatório de Perícia Médico-legal de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil então realizado à Autora (e cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido), concluiu-se que “a data da consolidação das lesões é fixável em 15/01/2017; o período de défice funcional temporário total é fixável num período de 11 dias; o período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 721 dias; o período de repercussão temporária na atividade profissional total é fixável num período de 377 dias; o período de repercussão temporária na atividade profissional parcial é fixável num período de 355 dias; o quantum doloris é fixável no grau 4/7; o défice funcional permanente da integridade físico- psíquica é fixável em 13 pontos; as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual à data do evento, mas implicam esforços suplementares; as ajudas técnicas permanentes consistem em ajudas medicamentosas e acompanhamento médico regular”. (proveniente da perícia médico-legal junta de fls. 152 a 156 - artigo 5º, n.º 2, al. b) do CPC)

65. Em complemento da perícia referida em 64., em 23.07.2018 considerou-se que em 23.07.2018 a Autora apresentava limitação dolorosa da mobilidade da coluna lombar, secundária a fratura cominutiva da primeira vértebra lombar; tal quadro sequelar não impede a realização das atividades de vida diária de forma autónoma, nas quais se inclui a alimentação/vestir-se/realização de transferências e higiene pessoal; o quadro álgico pode ser minimizado pela toma de medicação analgésica, uso de cinta lombar e repouso, permitindo assim uma maior excursão da coluna lombar ou de forma mais definitiva mediante tratamento cirúrgico-artrodese. A Autora “…não se encontra incapaz para a realização da atividade profissional”; “…as sequelas observadas são compatíveis com o exercício da mesma embora à custa de esforços suplementares (…) tal traduz-se por ex: na adoção de novas posturas na realização de determinadas tarefas, na execução mais morosa das mesmas, necessidade de pausas, repartição de carga, alternância nas tarefas a realizar, recurso a medicação analgésica, etc…”. Não é de prever a diminuição do efeito da medicação analgésica com o decurso do tempo. As sequelas de que a examinada é portadora não apresentam uma evolução fisiopatologicamente segura e certa para o agravamento. (proveniente dos esclarecimentos complementares à perícia médico-legal, juntos a fls. 171 e 172 - artigo 5º, n.º 2, al. b) do CPC)

66. No relatório de exame ortopédico realizado pelo INML à Autora, datado de 06.06.2019 (e cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido), constatou-se, ao nível do exame objetivo, “Dor na transição dorso lombar; Contratura paraverterbral moderada; Sem alterações neurológicas; Ligeira retificação da transição dorso lombar” e conclui-se que a Autora é portadora de sequela anatomo-funcionais “Dorso lombalgia residual cronica sem alterações da estática vertebral (apenas com expressão radiológica)”, a qual é enquadrável na Tabela Nacional de Incapacidade, na rubrica Cap.-III Md 0905, nos coeficientes de incapacidade previstos na tabela de 3 a 7, sendo que “Tendo em atenção os fatores enunciados e as caraterísticas atuais das sequelas enquadradas nos exames imagiológicos efetuados considero ser de ponderar valor inferior do intervalo consignado na tabela”. (proveniente da perícia médico-legal junta a fls. 252 e 253 - artigo 5º, n.º 2, al. b) do CPC)

67. No relatório da perícia psiquiátrica médico-legal realizada à Autora, datado de 26.03.2019 (cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido), conclui-se, entre o mais, que:

“1. A examinada tem vindo a evidenciar sintomatologia ansiosa e depressiva, entendível num contexto reativo, que deixa perceber uma evolução neurótica (vital) (F48.9 da CID-10).

2. Um tal quadro psicopatológico em relação estreita com o acidente de que foi vítima em 15 de janeiro de 2015 e as suas consequências, com ligeira repercussão na autonomia pessoal, sociofamiliar e ocupacional/laboral, deverá ser valorizado no âmbito da reparação civil do dano pós-traumático.

3.É recomendável um regular e adequado acompanhamento médico- psiquiátrico, de que nunca beneficiou, visando influenciar positivamente o prognóstico do caso.

4. Do ponto de vista psiquiátrico-forense justifica-se, ainda assim e desde já, a atribuição de um coeficiente de desvalorização fixável em 4 pontos, em analogia com o código Nb0903 do artigo 9 do subcapítulo B) Psiquiatria da Tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil (Anexo II do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro)”. (proveniente da perícia médico-legal junta de fls. 254 a 256 - artigo 5º, n.º 2, al. b) do CPC)

68. Em 8.07.2019, nos termos do relatório de Perícia Médico-legal de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil então realizado à Autora (e cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido), concluiu-se que:

-A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 14/01/2017;

-Défice Funcional Temporário Total fixável num período total de 12 dias;

-Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período total de 719 dias;

-Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável num período total de 233 dias;

-Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial fixável num período total de 498 dias;

-Quantum Doloris fixável no grau 4/7;

-Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 9 pontos;

-As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;

-Dependências permanentes de ajudas: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares; ajudas técnicas”, sendo que quanto às ajudas medicamentosas (correspondem à necessidade permanente de recurso a medicação regular - ex: analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos, sem a qual a vítima não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária) a mesma será medicação analgésica (de acordo com o quadro álgico); quanto aos tratamentos médicos regulares (correspondem à necessidade de recurso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas - ex.: fisioterapia) serão neste caso um programa de fisioterapia anual (15 sessões) e acompanhamento médico-psiquiátrico, com o objetivo de evitar o agravamento do quadro sequelar; e quanto às ajudas técnicas (referem-se à necessidade permanente de recurso a tecnologia para prevenir, compensar, atenuar ou neutralizar o dano pessoal - do ponto de vista anatómico, funcional e situacional -, com vista à obtenção da maior autonomia e independência possíveis nas atividades da vida diária; podem tratar-se de ajudas técnicas lesionais, funcionais ou situacionais) as mesmas podem ser a cinta de contenção lombar para alívio álgico, a usar durante os períodos laborais, de esforços físicos e na condução. (proveniente da perícia médico-legal junta de fls. 257 a 262 - artigo 5º, n.º 2, al. b) do CPC)

69. Em 8.07.2019, nos termos do relatório de Perícia Médico-legal de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil então realizado à Autora, refere-se ainda que “No âmbito do período de danos permanentes, não foram encontrados elementos passíveis de acarretar qualquer prejuízo de carácter anatómico-funcional ou psico-sensorial que permitam consubstanciar a valorização dos restantes parâmetros de dano, nomeadamente de Dano Estético, de Dano Futuro, de Repercussão nas Atividades Desportivas e de Lazer e de Repercussão na Atividade Sexual”. (proveniente da perícia médico-legal junta de fls. 257 a 262 - artigo 5º, n.º 2, al. b) do CPC)

Não se provou que:

a) embora os serviços clínicos da Ré tenham considerado a Autora em situação de readaptação ao trabalho a partir de 4 de julho de 2015 até 26 de janeiro de 2016, com incapacidade temporária parcial, sucessivamente, de 50%, 30% e 20%, na realidade esta continuou totalmente incapacitada para o exercício da sua profissão habitual, situação que ainda se mantém à data da instauração da presente ação (artigos 34º e 35º da petição inicial);

b) em 8 de julho de 2015 a Autora foi avaliada pelo médico de medicina do trabalho (artigo 37º da petição inicial);

c) a Autora continua impossibilitada de exercer a sua atividade profissional, por não ter capacidade para o desempenho das funções à mesma inerentes (artigo 38º da petição inicial);

d) a Autora sente dores intensas quando pega em cargas superiores a 5 Kgs. e quando permanece de pé por períodos superiores a 15 minutos e está afetada ao nível da mobilidade em geral (artigo 41º da petição inicial);

e) a entidade patronal da Autora fez cessar o contrato de trabalho por não ter na empresa outro posto de trabalho onde possa integrá-la, compatível com as limitações físicas de que ficou afetada na sequência do sinistro em apreço (artigo 44º da petição inicial);

f) a Autora não tem experiência nem formação profissionais noutras áreas (além do sector da hotelaria) (artigo 48º da petição inicial);

g) com a perda de capacidade para o exercício da atividade profissional a Autora será penalizada na pensão de reforma por não atingir o número mínimo de anos de descontos necessários para que lhe seja concedida na totalidade (artigo 56º da petição inicial);

h) tal penalização traduzir-se-á numa diminuição do valor da pensão de reforma no mínimo de 20% (artigo 57º da petição inicial);

i) a Autora não consiga em absoluto realizar as atividades referidas em 40. e 41. (artigos 60º e 61º da petição inicial);

j) as sequelas decorrentes do acidente tenderão a agravar- se com a idade (artigo 68º da petição inicial);

k) a Autora deixou (totalmente) de poder conduzir veículos automóveis (artigo 62º da petição inicial);

l) em resultado das sequelas decorrentes do acidente a Autora ficou totalmente incapacitada para o exercício das atividades correntes em geral que exigem maiores esforços, mobilidade, agilidade e flexibilidade (artigo 63º da petição inicial);

m) o referido em 51. ocorreu durante exatamente 6 meses e que a Autora tenha que usar colete nas circunstâncias referidas em 50. (artigos 74º e 75º da petição inicial);

n) a Autora não consegue permanecer de pé por mais de 15 a 20 minutos (artigo 76º da petição inicial);

o) o referido em 53. obrigue a Autora a levantar-se (artigo 78º da petição inicial);

p) havia um quadro de patologias pré-existentes que contribuíram, influenciaram ou de alguma forma determinaram as sequelas físicas e psíquicas acima provadas (artigo 4º da contestação).

IV.

Estão em causa neste recurso os montantes atribuídos à autora como indemnização pelo dano patrimonial futuro e por danos não patrimoniais.

A autora havia pedido, a esse título, os seguintes montantes:

1- € 150.000,00, pela incapacidade permanente de que ficou afectada;

2- € 25.000,00, pela repercussão do sinistro nas potencialidades, qualidade de vida e afectação da vida diária da autora;

3- € 25.000,00, por danos não patrimoniais

Na sentença, foram fixadas as seguintes quantias:

1- €110.000,00, por danos patrimoniais;

2- € 40.000,00, por danos não patrimoniais (englobando os demais danos que a autora invocou separadamente).

No acórdão recorrido esses montantes foram reduzidos para:

1. € 26.000,00, por danos patrimoniais;

2. € 25.000,00, por danos não patrimoniais.

Agora, na revista, a autora pretende que seja fixada a quantia de €150.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, e a quantia de € 50.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, ou, quando assim não se entenda, que se mantenham os valores atribuídos na sentença da 1ª instância.

Porém, deve referir-se, desde já, que, uma vez que a autora se conformou com os referidos montantes atribuídos na sentença (a apelação foi apenas interposta pela ré), esses montantes constituem limite que não pode ser ultrapassado na alteração da indemnização que possa ser aqui considerada; se tal sucedesse, acabaria por se traduzir numa reformatio in pejus.

1. Danos patrimoniais

Na sentença, após desenvolvida fundamentação sobre o critério a observar na fixação da indemnização por estes danos, escreveu-se o seguinte:

«(…) O julgamento de acordo com a equidade, como modo adequado de conformação das normas legais às características do caso concreto, não pode prescindir do que normalmente acontece no respeitante à expectativa de vida dos homens e mulheres do nosso país (a qual não termina quando termina a vida ativa, sendo razoável ter em conta uma esperança média de vida de 80 anos); à progressão profissional de um trabalhador; à sua idade e à flutuação do valor da moeda; tendo em consideração um período de tempo correspondente ao da vida provável da vítima (sendo corrente, atualmente, trabalhar-se com taxas de juro aproximadas de 1%).

Como “pauta” tendencialmente normalizadora, tendo em vista uma apreciação mais objetiva, no caso de perda da capacidade laboral ou de ganho, a indemnização deve ser calculada tendo em consideração o tempo provável de vida ativa do lesado, por forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados e com a participação do capital próprio, o compense, até ao seu esgotamento, dos ganhos do trabalho que perdeu ou pode perder – a intervenção temperadora ficará a cargo da equidade (cfr. artigo 566º, n.º 3 do Código Civil).

No caso vertente, e relativamente aos danos futuros decorrentes da repercussão comprovada na atividade profissional da Autora (implicando um esforço adicional por parte desta, ajudas técnicas permanentes e tratamentos médicos regulares, tudo o que compreende dispêndio) não nos parece justificado distinguir esta limitação desde a data da alta clínica até à idade da reforma, e desde esta até aos 80 anos, pelo que se fixará um montante único neste particular.

É aqui relevante reter a idade da Autora, as suas habilitações e histórico laboral, para além das limitações apuradas (cfr. factos 29. a 35. e 60. a 69., cujo teor aqui se dá por reproduzido).

Perante este quadro factual é absolutamente razoável concluir que as possibilidades da Autora conseguir nova ocupação profissional, que lhe garanta, pelo menos, o mesmo rendimento que tinha à data do acidente, são extremamente baixas.

É que apesar de não se ter concluído que a Autora esteja absolutamente incapaz para a atividade profissional, a quantidade e nível de dependências permanentes de ajuda tornam altamente improvável que a mesma logre obter ocupação profissional compatível.

Como se decidiu no Ac. da R. do Porto de 26.09.2016 (Proc. n.º 595/14.1TBAMT.P1, in www.dgsi.pt) “o aumento da penosidade e esforço para todas as atividades em geral pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que tenha como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos no exercício da atividade profissional ou de outras actividades económicas” (…).

Mesmo o STJ já decidiu, em aresto de 14.12.2016 (Proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, in www.dgsi.pt), o seguinte: “O STJ tem admitido, de forma reiterada, que as consequências danosas que resultam da incapacidade geral permanente (“dano biológico”) são, em abstracto, reparáveis como danos patrimoniais, ainda que essa incapacidade não tenha repercussão directa no exercício da profissão habitual, por aquelas poderem compreender igualmente a afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais”, o que tem plena aplicabilidade no caso vertente. (…)

No caso dos autos, seguindo estas orientações jurisprudenciais, como critérios uniformizadores conducentes a um juízo justo conforme a equidade, ponderando que a sinistrada tinha .. anos de idade aquando do acidente; se encontrava laboralmente ativa, auferindo a quantia líquida de € 515,00 de vencimento mensal; o tempo de vida ativa que tem pela frente (atendendo à idade da reforma em Portugal), conjugado com a sobredita esperança média de vida; os períodos significativos de repercussão temporária na atividade profissional considerados em 64. e 68.; que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável entre 9 e 13 pontos, sendo que as sequelas de que ficou portadora são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares e existem significativas dependências permanentes de ajudas (…), temperado com os fatores corretivos supra referidos (entre outros procurando-se subtrair o benefício respeitante à receção antecipada de capital, efetuando uma dedução entre os 10% e os 30%, correspondente à entrega imediata e integral do mesmo, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa da lesada), o Tribunal fixa a indemnização pela vertente patrimonial do dano biológico em €110.000,00. Com efeito, tendo em conta os vencimentos que a Autora auferiria até à reforma (e deixou de auferir) e tendo por reporte a factualidade acima provada e o cotejo da jurisprudência mais recente sobre a matéria, mostra-se ajustada a fixação de tal valor».

A fundamentação do acórdão recorrido, a este respeito, é deste teor:

«Concordando, no essencial, com o que se diz na sentença quanto ao processo de apuramento do montante indemnizatório relativo aos danos patrimoniais em causa, não encontramos, todavia, seguindo esse processo, explicitação cabal para que, no final do mesmo, se chegue ao valor indemnizatório de €110.000,00, que, adiante-se já, nos parece manifestamente excessivo, sem que, com esta conclusão, se pretenda negar a gravidade, ou importância, das consequências que, para a Autora, advieram do acidente em causa.

Uma vez que o dano biológico, na vertente de dano patrimonial, também envolve o apuramento dos chamados danos futuros, entende-se não ser descabido, para uma primeira aproximação ao valor indemnizatório em causa, a contribuição de um critério assente em coordenadas específicas, como é aquele que nos é proposto, por exemplo, pelo Sr. Conselheiro Sousa Dinis, sendo que, como o próprio adverte, o resultado desse cálculo há-de ser sempre apenas um ponto de referência, pois que é em juízo de equidade que tem de ser fixada essa indemnização.

Sendo, no presente caso, o défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável entre 9 e 13 pontos, será ponderado o défice de 13 pontos, não olvidando o que mais se adiantará, e, designadamente, que as sequelas de que a Autora ficou portadora, embora compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicam esforços suplementares.

O Tribunal “a quo” levou em linha de conta - o que nos parece acertado -, os .. anos de idade que a Autora tinha aquando do acidente e a quantia líquida de €515,00 de vencimento mensal.

Quanto à idade-limite a considerar no referido cálculo, já se tem entendido, ser de atender aos 70 anos, por ser até essa idade, usualmente, que se desenvolve a vida activa da pessoa. Porém, porque o dano, ainda que com cambiantes, subsiste para além dessa ocasião, já se tem considerado, para o efeito, não os anos de vida activa, mas sim os correspondentes à esperança média de vida.

A evolução da jurisprudência nesta matéria leva a que aceitemos atender aos 80 anos de idade, por ter sido estimada em 80,80 anos a previsão de esperança de vida (cfr. “Tábua Completa de Mortalidade para Portugal 2016-2018”, Instituto Nacional de Estatística).13

Deste modo, no cálculo a efectuar, atender-se-á:

- Aos aludidos € 515,00, como valor do rendimento mensal da A.;

- Ao supra referido défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica – 13 pontos;

- Aos 29 anos de provável esperança de vida da Autora – (51 – 80);

Perante os elementos acima referidos, concluiremos por um rendimento anual da autora de € 7.210 (€ 515,00x14meses), sendo que o apontando défice (13 pontos), levaria a que a perda anual correspondesse a um valor de € 937,30.

Uma vez que a autora terá uma previsível uma previsível esperança de vida de cerca de 29 anos, o capital obtido rondaria os € 27.181,70.

Todavia, tal valor deve merecer um primeiro ajustamento, para se evitar uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia, já que a Autora vai receber a indemnização de vez uma só, ajustamento esse que consiste em proceder a um desconto destinando a evitar que o lesado fique colocado numa situação em que receba os juros mantendo-se o capital intacto.

Seguindo o que referido é pelo Sr. Cons. Sousa Dinis, no exemplo que dá da jurisprudência francesa, e que também é o entendimento de parte da nossa jurisprudência, afigura-se-nos, neste caso, ser de descontar 1/4, ou seja, € 6.795,42, pelo que encontramos o capital de € 20.386,28.

Para a fixação final desta indemnização há também que considerar outros factores, não só aqueles que já ocorrem, embora que, alguns deles, ainda com vectores por definir por completo, e outros que, sendo provável projectar no futuro, não é possível determinar, com certeza, a respectiva ocorrência, ou/e a sua duração, como poderá suceder, por exemplo, com a futura evolução da situação profissional da autora, com a inflação e com a variabilidade das taxas de capitalização.

Como é fácil de constatar, considerável parte dos elementos utilizados no cálculo acima efectuado e noutros factores aí não incluídos, mas que importam considerar para o montante indemnizatório global dos danos ora em causa, resultam de juízos lógicos de probabilidade, segundo o princípio “id quod plerumque accidit”, entrando aqui o juízo de equidade para corrigir o valor encontrado no referido cálculo.

Neste contexto, assumem marcada importância, conforme foi referido na sentença, o provado de 27. a 37.; 60. a 62. e 64, e, em particular, o ter-se provado, que "[…] as sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, assinalando-se o seguinte:

- Dependências permanentes de ajudas: ajudas medicamentosas; tratamentos médicos regulares; ajudas técnicas”, sendo que quanto às ajudas medicamentosas (correspondem à necessidade permanente de recurso a medicação regular - ex: analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos, sem a qual a vítima não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária) a mesma será medicação analgésica (de acordo com o quadro álgico); quanto aos tratamentos médicos regulares (correspondem à necessidade de recurso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas - ex.: fisioterapia) serão neste caso um programa de fisioterapia anual (15 sessões) e acompanhamento médico-psiquiátrico, com o objetivo de evitar o agravamento do quadro sequelar; e quanto às ajudas técnicas (referem-se à necessidade permanente de recurso a tecnologia para prevenir, compensar, atenuar ou neutralizar o dano pessoal -do ponto de vista anatómico, funcional e situacional-, com vista à obtenção da maior autonomia e independência possíveis nas atividades da vida diária; podem tratar-se de ajudas técnicas lesionais, funcionais ou situacionais) as mesmas podem ser a cinta de contenção lombar para alívio álgico, a usar durante os períodos laborais, de esforços físicos e na condução. […]".

O que se acabou de referir tem relevância nesta sede – sem embargo de poder, noutra perspectiva, ser considerado para efeitos da aferição da indemnização devida por danos não patrimoniais -, na medida em que nos dá conta que as limitações da autora no exercício da sua profissão (cfr. v.g., pontos 30 e 31 dos factos provados) não permitem, ao menos, sem recurso a medicação regular - ex: analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos -, sem a qual a vítima não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais, senão um exercício mitigado de algumas actividades que a sua profissão, com maior ou menor frequência, pode acarretar, o que desde logo representa um “handicap” na progressão da carreira que deve ser compensado com a majoração, no âmbito de um juízo equitativo, da importância de …que acima se encontrou.

Não esquecemos - até porque é uma evidência -, a total falta de contribuição da Autora (mera passageira de um dos veículos intervenientes no acidente) – na ocorrência do acidente.

Assim, entende-se ser de € 26.000,00 a indemnização adequada a ressarcir os danos patrimoniais em causa. (…)»

Nada temos a objectar ao critério que foi seguido nas instâncias para cálculo do montante indemnizatório, por este dever representar um capital produtor de rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes.

Deve reconhecer-se, porém, que esse critério nos fornece um valor estático, alcançado através da sua automática aplicação, ou seja, uma base mínima indemnizatória que deve ser temperada e complementada através do recurso à equidade, por forma a permitir adequar a indemnização às circunstâncias específicas do caso, possibilitando, assim, a ponderação de outros factores que não foram considerados no referido cálculo objectivo.

Foi este o caminho seguido quer na sentença, quer no acórdão recorrido.

E se é certo que, na sentença, não encontramos explicitação cabal para o valor indemnizatório que acabou por ser aí atribuído, que parece realmente excessivo, como se diz no acórdão recorrido, neste o caminho percorrido é claramente explicado, indicando-se as circunstâncias e factores específicos do caso a ponderar. O que parece, com todo o respeito, é que, contrariamente à sentença, o resultado a que se chegou não reflecte adequadamente a relevância destes elementos, pecando por defeito.

A este propósito, importa notar que as sequelas de que padece a autora traduzem um relevante dano biológico – o dano causado ao corpo e saúde da lesada, a afectação físico-psíquica e funcional desta – que não foi, obviamente, ponderado no cálculo efectuado com base no aludido critério, mas que deve ser valorizado para além da presumida perda de rendimentos.

O dano biológico é constituído pela lesão à integridade físico-psíquica, à saúde da pessoa em si e por si considerada, independentemente das consequências de ordem patrimonial.

Assim, mais do que a afectação da capacidade de ganho, susceptível de se repercutir numa perda de rendimento, que pode não ocorrer, importa considerar o dano corporal em si, que afecta a disponibilidade do autor para o desempenho de quaisquer actividades do seu dia-a-dia.

Como se afirma no Acórdão do STJ de 06.10.2016[2], "parte-se da ideia de que a lesão corporal sofrida pelo lesado merece ser apreciada e o respectivo dano reparado independentemente das repercussões sobre a sua capacidade de ganho; e que sendo o normal estado de saúde a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal não se esgota ou consome apenas e só na capacidade produtiva".

Nesta perspectiva, como se sublinha no Acórdão deste Tribunal de 10.12.2012[3], "deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer o recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal do lesado".

As especificidades do caso acentuam bem esta vertente.

Com efeito, ficou provado que:

- O exercício da sua actividade profissional (empregada de ...) implica o transporte ocasional de cargas com peso superior a 10 kgs., a constante execução de flexões dorsais e outras, grande mobilidade e agilidade e a permanência de pé durante a maior parte das oito horas do período diário de trabalho. (30)

- A Autora tem dificuldade em efectuar dorso flexões; tem de ajoelhar-se para apanhar qualquer objecto do solo; sente dores intensas quando pega em cargas superiores a 10 kgs. e quando permanece de pé por longos períodos; tem dormência nos membros superiores e inferiores; tem dificuldade em realizar movimentos de rotação. (31)

- As sequelas decorrentes do sinistro afectam negativamente a Autora no desempenho das tarefas normais do seu dia-a-dia, tendo esta dificuldades em vestir-se, calçar-se, fazer a sua higiene pessoal e não consegue executar a generalidade das tarefas domésticas como antes fazia, sem dificuldades. (40)

- A Autora deixou de poder conduzir veículos automóveis para além de breves trajectos, por ficar com dormência nos membros inferiores e com dores. (42)

- As sequelas do acidente repercutiram-se em diminuição da capacidade física, da resistência, da capacidade para certos esforços e necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado. (44)

- Essas sequelas são, assim, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares e dependendo a autora, permanentemente, de:

- ajudas medicamentosas – necessidade de recurso a medicação regular - analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos –, sem a qual a lesada não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária;

- tratamentos médicos regulares – necessidade de recurso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas – como fisioterapia e acompanhamento médico-psiquiátrico;

- ajudas técnicas, com vista à obtenção da maior autonomia e independência possíveis nas actividades da vida diária, como a cinta de contenção lombar para alívio álgico, a usar durante os períodos laborais, de esforços físicos e na condução.

Estes factos revelam, indiscutivelmente, que a autora, para além do coeficiente de incapacidade de que ficou afectada (13 pontos, como se considerou no acórdão recorrido), se defronta com sérias dificuldades e limitações no desempenho da sua actividade profissional habitual ou outra qualquer actividade similar, que só são atenuadas com o recurso, permanente, às ajudas e tratamentos médicos acima referidos.

Essa dificuldade de exercer actividade profissional que implique força, agilidade e mobilidade, para além do esforço acrescido que exige, traduz-se numa redução acentuada da possibilidade de adaptação e de escolha da actividade profissional, mesmo como trabalhadora indiferenciada.

Repare-se que essas dificuldades se estendem às tarefas normais e mais básicas do seu dia-a-dia (vestir-se, calçar-se, higiene pessoal) e à generalidade das tarefas domésticas.

Assim, partindo do valor indicativo mínimo a que se chegou no acórdão recorrido, mas ponderando adequadamente esta limitação reconhecida à autora e esta vertente do dano e atendendo ainda aos parâmetros que têm vindo a ser adoptados por este Supremo para situações similares[4], entende-se equilibrado e prudente atribuir-lhe, a este título, uma indemnização no montante de € 50.000,00.

2.  Danos não patrimoniais

Na sentença, também aqui com desenvolvida fundamentação, concluiu-se:

«(…) No caso vertente, a Autora reclama €25.000,00 por reporte à repercussão do sinistro nas potencialidades, qualidade de vida e afetação da sua vida quotidiana (art.º 68º da PI) e €25.000,00 por danos não patrimoniais reconduzidos ao seu sofrimento físico e psicológico (art.º 83º da PI).

Tendo-se em conta o acima explanado, entendemos que a reparação que a Autora entendeu reclamar nesta dupla vertente será adequadamente conformada sob uma fixação única de um montante para reparação da globalidade dos danos não patrimoniais, compreendidos como um todo (que segundo o princípio do pedido terá como limite máximo o montante de €50.000,00).

Assim, julgando de acordo com a equidade, atendendo às circunstâncias referidas nos artigos 496º, nº 3 e 494º do Código Civil, ponderando o grau de culpa do autor dos factos, a ausência de qualquer contribuição da Autora para a ocorrência do sinistro, o período de doença e respetivos períodos de défice funcional, as dores e as sequelas de que ficou portadora, bem como as relevantes ajudas técnicas permanentes e tratamentos médicos regulares, e cotejando este quadro fáctico com a prática jurisprudencial, ponderando todas as vertentes do dano não patrimonial (englobando as dores, incómodos, sofrimentos, intervenções médicas e medicamentosas, períodos de incapacidade e todas as sequelas), cremos ser equitativa uma compensação de €40.000,00. […]».

Por seu turno, no acórdão recorrido escreveu-se o seguinte:

«Concordando, uma vez mais, com o ponderado, para o efeito, pelo Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, e ainda com a fixação de um único montante para a compensação a arbitrar pelos danos não patrimoniais da Autora, dissentimos, sem quebra do reconhecimento da importância desses danos, que essa fixação, em juízo de equidade se concretize na quantia de €40.000,00.

Vejamos.

O n.º 1 do art.º 496.º do CC dispõe que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.".

Por sua vez, o n.º 3 do mesmo artigo preceitua que "O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”.

É comummente entendido que a indemnização ou reparação pecuniária do dano não patrimonial se destina a conceder ao lesado uma quantia em dinheiro susceptível de lhe atribuir prazeres capazes de compensar, na medida do possível, o dano, fazendo-o esquecer ou mitigando-o.

Sinteticamente, dir-se-á, que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, obedecendo ao comando da lei que lhe manda julgar de harmonia com a equidade, tem, para o efeito, de atender a determinados factores que são expressamente referidos na lei, e ainda a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada, de modo a que, tudo ponderado, o levem a concluir pelo valor pecuniário que considere como o justo, para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu. Daqui resulta que a actividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade, não se reconduza ao puro arbítrio, embora também tenha, como é óbvio, uma forte componente subjectiva.

A determinação da indemnização respeitante aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor faz-se, pois, de harmonia com o disposto nos arts.º 496 n.º 3 do CC, com recurso à equidade, circunstância esta que, como resulta do exposto, desde logo implica, pelo necessário grau de subjectividade que acarreta, que não haja decisões iguais, por mais semelhantes que pareçam os casos.

Ora, o conjunto dos factos pertinentes à fixação da indemnização ora em causa, v.g., aqueles que se referem nos trechos da sentença que atrás se reproduziram, mostram que, de acordo os ditames legais “supra” referidos, será adequado, em juízo de equidade, de harmonia com os citados preceitos legais e o exposto, fixar-se a indemnização respeitante aos aludidos danos não patrimoniais, em valor inferior ao arbitrado na sentença (€40.000,00), mas, ainda assim, um pouco superior ao valor defendido, para o efeito, pela Apelante (20.000,00€).

Atente-se nos seguintes extractos de Acórdãos do STJ, relativamente recentes, todos eles respeitando à compensação por danos não patrimoniais decorrentes, para a vítima, de lesões na coluna vertebral, por vezes acompanhadas de outras sequelas: (…)

No caso “sub judice”, tendo em conta tudo o provado e ponderado com respeito aos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, bem como as normas pertinentes à fixação de um montante compensatório relativamente a tais danos, entende-se que, em juízo de equidade, a quantia de 25.000,00 €, não se afastando dos padrões do STJ para casos semelhantes, é o que se adequa arbitrar à Autora pelos danos em causa».

A este título, para além do que foi referido no ponto anterior sobre as limitações e dependências a que a autora ficou sujeita, em consequência das lesões sofridas no acidente, importa destacar da factualidade provada ainda o seguinte:

- Do acidente resultaram para a autora lesões em diversas partes do corpo, nomeadamente traumatismo vertebro-medular, com fractura do corpo vertebral de L1, traumatismos diversos ao nível do tórax e da mão esquerda;

- Foi submetida a exames e tratamentos a essas lesões, tendo ficado internada no hospital durante 12 dias;

- Suportou prolongada recuperação e sofreu com as lesões e tratamentos fortes dores físicas (que ainda sente, por vezes), nomeadamente ao nível da coluna vertebral e da mão esquerda;

- A autora sofreu – e sofre – profundo abalo moral e psicológico;

- Durante cerca de 6 meses, teve de usar um colete dorso lombar;

- Para realizar viagens de duração superior a 15 minutos a Autora deve usar colete dorso lombar, o que sucederá previsivelmente até ao fim da vida;

- Nos meses subsequentes à alta hospitalar a Autora permaneceu a maior parte do tempo deitada ou sentada, por não conseguir permanecer de pé;

- A autora não consegue permanecer sentada durante longos períodos, sendo-lhe também penoso permanecer deitada muito tempo na mesma posição;

- Dorme mal, acordando várias vezes em cada noite, com fortes dores na coluna;

- Ficou psicologicamente afectada e com baixa auto-estima;

- Após o sinistro passou a ter frequentes manifestações de irritabilidade, inquietação e stress a evidenciar sintomatologia ansiosa e depressiva, num contexto reactivo, que deixa perceber uma evolução neurótica;

- O quantum doloris associado às lesões sofridas pela Autora, foi fixado no grau 4/7.

Nos termos do art. 496º, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Tendo em conta o disposto no art. 494º importa considerar o grau de culpabilidade do responsável, a situação económica do lesado e do titular do direito de indemnização e as demais circunstâncias do caso (assumindo aqui relevo o tipo de bem violado e a gravidade da ofensa perpetrada pelo agente, a intensidade e extensão do dano e, tratando-se de ofensa à integridade física, a idade e constituição física do lesado[5]).

Decorre destas normas que a indemnização por danos não patrimoniais não reveste natureza exclusivamente ressarcitória: visa reparar ou compensar, mais do que indemnizar, os danos sofridos pelo lesado, mas tem também "cariz punitivo, assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por forma a desagravá-la do comportamento do lesante"[6].

O montante indemnizatório deve ser "proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida"[7].

A compensação por danos não patrimoniais deve, pois, tender efectivamente a viabilizar um lenitivo ao lesado, pelas vantagens e benefícios que a este pode propiciar, susceptíveis de atenuar as dores e sofrimentos que lhe foram causados; deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, observando, porém, uma ponderada e adequada proporção à gravidade do dano.

Pois bem, no caso, as consequências acima referidas decorrem de acidente provocado por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro; são muito relevantes e inequivocamente merecedoras da tutela do direito.

Deve ainda ponderar-se que a autora foi submetida a internamento hospitalar (12 dias); foi longo o período com tratamentos e deles continua a necessitar (fisioterapia); teve de usar, durante 6 meses, colete dorso lombar e vai ter necessidade de o continuar a utilizar (nos períodos de trabalho, de esforços físicos e na condução).

As lesões sofridas e as sequelas permanentes que apresenta são graves, com os inerentes e graves reflexos físicos e psíquicos (a carecer de acompanhamento psiquiátrico).

Essas sequelas afectam não só a sua capacidade funcional, mas também a sua qualidade de vida, dificultando-lhe a realização de actividades comuns da sua vida diária, com relevante prejuízo de afirmação pessoal.

Sofreu dores muito intensas e irá sofrer dores, só atenuadas com medicação, de que depende permanentemente.

Neste circunstancialismo e considerando os padrões de indemnização que têm sido adoptados na jurisprudência do STJ[8], crê-se que é equilibrado e ajustado, para compensar o dano não patrimonial sofrido, o montante de € 35.000,00.

Em conclusão:

1. Tendo a autora (de .. anos de idade e auferindo o salário líquido de € 515,00x14), em consequência de acidente de viação, sofrido lesões que, para além do coeficiente de incapacidade de que ficou afectada (13 pontos), lhe provocam sérias dificuldades no desempenho da sua actividade profissional habitual ou outra qualquer actividade similar (que implique força, agilidade e mobilidade) e mesmo para as tarefas normais e mais básicas do seu dia-a-dia (vestir-se, calçar-se, higiene pessoal); que essas dificuldades, só atenuadas pelo recurso permanente a ajudas (colete dorso lombar), medicação e tratamentos médicos, para além do esforço acrescido que exigem, se traduzem numa redução acentuada da possibilidade de adaptação e de escolha da actividade profissional, mesmo como trabalhadora indiferenciada, é adequado para ressarcir este dano patrimonial futuro o montante de € 50.000,00.

2. Ponderando que a autora: na sequência desse acidente, para o qual não contribuiu, foi submetida a internamento hospitalar (12 dias); foi longo o período com tratamentos e deles continua a necessitar (fisioterapia); teve de usar, durante 6 meses, colete dorso lombar e vai ter necessidade de o continuar a utilizar (nos períodos de trabalho, de esforços físicos e na condução); as sequelas permanentes que apresenta são graves, com os inerentes e graves reflexos físicos e psíquicos (a carecer de acompanhamento psiquiátrico) e afectam não só a sua capacidade funcional, mas também a sua qualidade de vida, dificultando-lhe a realização de actividades comuns da sua vida diária, com relevante prejuízo de afirmação pessoal; sofreu dores muito intensas e irá sofrer dores (grau 4/7), só atenuadas com medicação, de que depende permanentemente, é ajustado, para compensar o dano não patrimonial sofrido, o montante de € 35.000,00.

V.

Em face do exposto, concede-se parcial provimento à revista, revogando-se, em parte o acórdão recorrido e, em consequência, condena-se a ré a apagar à autora a quantia global de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), correspondendo aos montantes parcelares de € 50.000,00 (dano patrimonial) e € 35.000,00 (dano não patrimonial), mantendo-se o mais decidido (no que respeita ao desconto dos montantes pagos pela ré e a juros de mora).

Custas a cargo da autora e da ré na proporção do decaimento.

Lisboa, 26 de Maio de 2021

F. Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Graça Amaral

Tem voto de conformidade dos Exmos Adjuntos (art. 15ºA aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Proc. 763/17.4T8GRD.C1.S1
F. Pinto de Almeida (R. 409)
Cons. José Rainho; Cons.ª Graça Amaral
[2] Acessível em www.dgsi.pt, como os demais Acórdãos adiante citados.
[3] Cfr. também o Acórdão do STJ de 22.06.2017.
[4] Cfr. os Acórdãos de 23.02.2021 e de 18.03.2021 e a abundante jurisprudência do STJ neles indicada.
[5] Cfr. Albuquerque de Matos, RLJ 143-215 e 216.
[6] Cfr. Antunes Varela, Ob. Cit., 608; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 299; Albuquerque de Matos, Ob. Cit., 194 e segs.
[7] Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., 501.
[8] Cfr. os montantes atribuídos, a este título, nos Acórdãos de 17.10.2019, de 20.10.2019 e de 05.05.2020 e a abundante jurisprudência neles referida.