Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
638/19.2T8FND.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
BEM IMÓVEL
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
FACTOS CONCLUSIVOS
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRESUNÇÃO JUDICIAL
PROVA DOCUMENTAL
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 07/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- As expressões “construções”, “árvores”, “muros” e “vegetação” são representações puramente factuais do mundo real, nada tendo de conclusivo ou de direito.

II- A expressão “criar risco para quem ali se desloque” envolve um juízo conclusivo ou valorativo, mas trata-se de um juízo que se apoia exclusivamente em critérios próprios do homem comum ou empíricos, e por isso vale como facto.

III- Deste modo, não se está perante matéria conclusiva ou de direito aí onde a Relação, modificando a matéria de facto, deu como provado que «Após o incêndio mencionado no ponto 9, dos factos provados, as árvores e as construções existentes nos imóveis descritos no ponto 2 dos factos provados, nomeadamente os muros, ficaram queimados, existindo muros caídos que, a par dos restos de árvores e vegetação ardida, criam risco para quem ali se desloque.»

IV- O Supremo só pode censurar o uso que foi feito pela Relação da prova por presunções se a presunção extraída violar norma legal impositiva em matéria de meios de prova, ou se padecer de ilogicidade ou se partir de factos não apurados.

V- Tendo a Relação apurado que do incêndio que atingiu os prédios resultaram muros queimados e caídos, rachadelas no terreno resultantes do calor intenso do incêndio, restos de árvores queimadas e que o terreno era em declive, a conclusão que extraiu de que se criava risco para quem se deslocasse aos prédios não cai em nenhuma dessas hipóteses.

VI- São requisitos para a resolução ou alteração do contrato no quadro do art. 437.º do Código Civil: (i) que ocorra uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar; (ii) que essa alteração tenha um caráter anormal; (iii) que a parte interessada sofra uma lesão por causa da alteração; (iv) que a manutenção do contrato afete gravemente o vetor da boa-fé, e (v) que a alteração não corresponda aos riscos próprios do contrato.

V- Tendo presentes tais requisitos, foi legitima a resolução do contrato-promessa de compra e venda que a promitente-compradora fez operar com fundamento na alteração anormal das circunstâncias, perante o seguinte quadro factual essencial: (i) fazia parte da base do negócio a venda dos imóveis com todas as árvores que os integravam; (ii) ocorreu entretanto um vasto incêndio na região que atingiu os imóveis, tendo ardido toda a vegetação neles existente, incluindo as árvores; (iii) o incêndio afetou igualmente construções ali existentes, nomeadamente muros, que ficaram queimados e caídos; (iv) os imóveis sofreram significativa depreciação, pois haviam sido prometidos vender por €45.000,00 mas depois vieram a ser vendidos a terceiro por apenas €28.000,00.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 638/19.2T8FND.C1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação ...

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

Símbolo Justo, Lda., demandou, pelo Tribunal Judicial ... e em autos de ação declarativa com processo na forma processo comum, AA (falecido pendente actione, tendo sido habilitados os respetivos sucessores) e mulher BB, peticionando que:

- seja reconhecida a licitude da resolução que levou a efeito do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes;

- sejam os réus condenados a devolver-lhe o sinal que pagou no montante de €15.000,00, acrescendo juros,

Subsidiariamente peticionou que:

- seja declarado o incumprimento do contrato por parte dos réus, condenando-se estes na restituição à autora do sinal em dobro, acrescendo juros.

Alegou para tanto, em síntese, que:

- Na qualidade de promitente-compradora, celebrou contrato promessa de compra e venda com os Réus com vista à aquisição de dois imóveis, um rústico e o outro urbano, pelo preço de € 45.000,00;

- Na data da contratação fez a entrega de sinal no montante de €15.000,00;

- Foi estipulado que até à celebração do prometido contrato os Réus se comprometiam a não proceder ao abate, total ou parcial, de qualquer das árvores integrantes dos imóveis;

- Sucede que veio entretanto a ocorreu um vasto incêndio na região (...);

- Ardeu toda a vegetação existente nos imóveis prometidos vender e ficaram em risco de ruína as construções, nomeadamente os muros;

- Em face desta alteração das circunstâncias, a Autora propôs aos Réus a redução do preço da venda, mas estes não aceitaram;

- Ao invés, providenciaram pela realização da escritura de compra e venda, à qual, porém, não compareceram, vendendo mais tarde os imóveis a terceiro;

- Perante a anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, procedeu a Autora á resolução do contrato, tendo assim direito à restituição do sinal prestado.

Subsidiariamente, para o caso de não ser havida como procedente a aludida resolução, e dado que os Réus se colocaram em situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa, mais alegou que goza do direito a que os Réus restituam o sinal em dobro.

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Contestaram os Réus, concluindo pela improcedência da ação.

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Seguindo o processo seus devidos termos veio, a final, a ser proferida sentença que julgou improcedente a ação.

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Inconformada com o assim decidido, apelou a Autora.

Fê-lo com êxito, pois que a Relação ... revogou a sentença, condenando os Réus no reconhecimento da licitude da resolução do contrato-promessa e na devolução dos peticionados €15.000,00, acrescendo juros de mora desde 27 de dezembro de 2017.

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Insatisfeita com tal desfecho, pede a Ré revista.

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Da respetiva alegação extrai as seguintes conclusões:

1ª. Pelo acórdão recorrido foi considera lícita a resolução do contrato promessa dos autos por banda da promitente compradora com fundamento na alteração anormal das circunstâncias.

2ª. Veio a A. alegar que perdeu o interesse no contrato prometido, uma vez que ardeu a vegetação e as próprias paredes da casa, o que se veio a provar não corresponder à realidade em 1ª instância e em sede de impugnação da matéria de facto a 2ª instância veio a alterar os factos provados acrescentando o seguinte aos provados,

“10-A. Após o incêndio mencionado no ponto 9, dos factos provados, as árvores e as construções existentes nos imóveis descritos no ponto 2 dos factos provados, nomeadamente os muros, ficaram queimados, existindo muros caídos que, a par dos restos de árvores e vegetação ardida, criam risco para quem ali se desloque.”

3ª. Com a dita alteração da matéria de facto veio o tribunal “a quo” a considerar preenchidos os pressupostos legais da resolução de um contrato promessa de compra e venda por alteração superveniente das circunstâncias.

4ª. Dos factos aditados pela Relação as expressões, “construções”, “árvores”, “muros”, “criar risco para quem ali se desloque”, e “vegetação”, trata-se de matéria conclusiva que se há-de retirar de factos alegados e provados pela parte com o ónus da prova.

Na verdade, aquelas expressões extravasam o juízo de facto. Contêm um juízo valorativo que há-de resultar da subsunção jurídica da globalidade dos factos apurados, devendo para tal ser alegado e provada a composição dos prédios, tipo de construções, quais os muros queimados, se são muros de sustentação, de divisão, paredes da casa, muros de divisão interna do imóvel, quais as espécies plantadas, qual o risco em concreto, designadamente perigo de queda, de rolamento de pedras, de desmoronamento, entre outras.

5ª. Deve ser suprimida toda a matéria dos factos aditados pela Relação qualificada como questão de direito, isto é “construções”, “árvores”, “muros”, “criar risco para quem ali se desloque”, e “vegetação”.

6ª. Considerar provado que arderam árvores e construções existentes nos imóveis quando nem sequer foi alegado e provada pela A. a sua constituição e composição, sendo que a presunção do Artigo 7º do Código de Registo Predial não abrange factores descritivos, como as áreas, limites ou confrontações dos prédios, cingindo-se apenas à existência do direito e à sua pertença às pessoas em cujo nome se encontra inscrito.

Deve a matéria aditada pela Relação ser excluída, pois não se pode dar como destruído algo que não está comprovado como fazendo parte do prédio, sob pena de contradição com os demais factos provados e não provados. (nosso sublinhado).

7ª. Por último, ainda se dirá, ao STJ permite-se verificar se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a decisão sobre a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes-deveres – não uso ou uso deficiente ou patológico –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º, 2, para o art. 607º, 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau).

Resulta da análise da apreciação da impugnação da matéria de facto que o acórdão recorrido procedeu a uma análise das declarações de parte, sem valor confessório, de algumas fotos desgarradas juntas pela A. na sua resposta à contestação e do depoimento das testemunhas, CC DD, para retirar uma conclusão sobre as várias parcelas da impugnação feita pela A. sobre a decisão da matéria de facto.

Assim, realizou uma convicção própria, reflectida na forma e nas razões com que funda a rejeição da impugnação da A./recorrente e o aditamento do facto provado 10-A.

8ª. O tribunal “a quo” violou as regras de uso dos poderes conferidos pelo art.662º, 1, do CPC com a construção ilegítima de presunções judiciais, por ausência de base de facto ou prova, para o aditamento dos factos provados.

9ª. Ao STJ é permitido por via da válvula de escape residual de reapreciação da matéria de facto prevista no art. 674º, 3, 2ª parte, amparada no art. 682º, 2, 2.ª parte, todos do CPC, e empreender a sindicação das presunções judiciais construídas pelas instâncias, tendo em vista verificar a violação de norma legal, nomeadamente, os arts.349º e 351º do C.Civ., a sua coerência lógica e a fundamentação probatória de base quanto ao facto conhecido.

10ª. A relação alterou a matéria provada aditando-lhe factos (10-A) justificando:

“Ouvido o depoimento da declarante de parte e da indicada testemunha, bem como as declarações da testemunha EE e as declarações de parte do habilitado na posição do falecido R., FF, decorre como certo que o fogo afectou os dois imóveis, que “queimou isto tudo” nas palavras deste último e que queimou toda a vegetação existente naqueles prédios. No entanto, o termo “vegetação” aqui empregue não corresponde totalmente à realidade do local, que engloba, como resulta destes depoimentos e das aludidas fotografias, eucaliptos, mimosas e outros arbustos aí existentes. Apesar da designação do prédio rústico constante da respectiva certidão predial, como terra de pastagem, a realidade é que, localizando-se em declive, nele era visível extenso arvoredo e inseria-se em zona de floresta que ardeu na sua totalidade após o incêndio. Decorre ainda das declarações da representante legal da A. e das fotografias juntas aos autos, que este incêndio, para além de queimar o verde aí existente (vegetação e árvores) queimou igualmente muros. Destas fotografias, aqui confirmadas como pertencendo a este local, inclusive pela testemunha DD, resultam visíveis muros caídos, queimados e extensas rachadelas no solo decorrentes do incêndio. É igualmente certo que em relação ao estado anterior do prédio, pela declarante de parte que aí se deslocou em companhia do promitente vendedor AA, foi referido que se tratava de construção mantida, com árvores e arbustos de grande porte, que pretenderiam manter (ressalvados, por esse motivo, na cláusula 9ª do contrato) e que estes muros existentes na propriedade não estavam nessa ocasião, prévia ao fogo que aí lavrou, caídos, nem se apercebeu que estivessem em risco de derrocada. Se, em relação à parte urbana apenas se percepcionam paredes exteriores chamuscadas, das fotografias juntas, conjugadas com estas declarações de parte e com o próprio depoimento da testemunha DD, resulta que os muros queimados e caídos resultam do incêndio, não sendo apontada qualquer outra causa para este estado. Por outro lado, também se não vê razão para desconsiderar as declarações de parte prestadas pela legal representante da A., igualmente sujeitas à livre apreciação do tribunal, conforme dispõe o artº 466 nº3 do C.P.C.….

a existência de muros queimados e caídos, a par das rachadelas no terreno, resultado do calor intenso do incêndio, dos restos de árvores queimadas aí visíveis, num terreno em declive, cria risco a quem aí se desloca, é uma conclusão lógica a retirar destes factos. Assim sendo, dá-se como assente um novo facto com o nº 10-A com a seguinte redacção: 10-A. Após o incêndio mencionado no ponto 9, dos factos provados, as árvores e as construções existentes nos imóveis descritos no ponto 2 dos factos provados, nomeadamente os muros, ficaram queimados, existindo muros caídos que, a par dos restos de árvores e vegetação ardida, criam risco para quem ali se desloque.”

11ª. Nem das declarações de parte do FF quer do depoimento da testemunha, DD, resulta que o fogo tenha queimado a casa de habitação.

Antes pelo contrário o FF e DD, afirmaram que o incêndio nunca afectou a casa, fazendo referência às fotos onde se verifica que a casa está intacta, portas, janelas, telhado, paredes de cantaria em perfeito estado e sem qualquer chamuscado, o qual é lavável.

Mais, a parte e a testemunha nem sequer identificaram o local e as estremas do prédio.

Neste sentido ressalvam-se as passagens dos depoimentos de:

FF, com o depoimento prestado no dia 07-09-2021 com início às 15:41:17 e término às 16:26:33, passagens de minutos 09:53 a 10:05, 11:54 a 12:10, 12:22 a 12:29, minutos 12:32 a 12:36, 16:26:33, minutos 12:52 a 13:19, 24:25 a 24:52, 25:29 a 25:51 e 26:20 a 26:47.

Já a testemunha GG, depoimento prestado no dia 07-09-2021 com início às 14:17:08 e término às 14:45:00, cujas passagens se destacam de minutos 03:13 a 03:32, 04:29 a 04:34; 04:57 a 05:18; 08:19 a 08:58; 13:35 a 13:46.

12ª. Quanto às fotos que o tribunal “a quo” analisou e conjugou com os depoimentos aludidos e de onde retirou “Se, em relação à parte urbana apenas se percepcionam paredes exteriores chamuscadas, das fotografias juntas, conjugadas com estas declarações de parte e com o próprio depoimento da testemunha DD, resulta que os muros queimados e caídos resultam do incêndio, não sendo apontada qualquer outra causa para este estado.”

Se o tribunal recorrido tivesse analisado as fotos juntas com a contestação e nos requerimentos de 14/11/2019 verificaria que a casa de habitação está intacta, paredes, portas, janelas, telhado, pasto em redor, mimosas. Resulta, ainda, destas fotos a existência de algumas pedras soltas, antigas, sem quaisquer vestígios de queimaduras, e que resultam da degradação de alguns muros antigos não recuperados ou mantido.

Nas, próprias, fotos da resposta à contestação se verifica ao longe uma casa em pedra altaneira sem quaisquer vestígios de muros queimados ou chamuscados! (cfr. por ex. fotos 24 a 26 da resposta contestação)

13ª. Só na foto 14 da resposta à contestação se vê um antigo muro (talvez de delimitação), derrubado pelo tempo, não se vendo quaisquer pedras de uma derrocada recente, nem sem sinais de chamuscado, antes sim com verifica-se a existência de musgos, nem sequer tendo ardido a escada, o banco velho e as plantas junto à construção que aí se podem visionar!

Dos documentos 02 e 03 da resposta à contestação visiona-se muros em socalco muito antigos, sem sinais de derrocada, com os patamares limpos de mato e pasto pela acção do incêndio. Conjugando com as fotos dos requerimentos14/11/2019 só se pode considerar que tudo renasceu, a natureza encontra sem forma de regenerar.

14ª. As conclusões, presunções judiciais, retiradas pelo tribunal recorrido não têm qualquer suporte nos documentos de imagem, prova por excelência para esta factualidade, sendo desprezível a prova testemunhal, pois uma imagem vale por mil palavras (Confúcio).

Aliás, só se consegue visionar um rego que estava coberto por manto vegetal antes do incêndio e que ficou novamente coberto após o incêndio (cfr. foto 13 da resposta à contestação).

Não se pode presumir tal como o fez o tribunal recorrido que se trata de rachadelas no terreno em resultado do calor intenso do incêndio florestal.

O incêndio quanto muito queima o pasto e o manto vegetal mas não racha o solo de terra natural, caso contrário seria visível em todas as fotos e em todo o terreno o que não sucede. Mesmo que assim, fosse o solo lavra-se, ripa-se e regenera, qual o prejuízo??

15ª. A Relação não podia considerar que a existência de muros queimados e caídos, a par das rachadelas no terreno que resultou do calor intenso do incêndio, dos restos de árvores queimadas aí visíveis, num terreno em declive e que cria risco a quem aí se desloca, é uma conclusão ilógica a retirar.

Nem sequer se concebe como é que há risco para quem aí se desloque apenas por o terreno ser em declive, quando o mesmo é suavizado com os socalcos.

16ª. Assim, justifica-se a sindicância das presunções judiciais construídas pelo tribunal recorrido, tendo em vista verificar a sua coerência lógica e a fundamentação probatória de base quanto ao facto conhecido.

17ª. As declarações de parte da A. têm de ser analisadas com o máximo de cuidado, pois a mesma viu a propriedade coberta de pasto e mato, com alguns arbustos. Não podendo ver o que se passa por debaixo desse coberto vegetal. Nem sequer a estabilidade dos muros dos socalcos. Mais tarde em sede de depoimento afirma que as paredes da casa arderam e estavam chamuscadas. (cfr. passagem do depoimento prestado no dia 07-09-2021, com início às 11:34:18 e término às 12:06:27, minutos, no qual a Autora referiu as pedras dos terraços “obviamente” estavam todas pretas, que tudo estaria chamuscado) Ora são as fotos que ela própria junta que a desmentem, pelo que o seu depoimento tem de ser desconsiderado tal como foi na 1ª instância.

18ª. Terá de ser excluída da matéria de facto os factos aditados pela Relação sob o nº 10-A.

19ª. Face aos factos provados, mesmo que venham a considerar manter os que foram aditados pelo tribunal “a quo” resulta que a A. ao resolver o contrato da forma em que o fez ilicitamente.

20ª. A resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias que constituíram a base do negócio aponta por via de regra para a imprevisibilidade de tal alteração.

A A. pretende o reconhecimento judicial da resolução do contrato por alteração das circunstâncias, nos termos do art.437º do C.C.

21ª. Dos factos provados assentes não resulta dos autos a composição dos prédios objecto da escritura.

22ª. O incêndio florestal que varreu a ... no Verão não se pode considerar uma situação anormal, uma vez que no Verão o país é pejado de incêndios.

23ª. Contudo, caso V.Exªs entendam que o incêndio se trata de uma situação anormal para que se verifique a alteração das circunstâncias, nos termos do art. 437º do CC, terá de essa alteração provocar uma lesão para uma das partes; e que tal lesão seja de tal ordem que se apresente contrária à boa-fé a exigência do cumprimento das obrigações assumidas; e que não se encontre coberta pelos riscos próprios do contrato.

24ª. A alteração de ocorreu na vegetação (pastagem) do prédio rústico não provocou uma lesão na esfera da A. de tal ordem que se apresente contrária à boa-fé a exigência do cumprimento das obrigações assumidas.

25ª. Incumbia à A. alegar e provar quais as confrontações e a composição dos prédios que pretendia comprar. A área, qualidade e valor dos bens ardidos. O valor objectivo do prédio antes e após o incêndio. O que não sucedeu.

À míngua de factos provados nesse sentido terá de se considerar não verificada a existência de uma lesão na esfera da A. de tal ordem que se apresente contrária à boa-fé a exigência do cumprimento das obrigações assumidas.

26ª. Não se pode extrair do confronto dos factos provados nºs 3 e 24 que as diferenças de preço correspondem necessariamente à lesão da A. e que se apresente contrária à boa-fé a exigência do cumprimento das obrigações assumidas.

Desconhecem os autos se o preço pelo qual a A. pretendia comprar correspondia ao valor real ou se estava inflacionado, também desconhecem os autos se o preço de venda a 3ª pessoa corresponde ao real valor actual do prédio ou se foi declarado valor inferior ao real.

27ª. A única forma de fazer prova de tal lesão seria a A. ter alegado que o preço da compra correspondia ao valor real de mercado do imóvel à data do contrato promessa. E teria a A. de alegar o valor de mercado dos prédios, após o incêndio florestal, à data em que resolveu o contrato promessa pela 1ª vez, isto é em 22/09/2017 (factos provados 12).

Nada disto a A. fez.

O tribunal “a quo” presume o prejuízo da A. pela diferença de preços o que, salvo o devido respeito, é errado não só pelo supra exposto, mas também porque decorreu mais de um ano entre a promessa de compra e venda e a venda dos prédios pelos RR a terceira pessoa. (cfr. factos provados nº02 e 24). Justificando-se a sindicância pelo STJ desta presunção judicial construída pelo tribunal recorrido, tendo em vista verificar a sua coerência lógica e a fundamentação probatória de base quanto ao facto conhecido.

28ª. Face à inexistência de factos que comprovem a lesão para uma das partes, decorrente da alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, e que tal lesão seja de tal ordem que se apresente contrária à boa-fé a exigência do cumprimento das obrigações assumidas terá de se considerar que não estão preenchidos os requisitos previstos no art.437º do CC.

29ª. A A. resolveu o contrato promessa, pelo menos, desde 22 de setembro de 2017 demonstrando a sua intenção em não cumprir o contrato promessa nos termos deles constantes, pois remeteu aos AA. uma carta de resolução do contrato promessa de compra e venda por alteração das circunstâncias.

Apesar, de não recepcionada a mensagem foi conhecida dos RR, face às negociações havidas entre os advogados das partes, tal como reconhece a A. no 3º parágrafo do doc. 9 da P.I.

Foi designada data para a escritura pelos RR., contudo foram avisados antecipadamente, pelos advogados, que a A. não iria outorgar a escritura pelo preço convencionado. Pelo que, não compareceram no local e desmarcaram a escritura, pois face à sua idade não iriam perder tempo e saúde em deslocações. A A. compareceu, mas tal como afirmou a sua gerente em sede de depoimento de parte fê-lo, apenas, para poder transmitir à notária as razões pelas quais não celebrava a escritura. O que resulta limpidamente do doc.8 e 9 da P.I.

As comunicações de 09/11/2017 e a de 18/12/2017, efectivamente recebidas, são a confirmação de tal vontade.

Tomando em consideração os factos provados e ao supra exposto e a toda a actuação da A. verifica-se que resolveu injustificadamente o contrato promessa de compra e venda, logo constitui-se na obrigação de indemnizar os RR.

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A Autora não contra-alegou.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

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São questões a conhecer:

- Se devem ser eliminadas expressões do ponto 10-A por se tratar de matéria conclusiva e de direito;

- Se foram violados os poderes conferidos pelo art. 662.º, n.º 1 do CPCivil;

- Se foi (i)lícita resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Estão provados os factos seguintes (com a alteração efetuada pelo acórdão recorrido):

1. A autora é uma sociedade comercial que tem por objeto a compra e venda de bens imóveis e prestação de serviços de consultadoria financeira e consultadoria para os negócios e a gestão.

2. No dia 6 de Maio de 2017, no exercício da sua atividade, a autora celebrou com os réus um contrato promessa de compra e venda, tendo como objeto os seguintes imóveis sitos na Freguesia ..., concelho ... e Distrito ...:

a. Urbano, destinado a habitação sito em ..., na Freguesia ..., concelho ... e Distrito ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º ...75;

b. Rústico, sito em ..., com área total de 20.000m2, Freguesia ..., concelho ... e Distrito ..., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo n.º ...57.

3. Resulta da cláusula 3.ª do referido contrato promessa de compra e venda que o preço global da venda foi de 45.000 euros.

4. Resulta da cláusula 3.ª do referido contrato promessa de compra e venda que o referido preço seria pago em duas tranches: a quantia de 15.000,00 euros seria paga no dia 06 de maio de 2017 e o remanescente seria pago no dia da outorga da escritura de compra e venda.

5. Resulta da cláusula 4.ª do referido contrato promessa de compra e venda que “A escritura pública de compra e venda a favor do Promitente Comprador, será celebrada até 30 de Setembro de 2017”.

6. Resulta da cláusula 5.ª do referido contrato promessa de compra e venda que “Os Promitentes Vendedores compromete-se a proceder a suas expensas à devida legalização dos imóveis objecto deste contrato, nomeadamente à sua actualização fiscal, predial e administrativa no ..., responsabilizando-se ainda pela obtenção da respectiva licença de habitabilidade para o imóvel urbano, destinado à habitação, ou certidão demonstrativa da sua isenção, bem como a respectiva obtenção do certificado energético.”

7. Resulta da cláusula 9.ª do referido contrato promessa de compra e venda que “Pelo presente contrato, os Primeiros Outorgantes comprometem-se a não proceder, a partir da presente data até à celebração da escritura de compra e venda, a qualquer corte ou abate, total ou parcial de qualquer uma das árvores, integrante nos imóveis, objecto do presente negócio.”

8. No dia da celebração do referido contrato promessa, a autora entregou aos réus a quantia de 15000 euros.

9. Entre os dias 13 e 16 de Agosto de 2017 a ... foi varrida por um incêndio que, no dia 14 do referido mês, cercou ..., tendo queimado tudo em redor.

10. Os imóveis descritos no ponto 2 foram objeto do referido incêndio, tendo ardido toda a vegetação existente.

10-A. Após o incêndio mencionado no ponto 9, as árvores e as construções existentes nos imóveis descritos no ponto 2 dos factos provados, nomeadamente os muros, ficaram queimados, existindo muros caídos que, a par dos restos de árvores e vegetação ardida, criam risco para quem ali se desloque.

11. No dia 04 de setembro de 2017, a autora recebeu uma missiva, datada de 4 de Setembro de 2017, enviada pelos réus com os seguintes dizeres: “Venho transmitir a V. Exas que fui contactado pelos M/ clientes para proceder à preparação da escritura pública de compra e venda relativa ao imóvel negociado entre V.Exas. Tal como está contratualmente previsto o contrato prometido deve ser outorgado até ao fim do corrente mês de Setembro de 2017. Assim, peço o favor de me contactarem, por forma a combinar data para a outorga da escritura de compra e venda.”

12. Após, a autora remeteu aos réus a carta datada de 22 de Setembro, com os seguintes dizeres: “Serve a presente para, por este meio, e uma vez mais, levar ao conhecimento de V.ª Exas. a decisão ponderada e fundamentada que tomámos quanto à Resolução do Contrato-Promessa de Compra e Venda (C.P.C.V.) que foi celebrado no passado dia 06/05/2017 entre a nossa empresa "Símbolo Justo, Lda." e V.ª Exas.. Tal Resolução do C.P.C.V. verifica-se em virtude de ter ocorrido uma alteração superveniente (em relação ao momento da assinatura do referido Contrato) das circunstâncias em que inicialmente foi celebrado entre as partes o negócio imobiliário referente aos prédios rústico (art.º matricial 957) e urbano (art.º matricial 475), sitos em ..., na Freguesia ..., concelho ... e Distrito .... Efectivamente, e como V.ª Exas. muito bem sabem, tendo, entretanto, ocorrido recentemente um incêndio que "lavrou" na área onde se localizam os referidos prédios, tal veio a destruir toda a vegetação ali existente e dos arredores. De facto, temos na nossa posse fotos recentemente tiradas à propriedade rústica, na qual é por demais visível que a totalidade) das árvores e arbustos existentes na mesma, se encontram totalmente ardidas e destruídas pelo fogo, inclusivé com a força do fogo existem socalcos com os muros em pedra completamente desmoronados que criam um risco efectivo para quem se desloca á propriedade tendo-se, por isso, depreciado, em grande medida, o valor comercial dos referidos prédios que inicialmente pretendíamos adquirir a V.ª Exas. Ora, logo que tomámos conhecimento de tal lamentável ocorrência, contactámos o vosso filho que reside em ..., ao qual a gerente da nossa sociedade transmitiu pessoalmente o justificado desinteresse na efectiva aquisição dos prédios, uma vez que os mesmos já não tinham o real valor pelo qual os pretendíamos comprar. Assim, e tendo, aquando da celebração do C.P.C.V., sido entregue a V.ª Exas., pela nossa empresa, um valor a título de sinal e princípio de pagamento, no montante de € 15.000,00 (quinze mil euros), demos conta ao vosso filho de que pretendíamos que nos fosse devolvido em singelo tal valor face à resolução do Contrato (como, aliás, é de lei). Sucede que — para espanto nosso - alguns dias após esse contacto, fomos surpreendidos por uma carta que nos foi dirigida pelo V/ Advogado Dr. HH a solicitar à nossa empresa a celebração do C.P.C.V. até ao final do corrente mês de Setembro. Nesse sentido e face ao supra exposto, vimos reiterar a V.ª Exas. que consideramos o C.P.C.V. celebrado em 06/05/2017 resolvido por alteração superveniente das circunstâncias, o que legitima a devolução em singelo do sinal que vos foi entregue. Solicitamos, pois, a Vª Exas. que, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, contados da recepção da presente carta, nos remetam cheque ou efectuem transferência bancária para a nossa conta, no aludido valor.”

13. No dia 02 de Outubro de 2017, a referida carta veio devolvida com a indicação de “recusada”.

14. No dia 24 de Outubro de 2017, os réus remeteram missiva à autora com os seguintes dizeres: “Em virtude, do contrato promessa de compra e venda outorgado entre nós e V. Exas, no qual lhes foi prometido vender os prédios, sitos em ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo urbano nº ...75 e rústico art. ...57, os quais prometeram comprar. E por mantermos o interesse no contrato prometido, pretendemos marcar dia e local para a outorga do contrato de compra e venda dos ditos imóveis (escritura pública de compra e venda). Assim, vimos designar o dia 10 de Novembro de 2017, pelas 11.30h, para efectivação da escritura de compra e venda no cartório notarial .... II, sito em Rua ..., ..., ... .... Toda a documentação de que careçam para a dita escritura encontra-se ao vosso dispor no dito cartório com a antecedência de cinco dias. Por outro lado, devem entregar no dito cartório com, pelo menos, dois dias de antecedência face à data designada o comprovativo de pagamento do IMT e imposto de selo e outros impostos da V/ responsabilidade, se os houver.”

15. No dia 10.11.2017, pelas 11h30, JJ, na qualidade de legal representante da autora, compareceu no cartório notarial da Dr.ª II, sito em Rua ..., ..., ... ..., o que fez consciente de que os réus não tinham recebido a missiva mencionada no ponto 12.

16. No dia 10.11.2017, pelas 11h30, os réus não compareceram no cartório notarial da Dr.ª II, sito em Rua ..., ..., ... ....

17. Resulta do certificado notarial subscrito por II que: “No dia dez de Novembro de dois mil e dezassete, pelas 11 horas e 30 minutos, esteve marcada neste Cartório, uma escritura de compra e venda em que seriam vendedores, BB, NIF ... e seu marido, AA, NIF ..., casados sob o regime de comunhão geral de bens, residentes na Rua ..., Freguesia ..., concelho ... e seria compradora a sociedade por quotas com a firma, "SÍMBOLO JUSTO, LDA", com sede no lugar ..., ..., freguesia e concelho ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., sob o núme.ro único de matricula e identificação de pessoa colectiva cinco, zero, nove, zero, seis, um, nove, nove, zero, com o capital social de cinco mil euros, e objecto da mesma compra e venda, o prédio rústico, composto por terra de pastagem, com a área de vinte mil metros quadrados, sito em ..., Freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número mil duzentos e treze/Freguesia ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...57, com o valor patrimonial tributário de €259,20 e o prédio urbano, composto por um edifício de ... e ... andar, destinado a habitação, com a superfície coberta de vinte metros quadrados, sito em ..., Freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número mil cento e quatro/Freguesia ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...75, com o valor patrimonial tributário de € 4640,00. Mais certifico que esteve presente neste Cartório, á hora marcada, apenas a representante da referida sociedade compradora, JJ, casada, natural de ..., residente na Avenida ..., ... andar esquerdo, freguesia e concelho ..., titular do cartão de cidadão número ..., válido até 12/11/2020, emitido pela Republica Portuguesa, pelo que a escritura não se realizou por não terem aqui comparecido para o efeito, os mencionados vendedores."

18. No dia 09 de novembro de 2017, a autora remeteu missiva aos réus com os seguintes dizeres: “Tendo em conta que Vª. Exas. se recusaram a recepcionar a nossa carta de 22/09/2017, tal como demonstra pelo talão de registo dos correios. Serve a presente para, por este meio, e uma vez mais, levar ao conhecimento de Vª Exas. a decisão ponderada e fundamentada que tomámos quanto à Resolução do Contrato-Promessa de Compra e Venda (C.P.C.V.) que foi celebrado no passado dia 06/05/1017 entre a nossa empresa "Símbolo Justo, Lda." e V. Exas.. Tal Resolução do C.P.C.V. verifica-se em virtude de ter ocorrido uma alteração superveniente (em relação ao momento da assinatura do referido Contrato) das circunstâncias em que inicialmente foi celebrado entre as partes o negócio imobiliário referente aos prédios rústico (art.º matricial 957) e urbano (art.º matricial 475), sitos em ..., na Freguesia ..., concelho ... e Distrito .... Efetivamente, e como Vª Exas. muito bem sabem, tendo, entretanto, ocorrido recentemente um incêndio que "lavrou" na área onde se localizam os referidos prédios, tal veio a destruir toda a vegetação ali existente e dos arredores. De facto, temos na nossa posse fotos recentemente tiradas à propriedade rústica, na qual é por demais visível que a totalidade das árvores e arbustos existentes na mesma, se encontram totalmente ardidas e destruídas pelo fogo, inclusivé com a força do fogo existem socalcos com muros em pedra completamente desmoronados que criam um risco efectivo para quem se desloca à propriedade tendo-se, por isso, depreciado, em grande medida, o valor comercial dos prédios que inicialmente pretendíamos adquirir a Vª Exas.. Ora, logo que tomámos conhecimento de tal lamentável ocorrência, contactámos o vosso filho que reside em ..., ao qual a gerente da nossa sociedade transmitiu pessoalmente justificado desinteresse na efetiva aquisição dos prédios, uma vez que os mesmos já não tinham o real valor pelo qual pretendíamos comprar, Assim, e tendo, aquando da celebração do C.P.C.V. , sido entregue a V. Exas., pela nossa empresa, um valor a título de sinal e princípio de pagamento, no montante de € 15.000,00 € (quinze mil euros), demos conta ao vosso filho de que pretendíamos que nos fosse devolvido em singelo sinal tal valor face à resolução do Contrato (como, aliás, é de lei). Sucede que -para espanto nosso - alguns dias após esse contacto, fomos surpreendidos por uma carta que nos foi dirigida pelo V./Advogado Dr. HH a solicitar à nossa empresa a celebração do C.P.C.V. até ao final do corrente mês de Setembro. Nesse sentido e face ao supra exposto, vimos reiterar a Vª Exas, que consideramos o C.P.C.V. celebrado em 06/05/2017 resolvido por alteração superveniente das circunstâncias, o que legitima a devolução em singelo do sinal que vos foi entregue. Solicitamos, pois, a Vª Exas. que, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, contados da recepção da presente carta, nos remetam cheque ou efectuem transferência bancária para a nossa conta, no aludido valor.”

19. Os réus receberam a aludida missiva no dia 14 de Novembro de 2017.

20. Os réus não responderam à referida missiva.

21. No dia 18 de Dezembro de 2017, a autora remeteu missiva aos réus com os seguintes dizeres: “Vimos, uma vez mais — e numa derradeira tentativa de resolver a situação em causa deforma extrajudicial - solicitar a V.ª Exas. que procedam à devolução à nossa empresa do valor que vos foi entregue a título de sinal e princípio de pagamento, no montante de € 15.000,00 (quinze mil euros), no âmbito do Contrato-Promessa de Compra e Venda referente aos prédios rústico (art.º matricial 957) e urbano (art.º matricial 475), sitos em ..., na Freguesia ..., concelho ... e Distrito ..., de que são proprietários. Como é já sobejamente do V./conhecimento, no passado dia 22/09/2017 dirigimos uma carta a V.ª Exas. comunicando-vos a resolução fundamentada do referido Contrato-Promessa celebrado entre a nossa empresa "Símbolo Justo, Lda." e V.ª Exas., no passado dia 06/05/2017, em virtude da ocorrência da alteração superveniente das circunstâncias em que inicialmente foi celebrado o negócio imobiliário (sobre os prédios sitos em ...). Pese embora V.ª Exas. tenham sido atempadamente informados da aludida resolução contratual, inexplicavelmente, tentaram, ainda assim, agendar uma escritura notarial no Cartório da Dra. II, em ..., para o passado dia 10/11/2017, pelas 11H30. Ainda que a "Símbolo Justo, Lda." não tivesse intenção em celebrar qualquer escritura de compra e venda, pelos motivos já oportunamente invocados, a mesma fez-se, ainda assim, representar pela respectiva representante legal, no intuito de, caso V.ª Exas. persistissem injustificada e ilegalmente - em levar por diante tal celebração, poderem ser transmitidas à Notária as razões ponderosas pelas quais já não fazia sentido (naquela data) agendar a celebração de qualquer escritura, porquanto o Contrato-Promessa havia já sido resolvido. Ainda assim, e de acordo com o teor da Declaração emitida pela referida Notária, V.ª Exas., não compareceram na data e hora que havia sido por vós agendada. Face ao supra exposto, solicitamos, uma vez mais, a V.ª Exas. que, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, contados da recepção da presente carta, nos remetam cheque ou efectuem uma transferência bancária para a nossa conta, no valor correspondente ao montante do sinal entregue (i .e., € 15.000,00). Decorrido que seja o prazo supra referido, sem que se mostre ter sido devolvida tal quantia, desde já informamos que iremos mandatar o nosso Advogado, no sentido de que o mesmo instaure, com a maior brevidade possível, uma acção cível contra V.ª Exas., destinada à cobrança coerciva do valor do sinal em singelo.”

22. Os réus receberam a aludida missiva no dia 22 de dezembro de 2017.

23. Os réus não responderam à referida missiva.

24. Em 26 de Julho de 2018, os réus venderam os imóveis descritos no ponto 2 a KK pelo preço de 28000 euros.

Vem dado como não provado que:

a. O incêndio que grassou em ..., na zona da ..., mencionado no ponto 9, dos factos provados, afetou muito levemente os imóveis descritos no ponto 2.

b. O incêndio que grassou em ..., na zona da ..., mencionado no ponto 9, dos factos provados, apenas queimou pasto, algumas mimosas e 06 eucaliptos, tudo num valor global inferior a 1000,00€.

c. Eliminado

d. No mês de agosto de 2017, a representante legal da autora, JJ abordou os réus, na pessoa de FF, filho dos réus, e propôs uma redução do preço, que os réus não aceitaram.

e. A autora transmitiu aos réus, na pessoa de FF, que, sem a redução do preço proposta, resolveria o contrato promessa descrito no ponto 2.

f. No final de Agosto de 2017, a representante legal da autora, JJ, transmitiu aos réus que, em face do incêndio, só mantinha interesse nos imóveis descritos no ponto 2, caso os réus os vendessem pelo valor total de 20.000,00€ e que caso tal redução de preço não fosse aceite, resolvia o contrato promessa de compra e venda com devolução do sinal.

g. A autora não pagou o IMT nem o imposto de selo devido pela compra dos imóveis descritos no ponto 2.

h. Desde Agosto de 2017 que o réu se encontrava hospitalizado, não se podendo deslocar à sua habitação para receber as comunicações que lhe eram remetidas.

i. Os réus sempre pretenderam manter o contrato-promessa de compra e venda dos imóveis descritos no ponto 2 e apenas não compareceram no cartório mencionado no ponto 16 dos factos provados, na medida em que foram alertados que a autora apenas iria comparecer para expor os seus motivos em recusar celebrar o contrato prometido.

j. Os réus, após a resolução do contrato, mencionado no facto provado n.º2, por parte da autora, procederam à publicitação da venda dos imóveis descritos no ponto 2.

k. Os réus, após terem conhecimento de um comprador para adquirir os imóveis descritos no ponto 2., notificaram a autora para aferir se esta pretendia adquirir pelo mesmo preço proposto pelo dito comprador, tendo a autora recusado oferecer mais de 20.000,00€.

l. No verão de 2018, a vegetação dos imóveis descritos no ponto 2. tinha renascido e florescido, designadamente, os eucaliptos e as mimosas rebentaram, e o pasto cresceu de modo espontâneo.

m. A casa, construções e muros dos imóveis descritos no ponto 2. estão em perfeitas condições de uso e habitação, como sempre estiveram, as quais se mantêm sem qualquer intervenção/manutenção desde a data em que o contrato promessa descrito no ponto 2 foi celebrado.

n. A autora, com o negócio a que se alude no ponto 5, como sociedade que se dedica à compra de imóveis para revenda, pretendia com o dito negócio valorizar os imóveis descritos no ponto 2 e revendê-los.

De direito

Quanto à questão da eliminação de factos do ponto 10-A por serem conclusivos

Sustenta a Recorrente, reportando-se ao que consta do ponto 10-A dos factos provados, aditado pelo acórdão recorrido, que as expressões, “construções”, “árvores”, “muros”, “criar risco para quem ali se desloque” e “vegetação” constituem matéria conclusiva e de direito. Como tal, deveria essa matéria ser suprimida.

É um pouco surpreendente este posicionamento da Recorrente, na medida em que na sua contestação e na sua contra-alegação na apelação não deixou de encarar com toda a naturalidade tal matéria como sendo estritamente de facto. Somente agora é que parece ter descoberto a suposta natureza conclusiva e de direito dessas expressões.

Mas, à parte essa incoerência, é patente a sua falta de razão.

Factos são (pelo menos para fins jurídico-práticos) as manifestações (reais ou simplesmente hipotéticas) do mundo tal como este logra ser inteligido ou representado pela criatura humana. Entretanto convém ter presente que, como refere Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, III, p. 268), indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que a ele possa ou não chegar-se diretamente (puras perceções) ou somente através de regras gerais e abstratas (juízos empíricos, as chamadas regras da experiência).

Os juízos conclusivos ou de valor que se apoiam nos critérios próprios do homem comum, do bom pai de família, não estando por isso presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei, podem (devem) valer como factos. Antunes Varela (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122.º, p. 220) expende que «há que distinguir nesses juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum, e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. Os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto (…)».

No referido ponto 10-A deu-se como provado que:

«Após o incêndio mencionado no ponto 9, dos factos provados, as árvores e as construções existentes nos imóveis descritos no ponto 2 dos factos provados, nomeadamente os muros, ficaram queimados, existindo muros caídos que, a par dos restos de árvores e vegetação ardida, criam risco para quem ali se desloque.»

Ora, “construções”, “árvores”, “muros” e “vegetação” (existentes nos imóveis em questão) são representações puramente factuais do mundo real, nada tendo de conclusivo ou de direito. Logo, estamos aqui perante realidades estritamente factuais. O que a Recorrente afirma (nomeadamente quanto à omissão da alegação dos chamados “factores descritivos” em sede registral) em contrário dessa conclusão está à partida destinado a não prosperar.

Já a expressão “criar risco para quem ali se desloque” representa certamente um juízo conclusivo ou valorativo. Mas trata-se de um juízo que se apoia exclusivamente em critérios próprios do homem comum, empíricos, fundado nas regras da experiência, logo vale como facto e como tal deve ser tratado.

Consequentemente nada pode ser censurado ao acórdão recorrido por ter levado à categoria de factos provados a factualidade em causa, de sorte que não há qualquer razão juridicamente atendível para que seja suprimida.

Improcede assim a questão em apreciação.

Quanto à questão da violação dos poderes conferidos pelo art. 662.º, n.º 1 do CPCivil

Mais sustenta a Recorrente que o tribunal recorrido “violou as regras de uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1, do CPC com a construção ilegítima de presunções judiciais, por ausência de base de facto ou prova, para o aditamento dos factos provados”.

É certo que, como supõe a Recorrente, o Supremo pode verificar se a Relação, ao usar os seus poderes em sede de aferição dos factos, agiu dentro dos limites traçados na lei para os exercer.

A verdade, porém, é que a Recorrente partindo embora de um tal pressuposto que é válido, mais não faz afinal que vir discutir (isto resulta muito claro das conclusões 11ª e seguintes) a bondade da avaliação que o tribunal recorrido fez das provas de livre apreciação (prova pessoal e prova documental) em que se baseou para modificar a matéria de facto. Acontece que - e como decorre dos art.s 674.º, n.º 3 e 682.º, n.ºs 1 e 2 do CPCivil - a este Supremo não cabe competência para escrutinar o julgamento que é feito dos factos. Concordantemente, decorre do art. 662.º, n.º 4 do CPCivil que da decisão tomada pelo tribunal de apelação sobre a matéria de facto não cabe recurso para o Supremo.

O que significa que improcede à partida a pretensão da Recorrente a ver revertida a decisão de facto contida no aludido ponto 10-A.

Todavia, mais fala a Recorrente em presunções indevidamente extraídas pelo tribunal recorrido.

No que se refere à prova por presunções, é certo que o seu uso também não pode ser sindicado pelo Supremo. As presunções judiciais inserem-se no contexto do apuramento da matéria de facto, de sorte que os factos tidos por demonstrados à luz delas não podem, em sede de recurso de revista, ser objeto de escrutínio por parte do Supremo Tribunal de Justiça (v. citados art.s 674º nº 3 e 682º do CPCivil)[1].

Só assim não deverá ser - caso em que poderá então o Supremo censurar o uso que foi feito da prova por presunções - se a presunção extraída violar norma legal impositiva em matéria de meios de prova, ou se padecer de ilogicidade ou se partir de factos não apurados (presunção arbitrária, sem base adquirida).

O alvo da censura da Recorrente continua a ser o ponto 10-A introduzido pelo tribunal recorrido, no segmento (e se bem se entende) de que “a existência de muros queimados e caídos, a par das rachadelas no terreno, resultado do calor intenso do incêndio, dos restos de árvores queimadas aí visíveis, num terreno em declive, cria risco a quem aí se desloca, é uma conclusão lógica a retirar destes factos.”

Decorre deste inciso factual que o tribunal recorrido, partindo de factos (base da presunção) que teve por apurados em face das provas de livre apreciação produzidas - muros queimados e caídos, rachadelas no terreno resultantes do calor intenso do incêndio, restos de árvores queimadas, terreno em declive - extraiu a conclusão de que se criava risco para quem se deslocasse aos prédios.

Ora, a extração desta conclusão presuntiva não viola qualquer norma impositiva de direito probatório, na medida em que em sítio algum a lei faz depender a demonstração do facto que foi presumido da existência de um qualquer meio de prova específico e que ficou por apresentar. Pelo contrário, estamos perante factualidade para cuja prova qualquer meio de prova sempre pode servir.

Também resulta claro que a presunção extraída não padece de qualquer ilogicidade. Se num local existem muros queimados e caídos, rachadelas no terreno resultantes do calor intenso de incêndio, restos de árvores queimadas e terreno em declive, então tem suporte lógico (pois que uma coisa pode perfeitamente levar à outra) a inferência de que daí pode emergir algum tipo de risco para quem por ali andar.

Por último, a presunção baseou-se nos referidos factos apurados, logo não foi arbitrária.

Deste modo, não há razão jurídica para censurar o uso que o tribunal recorrido fez da prova por presunções.

Resta observar de novo que não compete a este Supremo escrutinar a avaliação que foi feita da prova pessoal e documental, de livre apreciação e não vinculativa (tarifada), pelo que são irrelevantes as insurgências da Recorrente (conclusões 11ª e seguintes) quanto aos factos que integram a base da presunção.

Improcede assim a questão em apreciação.

Quanto à questão de mérito: (i)licitude da resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias

O acórdão recorrido decidiu que a resolução do contrato-promessa feita operar pela Autora com fundamento em alteração anormal das circunstâncias foi lícita, condenando os Réus a restituir os €15.000,00 que receberam da Autora e a pagar juros desde 27 de dezembro de 2017.

Contra tal se insurge a Recorrente.

Mas insurge-se sem razão.

Como nos diz Almeida Costa (Direito das Obrigações, 9ª ed., p. 289 e 290), “A segurança das relações jurídicas induz à estabilidade dos contratos. Pode acontecer, porém, que uma mudança profunda das circunstâncias em que as partes se vincularam torne excessivamente oneroso ou difícil para uma delas o cumprimento daquilo a que se encontra obrigada, ou provoque um desequilíbrio acentuado entre as prestações correspetivas, quando se trate de contratos de execução diferida ou de longa duração. Nestas situações, às vantagens da segurança, aconselhando a rigorosa aplicação do princípio da estabilidade, opõe-se um imperativo de justiça que reclama a resolução ou modificação do contrato”.

O art. 437.º, n.º 1 do CCivil consagra precisamente essa cautela, ao prescrever que:

“Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”

Desta norma decorre que são requisitos para a resolução ou alteração do contrato no quadro da mesma: (i) que ocorra uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar; (ii) que essa alteração tenha um caráter anormal; (iii) que a parte interessada sofra uma lesão por causa da alteração; (iv) que a manutenção do contrato afete gravemente o vetor da boa-fé, e (v) que a alteração não corresponda aos riscos próprios do contrato.

Ora, todos estes requisitos são identificáveis no caso vertente.

Vejamos:

A base do negócio compreendeu a venda dos imóveis com todas as árvores que os integravam. É o que decorre da cláusula 9ª do contrato-promessa: “… os Primeiros Outorgantes comprometem-se a não proceder, a partir da presente data até à celebração da escritura de compra e venda, a qualquer corte ou abate, total ou parcial de qualquer uma das árvores, integrante nos imóveis…”

Isto significa logicamente que o facto da presença do arvoredo foi circunstância - conhecida dos Réus, pois que inserta em cláusula no próprio contrato - que interveio na decisão de contratar da Autora nos precisos termos em que contratou. Estamos aqui perante uma circunstância que deve ser vista como causal em relação à celebração do contrato.

Mas posteriormente sobreveio um facto que colocou em causa tal circunstância. Efetivamente, ocorreu um vasto incêndio na ... (“Entre os dias 13 e 16 de Agosto de 2017 a ... foi varrida por um incêndio que, no dia 14 do referido mês, cercou ..., tendo queimado tudo em redor”), tendo os prédios prometidos vender sido afetados por esse incêndio. Sabe-se que foi queimada toda a vegetação existente nos prédios (“…tendo ardido toda a vegetação existente”), e, entre essa vegetação, também as árvores (“… as árvores...ficaram queimados”). Mais foram afetadas as construções (“as construções existentes nos imóveis…, nomeadamente os muros, ficaram queimados”), o que “a par dos restos de árvores e vegetação ardida, criam risco para quem ali se desloque”.

Deste conjunto de realidades retiram-se duas conclusões: que ocorreu uma alteração das circunstâncias que existiam à data da celebração do contrato-promessa e sobre que foi alicerçada a decisão de contratar; e que a alteração teve um caráter anormal (imprevisível). Como nos diz Almeida Costa (ob. cit., p. 305): “A alteração anormal caracteriza-se pela excepcionalidade: é anómala a que escapa à regra, a que produz um sobressalto, um acidente, no curso ordinário ou série natural dos acontecimentos (…)”.  É o caso.

De outro lado, mostra-se que a alteração provocou uma lesão aos interesses da Autora. Os prédios foram atingidos significativamente, e isso, como presumido pelo acórdão recorrido, refletiu-se na respetiva consistência económica (depreciação do valor comercial), por isso que foram depois vendidos a terceiro por um preço (€28.000,00) muitíssimo inferior àquele (€45.000,00) que a Autora iria normalmente pagar.

Deste modo, mostra-se que ficou criado um substancial desequilíbrio contratual em desfavor da Autora, de sorte que seria contrária ao vetor da boa fé a exigência de cumprimento do contrato por parte da Autora como nele precisamente se vinculara e como se nada de assaz prejudicial se tivesse passado com os prédios. Como aponta Luis Carvalho Fernandes (Teoria Geral do Direito Civil, II, 5ª ed., p. 626) “O exercício conforme à regra da boa fé envolve um comportamento próprio de pessoas de bem e honestas, que agem com correcção e lealdade, respeitando as razoáveis expectativas dos outros e a confiança que eles depositam na actuação alheia”. Perante as descritas circunstâncias afigura-se que a exigência de manutenção (cumprimento) do contrato-promessa nos seus precisos termos, como pretende a Recorrente que devia ter acontecido, não traduziria um comportamento que se esperasse de uma pessoa dotada de tais atributos.

Por último: a alteração anormal em questão não se compreende em qualquer álea própria do contrato-promessa que foi celebrado, transcendendo por completo as normais oscilações a que estava normalmente sujeito. Embora a decisão de contratar envolvesse para a Autora uma assunção de riscos, nomeadamente em termos de equilíbrio das prestações, esses riscos eram unicamente aqueles que se relacionavam com as normais e sempre previsíveis flutuações do mercado de imóveis. Hipótese esta que nada tem a ver com a alteração excecional que se verificou, e com a depauperação dos prédios prometidos vender.

Sendo tudo isto assim, como é, resulta que era direito da Autora resolver o contrato-promessa por alteração anormal das circunstâncias que serviram de base à contratação, sendo ademais certo que os Réus nunca se manifestaram sequer no sentido da modificação do contrato (v. n.º 2 do art. 437.º do CCivil).

O que significa que improcede por completo tudo aquilo que, em contrário do que vem de ser dito, defende a Recorrente, com o que improcede necessariamente o que se afirma na conclusão 28ª.

Reafirma-se que se tratou de uma alteração anormal das circunstâncias existentes à data da contratação, e não uma alteração previsível, e daqui que nada vale argumentar (aliás um pseudo argumento) no sentido de que “no Verão o país é pejado de incêndios” (conclusão 22ª).

Reafirma-se que os interesses da Autora foram atingidos de maneira significativa, de sorte que não seria tolerável em termos de boa-fé que fosse chamada ao cumprimento como se os prédios não tivessem sido afetados na sua consistência física e económica como foram. Daqui que é carecido de fundamento o que se diz nas conclusões 24ª e 25ª.

Reafirma-se que os factos provados e presumidos pelo tribunal recorrido revelam claramente o desequilíbrio superveniente das prestações em desfavor da Autora. Daqui que carece de fundamento o que se defende nas conclusões 26ª e 27ª.

Em decorrência do que fica dito conclui-se que o que se defende na conclusão 29ª não pode ser subscrito. Como se julga ter demonstrado, a resolução do contrato foi legítima (legal) , e daqui que não estamos perante uma resolução infundada (ilegítima). E somente perante um ato resolutivo infundado é que se poderia eventualmente dizer (trata-se de temática juridicamente controversa[2]) que a resolução operada pela Autora representou incumprimento da promessa.

Improcede, pois, o presente recurso, sendo de manter o acórdão recorrido.

IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas

A Recorrente é condenada nas custas do recurso.

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Lisboa, 5 de julho de 2022

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

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Sumário (art.s 663.º, n.º 7 e 679.º do CPCivil).

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[1] Trata-se de entendimento reiteradamente afirmado na jurisprudência do Supremo (v., entre muitos outros, os acórdãos de 11.2.2015, processo nº 500/13, de 25.11.2014, processo nº 6629/04.0TBBRG.G1.S1, de 20.9.2016, processo n.º 439/14.4TBVFX.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt, e de 11.12.2014, processo nº 25908/11, sumariado em www.stj/jurisprudência/sumários).
[2] V. a propósito dessa temática o acórdão deste Supremo de 22 de maio de 2018, processo n.º 27800/15.4T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt