Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
400/20.0T8CHV-C.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
NULIDADE
LEI PROCESSUAL
PRESSUPOSTOS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Nas execuções, atento o regime específico previsto nos art.ºs 852.º e 854.º, ambos do CPC, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução, ressalvados os casos em que o recurso é sempre admissível.

II. Não sendo admissível a revista, está vedado o acesso à revista excepcional, pelo que não haverá lugar à apreciação dos respectivos pressupostos específicos pela formação, nos termos do n.º 3 do art.º 672.º do CPC, devendo ser logo rejeitado o recurso interposto.

Decisão Texto Integral:

*

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[1]:




I. Relatório


Mateus & Sequeira, Douro, Lda., instaurou acção executiva comum contra Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira Lda., para pagamento da quantia de 9.980.758,58 €, em débito, emergente de uma cessão de créditos outorgada entre C…. Ativid Company e a exequente, tendo a executada comprado um prédio, dado à execução, pertencente à Sociedade Agrícola Quinta … Lda., que está hipotecado e faz parte da garantia do crédito exequendo devido a um conjunto de contratos de crédito celebrados entre esta sociedade e a C.G.D., SA., que posteriormente os cedeu à C… Ativid Company, juntando documentos para fundamentar esta sua pretensão.


Após requerimento da executada, de 11/8/2020, a arguir a nulidade da execução por falta ou insuficiência de título executivo, e depois de ouvida a exequente que se pronunciou pela validade da cessão e pela existência de título executivo, foi proferido despacho, em 16/11/2020, a indeferir a arguição da invocada nulidade, por considerar que a questão se cinge à eficácia da cessão de créditos relativamente à executada, outorgada entre a C… e a exequente, e que ela é eficaz, porque a executada teve conhecimento do negócio, o que é suficiente, não se exigindo a sua notificação.


A executada interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com subida imediata e em separado.

Conhecendo desse recurso, o Tribunal da Relação ..., por unanimidade e sem fundamentação essencialmente diferente, deliberou confirmar a decisão recorrida.


Ainda inconformada, a executada interpôs recurso de revista excepcional, invocando o disposto no art.º 672.º, n.º 1, als. a) e c), do CPC.

O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator nos termos interpostos.

Remetidos os autos a este Supremo Tribunal, foi suscitada a questão da inadmissibilidade do recurso de revista e deu-se cumprimento ao disposto no art.º 655.º do CPC, mandando-se ouvir apenas a recorrente, visto que a recorrida já se havia pronunciado pela inadmissibilidade.

A recorrente sustentou a admissibilidade do recurso de revista excepcional que interpôs, por entender que se verificam os pressupostos gerais da sua admissão e por se tratar de oposição a execução, onde invocou excepções dilatórias que não foram conhecidas.

O Conselheiro Relator, ao abrigo do disposto no art.º 652.º, n.º 1, al. b), aplicável ex vi do art.º 679.º, ambos do CPC, rejeitou o recurso de revista interposto, por inadmissibilidade legal, por despacho de 25/11/2021, cujo teor aqui se dá por reproduzido e que adiante se reproduzirá, novamente, no que para aqui interessa.

É desta decisão que vem interposta a presente reclamação para a conferência, insistindo a reclamante – a executada/recorrente Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta da Ameixieira Lda. -, pela admissibilidade do recurso, pelos motivos que anteriormente invocara, concluindo pela “verificação dos pressupostos gerais da admissibilidade da Revista, designadamente os relacionados com a natureza e conteúdo da discissão (art.º 671.º), do valor do processo e da sucumbência (art.º 629.º, n.º 1), legitimidade (art.º 631.º), tempestividade (art.º 638.º) e processo executivo (art.º 854.º), todos do CPC, como ainda, da revista excecional, alíneas a) e c) do artigo 672.º e n.º 2 do art.º 629.º, todos do CPC”.

A parte contrária não respondeu.


Cumpre, pois, aferir do acerto da decisão do Relator sobre a rejeição do recurso de revista excepcional interposto.


II. Fundamentação


   No despacho objecto da presente reclamação pode ler-se a seguinte fundamentação:

«No que tange ao recurso de revista de decisões proferidas no processo executivo, rege o disposto nos art.ºs 852.º e 854.º, ambos do CPC.

De acordo com esse regime específico, ressalvados os casos em que o recurso é sempre admissível, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução (citado art.º 854.º).

É o que consta deste artigo que dispõe:

Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

Daqui resulta, a nosso ver, de forma clara, que, além dos casos em que é sempre admissível recurso (cfr. art.º 629.º, n.º 2, do CPC) e dos previstos no art.º 671.º, n.º 2, b) do mesmo Código, a revista só pode ser interposta, nos termos gerais, “dos acórdãos da relação proferidos sobre a apelação das decisões finais do incidente de liquidação, da acção de verificação e graduação de créditos e dos embargos de executado”[2].

Em consequência, forçoso é concluir que já não será admissível revista de quaisquer acórdãos da Relação que tenham recaído sobre decisões proferidas no próprio processo executivo e nos apensos declarativos que não sejam os especialmente contidos na citada previsão legal, quer os mesmos respeitem a decisões finais ou a decisões interlocutórias. Não será, designadamente, admissível recurso de revista dos “acórdãos da Relação proferidos a respeito da oposição à penhora (arts. 784.º e 785.º), do incidente de comunicabilidade suscitado pelo exequente ou pelo executado (arts. 741.º e 742.º) ou que, sem determinarem a extinção da instância, apreciem exceções dilatórias”.[3]

Relativamente às decisões interlocutórias, só é admissível revista nos casos previstos no n.º 2 do art.º 671.º, ou seja, quando é sempre admissível recurso [al. a)], cujas previsões constam do art.º 629.º, n.º 2, ou quando haja contradição directa com outro acórdão do STJ nos moldes contemplados na al. b).

Daqui resulta que, fora desses casos, não admitem recurso de revista os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias da 1.ª instância sobre questões de natureza adjectiva, previstas no art.º 644.º, n.º 2, do CPC. Considera-se que, nestas situações, é bastante o duplo grau de jurisdição, encontrando-se excluídas do âmbito da revista[4].

Por outro lado, o acesso à revista excepcional, prevista no art.º 672.º do CPC, “depende naturalmente dos pressupostos do recurso de revista “normal”, designadamente os que respeitam à natureza ou conteúdo da decisão, em face do art.º 671.º”[5].

No presente caso, não se verificam os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, atinentes à natureza e conteúdo da decisão, previstos nos números 1 ou 2 do art.º 671.º do CPC.

Desde logo, a decisão recorrida não integra o seu n.º 1.

Com efeito, o acórdão recorrido não incidiu sobre decisão da 1.ª instância que tenha conhecido do “mérito da causa”, mas tão somente sobre o despacho da 1.ª instância que apreciou a arguição de uma nulidade, indeferindo-a.

 E não pôs termo ao processo, “absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos”. O acórdão da Relação, apreciando o recurso interposto do despacho nele impugnado, limitou-se a “julgar improcedente a apelação” e a confirmar a “decisão recorrida”. E fê-lo apreciando uma decisão interlocutória.

Porém, não cabe na previsão do n.º 2 do citado art.º 671.º, nem tal é sustentado pela recorrente, sendo que, caso coubesse, a revista seria a normal e não a excepcional como foi interposta.

É manifesto que não se trata de nenhum dos procedimentos previstos no art.º 854.º do CPC.

E também não é caso em que é sempre admissível recurso para o STJ.

Não é, como é óbvio, caso subsumível à alínea b) do n.º 2 do art.º 671.º, nem a qualquer das alíneas do n.º 2 do art.º 629.º, ambos do CPC, nomeadamente à alínea d), porquanto os quatro acórdãos indicados como fundamento, a propósito de cada um dos pontos autonomizados pela recorrente, não decidiram em sentido contrário ao acórdão recorrido, não se vislumbrando contradição entre eles.

Com efeito, para que tal sucedesse era necessário, à semelhança do que tem entendido a Formação para a verificação do pressuposto da alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, verificar-se:

“(i) uma relação de identidade entre a questão que foi objeto de cada um dos acórdãos em confronto, a qual pressupõe que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual; (ii) a natureza essencial da questão de direito formulada para o resultado que foi alcançado em ambas as decisões; (iii) a identidade substancial do quadro normativo em que se verifica a divergência.”[6]

E, no caso, não se verifica, como resulta da sua simples leitura, desde logo, por não ter sido apreciada a mesma questão na decisão recorrida e nos acórdãos fundamento, no âmbito de uma identidade factual, processual e substancial.

Não há dúvida de que, no caso sub judice, o acórdão impugnado recaiu sobre decisão proferida no próprio processo executivo.

Assim, não se enquadrando tal acórdão em nenhum dos casos em que o recurso de revista é admissível nos termos gerais (art.º 854.º, conjugado com o art.º 671.º, n.ºs 1 e 2, do CPC) e também não sendo subsumível a qualquer das hipóteses de admissibilidade irrestrita do recurso (art.º 629.º, n.º 2, do CPC), a revista é, in casu, inadmissível.

De resto, tem sido este o entendimento do STJ, como se pode ver, entre outros, nos seguintes acórdãos cujos sumários aqui se transcrevem:

“I - Não é admissível o recurso de revista que tem por objeto um acórdão da Relação que, perante a alegação de diversas vicissitudes ocorridas no âmbito da venda de um bem penhorado, revogou as decisões da 1.ª instância que as havia desconsiderado e declarou nulo o leilão eletrónico realizado, dando sem efeito a venda executiva, por não estar em causa qualquer das situações de admissibilidade da revista previstas para os processos executivos no art. 854.º do CPC.

II - As garantias de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, contempladas no art. 20.º, n.º 1, da CRP, não são naturalmente incompatíveis com a existência de regras processuais, dispondo o legislador de ampla liberdade de conformação nesta matéria.

III - É isso que sucede relativamente à norma constante do art. 854.º do CPC, quanto à ação executiva, a qual inequivocamente traduz uma adequada e proporcionada ponderação de todos os interesses em presença por parte do legislador ordinário.

(…)”

22-11-2018, Revista n.º 19920/12.3YYLSB.L1.S1 - 7.ª Secção.

“I - Nos termos do disposto no art. 854.º do CPC, “sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”.

II - Uma interpretação a contrario da norma leva à conclusão de que não é admissível revista de decisões respeitantes à instância executiva principal, mas tão-só de decisões respeitantes aos seus enxertos declarativos.”

31-01-2019, Revista n.º 4698/17.2T8VNF-B.G1.S1 - 7.ª Secção.

“I - O art. 854.º do CPC contém uma regra específica sobre a admissibilidade da revista no âmbito do processo de execução, consistente na limitação da sua admissibilidade aos acórdãos da Relação proferidos em determinados procedimentos – liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, verificação e graduação de créditos e oposição deduzida contra a execução -, o que significa, a contrario, que não é admissível revista de quaisquer acórdãos da Relação proferidos no procedimento executivo e nos apensos declarativos que não sejam os especialmente contemplados na norma, respeitem estes a decisões interlocutórias ou finais.

II - Não se integrando o acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1.ª instância, indeferiu liminarmente o requerimento executivo por falta de título, nos casos ressalvados pelo art. 854.º do CPC (em que o recurso é sempre admissível), nem nos casos especialmente contemplados na norma (em que o recurso de revista é admissível nos termos gerais), é de concluir pela inadmissibilidade da revista, ficando prejudicada, por irrelevante, a apreciação do impedimento recursório da dupla conformidade.”

11-07-2019, Revista n.º 1101/15.6T8PVZ.1.G1-A.S1 - 2.ª Secção.

No mesmo sentido temos vindo a decidir, designadamente, no despacho de 22/1/2021 e no acórdão que sobre ele incidiu, de 20 de Abril seguinte, na conferência do processo n.º 3141/07.0TBLLE.L1-A.S1, por mim relatado.

Não estamos perante caso em que é sempre admissível recurso para o STJ, nem tal foi invocado. Também não é caso subsumível a qualquer das alíneas do n.º 2 do citado art.º 629.º. Nem a recorrente o sustenta, pois, se o fizesse, não podia haver lugar ao recurso de revista excepcional, único que interpôs.

Também não se trata, manifestamente, de nenhum dos procedimentos ali previstos: liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, verificação e graduação de créditos ou oposição deduzida contra a execução.

Nem se diga, como faz agora a recorrente, que se trata de uma oposição à execução.

Esta é feita por meio de embargos (cfr. art.º 728.º, n.º 1, do CPC), os quais constituem uma verdadeira acção declarativa, que corre por apenso ao processo de execução, a apresentar no prazo de 20 dias após a citação (ou notificação nos termos do n.º 4 do mesmo artigo) e só pode fundar-se, no caso de execução baseada em sentença, nalgum dos fundamentos previstos no art.º 729.º do CPC.

Não se verifica, como é evidente, este meio de oposição.

Ainda que se considerasse válida a oposição por requerimento, não obstante a taxatividade resultante do citado art.º 729.º, não se verificariam os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, atinentes à natureza e conteúdo da decisão, previstos nos números 1 ou 2 do art.º 671.º do CPC, como se deixou dito supra.»


Os Juízes Conselheiros que compõem este colectivo concordam, na íntegra, com a fundamentação acabada de transcrever, por estar em conformidade com a lei, a melhor doutrina e a jurisprudência que vem sendo seguida por este Supremo Tribunal, como bem consta do despacho reclamado.

Cremos não haver dúvidas de que o recurso interposto teve por objecto um acórdão confirmativo de um despacho interlocutório proferido num processo executivo, que indeferiu a arguição de uma nulidade nele suscitada, versando, portanto, sobre matéria de natureza processual.

Tal acórdão não conheceu do mérito da causa.

Com efeito, o acórdão recorrido não incidiu sobre decisão da 1.ª instância que se tenha envolvido efectivamente na resolução do litígio, no todo ou em parte, julgando procedente ou improcedente o pedido ou algum dos pedidos formulados na acção ou apreciando a procedência ou improcedência de alguma excepção peremptória, mas tão somente sobre o despacho da 1.ª instância que apreciou a arguição de uma nulidade, indeferindo-a. Quer o despacho quer o acórdão recorrido limitaram-se a indeferir a arguição da nulidade invocada, com fundamento em falta ou insuficiência do título executivo, considerando que a questão suscitada e assim configurada se cingia à eficácia da cessão de créditos relativamente à executada e que ela era eficaz, porque a executada, ora reclamante, tinha tido conhecimento do negócio, o que era bastante.

 E não pôs termo ao processo, “absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos”. O acórdão da Relação, apreciando o recurso interposto do despacho nele impugnado, limitou-se a “julgar improcedente a apelação” e a confirmar a “decisão recorrida”. E fê-lo apreciando uma decisão interlocutória.

Apenas versou sobre a nulidade nele arguida concluindo pela inexistência de tal nulidade, pelo que confirmou o despacho impugnado.

Assim sendo, a revista não é admissível ao abrigo do n.º 1 do art.º 671.º do CPC.

Também é inquestionável que não se trata de nenhuma das situações previstas no seu n.º 2, nomeadamente de caso em que o recurso é sempre admissível (cfr. art.º 629.º, n.º 2, do CPC).

E também não se trata, como é obvio, de nenhum dos procedimentos previstos no art.º 854.º do CPC.

Sustenta, agora, a reclamante, se bem interpretamos a sua argumentação, que a situação em análise está abrangida pelo citado art.º 854.º “a contrario”, por se tratar de uma oposição à execução, que o acórdão recorrido conheceu do mérito da causa e que se verifica a contradição com os acórdãos que indicou, sendo aplicável o disposto no n.º 2 do art.º 629.º, embora continue a pugnar pela admissibilidade da revista excepcional que interpôs.

Com o devido respeito, não lhe assiste razão.

Reitera-se que não se trata de nenhum dos procedimentos previstos no art.º 854.º do CPC, designadamente de oposição à execução pelas razões referidas no despacho reclamado.

Além de não estar aqui em causa a oposição por meio de embargos (a qual, segundo parece, foi deduzida e aguardará oportuna decisão), por não ter sido deduzida no prazo e pela forma legais (cfr. art.º 728.º do CPC), a admitir-se a oposição por meio de simples requerimento, como sustentam alguns, não se verificariam os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, atinentes à natureza e conteúdo da decisão, previstos nos números 1 ou 2 do art.º 671.º do CPC, como se deixou dito supra.

Ainda que tenham abordado questões de direito substantivo, o acórdão recorrido e o despacho que apreciou decidiram uma questão de natureza processual ou adjectiva, qual seja a arguição de uma nulidade que a executada havia suscitado por simples requerimento.

Tal questão foi decidida num despacho interlocutório, proferido no processo executivo.

De nada serve a invocação, agora, das questões que ficaram por decidir, por serem de conhecimento oficioso. O que conta, para este efeito, é aquilo que foi decidido.

Reafirmamos que não é caso previsto no n.º 1 do art.º 671.º do CPC, nem se trata de nenhuma das situações previstas no seu n.º 2, designadamente de caso em que o recurso é sempre admissível, nos termos do art.º 629.º, n.º 2, al. d) do mesmo Código, desde logo, por não se verificar um pressuposto da sua aplicação: “do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal”.

É quanto basta para rejeitar a aplicação do disposto no art.º 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, contrariamente ao sustentado pela reclamante.

A contradição de julgados, invocada pela recorrente/reclamante como fundamentação da revista excepcional, ao abrigo do disposto no art.º 672.º, n.º 1, al. c), do mesmo Código, com o qual não se pode confundir aquele normativo, também é de rejeitar liminarmente pela simples razão de que respeita à revista excepcional e esta depende naturalmente da verificação dos pressupostos do recurso de revista “normal”, designadamente no que respeita à natureza ou conteúdo da decisão, em face do art.º 671.º do CPC, ou ao valor do processo ou da sucumbência, nos termos do art.º 629.º, n.º 1, do mesmo Código[7].

Assim, os casos previstos na al. d) do n.º 1 do citado art.º 672.º “pressupõem necessariamente que seja admitido, em abstracto, recurso de revista, quer em função do valor ou da sucumbência, quer em função da ausência de outro impedimento legal[8].

É certo que não estão em causa o valor do processo ou da sucumbência, mas verifica-se, como já dito, a falta do pressuposto geral da natureza e conteúdo da decisão previsto no n.º 1 do art.º 671.º do CPC.

Aliás, se fosse caso de admissão ao abrigo da al. d) do n.º 2 do art.º 629.º - e não é, como dissemos -, jamais teria lugar a aplicação da al. c) do n.º 1 do art.º 672.º, por este respeitar à revista excepcional e esta pressupor a verificação dos pressupostos gerais.

Assim, jamais poderia ser admitido o recurso interposto pela recorrente – revista excepcional.

Sendo inadmissível a revista, está vedado o acesso à revista excepcional, porquanto esta depende naturalmente da verificação dos pressupostos de revista “normal”, designadamente os que respeitam à natureza ou conteúdo da decisão, em face do disposto no n.º 1 do art.º 671.º do CPC.

Acresce que a revista excepcional pressupõe sempre a verificação de dupla conforme, como resulta do disposto nos art.ºs 671.º, n.º 3 e 672.º, n.º 1, ambos do CPC e, no caso, ela foi interposta no pressuposto de que existia, insistindo a reclamante pela sua admissibilidade.

Porém, de forma contraditória, sustenta que não existe dupla conformidade, por o despacho da 1.ª instância não ter apreciado a “questão do crédito advir e estar reconhecido na massa insolvente da devedora originária”.

Esta alegada falta de coincidência na fundamentação, para além de contraditória com a actuação da reclamante, é irrelevante para efeito de verificação da “fundamentação essencialmente diferente”, prevista no n.º 3 do citado art.º 671.º.

Com efeito, como o STJ tem afirmado, repetidamente, só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radical ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância[9].

Não versando sobre o mérito da causa, nem sendo admissível a revista normal, é irrelevante a resenha do processado e a argumentação expendida e repetida pela reclamante para admissão da revista excepcional.


Soçobra, assim, sem mais considerações porque desnecessárias, a retórica argumentativa que a reclamante delineou, para apreciação na conferência, com o fito de justificar a admissibilidade do recurso de revista que interpôs.


A reclamação tem, necessariamente, que improceder, havendo que confirmar o despacho reclamado.


Sumário:

1. Nas execuções, atento o regime específico previsto nos art.ºs 852.º e 854.º, ambos do CPC, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução, ressalvados os casos em que o recurso é sempre admissível.

2. Não sendo admissível a revista, está vedado o acesso à revista excepcional, pelo que não haverá lugar à apreciação dos respectivos pressupostos específicos pela formação, nos termos do n.º 3 do art.º 672.º do CPC, devendo ser logo rejeitado o recurso interposto.


III. Decisão

   Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se inteiramente o despacho reclamado.


*           


Custas da reclamação pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

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Lisboa, 18 de Janeiro de 2022


Fernando Augusto Samões (Relator)

Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

António Magalhães (2.º Adjunto)

________

[1] Relator: Juiz Conselheiro Dr. Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[2] Cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª edição, Coimbra Editora, pág. 423. No mesmo sentido, Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 5.ª edição, Almedina, pág. 516.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 280.
[4] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, págs. 358 e 360.
[5] António Santos Abrantes Geraldes, Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, págs. 387 e 388.
[6] Cfr. acórdão de 29/9/2021, processo n.º 377/18.1T8VNF-A.G1.S2.
[7] No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, obra citada, págs. 387 e 388.
[8] Cfr. Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 59.
[9] Cf., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 28-04-2014, Revista n.º 473/10.3TBVRL.P1-A.S1; de 18-09-2014, Revista n.º 630/11.5TBCBR.C1.S1; de 19-02-2015, revista n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S; de 27-04-2017, Revista n.º 273/14.1TBSCR.L1.S1; de 29-06-2017, Revista n.º 398/12.8TVLSB.L1.S1; de 30-11-2017, Revista n.º 579/11.1TBVCD-E.P1.S1; de 15-02-2018, Revista n.º 28/16.9T8MGD.G1.S2; de 12-04-2018, Revista n.º 1563/11.0TVLSB.L1.S2-A; de 12-04-2018, Revista n.º 414/13.6TBFLG.P1.S1; 17-05-2018 - Revista n.º 1180/14.3T2AVR.P1.S1; 24-01-2019 - Revista n.º 614/15.4T8PVZ.P1.S1; de  02-05-2019  - Revista n.º 77/14.1TBMUR.G1.S1; 05-02-2020 - Revista n.º 983/18.4T8VRL.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt e https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:983.18.4T8VRL.G1.S1/ e as nossas decisões de 22/1/2021, processo n.º 3410/17.0T8FNH.L1.S1 e de 30/9/2021, revista n.º 112/15.6T8PVZ.P1.S1, entre outras.