Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2083/25.1YRLSB.G1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
RECUSA
RECONHECIMENTO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA
PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO
MINISTÉRIO PÚBLICO
PROMOÇÃO
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 11/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO/M.D.E./RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: PROVIDO
Sumário : O respeito pelo regime atual instituído pela lei 158/2015 que se articula com o regime do MDE impõe que perante a possibilidade de recusa, o tribunal solicite a transmissão da sentença , acompanhada de certidão em conformidade com o artº 4º nº 5 da decisão quadro 2008/909/JAI e com o artigo 9º nº 5 da Lei 158/2015 – artº 12º nº 4 – redação da lei 115/2015 e que, imediatamente , mediante requerimento ou promoção do MP artº 12º nº 3 se dê início no processo de execução do MDE ao reconhecimento da sentença - A recusa de execução nos termos da alínea g) do n.º 1 depende de decisão do Tribunal da Relação, no processo de execução do mandado de detenção europeu, a requerimento do Ministério Público, que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada.

Não existindo esse processo de impulso por parte do MP, também por falta de elementos, não podia o Tribunal da Relação ter passado ao reconhecimento da sentença alemã e à recusa da entrega o que implica a existência de uma nulidade Insanável – artº 122º nº 1 - que torna inválida a decisão proferida.

I. Na realidade são três decisões sendo a segunda e terceira complementares da primeira, uma vez que, num primeiro momento o requerido foi condenado numa pena de 2 anos de prisão, tendo sido alvo de liberdade condicional aos 2/3 da pena, viu essa liberdade posteriormente revogada por despacho judicial.

Decisão Texto Integral:

Acórdão proferido na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

Por acórdão da Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 14/10/2025 foi decidido o seguinte:

Em face do acima exposto, as Juízas Desembargadoras da Secção Penal da Relação de Guimarães decidem, ao abrigo do disposto no artº 12º nº 1 al. g) da Lei nº 63/2005 de 23-08, recusar a entrega do requerido AA ao Estado emissor – Tribunal Regional de Koblenz, Alemanha;

Mais determinam o cumprimento do remanescente da pena fixada ao requerido, de 245 dias, em Portugal para o qual reconhecem a sentença de 27-08-2013 proferida pelo Tribunal Regional de Koblenz no âmbito do procº nº 2090 Js 67708/11-3KLs.

Após trânsito, remetam-se os autos à 1ª instância para o juízo local com competência em matéria criminal da área da residência do requerido.

Sem Custas.

***

Inconformado recorreu o MP peticionando a revogação da decisão

Apresentando as seguintes conclusões:

1. Diverge-se do douto acórdão proferido nestes autos a 14/10/2025 que em apreciação do pedido de execução do Mandado de Detenção Europeu (MDE) relativo ao cidadão alemão AA, requerido pelo Tribunal Regional de Koblenz, Alemanha, recusou a sua entrega, fazendo-o ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), da Lei 65/2003, de 23/08, mais determinando o cumprimento do remanescente da pena fixada ao requerido, de 245 dias, em Portugal, reconhecendo, pra tanto, a sentença de 27-08-2013 proferida pelo Tribunal Regional de Koblenz no âmbito do processo n.º 2090 Js 67708/11-3KLs.

2. Não atendeu o acórdão recorrido ao preceituado no n.º 3 do artigo 12.º, da Lei 65/2003, de 23/08, que dispõe que a recusa de execução nos termos da alínea g), do n.º 1, depende de decisão do Tribunal da Relação, no processo de execução do mandado de detenção europeu, a requerimento do Ministério Público, que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada.

3. Na verdade, inexiste nos autos qualquer requerimento do Ministério Público a esse respeito.

4. E assim é por se ter entendido que à luz das finalidades e princípios subjacentes às penas não se podia concluir que no nosso país operasse uma maior eficácia na realização das finalidades de reinserção social, segundo as normas que regem a respetiva execução, do que haveria se a pena fosse cumprida no Estado requerente.

5. Com efeito, como decorre dos autos, o requerido tem nacionalidade alemã; presta serviço a um supermercado alemão; a sua esposa e filhas têm nacionalidade alemã; o requerido não fala português fluentemente pois que necessitou de intérprete aquando da sua audição; o remanescente da pena que tem de cumprir foi-lhe aplicada por um tribunal alemão e por factos praticados na Alemanha; a sua família de origem e a da sua esposa, com quem mantem estreitas relações, são alemães e residem na Alemanha; continuando, portanto, o requerido a manter forte ligação com o seu país, do qual só saiu devido à sua situação processual e que viria, aliás, a levar à revogação da liberdade condicional que lhe tinha sido concedida.

6. Não nos parece, pois, poder concluir-se que é em Portugal que o requerido deve ser reintegrado e que por isso se aconselhe o cumprimento da pena em instituições nacionais, com os custos (não despiciendos) que tal acarreta para o Estado Português.

7. Reiteradamente o Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo que para a verificação da causa de recusa facultativa prevista na alínea g), do n.º 1, do artigo 12.º, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, não é a mera demonstração do facto do requerido ser residente em Portugal que implica a recusa de execução, porque se assim fosse estaríamos perante uma recusa de execução automática ou obrigatória e não perante uma recusa facultativa.

8. Importante é, isso sim, que à luz das finalidades e princípios subjacentes às penas se vislumbre que no país de execução opera uma maior eficácia na realização dessas finalidades de reinserção social, segundo as normas que regem a respetiva execução, do que haveria se a pena fosse cumprida no Estado requerente.

9. A nosso ver, como tentamos demonstrar, tal não se verifica.

10. O douto acórdão recorrido perfilhando diferente entendimento violou, segundo cremos, o disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea g) e n.ºs 3 e 4, todos da Lei 65/2003, de 23/08.

11.Deverá, por isso, ser revogado, e determinar-se a execução do presente Mandado de Detenção Europeu com a consequente entrega do requerido AA ao Estado membro de emissão, como o Ministério Público requereu.

***

O Recurso foi admitido

***

A questão a decidir prende-se com a recusa da entrega do requerido às autoridades Judiciais alemãs. É este o objeto do recurso do MP

O Tribunal da Relação de Guimarães fundamentou da seguinte forma a sua decisão:

I. No âmbito do Mandado de Detenção Europeu (MDE) com o nº 2083/25.1YRLSB.G1, pela Autoridade Judiciária Alemã foi pedida a entrega do cidadão alemão, AA, natural de..., Alemanha, e residente em Portugal na Rua 1, São Lourenço de Ribapinhão, CP 5060-... Vila Real, para cumprimento do remanescente de pena de prisão, de 245 dias (sendo a pena total de 2 anos), que lhe foi aplicada por sentença judicial alemã pela prática de crime de tráfico de ilícito de substâncias narcóticas e psicotrópicas, crime previsto e punido nas Secções 1 (1), 3 (1) e 29 (1) da Lei sobre Estupefacientes e Secções 53, 54, 55, 64 e 223 (1) do Código Penal Alemão.

II. Detido provisoriamente no passado dia 12-08-2025, através do pedido inserido no SIS com o nº .............................01, foi o requerido ouvido em 13-08-2025, cfr. auto com a refª ......39, ao abrigo do disposto no artº 18º da Lei nº 65/2003 de 23-08, tendo a detenção sido validada e ao arguido aplicado Termo de Identidade e Residência e ainda a medida de coacção de OPHVE.

III. O requerido não aceitou a sua entrega à Autoridade Judiciária Alemã, nem renunciou ao benefício da regra da especialidade tendo deduzido oposição através do requerimento de 18-08-2025, com a refª ....34, onde invocou a situação prevista na al. g) do nº 1 do artº 12º da Lei nº 65/2003 de 23-08, por residir de forma habitual e desde há 12 anos em Portugal, onde tem o seu agregado familiar, o seu trabalho e a sua vida organizada, tendo duas filhas gémeas nascidas em Portugal.

IV. O requerido juntou documentos comprovativos da sua situação laboral e estado de saúde, não tendo arrolado testemunhas.

V. Em 19-08-2025, através da refª ....48, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto, com vista a uma eventual recusa facultativa de cumprimento do MDE, requereu a realização de inquérito às condições sociais do requerido bem como se requisitasse o seu CRC.

VI. Por se nos ter suscitado dúvidas acerca da exequibilidade do remanescente da pena de prisão, uma vez que esta foi cumprida parcialmente, levando a crer que teria havido a concessão de uma liberdade condicional sem que estivesse junta qualquer decisão a revogar a mesma, foram realizadas ainda algumas outras diligências junto da Autoridade Judiciária Alemã.

VII. Foi, entretanto, junto relatório social do requerido em 04-09-2025 através da refª ....08, contendo a seguinte informação:

“1 – CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIAIS

AA veio a primeira vez para Portugal, em 2012, tendo ficado em Lisboa dois anos e meio, no âmbito do seu trabalho à data.

Regressou passado dois anos aproximadamente, juntamente com a esposa e a filha mais velha, atualmente com 11 anos de idade, aproximadamente.

Inicialmente o casal fixou residência em Sourões, Santarém onde desenvolveu actividade pecuária (bovino) em nome próprio, com registo do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.

Há dois anos e por motivos económicos (rendas da casa muito elevadas e com rendimentos irregulares) decidiram mudar-se para o interior do país.

Assim, fixaram residência numa pequena freguesia do concelho de Sabrosa, S. Lourenço de Ribapinhão. Arrendaram uma moradia T3, com condições de habitabilidade e conforto, com sinais de higiene e manutenção, tendo ainda terreno envolto da casa, onde tem alguns animais domésticos.

O valor da renda mensal é de 500 euros, tendo como despesas médias de água o valor de 30 euros mensais e de luz, 150.

O agregado atualmente é constituído pelo arguido, esposa e três filhas menores de idade, sendo que as duas mais novas, de quatro anos, são gémeas e nasceram em Portugal.

Os familiares de origem quer do condenado quer da esposa, residentes na Alemanha, vem visitar com frequência o agregado. Está previsto a mãe do condenado, recentemente reformada, fixar residência durante algum tempo junto deste núcleo, por forma a apoiar na gestão diária das menores.

No meio comunitário o condenado e família projetam uma imagem de recato, discreta, mas de bom trato com os demais habitantes. As relações com os vizinhos são amistosas e até de ajuda já que partilham produtos agrícolas da terra. Não se verificam sinais de desconfiança ou de hostilidade face a presença do condenado e família. Não são identificadas atividades ou visitas suspeitas.

A senhoria reporta cumprimento do pagamento da renda, regular e bom cuidado do espaço habitacional, reforçando o bom trato e educação tanto do condenado como da restante família.

As escolas fizeram avaliação qualitativas tradutoras de boas competências pessoais e sociais, de cuidados pessoais, de participação ativa em todas as atividades, avaliação que vem de encontro a um processo educativo e familiar positivo e desejável.

O condenado reporta problemas de saúde do foro cardíaco, sendo monotorizado e acompanhado no Hospital em Vila Real. Aguarda cirurgia que será realizada no Hospital St. ª Marta em Lisboa. Já iniciou os exames de preparação e avaliação, perspetivando que a mesma seja realizada até ao final do corrente ano.

A esposa trabalha na empresa Sunrise, Portugal, S.A, em atividade de apoio e atendimento ao cliente, em regime de teletrabalho. Aufere o valor ilíquido de 900 euros, acrescido de bónus e de subsidio de alimentação, podendo auferir 1600 euros líquidos.

AA informou ter concluído os 12 anos de escolaridade, equivalendo ao nível secundário português.

O condenado tem atividade económica registada por conta própria referindo trabalhar na área de apoio tecnológico e informático, tendo à data como principal cliente, um supermercado alemão. Refere auferir entre 1500 e 2500 euros mensais em função do trabalho solicitado e realizado, mostrando-se capaz de prover sustento não só para si como para a sua família.

O condenado entende a sua condição económica satisfatória e suficiente para superar as necessidades do agregado.

O condenado, com quem é possível estabelecer um diálogo na língua portuguesa, embora com algumas deficiências, apresenta-se como um individuo educado, de fácil trato e afável.

Evidenciou uma postura muito colaborante e preocupado em fornecer todas a informação solicitada e respetivos comprovativos.

(...)

VIII) Aberta vista, veio a Exmª Srª PGA em 05-09-2025, com a refª ......27, emitir douto parecer no sentido de entender que nada obsta ao cumprimento do MDE em apreço, pugnando pela entrega do Requerido à competente autoridade judiciária alemã e, na eventualidade de assim não se entender, de solicitar certidão da sentença condenatória, tendo, após doutas e bem elaboradas considerações, rematado o seu parecer da seguinte maneira:

“Sucede que, não obstante o requerido residir e trabalhar em Portugal com a esposa e as filhas desde há alguns anos, não vemos que haja maior eficácia das finalidades da pena se for executada em Portugal, pois que a sua ligação ao nosso país e as condições da sua vida não estão inteiramente adstritas à sociedade nacional.

Na verdade, recorde-se que o requerido tem nacionalidade alemã; presta serviço a um supermercado alemão; a sua esposa e filhas têm nacionalidade alemã; o requerido não fala português pois que necessitou de intérprete aquando da sua audição; a pena que tem de cumprir foi-lhe aplicada por um tribunal alemão e por factos praticados na Alemanha; a sua família de origem e a da sua esposa são alemães e residem na Alemanha.

Não nos parece, pois, poder concluir-se com facilidade que é em Portugal que deve (e pode) ser reintegrado e que por isso se aconselhe o cumprimento da pena em instituições nacionais.

Não deverá, por isso, segundo cremos, recusar-se a execução deste MDE.

De todo o modo, a não se entender assim, sempre terá de surgir uma declaração compromissória por parte do Estado Português no sentido da execução em Portugal da pena de prisão referida e de acordo com a lei portuguesa.

Na verdade, “Os Tribunais da Relação são as entidades competentes para assumir em nome do Estado Português o compromisso de execução da pena em Portugal, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei 65/2003, de 23 de agosto” – acórdão do STJ, de 22/06/2011, proferido no processo n.º 89/11.7YRCBR.

Aliás, “A recusa de execução nos termos da alínea g) do n.º 1 depende de decisão do Tribunal da Relação, no processo de execução do mandado de detenção europeu, a requerimento do Ministério Público, que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada” – artigo 12.º, n.º3 da Lei 65/2003, já referida.

E aqui chegados, seguindo o procedimento decidido no acórdão do STJ, de 12/01/2022, proferido no processo n.º 48/21.1YRGMR, deste Tribunal da Relação de Guimarães, sob pena de se praticar uma nulidade insanável, “Para efeito de reconhecimento, o Tribunal da Relação, enquanto autoridade de execução, deve solicitar à autoridade de emissão que lhe seja transmitida a sentença, acompanhada da certidão (artigo 12.º, n.º 4, da Lei n.º 65/2003, na redação da Lei n.º 115/2019, artigo 4.º, n.º 5, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI e artigo 9.º, n.º 5, da Lei n.º 158/2015, aplicável na falta de disposição própria do capítulo II, em interpretação conforme à Decisão-Quadro).”

Ou seja, caso se entenda ser de recusar a entrega do requerido ao abrigo da causa de recusa facultativa prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei 65/2003, de 23/08, há que solicitar à autoridade judicial emitente do MDE para que proceda à emissão da certidão (formulário-tipo) a que alude o artigo 4.º, n.ºs 1 e 5 da referida Decisão Quadro 2008/909/JAI.

De todo o modo e como dissemos, é nosso parecer que mostrando-se preenchidos todos os requisitos acerca do conteúdo e forma do mandado de detenção europeu [artigo 3.º da Lei 65/2003], deve ser determinada a execução do presente Mandado de Detenção Europeu (MDE) e consequentemente a entrega do requerido ao Estado membro de emissão.”

IX) Nas suas alegações proferidas em 24-09-2025, com a refª ......99, a Exmª Srª PGA reiterou o parecer já dado.

(...)

X) Notificado nos termos e para os efeitos do artº 21º nº 5 da Lei nº 65/2003 de 23-08, veio o requerido apresentar as seguintes alegações:

“1.º O arguido tem residência fixa em Portugal há já vários anos.

2.º Tendo família constituída em Portugal, inclusive as filhas gémeas com 4 anos nasceram em Portugal e têm nacionalidade portuguesa.

3.º O arguido e a família estão integrados na comunidade onde residem e as três filhas frequentam a escola em Sabrosa (conforme o relatório social junto aos autos).

4.º Não obstante a língua mãe do arguido ser a alemã, o mesmo consegue comunicar na língua portuguesa.

5.º Tal como foi referido no relatório social, “O condenado, com quem é possível estabelecer um diálogo na língua portuguesa, embora com algumas deficiências, apresenta-se como um individuo educado, de fácil, trato e afável.”.

6.º Efetivamente, o arguido trabalha para uma empresa com sede na Alemanha, mas as funções laborais que desempenha são exercidas no nosso país.

7.º Acresce que, o arguido sofre de uma doença cardíaca que está a ser monitorizada pelo Hospital de S. Pedro em Vila Real, com indicação para realização de uma cirurgia para substituir o “pacemaker” que tem implementado, que terá de ser realizada no Hospital de Santa Marta em Lisboa.

8.º Motivo pelo qual, tem em casa um aparelho que controla os batimentos cardíacos e verifica se não está em arritmia cardíaca, porque se não tiver esse controle corre risco de vida.

9.º O arguido não tem registo criminal em Portugal.

10.º O arguido tem um contrato de trabalho com uma empresa alemã e já foi visitar a família à Alemanha por diversas vezes, pelo que, nunca quis exonerar-se ao cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, julgava que não teria que cumprir o restante da pena.

11.º Nos termos do artigo 12.º, n.1, al. g) da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa.

12.º O arguido está inserido na sociedade portuguesa com família constituída, residência e emprego fixo, sendo a ressocialização perspetivada pela Lei Portuguesa como escopo essencial do “ius puniendi”.

13.º Defende o Supremo Tribunal de Justiça que se trata de um instrumento que visa muito para além da mera construção de um espaço judiciário europeu, pois pretende constituir um mecanismo de segurança do sistema orientado para a proteção da pessoa e o respeito pela sua dignidade, nomeadamente a sua inserção social e económica, sendo certo que a construção daquele espaço passa não só pela segurança, mas também pelo respeito dos direitos fundamentais.

14.º Perfilhando uma perspetiva humanista, defende-se que verificados os pressupostos da recusa facultativa o Estado Português deve assumir o respectivo compromisso de execução da pena em Portugal permitindo que a mesma seja cumprida na sociedade em que o arguido está integrado, onde estão as suas referências e aqueles que lhe dizem algo, de forma a que a dor da reclusão encontre um lenitivo no apoio exterior, para que a pena de prisão não acresça a pena de desterro.

15.º Nestes termos e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, o arguido vem pedir nos termos artigo 12.º, n.1, al. g) da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, que a execução do mandato de detenção europeu seja recusada e a restante pena de prisão seja cumprida em Portugal.

FAZENDO V. EXA. JUSTIÇA!”

XII. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

XIII. Analisando e decidindo:

O objeto do presente acórdão visa decidir sobre o pedido de extradição do cidadão alemão AA, residente em Portugal, formulado pelo Tribunal Regional de Koblenz, do Estado Membro Alemão através de MDE.

Para que possamos decidir sobre o mérito do pedido de extradição há, primeiro, que delimitar os factos processuais.

Assim:

i) Nasceram os presentes autos com a detenção provisória de AA, nascido a D-M-1987, natural de ..., Alemanha, com passaporte nº .......MO, e residente na Rua 1, São Lourenço de Ribapinhão, CP 5060-..., Vila Real, ocorrida no passado dia 12-08-2025, em Lisboa, detenção essa solicitada pelo Tribunal Regional de Koblenz, na Alemanha, com vista à sua entrega às autoridades judiciais alemãs para cumprimento do remanescente de pena de prisão que lhe foi aplicada no âmbito do procº nº 2090 Js 67708/11-3KLs, por sentença de 27-08-2013 do Tribunal Regional de Koblenz, transitada em 16-09-2013, por factos praticados no Outono de 2010 e 2011; – expediente da PJ junto com o requerimento inicial de 12-08-2025 com a refª ....58

ii) O pedido de detenção provisória foi inserido no SIS com o nº ............................01; – expediente da PJ junto com o requerimento inicial de 12-08-2025 com a refª ....58

iii) O detido foi ouvido em 13-08-2025, cfr. auto com a refª ......39, ao abrigo do disposto no artº 18º da Lei nº 65/2003 de 23-08, tendo a detenção sido validada e ao arguido aplicado o TIR e ainda a medida de coacção de OPHVE;

iv) Durante a sua audição o detido declarou expressamente que se opõe à sua extradição e que não renuncia ao benefício da regra da especialidade; – cfr. auto de 13-08-2025 com a refª ......39

v) O MDE pedido pela autoridade judicial Alemã assenta no facto de ter sido proferida sentença em 27-08-2013, no processo nº 2090 Js 67708/11-3KLs, pelo Tribunal Regional de Koblenz, na Alemanha, através da qual o requerido foi condenado como autor de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelos artºs 1 (1), 3 (1) e 29 (1) da Lei de Estupefacientes Alemã e artºs 53º, 54º, 55º, 64 e 223 (1) do Código Penal Alemão, bem como autor de agressão corporal intencional previsto e punido pelo S 223, parágrafo 1 do Código Penal Alemão, numa pena de 2 (dois) anos de prisão, faltando cumprir 245 dias de prisão. – certidão junta por e-mail de 23-09-2025 com a refª ....90

vi) Os factos subjacentes à condenação referida no item anterior são os seguintes:

“Em outono de 2010, o acusado vendeu à testemunha BB, em três ocasiões que não podem ser determinadas com precisão, pelo menos um grama de haxixe a um preço de 8,00 € por grama. Tratava-se de Pouco tempo depois, o arguido regressou com CC e DD, pois entretanto tinha chegado à conclusão de que a testemunha BB lhe tinha mentido sobre a sua identidade. O acusado agarrou a testemunha BB pelo pescoço e empurrou-a para as escadas. Ao mesmo tempo, colocou um joelho no peito da testemunha e empurrou—a também para o chão. Enquanto isso, o acusado exigiu que a testemunha retirasse o seu depoimento incriminatório. O acusado bateu com a mão no rosto da testemunha e finalmente o soltou. Os companheiros do arguido, a testemunha CC e DD, permaneceram ao pé da escada durante o incidente e não intervieram. A testemunha BB sofreu hemorragias e hematomas na região do pescoço e do osso zigomático em consequência do ataque do arguido.”

– certidão junta por e-mail de 23-09-2025 com a refª ....90

vii) Aos 2/3 de cumprimento da pena foi concedida ao requerido a liberdade condicional por decisão de 20-02-2015 do Tribunal Regional Darmstadt — Câmara responsável pela execução de penas. – certidão junta por e-mail de 23-09-2025 com a refª ....90

viii) A liberdade condicional foi revogada por despacho proferido em 07 de Julho de 2016. – certidão junta por e-mail de 23-09-2025 com a refª ....90 e informação adicional de 09-09-2025 com a refª ....66 (e respectiva tradução na cota com a refª ......10)

ix) O requerido AA integra o agregado constituído pelo cônjuge e as três filhas menores, sendo que as duas mais novas, de quatro anos, são gémeas e nasceram em Portugal. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

x) AA e o seu agregado familiar reside numa moradia arrendada, Tipologia 3, com condições de habitabilidade e conforto, com sinais de higiene e manutenção, tendo ainda terreno envolto da casa, onde tem alguns animais domésticos, sendo o valor da renda mensal de 500 euros, tendo como despesas média de água o valor de 30 euros mensais e de luz, 150. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

xi) No meio comunitário o condenado e família projectam uma imagem de recato, discreta, mas de bom trato com os demais habitantes. As relações com os vizinhos são amistosas e até de ajuda já que partilham produtos agrícolas da terra. Não se verificam sinais de desconfiança ou de hostilidade face a presença do condenado e família. Não são identificadas actividades ou visitas suspeitas. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

xii) A senhoria reporta cumprimento do pagamento da renda, regular e bom cuidado do espaço habitacional, reforçando o bom trato e educação tanto do condenado como da restante família. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

xiii) As escolas fizeram avaliação qualitativas tradutoras de boas competências pessoais e sociais, de cuidados pessoais, de participação activa em todas as actividades, avaliação que vem de encontro a um processo educativo e familiar positivo e desejável. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

xiv) O condenado reporta problemas de saúde do foro cardíaco, sendo monitorizado e acompanhado no Hospital em Vila Real. Aguarda cirurgia que será realizada no Hospital St. ª Marta em Lisboa. Já iniciou os exames de preparação e avaliação, perspectivando que a mesma seja realizada até ao final do corrente ano. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

xv) A esposa trabalha na empresa Sunrise, Portugal, S.A, em actividade de apoio e atendimento ao cliente, em regime de teletrabalho. Aufere o valor ilíquido de 900 euros, acrescido de bónus e de subsídio de alimentação, podendo auferir 1600 euros líquidos. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

xvi) O requerido tem actividade económica registada por conta própria referindo trabalhar na área de apoio tecnológico e informático, tendo à data como principal cliente, um supermercado alemão. Refere auferir entre 1500 e 2500 euros mensais em função do trabalho solicitado e realizado, mostrando-se capaz de prover sustento não só para si como para a sua família. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

xvii) Tem atividade económica registada em nome próprio sendo que actualmente presta serviço de apoio informático e logístico, a um supermercado alemão. A esposa é também activa laboralmente, pelo que ambos mostram-se capazes de sustentar a família sem recurso a apoios estatais. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

xviii) O requerido, com quem é possível estabelecer um diálogo na língua portuguesa, embora com algumas deficiências, apresenta-se como um individuo educado, de fácil trato e afável. Evidenciou uma postura muito colaborante e preocupado em fornecer todas a informação solicitada e respectivos comprovativos. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

xix) Os familiares de origem quer do requerido, quer da esposa, residentes na Alemanha, vem visitar com frequência o agregado. Está previsto a mãe do requerido, recentemente reformada, fixar residência durante algum tempo junto deste núcleo, por forma a apoiar na gestão diária das menores. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

xx) AA oferece sinais de integração na comunidade, laboral e uma dinâmica familiar positiva e estruturada, aguardando ainda intervenção clínica ao seu problema do foro cardíaco. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

xxii) As duas filhas mais novas, gémeas, nasceram em Portugal e todas as menores têm uma boa avaliação escolar, mostrando-se integradas. – relatório social elaborado pela DGRS junto em 04-09-2025 com a refª ....08

Sendo estes os factos com relevo para a decisão a proferir vejamos, agora, o respectivo enquadramento jurídico, sendo a sede legal localizada na Lei nº 65/2003 de 23-08, com a última alteração operada pela Lei nº 115/19 de 12-09, que regula o Mandado de Detenção Europeu.

Nos termos do disposto no nº 1 do artº 1º da Lei nº 65/2003 “o mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade”.

No caso em apreço está em causa uma decisão judicial1 alemã que aplicou uma pena de prisão efectiva de 2 (dois) anos, faltando cumprir o remanescente de 245 dias, pelo que o MDE em análise visa a entrega do requerido às Justiças Alemãs para cumprimento de uma pena de prisão já determinada e não para procedimento criminal.

Nos termos do disposto no nº 1 do artº 2º da Lei nº 65/2003 “o mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas da liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou de medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses.”

Ou seja, e num primeiro momento, o MDE que ora somos chamados a analisar preenche o requisito formal exigido pela lei aplicável.

Por outro lado, estando em causa a prática pelo requerido de factos que integram a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, constata-se que, nos termos do disposto no artº 2º nº 2 da Lei nº 65/2003 de 23-08, está em causa a prática de crime que não exige o controlo da dupla incriminação do facto.

Pelo que se mostra preenchido o requisito material nada havendo, a priori que pudesse determinar a não entrega do requerido às justiças alemãs, mormente o caso previsto na al. f) do artº 11º da Lei nº 65/2003, nem qualquer outra das situações elencada em tal preceito legal.

Contudo, o requerido pugna pela sua não entrega daquele à Autoridade Judicial Alemã atento o disposto no artº 12º (nº 1 al. g)) da respectiva Lei nº 65/2003, subordinada à epígrafe “motivos de não execução facultativa do mandado de detenção europeu” que diz o seguinte:

“1 - A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando:

a) (Revogada.)

b) Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu;

c) Sendo os factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu do conhecimento do Ministério Público, não tiver sido instaurado ou tiver sido decidido pôr termo ao respetivo processo por arquivamento;

d) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado-Membro em condições que obstem ao ulterior exercício da ação penal, fora dos casos previstos na alínea b) do artigo 11.º;

e) Tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu;

f) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado terceiro desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido integralmente cumprida, esteja a ser executada ou já não possa ser cumprida segundo a lei do Estado da condenação;

g) A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa;

h) O mandado de detenção europeu tiver por objeto infração que:

i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses; ou

ii) Tenha sido praticada fora do território do Estado-Membro de emissão desde que a lei penal portuguesa não seja aplicável aos mesmos factos quando praticados fora do território nacional.

2 - A execução do mandado de detenção europeu não pode ser recusada, em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios, com o fundamento previsto no n.º 1, pela circunstância de a legislação portuguesa não impor o mesmo tipo de contribuições ou impostos ou não prever o mesmo tipo de regulamentação em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios que a legislação do Estado-Membro de emissão.

3 - A recusa de execução nos termos da alínea g) do n.º 1 depende de decisão do tribunal da Relação, no processo de execução do mandado de detenção europeu, a requerimento do Ministério Público, que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada.

4 - A decisão a que se refere o número anterior é incluída na decisão de recusa de execução, sendo-lhe aplicável, com as devidas adaptações, o regime relativo ao reconhecimento de sentenças penais que imponham penas de prisão ou medidas privativas da liberdade no âmbito da União Europeia, devendo a autoridade judiciária de execução, para este efeito, solicitar a transmissão da sentença.”

Ou seja, desde que não estejam em causa crimes em matéria de contribuições e impostos, de alfândegas e de câmbios, se o requerido for cidadão português ou residir em território nacional e esteja em causa um MDE para cumprimento de pena de prisão (e não meramente para procedimento criminal) pode o MDE ser recusado, contudo deve o Estado Português assegurar o cumprimento da pena em solo pátrio de acordo com a lei portuguesa.

Sendo que, se a Relação decidir no sentido de recusar a entrega do requerido ao abrigo do artº 12º nº 1 al. g) da Lei nº 65/2003 de 23-08, deve, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia, se pronunciar sobre os concretos pressupostos que possam determinar essa recusa.

Como se refere no Acórdão do STJ de 10-09-2009 (localizável em: https://juris.stj.pt/pesquisa?Jurisprud%C3%AAncia+Nacional=AC%C3%93RD%C3%83OS+DO+SUPREMO+TRIBUNAL+DE+JUSTI%C3%87A+DE+27+DE+ABRIL+DE+2006%2C+PROCESSO+N%C2%BA+1429%2F06%2C+E+DE+21+DE+FEVEREIRO+DE+2007%2C+PROCESSO+N%C2%BA+250%2F07)

“XXII - A decisão de recusa da execução constitui faculdade de Estado da execução; o estabelecimento de critérios não releva da natureza dos compromissos, mas do espaço de livre decisão interna em função da reserva de soberania implicada na referida causa de recusa facultativa de execução.

XXIII - Fixando a lei causa de recusa deixada à faculdade do Estado de execução, o plano da lei só se completará com o estabelecimento de critérios que permitam integrar a função da norma, com base em princípio que se não remetam a discricionariedade ou oportunidade simples sem suporte. Não estando fixados tais critérios, manifesta-se uma incompletude contrária a um plano que se traduz numa lacuna, que o juiz deve integrar segundo os critérios injuntivos para a integração de lacunas definidos no art. 10.º, do CC, seja por recurso a casos análogos, seja por apelo a princípios operativos compreendidos na unidade do sistema.

XXIV - Haverá que integrar a lacuna resultante da omissão legislativa, enunciando os fundamentos, motivos e critérios que, na perspetiva das valorações inerentes imponham ou justifiquem a execução ou, diversamente, a recusa de execução, seja por motivos de política criminal, de eficácia projectiva sobre o melhor exercício, de ponderação com outros valores, ou da realização de direitos ou de interesses relevantes que ao Estado da execução cumpra garantir.

XXV - Não estando directamente fixados, tais critérios internos hão-de ser encontrados na unidade do sistema nacional, perante os princípios de política criminal que comandem a aplicação das penas, e sobretudo as finalidades da execução da pena.

XXVI - Uma primeira projecção sistemática poderá encontrar-se no art. 40.º, n.º 1, do CP e na afirmação da reintegração do agente na sociedade como uma das finalidades das penas. Nesta perspectiva, pode haver maior eficácia das finalidades das penas se forem executadas no país da nacionalidade ou da residência; a ligação do nacional ao seu país, a residência e as condições da sua vida inteiramente adstritas à sociedade nacional serão índices de que é esta a sociedade em que deve (e pode) ser reintegrado, aconselhando o cumprimento da pena em instituições nacionais.

XXVII - De igual modo, o art. 18.°, n.º 2, da Lei 144/99, de 31-08, ao estabelecer critérios para a denegação facultativa da cooperação internacional, contém indicações com projecção geral de aplicação também aos casos, com dimensão subjectiva e objectiva aproximada, de recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu: quando a execução da pena no Estado da emissão relativamente a um nacional do Estado de execução possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal.

XXVIII - Perante a questão que lhe foi deferida para decisão, a autoridade judicial competente – o Tribunal da Relação – deveria verificar se, perante a situação, as condições de vida da pessoa procurada e as finalidades da execução da pena, se justificaria a recusa de execução da mandado, por haver vantagens no cumprimento da pena em Portugal segundo a legislação interna, na sequência do pedido formulado pela pessoa procurada.

XXIX - Não se tendo pronunciado sobre tais pressupostos, o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questão que lhe era deferida, ou seja a existência de causa de recusa facultativa de execução.

XXX - Tal omissão integra a nulidade do acórdão – art. 379°, n.º 1, al. c), do CPP.”

Ora, afigura-se-nos que se mostram reunidos os requisitos legais para que se possa recusar facultativamente a entrega do requerido à Alemanha atentos os factos que resultam dos autos e o disposto no supra citado artº 12º nº 1 al. g) da Lei nº 65/2003.

Pois, pese embora o requerido não seja cidadão português, o mesmo reside em Portugal há mais de uma década, sendo que é aqui que tem toda a sua vida organizada, tendo, inclusive, as duas filhas mais novas já nascido em Solo Pátrio, pelo que o cumprimento da pena em causa em Portugal sempre permitiria um melhor contexto de ressocialização do requerido, uma das pedras angulares das finalidades das penas.

É que o requerido já se mostra integrado na nossa sociedade, sendo que os factos que levaram à sua condenação remontam ao longínquo ano de 2010, tendo a liberdade condicional, que lhe foi concedida aos 2/3 da pena, sido revogada em Julho de 2016 ou seja, há quase uma década.

De lá para cá o requerido constituiu família, encontra-se a trabalhar de forma regular em Portugal, assim como a sua esposa, as suas filhas frequentam a escola onde são devidamente acompanhadas, sendo todo o agregado visto de forma positiva pela comunidade portuguesa local.

Não se vislumbra que o cumprimento do remanescente da pena pelo requerido na sua terra natal irá trazer melhores condições para a sua ressocialização, sendo que, seguramente, onerará, pelo menos, a sua esposa que se verá forçada a viajar para a Alemanha (sabe-se lá com que prejuízos para a sua situação laboral) para visitar o requerido, seu marido, tendo que temporariamente deixar as filhas menores, ainda bastante pequenas, que assim, em vez de estarem separadas apenas do pai, passarão a estar separadas, ainda que de forma limitada, também da mãe.

Ou então, se se entender que as filhas devem visitar o pai na prisão, as visitas à Alemanha poderão igualmente complicar a situação escolar das crianças, além de claramente agravar os transtornos emocionais que as menores seguramente irão sentir com a ausência do pai.

Não temos, assim, qualquer dúvida que o remanescente da pena deve ser cumprida aqui em Portugal.

Podendo a entrega do requerido ser assim recusada desde que Portugal assuma o cumprimento da sentença oferecida como fundamento do pedido de execução, o que implica, consequentemente, o reconhecimento judicial da mesma.

O que ora se determina, sendo que não se verifica nenhuma das situações previstas no artº 17º da Lei nº 158/2015 de 17-09, que pudessem determinar a recusa do reconhecimento ou da execução da sentença penal em causa.

Por outro lado, tendo sido o próprio requerido a requerer o cumprimento do remanescente da pena em Portugal considera-se que deu o seu consentimento para efeitos do artº 10º da Lei nº 158/2015 de 17-09.

Sendo competente para reconhecer a sentença, a Relação da área de residência do requerido, nos termos do artº 13º nº 2 da Lei nº 158/2015 de 17-09:

“É competente para executar a sentença o juízo local com competência em matéria criminal da área da residência ou da última residência do condenado ou, se não for possível determiná-la, o de Lisboa, sem prejuízo da competência do tribunal de execução das penas.”

Por fim, nos termos do artº 14º da Lei nº 158/2015 de 17-09:

“Reconhecida a sentença em matéria penal que imponha penas de prisão ou outras medidas privativas de liberdade, a mesma é remetida ao tribunal competente para a execução, onde o Ministério Público providencia pela execução de mandado de condução ao estabelecimento prisional mais próximo do local da residência ou da última residência em Portugal do condenado, nos termos previstos no Código de Processo Penal.”

Decisão:

Em face do acima exposto, as Juízas Desembargadoras da Secção Penal da Relação de Guimarães decidem, ao abrigo do disposto no artº 12º nº 1 al. g) da Lei nº 63/2005 de 23-08, recusar a entrega do requerido AA ao Estado emissor – Tribunal Regional de Koblenz, Alemanha;

Mais determinam o cumprimento do remanescente da pena fixada ao requerido, de 245 dias, em Portugal para o qual reconhecem a sentença de 27-08-2013 proferida pelo Tribunal Regional de Koblenz no âmbito do procº nº 2090 Js 67708/11-3KLs.

Após trânsito, remetam-se os autos à 1ª instância para o juízo local com competência em matéria criminal da área da residência do requerido.

Sem Custas.

CUMPRE DECIDIR:

O requerido foi detido provisoriamente, com vista ao cumprimento deste MDE no passado dia 12-08-2025.

O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado-Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

É um instrumento que tem por fim o reforço da cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros, suprimindo o recurso à extradição.

A questão colocada em recurso traduz-se em saber se, como pretende o recorrente, não ocorre o motivo de execução do MDE previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, que aprova o regime jurídico do mandado de detenção europeu, em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho, a qual dispõe que

«1 - A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando: (…) g) A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa».

A Lei nº65/2003, de 23 de Agosto, que, em Portugal, passou para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro 2002/584/JAI do Conselho Europeu, de 13 de Junho de 2002, relativa ao Mandado de Detenção Europeu e processos de entrega entre os estados-membros, aplica-se aos pedidos recebidos, que tenham origem em Estados Membros da União Europeia que, de igual modo, tenham acolhido a referida Decisão Quadro, como estabelece o artº 40 da mencionada Lei, como é o caso da Alemanha.

Como nos diz no acórdão do STJ, proc. nº 107/23.6YRGMR.S1, 5.ª

secção, relator Consº Lopes da Mota, de 26-07-2023, :

(...) Trata-se, porém, de matéria subtraída à apreciação da autoridade judiciária de execução, a qual, por força dos princípios do reconhecimento mútuo e da confiança mútua e da presunção de «proteção equivalente» dos direitos fundamentais («presunção Bosphorus»), apenas tem de verificar da validade do MDE e dos motivos de não execução (assim, acórdãos Michaud c. França e Avotins c. Letónia, TEDH); mas que pode ser questionada no Estado de emissão, ao qual compete garantir a tutela jurisdicional efetiva da pessoa visada no processo.

(...)

Mas, diz ainda neste acórdão, o Conselheiro Lopes da Mota:

Na verdade, o Tribunal de Justiça da UE (acórdãos C-123/08, C-388/08, C261/09 e C-42/11) tem interpretado a Decisão-Quadro relativa ao MDE salientando que:

a. Decisão-Quadro 2002/584/JAI, como resulta, em particular, do seu artigo 1.º,

bem como dos considerandos 5 e 7 do preâmbulo, tem por objeto substituir a extradição entre os Estados-Membros por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias das pessoas condenadas ou suspeitas, baseado no princípio do reconhecimento mútuo;

b. este princípio implica que os Estados-Membros são, em princípio, obrigados a cumprir o mandado de detenção europeu;

c. o reconhecimento mútuo não implica, no entanto, uma obrigação absoluta de execução do mandado emitido, pois que o sistema da Decisão-Quadro, como resulta do seu artigo 4.º, deixa aos Estados-Membros a possibilidade de permitir às autoridades judiciárias competentes decidirem não entregar a pessoa procurada, nas situações em que se verifique um motivo de recusa, com base em regras comuns (causas de recusa obrigatória e facultativa).

7. Sendo a recusa uma faculdade, que compete ao tribunal averiguar e apenas conceder nos casos que o merecem, sob pena de “serem postos em causa os princípios de cooperação internacional a que a LMDE quis dar corpo e os valores que com essa cooperação se visam prosseguir, com destaque para a correcta administração da justiça penal” (como afirma o acórdão nº 27/12.0YRCBR.S1 do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Maio de 2012 (...).

Sendo o regime de execução do MDE inteiramente jurisdicionalizado, não comportando, por isso, intervenção de outros órgãos do poder político em fase administrativa do processo – o compromisso do Estado Português em executar a pena ou medida de segurança em Portugal deve expressar-se e resultar de uma decisão judicial.

É por isso que o Sr. Procurador acrescenta na sua fundamentação de recurso que, “ caso se entenda ser de recusar a entrega do requerido ao abrigo da causa de recusa facultativa prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei 65/2003, de 23/08, há que solicitar à autoridade judicial emitente do MDE para que proceda à emissão da certidão (formulário-tipo) a que alude o artigo 4.º, n.ºs 1 e 5 da referida Decisão Quadro 2008/909/JAI.”

Verificamos que não foi observado o disposto no artº 12º nº 3 da Lei 65/2003 - e no artº 16º nº 1 e no artº 26º da Lei 158/2015, que determina que o MP, recebida a sentença acompanhada de certidão ( que já deveria constar do processo desde o início) deve por requerimento promover o reconhecimento da sentença no processo de MDE.

Ora tal não teve lugar como deveria ter tido.

Na verdade, apesar de ter vindo a admitir como possível a recusa de execução do MDE e apesar de por dois despachos, a Mmª Juíza titular ter requerido o envio da decisão, não foi formulado o referido requerimento.

Acresce que temos duas decisões, a condenatória e uma outra que revoga a liberdade condicional e também se mostra com importância para a decisão a proferir, não se mostrando junta aos autos.

Assim, na linha do Acórdão proferido neste Supremo Tribunal no Processo 48/21.1 YRGMR. S2 – 3ª secção datado de 12.01.2022, em que é relator o Conselheiro Lopes da Mota, não havendo processo de reconhecimento dependente de promoção do MP, não poderia o Tribunal da Relação de Guimarães proceder ao reconhecimento da sentença condenatória no Estado Alemão de acordo com o disposto artº 16º nº3 da Lei 158/2025 como acabou por fazer.

Tudo porque, nos termos do disposto no artº 119º b) CPP a falta de promoção do Processo pelo MP nos termos do artº 48º constitui uma nulidade processual insanável a declarar em qualquer fase do procedimento. Isto porque o Legislador entende que é ao MP que compete promover tal reconhecimento de sentença estrangeira para cumprimento da pena aplicada em território nacional, apesar de esse reconhecimento ser enxertado no MDE.

Entende-se, pois, nesse acórdão que, de acordo com o espírito do legislador, esta disposição é subsidiariamente aplicável ao regime de execução do MDE – artº 34 da Lei 65/2003 - É aplicável, subsidiariamente, ao processo de execução do mandado de detenção europeu o Código de Processo Penal - e ao regime de reconhecimento de sentença que aplique pena de prisão no espaço da UE – artº 5º da lei 65/2025 – por remissão sistemática aplicável à falta de requerimento ou promoção do processo de reconhecimento .

Esta falta de decisões e de promoção com a formulação do requerimento, impede, segundo o legislador e o acórdão supracitado, o Tribunal competente de reconhecer a sentença Estrangeira e impede consequentemente a possibilidade de decidir quanto à recusa de entrega do requerido

Tudo isto porque a entrada em vigor da Lei 158/2015 de 17 Setembro que substituiu a revisão e confirmação de sentença estrangeira por um reconhecimento de sentenças penais nas relações entre os Estados Membros e, o nº 4 do artº 12º alterado pela Lei 115/2019 de 12.9 enxerta o procedimento do reconhecimento da sentença condenatória no MDE.

Assim, este nº 4 dispõe que “ a decisão a que se refere o número anterior é incluída na decisão que recusa a entrega , sendo-lhe aplicável o regime relativo ao reconhecimento das sentenças penais que imponham pena de prisão ou outras medidas privativas de liberdade tomadas pelas autoridades competentes dos Estados Membros da EU com o objetivo de facilitar a reinserção do condenado.

O respeito pelo regime atual instituído pela lei 158/2015 que se articula com o regime do MDE impõe que perante a possibilidade de recusa, o tribunal solicite a transmissão da sentença , acompanhada de certidão em conformidade com o artº 4º nº 5 da decisão quadro 2008/909/JAI e com o artigo 9º nº 5 da Lei 158/2015 – artº 12º nº 4 – redação da lei 115/2015 e que, imediatamente , mediante requerimento ou promoção do MP – artº 12º nº 3 se dê início no processo de execução do MDE ao reconhecimento da sentença - A recusa de execução nos termos da alínea g) do n.º 1 depende de decisão do Tribunal da Relação, no processo de execução do mandado de detenção europeu, a requerimento do Ministério Público, que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada.

Como diz a Conselheira Helena Moniz no seu acórdão datado de 26.03 2020 Processo nº 22/20.5YRGMR. 1Se numa fase inicial, cabia ao Tribunal proferia a decisão de execução de MDE decidir se recusava ou não, a execução do MDE, com a alteração o legislador impôs que esta faculdade fosse objeto de requerimento por parte do MP, entidade a quem cabe representar o Estado que se comprometeria a executar a pena de acordo com a lei portuguesa; cabendo, porém, a última palavra ao Tribunal da Relação que terá de declarar a exequibilidade da sentença em Portugal – artº 12 nº 3.

Não existindo esse processo de impulso por parte do MP, também por falta de elementos, não podia o Tribunal da Relação de Guimarães ter passado ao reconhecimento da sentença alemã e à recusa da entrega.

Estamos, pois, perante Nulidade Insanável – artº 122º nº 1 que torna inválida a decisão proferida.

Assim sendo

Acordam os Juízes que constituem a 5ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

- Declarar, oficiosamente nos termos do artº 119º b) do CPP a nulidade resultante da falta de impulso do MP no processo em análise e, necessariamente,

Declarar inválidos os actos processuais praticados a partir da omissão desse impulso.

Determinando a invalidade do acórdão recorrido – artº 122º nº 1 CPP.

Devendo oportunamente ser proferida nova deeisão, após a junção dos elementos em falta.



Sem custas por a elas não haver lugar.

Comunique de imediato ao tribunal recorrido, tendo em conta o período de duração da detenção legalmente permitido para os fins que tiver por convenientes.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 06-11-2025

(Acórdão processado em computador pela relatora e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Assinado Eletronicamente
Juíza Conselheira Adelina Barradas de Oliveira como relatora

Juiz Conselheiro Jorge Jacob 1º Adjunto

Juiz Conselheiro Pedro Donas Botto 2º Adjunto