Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1392/05.0TBMCN.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: REGISTO DE AQUISIÇÃO
REGISTO PROVISÓRIO
CONTRATO-PROMESSA
RESOLUÇÃO
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO - OBJECTO E EFEITOS DO REGISTO PREDIAL - PROCESSO DE REGISTO / DOCUMENTOS / REGISTO PROVISÓRIO DE AQUISIÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / MULTAS E INDEMNIZAÇÃO - RECURSOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, p. 242.
- Batista Machado, João, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, pp. 348/349.
- Brandão Proença, José Carlos, A resolução do Contrato no Direito Civil – Do enquadramento e do regime, Coimbra Editora, (Reimpressão), 2006, p. 74; Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, Coimbra Editora, 2011, pp. 288, 289, 290 e 291.
- Bruno Rodriguez-Rosado, Resolución y Sinalagma Contractual, Marcial Pons, Madrid, 2013, pp. 127, 132, 159-160, 207, 215.
- Calvão Silva, João, Sinal e Contrato-Promessa, Almedina, 2010, 13.ª edição, pp. 19, 30.
- Cecília Silva Ribeiro, “Do dolo geral e do dolo instrumental em especial no processo civil”; ROA, ano 9, pp.83-113, citada por Paula Costa Ribeiro, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, pp. 389, 392, 394.
- Costa Fernandes, Diogo, “Erro-obstáculo e Erro-vicio. Subsídios para a determinação do alcance normativo dos artigos 247.º, 251.º e 252.º do Código Civil”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XLV, N.ºs 1 e 2, Coimbra Editora, 2004, pp. 309 a 399, in p. 312.
- Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português – A Parte Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1992, pp. 433 a 490; “Sobre a Formação do Contrato segundo os artigos 217.º e 218.º, 224.º a 226.º e 228.º a 235.º do Código Civil”, Revista de Direito e Economia, Ano X, n.º 1.2 Janeiro/Dezembro de 1983, pp. 121- 157
- Isabel Pereira Mendes, Estudos sobre Registo Civil – A questão da prevalência do registo de arresto sobre anterior registo provisório com base em contrato-promessa de compra e venda, Almedina. 2003.
- Maria Clara Sottomayor, Invalidade do Registo – A Protecção do Terceiro Adquirente de Boa-fé, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 525 a 554.
- Mónica Jardim, “O registo Provisório de Aquisição”, Comunicação feita na F.D.U.C., no Congresso de Direitos Reais, em 29 de Janeiro de 2003, pp. 14-15.
- Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, pp. 211 e 647.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 217.º, 218.º, 224.º, 410.º, N.º1, 432.º, N.º1, 436.º, 441.º, 442.º, N.º2, 798.º, 801.º, N.º2, 804.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 542.º, N.º3, 629.º, N.º2.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRGP): - ARTIGOS 6.º, N.º3, 47.º, N.ºS 1 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22/11/2001, DE 19/03/2002, DE 15/10/2002, DE 25/02/2003, PROC. 03A200 E DE 07/03/2006, TODOS EM WWW.DGSI.PT ; DE 13/03/2008, EM WWW.DGSI.PT ; DE 8/10/2008; DE 20/01/2009, EM WWW.DGSI.PT ; DE 12/01/2010; DE 17/03/2011; DE 22/03/2011; DE 9/02/2012, IN WWW.DGSI.PT.
Jurisprudência Estrangeira:
JURISPRUDÊNCIA ESPANHOLA:
-SENTENÇA DO TRIBUNAL SUPREMO, DE 26 DE SETEMBRO DE 2007.
Sumário :
I - A ideia da litigância de má fé está associada à premência de censurar o emprego do processo para fins processualmente reprováveis ou censuráveis ou, pelo menos, desconforme a um arrimado objectivo processualmente justo e leal.

II - Salvo se se verificar algum dos pressupostos contidos no art. 629.º, n.º 2, do NCPC (2013), não é admissível a revista de um acórdão da Relação no segmento em que mantém o decidido em 1.ª instância sobre a condenação de uma das partes como litigante de má fé, sendo certo que o disposto no art. 542.º, n.º 3, do mesmo diploma, é inaplicável ao caso por estarmos no domínio do segundo grau de recurso sobre essa matéria.

III - Ao contrato-promessa de compra e venda aplicam-se as mesmas regras do contrato prometido, sendo que só o incumprimento definitivo da prestação faculta ao contraente fiel a resolução do contrato (arts. 798.º e 801.º, n.º 2, ambos do CC), i.e., o poder de, unilateralmente, extinguir um contrato válido na sequência de circunstâncias posteriores à sua conclusão cuja ocorrência frustra o interesse contratual ou geram desequilíbrios na relação de equivalência económica entre as prestações.

IV - O exercício do direito à resolução depende de uma ponderação de interesses, exigindo-se uma adequação entre a eficácia extintiva da figura e os seus pressupostos e limites que a conformam, mormente a gravidade do comportamento (apreciada pela intensidade da culpa, pela amplitude e pelas consequências ou reiteração da violação, avaliando-se igualmente a natureza do dever violado e a forma como tal se manifesta) que o espoleta, o que permite submeter a resolução ao controlo axiológico da boa fé (assim se arredando os incumprimentos pouco prejudiciais ou a mera conveniência pessoal do credor), sendo ponto assente que o uso daquele direito supõe imprescindivelmente a existência de uma razão substancialmente idónea e inconsútil para que a relação não possa prosseguir ou, pelo menos, manter-se nos termos em que tinha sido consolidada por vontade liberta das partes.

V - O registo provisório de aquisição de uma fracção autónoma, antes de titulado o negócio, pode ser feito, nos termos do art. 47.º, n.ºs 1 e 3, do CRgP, com base em declaração do proprietário inscrito ou titular do direito ou com base em contrato promessa de compra e venda e constitui uma reserva de prioridade (cfr. art. 6.º, n.º 3, do mesmo diploma) condicionada à futura realização do contrato produtor de efeitos reais (vg., o contrato de compra e venda), sendo o correspondente efeito registral (a conversão em definitivo), a par da caducidade daquele ou do seu cancelamento, um dos meios de remover a provisoriedade.

VI - Dado que o registo referido em V apenas tem como efeito, aquando da sua conversão em definitivo, a preservação da prioridade que aquele tinha enquanto provisório, nada impede que, enquanto perdurar a provisoriedade, se proceda à alienação da fracção autónoma a ele sujeita.

VII - O registo da acção de execução específica do contrato-promessa de compra e venda dos autos (que era desprovido de eficácia real) conferiria aos recorrentes prioridade e oponibilidade perante o registo provisório de que terceiros eram beneficiários, ao passo que o registo definitivo da aquisição (sendo de notar que a recorrente foi, mediante processo de fixação judicial do prazo, cominada a comparecer em oficina pública para celebrar o contrato definitivo e interpelada, por diversas vezes, para marcar a data para esse efeito) importaria a caducidade (por incompatibilidade funcional e técnica com registo posterior) daqueloutro registo, sendo, pois, de concluir que a impossibilidade de cumprir o contrato-promessa de compra e venda apenas se verifica a partir do momento em que a dita fracção foi vendida aos beneficiários deste último registo.

VIII - Para que uma declaração negocial validamente expressa e receptícia se perfectibilize é míster que ela chegue ao seu destinatário, i.e. que chegue ao seu poder ou seja dele conhecida (art. 224.º, do CC – no qual se conjugam a teoria da recepção e a teoria do conhecimento), não se exigindo, caso se comprove a chegada ao poder daquele, o efectivo conhecimento, pois o normal é que, neste caso, o mesmo fique em condições de saber o conteúdo da declaração.

IX - Tendo os promitentes-compradores comunicado uma morada no contrato promessa de compra e venda e não tendo – como exigiria o princípio da boa fé contratual e posto que a obrigação de contratar no futuro por ele gerada implica que as partes mantenham entre si uma relação comunicacional regular, o que supõe que as moradas de ambas se mantenham actualizadas – comunicado à contraparte qualquer mudança de residência de um deles, deve ter-se como eficaz, segundo a teoria da recepção, a interpelação admonitória expedida pela contraparte para essa morada e recebida por um deles.
Decisão Texto Integral:

I. – Relatório.


AA e BB instauraram, em 26 de Setembro de 2005 – cfr. fls. 2, – a presente acção declarativa, com processo comum, na forma ordinária, contra CC, pedindo que se declare nulo o contrato-promessa celebrado entre ambas as partes e, em consequência, se condene o Réu a restituir-lhes a quantia de 14.567,40 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, que se vierem a vencer desde a citação até integral e efectivo pagamento.
Alegaram, em síntese, que Autores e Réu assinaram o documento escrito de fls. 7 a 11, intitulado de “contrato promessa de compra e venda” relativo a um imóvel, sito no lugar de C..., freguesia e concelho de Valongo, datado de 20/01/1999, no qual o Réu intitulou-se “Presidente do Concelho de Administração” da sociedade por quotas “DD – Sociedade Imobiliária, Lda.”, contribuinte n.º ...;
Os Autores entregaram ao Réu, por intermédio da sociedade de mediação imobiliária EE, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 12.345,24 euros;
Os Autores vieram, entretanto, a saber que esta sociedade por quotas não existe;
O Réu não é, sequer era à data da celebração do contrato-promessa, o proprietário do imóvel objecto daquele contrato, pelo que é responsável pelo documento que subscreveu uma vez que criou a falsa aparência de que a referida sociedade por quotas existe e que era proprietária do imóvel;
Acresce que as assinaturas constantes daquele documento não foram notarialmente reconhecidas, sequer certificada pelo notário a existência da respectiva licença de utilização ou construção;
O Réu exerce profissionalmente actividade ligada ao ramo da construção civil e compra e venda de imóveis, pelo que tinha obrigação de conhecer as formalidades impostas por lei.
Na contestação que apresentou, o Réu:
- Alegou a excepção da sua ilegitimidade passiva para os termos da presente acção, sustentando não ser sujeito da relação material controvertida uma vez que assinou o invocado contrato-promessa na qualidade de presidente do conselho da administração da “DD – Sociedade Imobiliária, S.A.”, a qual, por erro de escrita, vem identificada naquele documento como sociedade por quotas quando se trata de uma sociedade anónima.
- Impugnou parte da matéria alegada pelos Autores, sustentando que tal como resulta do próprio teor do contrato-promessa e era do conhecimento dos Autores quando assinaram aquele contrato, estes sabiam que o prédio ainda não havia sido construído e que ainda não tinha licença de construção, sendo certo que o referido prédio foi construído devidamente licenciado e beneficia, entretanto, da licença de utilização n.º 34/2002, de 27/02/2002, pelo que a inexistência da licença de construção, à data de celebração do contrato-promessa, se encontra sanada;
- Invocou a excepção do abuso do direito, sustentando que os Autores agiram, ao longo do tempo, como se aquele contrato fosse válido, nunca tendo invocado a ausência da licença de construção como fundamento de invalidade do mesmo, designadamente nos autos de acção de fixação do prazo que contra eles foi intentada pela promitente-vendedora; ao invés, os Autores visitaram, com regularidade, a fracção objecto daquele contrato e chegaram mesmo a pedir à sociedade promitente-vendedora que esta lhes concedesse mais tempo para tentarem ceder a sua posição contratual, no que aquela foi anuindo enquanto pôde, conduta que naturalmente gerou na contraparte uma justificada confiança e investimento no pressuposto dessa validade;
Após a promitente-vendedora estar munida de toda a documentação necessária à celebração da escritura de compra e venda, tentou obter o acordo dos Autores, por cartas datadas de 15 e 27 de Março de 2002, que endereçou sob registo e com a/r, para a morada dos Autores indicada no contrato, e que vieram a ser devolvidas, sobre a data para marcação da escritura de compra e venda;
Como a promitente-compradora não teve qualquer resposta a essas cartas e porque o contrato não previa prazo para a escritura, a sociedade promitente-vendedora instaurou acção de fixação judicial de prazo a que os Réus responderam;
Essa acção obteve procedência, fixando o prazo de trinta dias para a outorga da escritura de compra e venda e, em consequência, a promitente-vendedora escreveu e enviou aos Autores carta datada de 19/05/2005, sob registo, para a morada para onde aqueles foram citados, onde lhes solicitava que se dispusessem a celebrar a referida escritura de compra e venda, solicitando cópias dos elementos identificativos daqueles para se proceder à respectiva marcação, advertindo os promitentes-compradores de que se iria marcar a escritura e que se faltassem lhes seriam imputáveis as despesas de emolumentos;
Como os Autores não deram resposta, a promitente-vendedora voltou a enviar sob registo a carta datada de 24/05/2005, convocando-os para a escritura pública de compra e venda, informando-os que se encontrava marcada para o dia 13/06/2005, no Cartório Notarial de Vila do Conde, explicando-lhes que em virtude da privatização dos cartórios, não fora possível marcar noutro mais próximo;
Contudo, os Autores faltaram à referida escritura, o que inviabilizou a sua celebração;
A promitente-vendedora enviou, sob registo, nova carta datada de 16/06/2005, na qual confirmava a falta dos Autores à escritura de compra e venda que tinha sido marcada, fixando-lhes um prazo suplementar de 20 dias para a realização da mesma e advertindo-os de que se até 10 de Julho de 2005 não cumprissem com a obrigação de celebrar a escritura se consideraria definitivamente incumprido o contrato, com a consequente perda do sinal;
A esta carta respondeu a Autora, negando ter recebido a carta de comunicação da data da escritura e escudando-se no prazo fixado por decisão judicial, o qual em seu entender se encontrava ultrapassado, e sustentando que dado que a sociedade subscritora do contrato-promessa não tinha existência jurídica, nenhuma obrigação contratual a vinculava, assistindo-lhe antes o direito a obter a restituição do sinal prestado e que caso esse contrato seja válido, lhe assiste o direito a obter a resolução do mesmo por incumprimento do prazo estipulado, perda de interesse no negócio e impossibilidade de realização da prestação;
A promitente-compradora respondeu a essa carta no sentido de que era ainda possível a celebração do contrato prometido, declarando-se disponível para tanto, esclarecendo a alteração da denominação social daquela e refutando as alegadas invalidade e perda de interesse;
Como os Autores se mantiveram inertes, por carta datada de 13/07/2005, a promitente compradora comunicou àqueles que face ao incumprimento do contrato por banda daqueles, considerava o contrato resolvido por motivo que lhes era exclusivamente imputável, terminando pela reclamação dos pagamentos em falta;
Ao agirem da forma supra descrita, refugiando-se na falsa questão e que constitui um mero lapso de escrita e, por outro lado, em nulidade que não lhes assiste invocar, tanto mais que somente o fazem após ser verificável o seu incumprimento definitivo daquele contrato-promessa, os Autores litigam de má-fé.
Conclui, pedindo que por via da procedência da excepção da sua ilegitimidade passiva para os termos da presente acção, seja absolvido da instância, ou se assim se não entender, que se julgue a acção totalmente improcedente e se absolva o mesmo do pedido e se condene os Autores como litigantes de má-fé, em indemnização a favor do Réu no valor de 3.000,00 euros, bem como em multa.
Os Autores replicaram impugnando parte da matéria invocada pelo Réu e concluindo pela improcedência da excepção dilatória da ilegitimidade passiva por este deduzida e, bem assim da excepção peremptória do abuso de direito, concluindo como na petição inicial.
Deduziu incidente da intervenção principal provocada de FF, S.A. nos termos do disposto no art. 31º-B do Código de Processo Civil.
Admitido aquele incidente, citada a interveniente FF–Imobiliária, S.A., a mesma contestou nos mesmos moldes que já anteriormente havia feito o Réu.
Conclui pedindo que seja absolvida do pedido e pedindo a condenação dos Autores como litigantes de má-fé em multa e em indemnização a favor daquela, no montante de 5.000,00 euros, bem como no pagamento de honorários à sua ilustre mandatária, que estima em 1.500,00 euros.
Deduziu reconvenção pedindo que se: “a- declare judicialmente a validade e eficácia da resolução comunicada pela Ré reconvinte do contrato-promessa em causa, com consequente perda do sinal prestado a favor daquela; b- condene os Autores-reconvindos a pagar à interveniente-reconvinda a quantia de 10.824,72 euros, acrescida de juros de mora vincendos, sendo 8.230,17 euros, a título de reforço do sinal em falta e respectivos juros legais, vencidos desde 20/10/2000, até efectivo e integral pagamento, ascendendo estes na presente data a 2.434,55 euros, e 160,00 euros de emolumentos notariais resultantes da falta à escritura e emissão do certificado respectivo.”
Os Autores replicaram impugnando parte da matéria alegada pela interveniente.
Impugnaram a matéria alegada em sede de reconvenção negando que tivessem recebido as cartas de 19 de Maio e 24 de Maio de 2005 e que, muito embora a Autora AA tivesse recebido a carta datada de 16 de Junho de 2005, à qual respondeu por carta de 29 de Junho de 2005, o Réu BB nunca recebeu qualquer carta da interveniente, pelo que nunca foi por ela, sequer pelo Réu CC, interpelado para outorgar a escritura em causa, sequer da resolução do contrato-promessa.
Mais alegou que a escritura em causa nunca podia ser outorgada em 13 de Junho de 2005, uma vez que em 07 de Junho de 2005, a interveniente, mediante assinatura reconhecida do Réu, declarou pretender vender pelo preço de 77.500,00 euros a fracção em causa a GG e HH e em 08 de Junho de 2005, a interveniente requereu o registo de aquisição provisória da fracção a favor dos referidos GG e HH, aquisição essa que se veio a concretizar no dia 04 de Agosto de 2005 por escritura pública, pelo que no dia 13 de Junho de 2005, ao contrário do que atesta o certificado emitido pelo 2º Cartório Notarial de Vila do Conde, não se encontrava pronta toda a documentação necessária à feitura da escritura, sequer eles iriam correr o risco de celebrar uma escritura com registo de aquisição provisório prévio requerido a favor de terceiros.
Concluíram como na petição inicial e pela improcedência do pedido de litigância de má fé que contra eles foi deduzido.
Ampliaram o pedido, solicitando que se:”a) - declare nulo o contrato-promessa celebrado entre ambas as partes e, em consequência, condene o Ré ou a interveniente a restituir a quantia de 14.576,40 euros, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, que se vierem a vencer desde a citação até integral e efectivo pagamento”; e subsidiariamente, que se: “b) - declare resolvido o contrato-promessa em causa por incumprimento definitivo e culposo imputável aos Réus e/ou impossibilidade da prestação, condenando-se o Réu ou a interveniente a restituir-lhes o sinal em dobro, no valor de 24.690,48 euros, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do presente articulado até integral e efectivo pagamento.
Para tanto alegam que o Réu e a interveniente não são proprietários do imóvel em discussão nos autos desde 04 de Agosto de 2005, por a interveniente o ter vendido, nessa data, a terceiros pelo preço de 77.500,00 euros;
A interveniente não cumpriu com o prazo peremptório de trinta dias fixado pelo Tribunal para outorgar a escritura pública de compra e venda e não cabia aos Autores, nos termos do contrato, a marcação dessa escritura;
Os Réus ao registarem provisoriamente a aquisição do imóvel a favor de terceiros, tendo-lhes, posteriormente, vendido o mesmo, tornaram, em plena vigência do contrato, definitivamente impossível, por sua exclusiva culpa, a prestação a que se obrigaram.
A interveniente treplicou, concluindo pela inadmissibilidade da ampliação do pedido.
Impugnou a matéria alegada pelos Autores em sede de ampliação do pedido, mantendo o que a esse propósito já tinha alegado quanto ao invocado não recebimento das interpelações feitas por cartas enviadas aos Autores, concluindo que se estes não receberem aquelas cartas, que esse facto lhes é imputável;
Mais alegou que a escritura com os terceiros compradores só foi outorgada após manifesta recusa dos Autores em cumprirem com o contrato-promessa e após insistências suas para que o fizessem, celebrando a escritura pública de compra e venda, mesma apesar de já estar ultrapassado o prazo suplementar que lhes fixou para tanto, bem como a comunicação de resolução do contrato;
Que o registo provisório encontra-se sujeito a caducidade, o que ocorreria caso os Autores se dispusessem a celebrar a escritura pública e valeria apenas e em prejuízo dos Autores se fosse convertido em definitivo.
Conclui pedindo que se julgue nula a ampliação do pedido por não ser legalmente admissível, quer formal, quer substancialmente em virtude do abuso de direito e que se julgue improcedentes as excepções invocadas.
Os Autores responderam à invocada nulidade da ampliação do pedido nos termos constantes de fls. 328 a 329, concluindo pela improcedência dessa invocada nulidade.
Por despacho proferido a fls. 349, transitado em julgado, admitiu-se a ampliação do pedido formulado pelos Autores.
Após realização do julgamento, veio a ser proferida decisão, em que (sic): “Nesta conformidade, julgo a presente acção integralmente improcedente por não provada e, em consequência absolvo o Réu CC e a interveniente FF–Imobiliária, S.A. de todos os pedidos que contra eles foram formulados pelos Autores.
Condeno os Autores AA e BB como litigantes de má-fé no pagamento de sete UCs de multa e de uma indemnização a favor do Réu CC em consequência das despesas, incluindo com o pagamento de honorários que teve de pagar à sua ilustre mandatária, tudo por via da litigância de má-fé com que litigaram os Autores.
Julgo a reconvenção de fls. 157 a 170 parcialmente procedente por provada e, em consequência: a- declaro judicialmente válida e eficaz a resolução comunicada pela interveniente-reconvinte,“FF–Imobiliária,S.A.”, do contrato-promessa em causa nos autos, com consequente perda do sinal prestado pelos Autores-reconvindos, AA e BB, a favor daquela; b- absolvo os Autores-reconvindos do demais pedido pela interveniente reconvinte; c- absolvo os Autores-reconvindos do pedido de condenação como litigantes de má-fé formulado pela interveniente-reconvinte “FF – Imobiliária, S.A.”.
Da decisão apelaram os demandantes, tendo o tribunal de apelação, vindo a confirmar a decisão recorrentes, com alteração do montante da multa, a título de condenação como litigantes de má-fé.
Mantendo a sua dissidência com o julgado, na apelação, impulsam os demandantes recurso de revista, tendo da extensa fundamentação dessumido o quadro conclusivo que, a seguir, queda extractado.    
I.A. – Quadro Conclusivo.
“Um promitente-vendedor pode celebrar diversos contratos promessa e diversas escrituras com diferentes compradores, tendo nesse caso, de acordo com o disposto no artigo 6.°, n.º 1 e 3 do Código do Registo Predial, direito ao imóvel aquele que o registar em primeiro lugar, seja a inscrição provisória ou definitiva, já que o registo provisório convertido em definitivo conserva a sua prioridade.
6. Tais regras destinam-se a proteger terceiros de boa-fé pelo que são aplicáveis independentemente dos efeitos reais ou obrigacionais dos contratos que servem de base aos registos.
7. O Tribunal a quo fez "tábua rasa" da letra e do espírito do artigo 6.°, n.º 1 e 3 do Código de Registo Predial, que violou, interpretando-o com um sentido que ele não comporta, já que o mesmo é aplicável independentemente da natureza dos efeitos (reais ou obrigacionais) do contrato ou facto sujeito a registo.
8. Na data agendada para a escritura, desconheciam os A.A. se o imóvel já estaria vendido a terceiros por contrato de compra e venda com efeitos reais pelo que se verificava obstáculo temporário que mais tarde se converteu em definitivo.
9. Esqueceu o Tribunal a quo que o cancelamento do registo provisório na data da escritura não dependia da vontade da promitente vendedora, mas dos terceiros a favor de quem tinha sido lavrado o registo e a Ré não fez prova, como lhe competia, de que na data agendada conseguiria obter o cancelamento do registo provisório.
10. Contrariamente ao decidido, deveria o Tribunal a quo ter concluído, com fundamento nas regras da prioridade estabelecidas no artigo 6.°, n.º 1 e 3 do Código de Registo Predial, que na data da escritura verificava-se verdadeiro obstáculo à sua realização, que naquela altura poderia ser temporário é certo, mas que se converteu em definitivo.
11. A falta dos A.A. à escritura afigura-se, por conseguinte, bem interpretado o artigo 6.°, n.º 1 e 3 do Código de Registo Predial, e atendendo ao teor da cláusula oitava do contrato, perfeitamente legítima não sendo exigível que os mesmos tivessem estado presentes apenas para constatar o obstáculo que então se verificava à sua realização (vd. Acórdãos do ST J e Relação do Porto que se anexam em sentido contrário).
12. Tendo a Ré, FF se apressado a vender o imóvel, mostra-se impossível, por sua culpa, o cumprimento da obrigação, tendo os A.A. direito à restituição do sinal em dobro por força do disposto nos artigos 442.°, n.º 2, 799.°, n.º 1 e 801.°, n.º 1 e 2 do Código Civil que o Tribunal a quo deveria ter aplicado e não aplicou.
13. Atendendo aos efeitos gravíssimos e sancionatórios que a «interpelação admonitória», enquanto «acto jurídico não negocial» pode causar em contratos promessa compra e venda de bens imóveis, afigura-se não ser possível aplicar por analogia o regime jurídico do artigo 224.° do Código Civil previsto para as «declarações negociais» (artigo 295.° do Código Civil, que, aliás, não foi aplicado pelo Tribunal a quo).
14. A "teoria da recepção" aplicável aos negócios jurídicos, invocada pelo Tribunal a quo, não tem sentido ou lógica para as «interpelações admonitórias», pela sua diferente natureza (ex lege vs ex voluntate), já que estas acontecem muitas das vezes anos depois do contrato celebrado, sendo injusto e contrário ao princípio da boa-fé, aplicar sanções contratuais graves à revelia de uma das partes apenas por um simples esquecimento de comunicação de alteração de morada, que para mais não estava convencionada como domicílio para efeito de notificações e resolução contratual.
15. Não podia o Tribunal a quo presumir sem mais que o A. BB foi devida e legalmente interpelado (para mais, em morada diversa do contrato) com fundamento no artigo 224." do Código Civil, não tendo sido, como não foi, feita prova alguma de que este recebeu a interpelação ou a comunicação da resolução do contrato, pois o ónus da prova era da Ré FF (artigo 342.° do Código Civil).
16. Resulta dos autos que o contrato foi celebrado em Janeiro de 1999 e que a alegada "interpelação admonitória" foi efectuada em 16 de Junho de 2005, mais de seis anos após a assinatura do contrato, cuja escritura era suposto ter sido feita em 24 meses, pelo que era perfeitamente normal, ao contrário do decidido, que o A. BB não tivesse o cuidado, passado todo aquele tempo, de actualizar a sua morada, não constando aliás do contrato que fosse, como não é, casado ou familiar da Ré AA.
17. Tendo as cartas e a citação na anterior acção sido devolvidas, a boa-fé contratual reclamava da Ré que apurasse, decorridos mais de 6 anos após a assinatura do contrato, a actual morada do A. BB a fim de o interpelar por carta registada com aviso de recepção assinado pelo destinatário ou notificação judicial avulsa, como é habitual neste tipo de contratos, tendo em conta os efeitos que se pretendem produzir.
18. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, fez assim errada interpretação do artigo 224.°, n.º 1 e 2 do Código Civil, o qual não é aplicável por analogia às interpelações admonitórias enquanto «actos jurídicos não negociais» (artigo 295.° do Código Civil).
19. Deveria, em consequência do entendimento supra referido, o Acórdão recorrido, à semelhança dos Acórdãos em sentido contrário que se anexam, ter decidido que a resolução do contrato por parte da Ré FF foi ilícita por falta de interpelação admonitória e comunicação da resolução, pelo menos ao A. BB, mostrando-se impossível, por culpa da Ré FF, o cumprimento do contrato, atribuindo aos A.A. o direito à restituição do dobro do sinal, nos termos dos artigos 442.°, n.º 2 e 801.° do Código Civil que foram violados e que deviam ter sido aplicados.
20. Finalmente, resulta dos autos, que o número fiscal que lhes foi facultado pela Ré FF em data anterior à instauração da presente acção, não correspondia ao número fiscal constante do contrato.
21. Os A.A. foram induzidos em erro pela Certidão do Registo Nacional de Pessoas Colectiva, pelo que jamais se podia concluir, como concluiu a decisão recorrida, que os A.A. actuaram com dolo ou negligência grave ao instaurarem a presente acção.
22. O comportamento processual dos A.A. não integra, assim, a previsão normativa do artigo 456.°, n.º 1 e 2, al. a) do anterior CPC que o Acórdão recorrido violou e não deveria, salvo o devido respeito, ter aplicado.”
Nas extensas contra-alegações (cfr. fls. 898 a 949) – desertas de síntese conclusiva – a recorrida, “FF – Imobiliária, S.A.” pede a manutenção do julgado.
I.B. – Questões a merecer apreciação.
Em vista dos fundamentos expandidos pelo recorrente, perfilam-se como pertinentes para a cabal cognoscência do recurso, as seguintes questões:
a) – Não conhecimento do recurso na parte atinente à condenação como litigante de má-fé;
b) – Impossibilidade de cumprimento do negócio jurídico, por impossibilidade da prestação imputável ao promitente-vendedor – artigo 801.º do Código Civil. Efeito do registo provisório nas relações entre promitente-vendedor e promitente-comprador – artigo 6.º, n.º 1 e 3 do Código Registo Predial.
c) – Interpelação admonitória. Teoria da recepção (artigo 224.º, n.º 1 e 2, ex vi do artigo 295.º, ambos do Código Civil)  
II. – FUNDAMENTAÇÃO.
II.A. – DE FACTO.
A - Autores e Réu assinaram o documento denominado “Contrato promessa de compra e venda”, constando como primeiro outorgante “DD – …, LDA., com sede na Zona Industrial do …, …, Contribuinte n.º ..., representada por CC, como Presidente do Conselho de Administração, residente na …, …, portador do Bilhete de Identidade n.º ... emitido em 29.11.1995 pelo Arquivo de Identificação do Porto, Contribuinte n.º ..., na qualidade de PROMITENTE VENDEDORA” e como segundos outorgantes os aqui réus, “na qualidade de Promitentes-compradores”.
B - No acordo referido em A) consta, além do mais o seguinte:
“ (…)
Celebram entre si o presente CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA, subordinado às cláusulas seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA
A PRIMEIRA OUTORGANTE tem por objecto a construção de imóveis e a sua venda em fracções autónomas.
CLÁUSULA SEGUNDA
A PRIMEIRA OUTORGANTE é dona e legitima proprietária de um terreno que foi submetido a um processo de loteamento que corre sob o n° 14-L/14, da Câmara Municipal de Valongo, tendo o mesmo sido aprovado em 17.11.1997, sito no Lugar de C..., da Freguesia e Concelho de Valongo.
A DD vai construir nos Lotes LCl, LC2, LC3, LC4, LC5 e LC7 do referido loteamento um empreendimento denominado “Q…”, constituído por 191 fracções destinadas à venda e respectivos lugares de garagem.
CLÁUSULA TERCEIRA
A PRIMEIRA OUTORGANTE promete vender aos SEGUNDOS, ou a quem estes indicarem, e estes prometem comprar a fracção autónoma tipo T3 do referido empreendimento, designada provisoriamente por “B 3.0”, com lugar de garagem, na cave do mesmo bloco, conforme plantas em anexo.
CLÁUSULA QUARTA
O valor da prometida venda é de Esc: 16.500.000$00 (Dezasseis milhões e quinhentos mil escudos).
CLÁUSULA QUINTA
Como sinal e princípio de pagamento os SEGUNDOS OUTORGANTES entregam nesta data à PRIMEIRA OUTORGANTE a quantia de Esc: 2.475.000$00 (Dois milhões quatrocentos e setenta e cinco mil escudos) correspondente a 15% do preço, cuja importância a PRIMEIRA OUTORGANTE declara ter recebido e de que lhe dá a correspondente quitação.
CLÁUSULA SEXTA
A restante quantia, no montante de Esc: 14.025.000$00 (Catorze milhões e vinte e cinco mil escudos), será pago pelos SEGUNDOS OUTORGANTES à PRIMEIRA da seguinte forma:
A) A titulo de reforço de sinal a quantia de Esc.:1.650.000$00 (Um milhão seiscentos e cinquenta mil escudos), ou seja 10% no prazo de 22 meses a contar da data de início, mencionada na cláusula sétima, infra.
b) A quantia de Esc.:12.375.000$00 (Doze milhões trezentos e setenta e cinco mil escudos) como pagamento total do preço no acto da outorga da escritura definitiva de compra e venda, em local, dia e hora a designar pela PRIMEIRA OUTORGANTE, por carta registada a enviar com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, após a obtenção da necessária documentação para o efeito.
CLÁUSULA SÉTIMA
O prazo máximo para a conclusão do edifício será 24 (vinte e quatro) meses após o inicio da construção, que terá lugar durante o mês de Agosto de 1998, sendo certo que a PRIMEIRA OUTORGANTE poderá marcar a escritura para a data anterior ao termo deste prazo, logo que disponha do registo da constituição de propriedade horizontal e o prédio se ache concluído, ainda que sem licença de utilização.
Parágrafo Primeiro: A DD –SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA., compromete-se a tratar de toda a documentação necessária à obtenção da licença de utilização, por forma a esta ser emitida pelas entidades competentes no prazo máximo de 1 (um) ano após a conclusão da obra.
Parágrafo Segundo: Nos prazos estabelecidos supra não se considera paragens na execução dos trabalhos por factos alheios à promitente vendedora.
CLÁUSULA OITAVA
A prometida venda é feita livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades. (…)
CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA
Em caso de simples mora ou de incumprimento definitivo do presente contrato por parte dos SEGUNDOS OUTORGANTES, a PRIMEIRA poderá resolver imediatamente e sem mais o presente contrato fazendo suas todas as quantias que até então lhe hajam sido entregues pelos SEGUNDOS OUTORGANTES ou, em alternativa e conforme bem lhe aprouver, promover a execução especifica deste contrato, nos termos da lei civil.
CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA
Em caso de simples mora ou de incumprimento definitivo do presente contrato por parte da PRIMEIRA OUTORGANTE, os SEGUNDOS poderão promover a execução específica deste contrato, nos termos da lei civil. (…)
CLÁUSULA DÉCIMA QUARTA
Feito no Porto aos 20 dias do mês de Janeiro de 1999, em dois exemplares, ambos valendo como originais, destinando-se um a cada um dos OUTORGANTES, que prescindiram, reciprocamente do reconhecimento notarial das suas assinaturas, renunciando, por consequência ao direito de invocar qualquer invalidade que de tal falta pudesse recorrer.”.
C - O Réu não é, nem era à data da celebração do acordo aludido em A), o proprietário do imóvel identificado em B).
D - Aquando da celebração do acordo aludido em A) as assinaturas constantes do acordo não foram notarialmente reconhecidas.
E - Aquando da celebração do acordo aludido em A) não foi certificado pelo notário a existência da respectiva licença de utilização ou construção.
F - Os Autores entregaram, por intermédio da sociedade de mediação imobiliária EE, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €12.345,24, através do cheque n.º …, sacado sobre a conta existente na Caixa ... com o n.º ….
DD–Sociedade Imobiliária, S.A. encontra-se matriculada na conservatória do registo comercial de ... com o n.º …, NUIPC …, constando réu CC como Presidente do Conselho de Administração.
H - Em 11.01.2000 foi averbada no respectivo registo, pela Ap. 04, a alteração da denominação social de DD–Sociedade Imobiliária, S.A. para FF–Imobiliária, S.A., mantendo-se o mesmo número de contribuinte fiscal.
I - FF–Imobiliária, S.A. enviou, para a morada constante do acordo referido A) como sendo a morada dos AA., as missivas, datadas de 15.03.2002 e 27.03.2002, constando das mesmas, além do mais, o seguinte: “(…) Reitera-se que a empresa promitente vendedora se encontra em condições de celebrar contrato definitivo, sendo possuidora de todos os documentos necessários à outorga da escritura. Com vista à marcação desta, solicita-se a V.Ex.ª que se disponibilize para isso informando-nos da data em que estará disponível para a outorgar, enviando-nos cópia do Bilhete de Identidade e do Cartão de Contribuinte Fiscal. Apesar de se encontrar previsto no contrato um reforço de sinal há muito vencido, V.Ex.ª não cumpriu.
Resta-me alertar V.Ex.ª para os efeitos de incumprimento estipulados na cláusula 11.ª do Contrato Promessa de Compra e Venda em apreço. Na ausência de acordo na marcação da escritura, seremos obrigados a recorrer à acção judicial de fixação de prazo. (…)”.
J- Em 10 de Julho de 2002 FF–Imobiliária, S.A. instaurou uma acção especial de fixação judicial de prazo contra os aqui autores, que correu termos com o n.º 9340/03.6TJPRT, no 2.º Juízo Cível do Porto, 1.ª Secção, tendente à fixação de prazo para a celebração do contrato definitivo do acordo aludido em A) e B), que a aqui autora contestou em 19.05.2003, tendo a mesma sido julgada procedente, por sentença proferida em 28.04.2005, com o seguinte dispositivo (…) julgo a acção procedente por provada e em consequência, fixo aos requeridos o prazo de 30 (trinta) dias para a celebração da prometida escritura definitiva de compra e venda da fracção autónoma acima referida–descrita no art.º 1º. da petição inicial” .
K - FF–Imobiliária, S.A. escreveu e enviou aos AA. a carta datada de 19/05/2005 sob registo, desta feita para a morada onde foi citada aos aqui Autora na acção aludida em J), cujo teor se dá como reproduzido, solicitando além do mais os aqui autores informassem, por escrito, se mantêm o propósito de não escriturar ou se se dispõem a fazê-lo.
L - FF–Imobiliária, S.A. enviou sob registo uma carta datada de 24/05/2005, para a morada constante do processo aludido em J) e K) como sendo a daqui Autora, convocando os aqui autores para a escritura pública de compra e venda, a realizar no dia 13/06/2005, pelas 14.30 horas, no Cartório Notarial de Vila do Conde.
M - Os AA. não compareceram na data, hora e local referidos em L).
N - A FF, S.A. enviou, sob registo, nova carta datada de 16/06/2005, na qual confirmava a falta dos AA. à escritura de compra e venda que havia sido marcada, fixando-lhes um prazo suplementar de 20 dias para a realização da mesma e advertindo-os de que se até 10 de Julho de 2005 não cumprissem com a obrigação de celebrar a escritura se consideraria definitivamente incumprido o contrato, com consequente perda do sinal.
O - A Autora enviou à FF, S.A. uma missiva, datada de 26.06.2005, além do mais, negando ter recebido a carta de comunicação da data da escritura, sendo já decorrido o prazo fixado por decisão judicial, mais ali expressando que, havia entretanto tomado conhecimento de que a sociedade subscritora do contrato promessa não tinha existência jurídica, e que “Assim sendo, nenhuma obrigação contratual me vincula perante V. Ex.ªs, sendo certo que o contrato sempre seria nulo por violação do disposto no artigo 410.º, n.º 3 do Código Civil, tendo eu direito à restituição do sinal prestado actualizado de acordo com o coeficiente de desvalorização da moeda” e que “Entendo, por outro lado, que, a ser válido o contrato, tenho direito a invocar a sua resolução por incumprimento do prazo estipulado, perda de interesse no negócio e impossibilidade de realização da prestação…”.
P - Por carta datada de 13/07/2005, enviada para a morada constante na missiva referida em O), a FF, S.A. comunicou àqueles que considerava o contrato resolvido por motivo que era exclusivamente imputável aos aqui autores.
Q - Encontra-se registada pela Ap. … a aquisição provisória por natureza e por dúvidas a aquisição da fracção descrita na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º … a favor de GG e HH, por compra.
R - A fracção descrita na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º … corresponde à fracção aludida no acordo A) e B).
S - Por escritura pública lavrada em 04 de Agosto de 2005 a FF, S.A. declarou vender a GG e HH, que declararam comprar, a fracção autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º ….
T - FF, S.A. fez sua a quantia referida em F).
U - O prédio identificado no acordo aludido em A) e B) foi edificado, licenciado, constituída a propriedade horizontal e deferido o respectivo alvará de licença de utilização sob o n.º …, em 27.02.2002.
V - Os Autores aquando da celebração do acordo aludido em A) e B) não pretendiam celebrar a escritura definitiva.
W - O documento escrito aludido em A) e B), que explana o acordo celebrado entre os ali outorgantes, foi elaborado e redigido por Início, sociedade de mediação imobiliária “EE–…, Ld.ª, que tem a marca “Início–resposta ao ponto 3º da base instrutória.
Y - O n.º Contribuinte ... aludido em A) foi o n.º provisório atribuído a DD–Sociedade Imobiliária, S.A. aquando do início de actividade– resposta ao ponto 4º da base instrutória.
X - Em data anterior ao envio das missivas referidas em I), a Autora AA visitou pelo menos por três ou quatro vezes a fracção aludida em B)– resposta ao ponto 5º da base instrutória.
Z - Aquando da celebração do acordo aludido em A) e B) os autores pretendiam efectuar um negócio de investimento–resposta ao ponto 7º da base instrutória.
II.B. – DE DIREITO.
II.B.1. – Litigância de Má-fé. Inviabilidade recursiva. Não conhecimento do recurso.
Insurgem-se os recorrentes contra a condenação como litigantes de má-fé, tanto na primeira como na segunda instância (embora nesta haja sido reduzido o montante da multa, de 7 UC´s para 5 UC´s), porquanto, aduzem, foram induzidos em erro na recolha do número fiscal da sociedade demandada, sendo que, tal lapso não pode configurar uma situação de mau uso processual em que as instâncias estimaram ter incorrido ao terem instaurado a presente acção.
Ainda que não sendo admissível o recurso, nesta parte, não deixará de se dizer que a lei – cfr. artigo 542.º do Código Processo Civil – faz derivar a litigância de má-fé da verificação de uma actuação e condutas contrárias a uma utilização adequada de correcta de um meio processual. Aquele que sabendo que usa um meio processual para atingir um fim contrário a um fim licito e desconforme ao direito, fazendo-o de forma intencional, usa de má-fé.

A conduta do agente processual que, sabendo que está a usar o processo para um fim processualmente reprovável e censurável ou pelo menos desconforme a um justo e arrimado objectivo jurídico-processualmente justo e leal, deve ser considerada desvaliosa e adversa a uma necessária adequação do meio processual para o direito que pretende fazer valer. A conduta do agente deve ser desvaliosa e intencional, o que vale por dizer que deve apresentar-se como contrária a um padrão de conformidade da acção ponderada, séria e honesta que qualquer sujeito processual deve adoptar como ajustado e adequado dever de agir de acordo com a juridicidade e a lei. “A má-fé processual, em sentido, (…) é toda a actividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de acção, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e especificas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pelito”. [[1]]                    

A ideia de litigância de má-fé está associada à necessidade de censura de “um comportamento inadequado à ideia de um processo justo e leal que constitui a emanação do princípio de Estado de Direito”. [[2]

Nos termos do artigo 456.º do CPC litiga com má-fé a parte que não devia ignorar que a pretensão ou defesa que deduz não tinha fundamento. “Quer dizer que a parte actuará ilicitamente se souber ou se devia saber que a sua pretensão, que atendendo aos aspectos de facto, integradores da potencial causa de pedir, que atendendo aos efeitos que deles são retirados, através da formulação do pedido, não é compatível com aquilo que o sistema dita”. [[3]]

Se se prova que a parte sabia que a sua pretensão ou defesa careciam de fundamento e que, não obstante esse conhecimento a deduziu, a parte agirá dolosamente”. “A parte, se lhe for exigível o conhecimento de facto de falta de fundamentação, ao actuar como actuou, formulando uma pretensão ou apresentando uma defesa com falta de fundamento, terá agido negligentemente, posto que só é logicamente admissível o resultado (…) se ela houver violado deveres de indagação e cuidado.”           

“A parte pratica um acto desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir devia ter observado os deveres de indagação que sobre ele impendiam; o desconhecimento da falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável”. [[4]]  
Como, no entanto, se deixou dito supra, o n.º 3 do actual artigo 542.º do Código Processo Civil (igual ao que se encontrava estatuído no n.º 3 do artigo 456.º do Código revogado), estatui que “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigante de má-fé.”
A propósito do recurso da decisão da Relação que mantém a decisão da primeira instância de condenação do recorrente (da revista) como litigante de má-fé, escreveu-se no acórdão de 13 de Novembro de 2008, relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa, que pese embora ter sido prolatado no âmbito da vigência de outro regime jusprocessual mantém a actualidade, dado que o regime, como se constata pela total verosimilidade dos preceitos em equação, se manteve inalterado no Código Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho. Para cabal esclarecimento, deixamos aqui respigada, data vénia, a parte interessante do mencionado aresto. “Estamos, no caso vertente, perante um duplo recurso sobre a matéria da litigância de má-fé, um da sentença proferida no tribunal da 1ª instância para a Relação, e o outro do acórdão da Relação para este Tribunal.
 O recorrente, apesar de estar a impugnar o acórdão da Relação, utilizou um discurso judiciário concernente a impugnação da sentença proferida no tribunal da primeira instância.
 A lei admite sempre nesta matéria um grau de recurso independentemente do valor da causa, mas não exclui a admissão de recurso do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça desde que se verifiquem os pertinentes requisitos relativos à alçada do tribunal e à sucumbência (artigos 456º, nº 3, e 678º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil).
 O recurso próprio da decisão sobre a matéria de litigância de má-fé é, naturalmente, de agravo, além do mais, porque só pode estar em causa a violação da lei de processo (artigos 691º, 733º e 740º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil).
 Como estamos no caso vertente perante um segundo grau de recurso, é inaplicável na espécie o disposto no nº 3 do artigo 456º do Código de Processo Civil, segundo o qual, relativamente à decisão que condene por litigância de má-fé, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível um grau de recurso.
 Expressa a lei que, sendo o recurso de revista o próprio, pode o recorrente alegar, além da violação da lei substantiva, a violação da lei de processo, quando desta for admitido recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil, de modo a interpor do mesmo acórdão um mesmo recurso (artigo 722º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
 Trata-se do princípio designado da unidade ou absorção, em que o recurso de revista, em razão do seu objecto essencial relativo à violação de normas jurídicas substantivas, arrasta para a sua órbita o conhecimento da violação de normas jurídicas adjectivas, próprio do recurso de agravo.
 Todavia, para o efeito, exige a lei, como condição do conhecimento da violação de normas jurídicas processuais, que a decisão da Relação sobre essa matéria seja impugnável nos termos do n.º 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil.
 A este propósito, estabelece a lei, por um lado, ser admissível recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber revista ou apelação (artigo 754º, nº 1, do Código de Processo Civil).
 E, por outro, não ser admissível recurso de agravo do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme (artigo 754º, nº 2, do Código de Processo Civil).
 Ora, estamos no caso vertente perante um segmento decisório de um acórdão da Relação que conheceu de um segmento decisório da sentença proferida no tribunal da 1ª instância que condenou o recorrente em multa e indemnização à recorrida por litigância de má-fé.
 O referido segmento decisório não se integra na excepção à proibição da admissibilidade de recurso a que se reporta o nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil.
 Em consequência, não pode este Tribunal, no recurso de revista, em matéria de natureza processual, conhecer da parte da decisão proferida pela Relação de manutenção da parte da sentença proferida no tribunal da 1ª instância relativa à condenação do recorrente no pagamento de multa e indemnização por litigância de má-fé.” [[5]]
Tratando-se, como se trata, de recurso de revista interposto de decisão que manteve a decisão condenatória por litigância de má-fé do recorrente, em aviso do disposto no n.º 3 do artigo 542.º do Código Processo Civil, não será admissível, dado não se verificar nenhum dos pressupostos contidos no n.º 2 do artigo 629.º do mesmo livro de leis (a que correspondia o n.º 2 do artigo 678.º do Código Processo Civil abrogado).
II.B.2. – Impossibilidade de cumprimento do negócio jurídico, por impossibilidade da prestação imputável ao promitente-vendedor – artigo 801.º do Código Civil. Efeito do registo provisório nas relações entre promitente-vendedor e promitente-comprador – artigo 6.º, n.º 1 e 3 do Código Registo Predial.

Ao acordo ou convenção (bilateral ou unilateral) mediante o qual alguém cria a obrigação de emitir uma declaração de vontade correspondente a um negócio jurídico futuro, define-o a lei – cfr. artigo 410.º, n.º 1 do Código Civil – como um contrato-promessa. [[6]] Da convenção ou acordo estabelecido, nesses termos, decorre uma obrigação de celebrar um contrato a que pode ser atribuída eficácia real (compra e venda, trespasse, cessão de quotas, etc.) ou meramente obrigacional (locação e cessão de exploração, por exemplo).

Segundo o princípio da equiparação ou da correspondência ao contrato-promessa aplicam-se as mesmas regras (requisitos e efeitos) do contrato prometido ou definitivo [[7]], destacando-se, no entanto, deste pelo regime específico e próprio atinente ao sinal, quando ele tenha sido constituído, mais concretamente no plano do sancionamento, adveniente do não cumprimento, que daí decorre para os contraentes faltosos. Quando se verifique uma situação de incumprimento imputável a quem prestou o sinal, permite a lei que aquele que o recebeu o faça seu e, ao invés, verificando-se o incumprimento definitivo da parte de quem o recebeu, confere a quem o prestou a faculdade de exigir o dobro do que tiver prestado – cfr. artigos 441.º e 442.º, n.º 2 do Código Civil.

Anotar-se-á que só o incumprimento definitivo e culposo comina o regime previsto no artigo 442.º, n.º 2 do Código Civil, não se bastando a lei com uma situação de retardamento ou incumprimento para além do tempo de cumprimento da obrigação, ou seja da ocorrência de mora de qualquer dos contraentes, tal como acontece com a generalidade dos contratos. [[8]]

A resolução surge como um remédio para uma perturbação da estabilidade contratual e como forma de evitar efeitos perversos nos interesses postos em jogo através da convenção contratual querida e assumida pelos intervenientes na relação contratual. Proença Brandão define resolução “[como] poder unilateral de extinguir um contrato válido em virtude de circunstâncias (subjectivas e objectivas) posteriores á sua conclusão e frustrantes do interesse de execução contratual ou desequilibradoras da relação de equivalência económica entre as prestações.” [[9]/[10]] Como estrutura negocial, a resolução surge como uma faculdade, integrando, normalmente, uma declaração extrajudicial não sujeita a qualquer formalidade (artigos 436.º e 224.º do Código Civil). A resolução de um vínculo contratual pode ocorrer por convenção ou vontade das partes e/ou fundada na lei – cfr. artigo 432.º, n.º 1 do Código Civil. [[11]]

O quadro dogmático em que deve ser encontrada a resposta à questão do erro do negócio jurídico são por um lado a autonomia privada que “determina a desconsideração de uma vontade que não seja perfeita e esclarecida” e a tutela da confiança que “exige a subsistência de efeitos, ainda que originados numa vontade deficiente, se essa vontade foi objecto de crédito que preencha os critérios da protecção jurídica.” [[12]]    

Para além das situações em que a lei prevê especialmente a possibilidade de uma das partes resolver o contrato – cfr. a título de exemplo os artigos 437.º (alteração anormal das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar); 891.º (Compra e venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição); 966.º (doação); 1140.º (comodato); 1150.º (mútuo); 2248.º (resolução de disposição testamentária) – a resolução pode ser accionada quando um contraente deixe, definitiva e culposamente, de cumprir a prestação a que estava adstrito – cfr. artigos 798.º e 801.º, n.º 2 do Código Civil.

A simples mora não confere ao contraente fiel o direito (potestativo) de pedir a resolução do contrato, mas tão só o direito de pedir a reparação dos prejuízos que o retardamento causou ao credor – cfr. artigo 804.º, n.º 1 do Código Civil. [[13]]

Dependendo o exercício do direito à resolução da ponderação de interesses terá que existir uma adequação entre a eficácia extintiva da figura e os pressupostos/limites que conformam o instituto. “Paradigma do fundamento resolutivo é o incumprimento superveniente, culposo, total ou parcial, traduzido na falta definitiva de cumprimento (por impossibilidade ou recusa de cumprimento) dos deveres de prestação e certos deveres de conduta tidos por relevantes no contexto contratual.” “Essa exigência de um fundamento importante, de um fundamental breach, na linguagem anglo-saxónica, isto é de um incumprimento com determinada gravidade (apreciada sobretudo pela intensidade da possível culpa, pela amplitude, pelas consequências o reiteração da violação e, portanto, em função do todo da relação contratual) está em sintonia com a finalidade do instituto da resolução (ratio extrema ou ultima ratio) e permite submeter a figura a um controlo axiológico balizado pela boa-fé e, mais concretamente, pelo abuso do seu exercício perante um incumprimento insignificante, pouco prejudicial, ou alegando o credor mera conveniência pessoal ou um aproveitamento das circunstâncias. [Há] que valorar a natureza do dever violado (podemos estar perante um dever principal ou um dever acessório impeditivo do cumprimento do principal, um dever de prestação sujeito a um termo essencial ou absolutamente fixo, um dever lateral importante, etc.), a forma como se manifesta (estamos a pensar na recusa intencional, clara e inequívoca de cumprimento manifestada por um dos contraentes) tudo em ordem à afectação negativa da substância do contrato e a fundar, enquanto causa adequada, a pretendida ou declarada cessação negocial.” [[14]]

Para Baptista Machado “[O] incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem: a) O incumprimento definitivo, propriamente dito; b) A impossibilidade de cumprimento; c) A conversão da mora em incumprimento definitivo – art. 808.º, nº1, do C. Civil; d) A declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não; e) E, talvez ainda, o cumprimento defeituoso.” [[15]]

O sistema jurídico inglês consolidou a ideia de que são três as modalidades de incumprimento que podem dar lugar à resolução: “a renúncia ou negativa (renunciation ou repudiation); a impossibilidade imputável ao devedor (impossibilkity by his own act or default) e o que poderíamos chamar incumprimento substancial (substantial failure to perform)”. [[16]]

Para que ocorra uma situação transformadora da situação jurídica estabelecida num contrato, a lei exige a eclosão de um estado patológico da relação contratual que torna impossível a continuação do sinalagma que se havia estabelecido entre os sujeitos da relação contratual. Não basta, portanto, um estado subjectivo paralisante da relação, mas, outrossim, que o nível ou grau de incumprimento de uma das partes seja de tal modo relevante e influente na relação jurídica que torne inviável e invadeável a sua manutenção, ou seja uma “substantial failure to perform”.   

Não colhe dicotomia/binómio que durante algum tempo vingou na jurisprudência espanhola [[17]] “una voluntad  deliberadamente rebelde al incumplimiento”/”, “un facto obstativo que de modo absoluto, definitvo e irreformable impida el incumplimiento”, sendo que nos parece ser de acolher a doutrina que acabou por se firmar como definitiva, qual seja a de aceitar uma causa aceitável e juridicamente relevante de uma faculdade resolutiva “um dado objectivo da injustificada falta de cumprimento, sempre que tenha a entidade suficiente para motivar a frustração do fim do contrato.” [[18]]    

Queda definitivamente aceite que para que um sujeito da relação contratual possa usar da faculdade de resolver um contrato se torna imprescindível e invadeável que exista uma razão substancialmente idónea e inconsútil para que a relação contratual não possa prosseguir, ou pelo menos manter-se nos termos em que tinha sido consolidada por vontade liberta das partes.   
Estabelecida, em termos necessariamente sumários, o regime da figura da resolução do contrato, importará para a economia do recurso, modelar os contornos em que se movimenta o regime do registo predial, como forma de publicitação dos actos jurídicos que devam ser objecto de notoriedade como forma de acautelar os direitos estabelecidos entre os sujeitos de uma relação jurídica a que devam ser atribuídos determinados efeitos ou consequências nas respectivas esferas patrimoniais.
Reiteram os recorrentes para este Supremo Tribunal a argumentação que já haviam expendido na apelação relativamente à impossibilidade objectiva de concretização do contrato-promessa, dado que a tal o impediria o regime de prioridade imposta no artigo 6.º do Código de Registo Predial.

Cabe anotar, antes de nos adentrarmos na problemática dos efeitos do registo no tipo de contrato-promessa que aqui nos ocupa – contrato-promessa com efeito meramente obrigacional – que “o direito do promissário adquirente, classificado na doutrina tradicional como um direito de crédito – o direito a exigir a celebração do contrato prometido – se enquadra no conceito de iura ad rem, pois goza de eficácia especial, na medida em que, sendo susceptível de execução específica, consiste numa fase de formação de um direito real, o qual se constitui, no momento em que o tribunal supre a declaração do faltoso, e sem a cooperação do devedor.[19]]        

O mecanismo do registo foi configurado pelo legislador em dois tempos, sendo o primeiro momento o registo da acção, como registo provisório da sentença, e o segundo momento, que vem completar o anterior, o registo da sentença constitutiva (art. 6.º, n.º 3 do CRPredial), de eficácia ex nunc.” [20]]     
Estatui o artigo 6.º do Código de Registo Predial que: “o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes.

No estudo que efectuou sobre a natureza, fins e efeitos do registo provisório, Mónica Jardim, depois de analisar a posição jurisprudencial advogada nos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Maio de 2001 e 25 de Junho de 2002, estimou que (sic): “(…) consideramos que o registo provisório de aquisição se traduz numa reserva de prioridade própria e que o legislador, através dele, permite que o titular registal inscrito, que pretenda alienar o seu direito apenas no futuro, limite a eficácia substantiva de actos posteriores que se revelem incompatíveis, com o direito que virá a nascer na esfera jurídica daquele a favor de quem é feita a inscrição provisória, ficando, por isso, desde logo, privado dos benefícios inerentes à sua posição registal, em proveito do futuro adquirente. Não obstante, deve entender-se que tal limitação apenas opera em face de posteriores direitos incompatíveis que assentem em título dispositivo proveniente do titular inscrito, não assegurando, portanto, o futuro adquirente em face de actos praticados por terceiros contra o titular do registo definitivo (v. g., arresto, penhora ou apreensão em processo de falência), já que não é razoável supor que o legislador tenha pretendido atribuir ao titular registal inscrito a possibilidade de limitar a eficácia substantiva de uma eventual e futura actuação legítima de um terceiro.

Entendemos que esta é a interpretação mais conforme ao preceituado no art. 9.º do C.C. segundo o qual: "a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em- conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada." [[21]/[22]]
Em 8 de Junho de 2005, a demandada//interveniente, “FF – Imobilária, S.A.”, requereu, a favor de GG e HH, o registo da fracção autónoma designada pela letra “B”, pelo preço de € 77.500,00 – cfr. fls. 242 e 243.
Com este registo, a que foi atribuída a natureza de provisória, por dúvidas, o declarado pretendente vendedor terá pretendido, nas palavras de Mónica Jardim, efectuar uma ““reserva de lugar”, uma salvaguarda de prioridade condicionada à futura realização do contrato produtor de efeitos reais.” [[23]]  
O documento junto aos autos não refere qual o negócio-causa – ou se existiu qualquer negócio causal – que impulsionou o estabelecimento a favor de um individuo o registo relativo a uma fracção, limitando-se o apresentante a declarar que pretendia vender a fracção cujo registo requestou aos indivíduos a favor de quem o registo era constituído.
O registo provisório de aquisição, antes de titulado o negócio, pode ser feito, nos termos do artigo 47.º, n.º 1 e 3 do Código do Registo Predial (CRP): a) com base em declaração do proprietário inscrito ou do titular do direito (com assinatura reconhecida presencialmente – cfr. n.º 2 do citado preceito); ou b) com base em contrato-promessa de alienação – cfr. n.º 3 do citado preceito. [[24]]
Efectuado o registo provisório de aquisição a situação decorrente da sua provisoriedade poderá ser removida, abrogada ou ultrapassada: pela sua conversão em definitivo; pela caducidade do registo; ou pelo seu cancelamento. A definitividade do registo alcança-se se o titular inscrito lograr a consecução da aquisição do bem objecto de registo, por exemplo através da realização de um negócio que consiga a transmissão efectiva da dominialidade do bem para a sua esfera jurídica, v. g. por ser o mais comum, através de contrato de compra e venda. 
O registo provisório tem como efeito, no dizer de Lopes Cardoso, citado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Janeiro de 2009, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos, [[25]] “o primeiro efeito da inscrição provisória é o seguinte: o registo provisório por sua natureza ou por dúvidas, quando convertido em definitivo conserva a ordem de prioridade que tinha como provisório [cfr. nº3 do artigo 6º do C.R.P.] (...)].
Este efeito recomenda o registo provisório como garantia dos direitos dos registantes, que, por via dele, ficam acautelados contra as alienações da propriedade ou contra os encargos que, futuramente, os proprietários possam constituir sobre os prédios”.
Ensina Henrique Mesquita, em relação à promessa de alienação com eficácia real: “Por efeito da promessa, o respectivo beneficiário é apenas titular de um direito de natureza creditória: o direito de exigir do promitente a celebração do contrato definitivo, podendo conseguir esse resultado através da execução específica, nos termos do artigo 830º [do Código Civil].
Encontrando-se, porém, tal direito inscrito no registo, torna-se, por essa via, oponível a terceiros.
O registo não modifica a natureza do direito inscrito: apenas lhe amplia os efeitos.
Sendo este o efeito do registo provisório, nada impedia o promitente-vendedor, neste caso a interveniente, de dentro do prazo em que vigorava a provisoriedade vender a fracção a terceiro, e operando essa venda através de escritura translativa de propriedade – v. g. compra e venda – o registo que fosse efectuado desse contrato operaria a caducidade do registo provisório de aquisição que constasse a favor de um terceiro. [[26]]
O contrato-promessa celebrado entre a promitente-vendedora e a demandante, tem efeito meramente obrigacional e não foi sujeito a registo, ainda que, nos termos do clausulado no contrato-promessa, fosse possível recorrer à execução específica.
A recorrente, recorde-se, já tinha sido, através de processo de fixação judicial de prazo, cominada a comparecer em oficina pública com o fim de celebrar o contrato definitivo, não o tendo feito, e depois disso foi interpelada, por diversas vezes, para marcar data para firmar o contrato de compra e venda.
A recorrente descurou totalmente qualquer vantagem que lhe pudesse advir do mecanismo registral, e instada a cumprir a obrigação, através dos meios legalmente aptos, distratou a sua obrigação.
Quando propôs a acção, se estivesse interessada na realização do negócio jurídico, a demandante/recorrente ainda o poderia ter feito, mesmo estando registado um direito de aquisição a favor de terceiro, bastando-lhe para tanto propor acção de execução especifica e proceder ao seu registo. Com este procedimento – propositura da acção e registo da acção – a promitente-compradora adquiria prioridade e oponibilidade perante o terceiro adquirente. O registo da acção de execução específica, ainda que o contrato-promessa não possuísse eficácia real, prevaleceria perante o direito de aquisição de terceiro, sendo-lhe oponível. [[27]]
A promessa de venda não era impossível até ao momento em que a promitente-vendedora alienou o imóvel a terceiro, em Agosto de 2005. Ao invés, teria sido se a recorrente o desejasse e tivesse recorrido, como o contrato lhe permitia, à execução específica e ao sequente registo desta acção.                   
No caso concreto, e como vem avonde referido na decisão recorrida, a recorrente poderia, se quisesse e estivesse interessada, em celebrar o contrato prometido, dado que como se refere na decisão recorrida (sic): “(…) na hipótese de a Ré FF, SA poder, de facto, proceder também à venda do imóvel em questão aos citados promitentes-compradores, GG e HH, sem que o registo provisório tivesse caducado, nunca a regra da prioridade do registo, plasmada no citado artigo 6.º, nº 3 os podia favorecer, se os Autores tivessem celebrado a escritura pública de compra e venda para que foram convocados e procedessem ao registo de aquisição.
A impossibilidade legal de os Autores celebrarem o contrato definitivo de compra e venda, apenas ocorreu a partir do dia 04 de Agosto de 2005, altura em que a promitente-vendedora vendeu aquela fracção a GG e HH.”
 Aliás, a promitente-compradora, ainda que não munida de registo provisório, se estivesse interessada na realização do negócio prometido, poderia promover a execução especifica do contrato-promessa – cfr. cláusula décima segunda do mencionado contrato-promessa. Com este procedimento a promitente-compradora ilaquearia a possibilidade de o registo provisório efectuado a favor dos titulares inscritos se transformasse em definitivo, invalidando a prioridade que a primeva inscrição que conferia.
Nada impediria, portanto, que a promitente-vendedora efectuasse a escritura pública de venda da fracção prometida vender, dentro do prazo de provisoriedade do registo provisório de aquisição, dado que o registo que viesse a ser efectivado por virtude do contrato de compra e venda definitivo se tornaria definitivo, operando ipso facto a caducidade do registo provisório que havia sido inscrito a favor de GG e HH. [[28]]
Diversamente do caso decidido no acórdão de 26 de Junho de 2006, no caso em apreço não estamos perante um registo de arresto que entronca ou embate com um registo anterior de aquisição, mas sim de um registo definitivo efectuado pelo vendedor – que também seria o vendedor da fracção aos promitentes-compradores – em resultado de um contrato de compra e venda (definitivo, portanto). Tratando-se de registos incompatíveis, na sua natureza – um provisório e outro definitivo – a regra a estabelecer não poderia deixar de ser, a caducidade do registo provisório, por incompatibilidade funcional e técnica, com o registo definitivo que sobreviria e suplantaria a situação de provisoriedade do registo de aquisição.       
O registo provisório não impedia a realização do contrato definitivo entre a promitente-compradora e o promitente-vendedor, pelo que não existia impossibilidade objectiva ou subjectiva para a celebração da escritura para que haviam sido, admonitoriamente, convocados.  
Não tendo o registo, que os recorrentes consideram impeditivo da realização do contrato prometido, eficácia real, mas tratando-se de um registo meramente provisório, itera-se, não estavam os promitentes-compradores impedidos, se estivessem interessados, em executar o contrato-promessa, de lançar mão da acção para execução específica ou mesmo de interpelar (admonitoriamente) a promitente-vendedora para outorgar no contrato prometido, para momento anterior ao termino do prazo da provisoriedade do registo de aquisição. A provisoriedade do registo não impedia qualquer das indicadas vias.
Acresce que, no caso, se reverbera um manifesto abuso de direito, por se reputar o comportamento dos recorrentes ser contrário à boa-fé que deve reger uma relação contratual.
Ainda assim, vinca-se, não será por este fundamento, que descartamos pela subsistência dos fundamentos relativos à situação jurídico-registral, esta sim axial e decisiva para o julgamento negativo da pretensão dos recorrentes.        
II.B.2. – Interpelação admonitória. Teoria da recepção (artigo 224.º, n.º 1 e 2 ex vi do artigo 295.º, ambos do Código Civil).
Para os demandantes, (sic): “atendendo aos efeitos gravíssimos e sancionatórios que a «interpelação admonitória», enquanto «acto jurídico não negocial» pode causar em contratos promessa compra e venda de bens imóveis, afigura-se não ser possível aplicar por analogia o regime jurídico do artigo 224.° do Código Civil previsto para as «declarações negociais» (artigo 295.° do Código Civil, que, aliás, não foi aplicado pelo Tribunal a quo), dado que, “a "teoria da recepção" aplicável aos negócios jurídicos, invocada pelo Tribunal a quo, não tem sentido ou lógica para as «interpelações admonitórias», pela sua diferente natureza (ex lege vs ex voluntate)”, já que “não podia o Tribunal a quo presumir sem mais que o A. BB foi devida e legalmente interpelado (para mais, em morada diversa do contrato) com fundamento no artigo 224." do Código Civil, não tendo sido, como não foi, feita prova alguma de que este recebeu a interpelação ou a comunicação da resolução do contrato, pois o ónus da prova era da Ré FF (artigo 342.° do Código Civil), pelo que “deveria, em consequência do entendimento supra referido, o Acórdão recorrido, (…) ter decidido que a resolução do contrato por parte da Ré FF foi ilícita por falta de interpelação admonitória e comunicação da resolução, pelo menos ao A. BB, mostrando-se impossível, por culpa da Ré FF, o cumprimento do contrato, atribuindo aos A.A. o direito à restituição do dobro do sinal, nos termos dos artigos 442.°, n.º 2 e 801.º do Código Civil que foram violados e que deviam ter sido aplicados.
Em leais e lhanas contas, os demandantes pretendem repreender a decisão recorrida por esta ter adoptado a teoria da recepção, consignada no artigo 224.º do Código Civil, ao caso presente, pois que o demandante BB nunca teria sido notificado para os fins para que as missivas da demandada o convocavam.
Por economia de meios, e porque a recensão processual efectuada na decisão recorrida se acomoda e congraça com os passos processuais adquiridos no processo, nada como reproduzi-la na sua versão autóctone.
Assim, “fazendo o cotejo da factualidade apurada e, bem assim do teor do contrato-promessa celebrado junto aos autos a fls. 6 a 11, a Autora AA e o Autor BB indicaram nele residirem na mesma morada, mais concretamente, na Praceta … n.º … Hab. …, Porto.
A promitente-vendedora remeteu para ambos os Autores as cartas datadas, respectivamente, de 15/03/2002 e 27/03/2002, para aquela morada, mas estas foram devolvidas.
Acontece que, pese embora tal devolução verifica-se do teor da certidão junta aos autos a fls. 178 a 220, que tendo a promitente-vendedora instaurado acção especial para fixação judicial de prazo contra os aqui Autores, indicou como residência de ambos a morada que por eles tinha sido indicada no contrato-promessa, sendo que, aí não foram citados.
 Todavia, tendo a ali Ré AA, sido citada para os termos daquela acção, não na morada indicada no contrato promessa, mas naquela para a qual a promitente-vendedora veio a enviar as ulteriores cartas datadas, respectivamente, de 19/05/2005, 24/05/2005, 16/06/2005 e 29/06/2005 (cfr. alíneas K a O da matéria apurada), endereçadas a ambos os Autores, forçoso é concluir que a boa-fé contratual reclamava, face ao quadro factual, que a promitente vendedora tivesse enviado, como enviou, aquelas cartas, não para a morada que os Autores indicaram naquele contrato-promessa como sendo a residência de ambos, mas para a morada onde a Autora AA foi citada para os termos daquela acção judicial.
Na verdade, tendo-se frustrado a citação de ambos os Autores no âmbito daquela acção judicial na referida morada indicada no contrato-promessa, era licito à Ré FF, SA, como ao comum do cidadão, extrair a ilação de que os Autores já ali não residiam, mas antes na morada onde a AA fora citada para os termos daquela acção.
Por outro lado, tendo os Autores AA Autor BB indicado, no contrato-promessa que celebraram, residirem na mesma morada, evidentemente que era legítimo à promitente-vendedora “FF” concluir, como concluiu, que ambos os Autores residiam, efectivamente, na mesma morada onde aquela AA fora citada para os termos daquela acção especial para fixação judicial de prazo e que, por conseguinte, tivesse enviado, como enviou, para essa morada as referidas cartas, as quais, de resto, foram sempre endereçadas a ambos os promitentes-compradores, ou seja, a ambos os aqui Autores para a referida morada, sem que, nas ulteriores respostas que se vieram a verificar, a Autora AA tivesse dito algo em contrário.
Como assim, se entretanto, a Autora AA mudou de residência e já não residia, como pretende não residir, na morada para onde foram remetidas as cartas datadas de 19 de Maio e de 24 de Maio de 2005, endereçadas, reafirma-se, para ambos os Autores, e, bem assim, se o Autor BB nunca residiu naquela morada, aquando do envio das mesmas pela promitente-vendedora, evidentemente que a não recepção daquelas cartas lhes é, única e exclusivamente imputável.
Desde logo, ao Autor BB, porque ao declarar, como declarou, no contrato-promessa que celebrou com a promitente-vendedora, a fls. 7, que tinha a mesma residência da Autora AA, não cuidou em informar a promitente vendedora da eventual alteração da sua morada logo que tal se verificou e, à Autora AA, porque para além de não ter o cuidado em comunicar à promitente-vendedora a alteração da morada que indicou no contrato-promessa celebrado, uma vez citada para os termos daquela acção especial para fixação de prazo na nova morada, caso dela se tivesse mudado, como afirma ter acontecido, não cuidou em indicar à promitente-vendedora esta nova alteração de morada para que pudesse nela ser contactada.
Uma declaração de vontade negocial, depois de ser estruturado e consolidada, objectivamente, nos termos dos artigos 217.º e 218.º do Código Civil – de forma expressa, tácita ou mediante o silêncio – tem de conformar um elemento subjectivo que se traduz numa vontade de acção, numa vontade (de consciência) da declaração e numa vontade negocial. [[29]/[30]]  
Para que uma declaração de vontade, válida e eficazmente expressa, se perfeccione é mister que ela cheque ao contacto do destinatário, isto é, daquele a quem a vontade é dirigida e onde pretende obter o efeito para que tende, “na verdade uma declaração negocial não é apenas o seu conteúdo, de acordo com o modo em que a vontade se manifesta, ou a sua forma, observada por vontade da lei ou convenção, mas ainda o momento da sua eficácia (ou perfeição) antecedido, por seu lado, ainda pelo momento de emissão. Ao aspecto estrutural junta-se um elemento temporal: o desenvolvimento da declaração no tempo.” 
Segundo Heinrich Hörster, “o momento da eficácia tem relevância sob três aspectos: em primeiro lugar esclarece se uma declaração foi feita tempestivamente ou não; em segundo lugar, determina a parte que arca com o risco de uma transmissão errada da declaração ao separar, no decurso temporal, as esferas de poder do declarante e do declaratário para as declarações receptícias; em terceiro lugar, determina o momento a partir do qual o declarante fica vinculado à sua declaração, o que tem importância para a conclusão do contrato e a correspondente transferência de direitos reais e do risco do perecimento ou deterioração da coisa, ou para a data a partir da qual correm os prazos da sua anulação.” [[31]]             
As fases por que uma declaração negocial pode transcorrer enuncia-as este autor, em: “1.º exteriorização, quando a declaração é formulada ou manifestada, exprimindo o declarante a sua vontade; 2.º a expedição, quando a declaração, depois de exteriorizada, é expedida pelo declarante (…); 3.º a recepção, quando a declaração chega ao poder do seu destinatário ou declaratário em termos que, normalmente, lhe permitem tomar conhecimento do seu conteúdo (entrada na esfera do poder do declaratário); 4.º o conhecimento, quando o destinatário ou declaratário toma, de facto, conhecimento da declaração que lhe foi dirigida. [[32]]        
Tratando-se de uma declaração receptícia (ou recipienda) – aquela que se dirige a um destinatário – torna-se necessário, para que se torne eficaz, que, nos termos do artigo 224.º do Código Civil, chegue ao seu poder ou seja dele conhecida. “Consequentemente, esta solução legal dá relevância jurídica, no sentido de originar a perfeição da declaração negocial, àquele pressuposto que se verifica primeiro, combinando esta teoria da recepção (… logo que chega ao poder) com a teoria do conhecimento (… logo que … é dele conhecida”). Por via de regra as declarações receptícias feitas por escrito ganham eficácia jogo no momento da chegada ao poder, enquanto declarações verbais dirigidas a um presente necessitam sempre da tomada do conhecimento por parte do destinatário.” [[33]]         
Enfatiza este autor que “no que diz respeito à conjugação dos dois critérios da chegada ao poder e do conhecimento, convém dizer que no caso da verificação da chegada ao poder não se exige conhecimento efectivo por parte do destinatário. A lei parte da situação regular e normal de que, com a chegada ao poder, o destinatário (o declaratário) está em condições de tomar conhecimento e que ele toma conhecimento. O saber se a chegada ao poder conduz realmente a uma situação, suposta ma lei, que permite o conhecimento efectivo, determina-se em conformidade com as concepções reinantes no tráfico jurídico para os negócios em causa.” [[34]/[35]]       
Ancorados nesta doutrina, que reputamos ser a que melhor interpreta e dá expressão prática à teoria da recepção, contida no artigo 224.º do Código Civil, temos que, como vem, aliás, assinalado na decisão sob escrutínio, os promitentes-compradores declararam expressamente, no contrato-promessa, que a sua morada – presumindo-se, ou devendo presumir-se, segundo uma regra de confiança e boa-fé jurídico-relacional que as comunicações a estabelecer entre os contraentes deveriam ser endereçadas para essa morada – era aquela que constava do referido contrato.
As relações contratuais devem ser estabelecidas numa base de boa-fé recíproca e de mútua confiança o que importa que quando se declara, num documento que consigna uma declaração de vontade expressa, uma morada fica adquirido/instituído, para o futuro das comunicações que hajam de ser estabelecidas entre os sujeitos da relação contratual, que cada um se compromete a receber as respectivas declarações/comunicações que, reciprocamente, lhe hajam de ser dirigidas. Exige o princípio de boa-fé contratual que, se no decurso/desenvolvimento da relação contratual, algum dos contraentes alterar a morada ou endereço, inicialmente, declarada o comunique ao outro para efeitos de este passar a dirigir a comunicações relevantes à relação contratual, para a nova morada.
Esta obrigação de comunicação de alteração da morada embasa no princípio de boa-fé, mas também na necessidade de salvaguarda os interesses (previsíveis e futuros) de cada um dos sujeitos da relação jurídica. Na verdade, quando se pactua um acordo entre dois sujeitos importa acautelar uma previsível estabilidade da posição de cada um dos envolvidos na relação, de modo a que cada um possa, com algum grau ou nível de previsibilidade, saber como pode comunicar e estabelecer contacto com o outro de modo a dar-lhe conhecimento do desenvolvimento do contrato.
No caso em apreço, tratando-se de um contrato-promessa, isto é, uma obrigação de contratar no futuro, torna-se essencial que os contraentes mantenham entre si uma relação comunicacional actual, do ponto de vista da actualidade os contactos por forma a permitir, como é o caso do vendedor que, de ordinário, fica obrigado a reunir os elementos necessários à efectivação da escritura definitiva, contactar o promitente-vendedor. Para o efeito, neste tipo de contratos, em que a realização/efectivação do contrato futuro/definitivo fica dependente de comunicações regulares e relevantes para efeito da concreção os termos do contrato, torna-se determinante que cada um dos sujeitos da relação contratual mantenha o outro actualizado quanto à sua morada. Só desta parte cumpre a parte do acordo em que se dispõe a realizar no futuro o contrato prometido.
No caso concreto, malgrado o tempo que mediou ou esteve jacente o contrato-promessa, nada habilitava os promitentes-compradores – a menos que estivessem na disposição de romper com a relação contratual – a não comunicarem à promitente- vendedora qualquer alteração da morada que tinham fixado no contrato-promessa. A estabilidade da morada adquirida para a relação contratual permitia o normal desenvolvimento da relação contratual e constituía-se como o pérvio caminho para a comunicação que teria que ser, necessariamente, entre os elementos da relação contratual.
Diferentemente do que pretendem os recorrentes, a relação contratual – na sua vertente perfeccionista, ou seja de perfeição do vínculo contratual estabelecido mediante o contrato-promessa – impunha à promitente-vendedora a comunicação, pela forma como o fez, da sua vontade em concretizar os termos do contrato que se comprometera a celebrar com os promitentes-compradores. Isto é, a promitente-vendedora endereçou as comunicações exprimindo a sua vontade para o endereço imutado que os promitentes-compradores tinham estabelecido. A sua recepção por qualquer dos promitentes-compradores teria que ter o efeito de “chegada ao poder” de ambos os contraentes e logo de “chegada ao conhecimento”, de que ambos deveriam ter assumido.
A aplicação da teoria da recepção, na sua vertente de perfeição da recepção da vontade de declarante, não pode deixar de ter aplicação a caso vertente, pelo que carece de sentido a alegação de não aplicabilidade efectuada na alegação de recurso.
Falece e soçobra, com o perecimento deste fundamento, toda a fundamentação recursiva com que os recorrentes preitearam a decisão recorrida, que, em consequência, será de manter.        

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção, do Supremo Tribunal de Justiça, em:
- Não tomar conhecimento do recurso na parte respeitante à impugnação da decisão do tribunal de apelação concernente à litigância de má-fé.
- Negar a revista;
- Condenar os recorrentes nas custas.


 Lisboa, 11 de Fevereiro de 2015

                                              
Gabriel Catarino (Relator)                                           
                  
Maria Clara Sottomayor   
                 
Sebastião Póvoas

_________________________
[1] Cfr. Cecília Silva Ribeiro, “Do dolo geral e do dolo instrumental em especial no processo civil”; ROA, ano 9, págs.83-113, citada por Paula Costa Ribeiro, in “A Litigância de Má Fé”, Coimbra Editora, 2008, pag. 389.   
[2] Cfr. Ac. do STJ de 13 de Março de 2008, in www.stj.pt.
[3] Cfr. op. loc. cit. (“A Litigância de má fé”), pág. 392.
[4] Cfr. op. loc. cit. Pág.394.
[5] No mesmo sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 8-10-2008.
[6] Cfr. Calvão Silva, João, in “Sinal e Contrato-Promessa”, Almedina, 2010, 13.ª edição, pág. 19. “Do contrato-promessa nasce uma obrigação de prestação de facto positivo, consistente na emissão de uma declaração negocial, a declaração de vontade correspondente a um outro negócio cuja futura realização pretendem assegurar, chamado negócio prometido ou negócio definitivo.”
[7]O contrato-promessa deve definir ou fixar os pontos sem os quais o contrato definitivo, se imediatamente concluído, seria inválido por indeterminidade ou indeterminabilidade do objecto” – cfr. Calvão Silva, João, in op. loc. cit. pág. 30.
[8] Cfr. neste sentido os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 22.11.2001, de 19.03.2002, de 15.10.2002, , de 25.02.2003, proc. 03A200 e de 07.03.2006, todos in www.dgsi.pt/jstj.
[9] Cfr. Brandão Proença, José Carlos, in “Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações”, Coimbra Editora, 2011, pág. 288. “A resolução, enquanto poder dispositivo do contraente legitimado, procura tutelar, na fase de cumprimento, essa conexão entre as prestações, essa relação de proporcionalidade (que também está na génese da excepção de não cumprimento), ao mesmo tempo que surge ligada a eventos objectivos não neutros (por ex. a insolvência) ou ao significado da perda de confiança, com inexigibilidade de manutenção vinculativa, por violação dos deveres de conduta arvorados a deveres fundamentais”. Ou noutra versão do mesmo autor in “A resolução do Contrato no Direito Civil – Do enquadramento e do regime”, Coimbra Editora, (Reimpressão), 2006, pág. 74 “[a] resolução nos surge como o poder unilateral de extinguir um contrato (maxime bilateral) válido, em virtude de circunstâncias posteriores à sua conclusão e frustrantes (o facto subjectivo de um certo incumprimento) do interesse na execução contratual ou desequilibradoras (o facto objectivo de uma anómala alteração ou a não verificação das condições contratuais pressupostas) da relação de equivalência económica entre as prestações e desencadeando uma normal “liquidação” retroactiva”. Vide ainda Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, pág. 242 e Pessoa Jorge, in “Direito das Obrigações”, págs. 211 e 647 (a rescisão como vontade vinculada apta a “sanar” uma “inexecução ilícita”).  
No direito alemão a resolução “[es] hoy concebida com un remedio al incumplimiento que opera una transformación del contrato, extinguiendo con efectos ex nunc, es decir, en el momento del ejercicio de la resolución, los deberes de prestación primários nacidos del contrato, y convirtiendo éste en una relación jurídica que obliga a la liquidación de los desplazamientos patrimoniales hasta entonces realizados. La resolución, por tanto, no extingue la relación contractual, sino sólo el ”programa contractual previsto por las partes”. Esa concepción abre precisamente la puerta a la posibilidad de una resolución parcial, que opera una extinción y transformación de una parte de las obligaciones de prestación nacidas del contrato” – cfr. Bruno Rodriguez-Rosado “Resolución y Sinalagma Contractual”, Marcial Pons, Madrid, 2013, p. 127.
Já no direito inglês, a resolução do contrato ensaia uma terminologia multíplice, adoptando os termos “rescission, discharge of breach, termination for breach, avoidance”, sendo que o termo “termination” se estará a impondo como aquele que os tribunais mais aplicam para se referir ao instituto de resolução. Para este tronco do direito “a resolución opera de modo extrajudicial, y sin necesidad de observância de nunguna forma: producido el incumplimiento fundamental (“subatantial”o “fundamental”o “essencial failure in performance”), la parte perjudicada puede optar por la resolución, sin necesidad siquiera de comunicarlo a la outra parte. Bien es verdad que, de modo general, se exige al acreedor insatisfecho que ejercite la opción por la que su comportamiento sea inequivocamente indicativo de su intención de optar por ésta, sin que um mero “silence and inactivity” baste a este propósito; y que modo habitual, lo normal será comunicar la resolución.” – cfr. Op. loc. cit. p.132.               
[10] O poder de declarar ou exercitar a resolução de um contrato constitui uma faculdade, no sentido em que “do seu exercício não nascem pretensões tendentes a obter algo de outro sujeito, mas tão só provocam a variação de uma dada situação jurídica” – Bruno Rodriguez-Rosado, op. loc. cit. p. 159-160. 
[11] Cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal, relatado pelo Conselheiro Moreira Alves, de 22-03-2011, em que se escreveu:”I - A resolução do negócio pode fundar-se na lei ou em convenção (cf. art. 432.º do CC): a) se a resolução se funda na lei, está-se perante a condição resolutiva tácita, que consiste no direito potestativo, conferido a um dos contraentes, de ter o contrato por resolvido em virtude da outra parte não ter cumprido a sua prestação; b) se a resolução se funda em convenção, está-se perante a condição resolutiva expressa, que se traduz na destruição da relação contratual com base num facto posterior à sua celebração, não tendo tal facto de estar necessariamente ligado ao incumprimento, podendo consistir numa simples razão de conveniência. II - O beneficiário de uma condição resolutiva expressa não poderá exercer o direito à resolução do contrato se, por acordo das partes, se alterou a situação nela prevista (v.g. prorrogação do prazo previsto no contrato-promessa para a outorga da escritura pública de compra e venda). “  
[12] Cfr. Costa Fernandes, Diogo, in “Erro-obstáculo e Erro-vicio. Subsídios para a determinação do alcance normativo dos artigos 247.º, 251.º e 252.º do Código Civil”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XLV, N.ºs 1 e 2, Coimbra Editora, 2004, págs. 309 a 399, in pág. 312.   
[13] Cfr. neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 12-01-2010, relatado pelo Conselheiro Paulo Sá, em que a propósito se escreveu: “I – A mora nos termos do art. 804.º, n.º 1, do CC, apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e não lhe confere o direito à resolução do contrato; no caso de contrato-promessa de compra e venda, em que tenha havido lugar à constituição de sinal, só o incumprimento definitivo e culposo dá lugar às cominações previstas no art. 442.º, n.º 2, não bastando, para o efeito, a simples mora, porquanto nada justifica que se excepcione o contrato-promessa do regime geral aplicável à generalidade dos contratos. II – O prazo fixado para a execução de um contrato – incluindo o prazo para a celebração do contrato prometido –, pode ter a natureza de prazo absoluto ou de prazo relativo: a) sendo absoluto – o que sucederá quando as partes fixarem um prazo para o cumprimento de determinada obrigação, de modo que a prestação seja efectuada dentro dele, sob pena de o negócio já não ter interesse para o credor –, decorrido o prazo para a celebração do contrato prometido sem que este seja realizado, caduca o contrato-promessa; b) sendo relativo, determina a simples constituição em mora, conferindo ao credor o direito a pedir o cumprimento, a sua resolução (verificados os demais pressupostos legais) ou a indemnização legal moratória. III – A determinação da natureza do prazo depende da natureza do negócio ou da interpretação da vontade das partes, devendo, em caso de dúvida, ter-se como estabelecido um prazo absoluto, por ser de presumir que os outorgantes quiseram efectivamente vincular-se de harmonia com os termos do contrato. IV – Além das situações de não observância de prazo fixo absoluto, contratualmente estipulado, o carácter definitivo do incumprimento do contrato-promessa verifica-se nas três hipóteses seguintes: a) se, em consequência de mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação; b) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e, apesar disso, aquele não realizar a prestação em falta; c) se o devedor declarar inequívoca e peremptoriamente ao credor que não cumprirá o contrato. V – A lei admite a resolução convencional, facultando às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, o poder de expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato, quando ocorra certo e determinado facto (v.g. não cumprimento ou não cumprimento nos termos devidos, segundo as modalidades estabelecidas, de uma obrigação). A esta estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa. VI – Em termos de culpa, importa ter em consideração a presunção prevista no art. 799.º, n.º 2, do CC, em conjugação com o art. 487.º, n.º 2, presunção essa que se aplica à culpa na impossibilidade do cumprimento. VII – Quem se assume como promitente-vendedor de fracção a construir, recebendo do promitente-comprador um sinal, terá de prever toda uma série de diligências de natureza burocrática e eventuais obstáculos administrativos e, em relação a eles, precaver-se atempadamente.” 
[14] Cfr. Brandão Proença, “Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações”, págs. 288, 289, 290 e 291.
[15] Cfr. Batista Machado, João, in “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, págs. 348/349.
[16] Cfr. Bruno Rodriguez-Rosado, in op. loc. cit. p. 207.
[17] Cfr. Diez-Picazo, citado por Bruno Rodriguez-Rosado, p. 215.
[18] Cfr. Sentença do Tribunal Supremo, de 26 de Setembro de 2007. Do mesmo passo a sentença deste Supremo Tribunal de 17 de Março de 2011, ditava que “[basta] atender ao dado objectivo da injustificada falta de cumprimento ou produzida por causa não imputável aquele que pede a resolução, sempre que tenha entidade suficiente para motivar a frustração do contrato.”     
[19] Cfr. Maria Clara Sottomayor, in “Invalidade e registo – A Protecção do Terceiro Adquirente de Boa-fé”, Coimbra, Almedina, 2010, pág. 527-528.  
[20] Maria Clara Sottomayor, in op. loc. cit., pág.529. “Na prática o registo da acção] , trata-se de uma solução equivalente à que resulta do contrato de promessa com eficácia real. Contudo, no caso de violação do contrato-promessa real por parte do promitente-vendedor, basta a prioridade do registo do contrato-promessa real, em face do registo de aquisição incompatível, para tornar ineficaz o negócio de disposição celebrado com o terceiro. A diferença reside, apenas, no momento em que o credor pode fazer valer o seu direito: o promitente-comprador, no caso de promessa real, poderia fazer o seu direito, antes da propositura da acção de execução específica (…).”           
[21] cfr. Mónica Jardim, “O registo Provisório de Aquisição”, Comunicação feita na F.D.U.C., no Congresso de Direitos Reais, em 29 de Janeiro de 2003, págs. 14-15.
[22] Para um estudo mais aprofundado sobre os efeitos do registo no concernente aos contratos-promessa com eficácia real e ao registo da acção de execução específica veja-se Maria Clara Sottomayor, “Invalidade do Registo – A Protecção do Terceiro Adquirente de Boa-fé”, Almedina, Coimbra, 2010, págs. 525 a 554,
[23] cfr. Mónica Jardim, estudo citado, pág. 1.
[24] cfr. Isabel Pereira Mendes, Estudos sobre Registo Civil – A questão da prevalência do registo de arresto sobre anterior registo provisório com base em contrato-promessa de compra e venda”, Almedina. 2003, pág. 1. Se o contrato-promessa tiver eficácia real dá origem a um registo diferente, “um registo de promessa de alienação, que não é provisório por dúvidas, mas terá, em vez disso, natureza definitiva, se não existirem dúvidas que o impeçam.” 
[25] Disponível em www.dgsi.pt.
[26] Figure-se o exemplo estampado no estudo supra citado a página 15. “A, proprietário do prédio urbano x e titular registal inscrito, solicita o registo provisório de aquisição do dito prédio a favor de B, com base em contrato-promessa. Posteriormente A aliena o bem em causa a C, sendo este negócio registado provisoriamente, de acordo com o art. 92.º, n.º 2 do C. R. Predial. Se A, de seguida, alienar, novamente, o bem a B, ou se a pedido de B decretada a execução especifica do contrato, quando for solicitado o registo desta aquisição o registo provisório converter-se-á em definitivo (mercê da excepção consagrada na parte final do n.º 2 do art. 34.º do C. R. Predial), conservando a prioridade que tinha como provisório (cfr. n.º 3 do art. 6.º do mesmo diploma legal) e, consequentemente, será cancelado o registo de C, de acordo com o n.º 6 do art. 92.º do C. R. Predial.”
[27] Esta parece ser a lição a extrair da exposição feita por Maria Clara Sottomayor, in op. loc. cit. pág. 529, transcrita supra.
[28] Veja-se a posição de Isabel Pereira Mendes, in op. loc. cit. quanto ao caso decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de 26 de Junho de 2002, em que se colocavam em confronto a prioridade do registo provisório de aquisição – efectuado, como no caso vertente pelo vendedor – com um posterior registo de arresto, promovido, em execução contra o autor da efectivação do registo provisório de aquisição, defendendo esta autora que o registo de arresto deveria ser feito como provisório, subsistindo com o registo provisório de aquisição até que este seja declarado caduco.  
[29] Cfr. Heinrich Ewald Hörster, “A Parte Geral do Código Civil Português – A Parte Geral do Direito Civil”, Almedina, Coimbra, 1992, pags. 433 a 490.
[30] Cfr. Do mesmo autor (Heinrich Ewald Hörster), o artigo publicado na Revista de Direito e Economia, Ano X, n.º 1.2 Janeiro/Dezembro de 1983, “Sobre a Formação do Contrato segundo os artigos 217.º e 218.º, 224.º a 226.º e 228.º a 235.º do Código Civil”, págs. 121- 157. 
[31] Cfr. Heinrich Ewald Hörster, in op. loc. cit. pág. 446.
[32] Cfr. Heinrich Ewald Hörster, in op. loc. cit. pág. 446-447.
[33] Cfr. Heinrich Ewald Hörster, in op. loc. cit. pág. 449.
[34] Cfr. Heinrich Ewald Hörster, in op. loc. cit. pág. 449.
[35] Cfr. na jurisprudência, com avonde citação de jurisprudência para distintas e divertidas situações casuísticas, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Fevereiro de 2012, in www.dgsi.pt, em que a teoria de recepção foi utilizada para um caso de regularização de dívidas bancárias.