Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5215/18.2T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
PRESCRIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Provando-se que no âmbito de um contrato de intermediação financeira, o funcionário do banco propôs ao autor a subscrição de Obrigações SLN 2004, dizendo-lhe que “tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, e cujo reembolso era garantido pelo BPN”, prestou uma informação que não era verdadeira, violando os deveres de informação e esclarecimento a que está adstrito, nos termos dos arts. 7º, 304º  e 312º do CVM.

II – Se ainda se provou que aquelas garantias foram determinantes para o cliente/investidor subscrever o produto financeiro em causa, estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, nos termos fixados no AUJ nº 8/2022.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA, residente no Largo ..., ..., ..., instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Banco Bic Português, S.A, PORTUGUÊS, S.A., com os seguintes pedidos:

“a) – Declare que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra das três obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004, ao Réu, BPN-(ACTUAL BANCO BIC S.A., RÉU NA PRESENTE ACÇÃO), –(…), adquiridas na Agência de ..., foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento), garantia essa dada pelo próprio Banco BPN, na pessoa do seu gerente de Balcão.

b) – Declare que é da Responsabilidade do BANCO BIC S.A, o reembolso do capital reportado á aquisição por parte do Autor das obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004, no valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), porquanto com a transmissão do Nacionalizado Banco BPN, para a esfera jurídica do Réu BANCO BIC S.A, transmitiram-se de igual modo na sua totalidade todas as obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN, independentemente de todo e qualquer acordo que o Réu BANCO BIC S.A, tenha estabelecido com o Estado Português no acto de compra ou em momento anterior, o que só lhe concede o direito de regresso a discutir entre as partes em causa (Estado Português e BANCO BIC S.A), sendo tal acordo marginal ao aqui Autor.

c) - Condene o ao Réu, BANCO BIC S.A., a proceder ao imediato reembolso do capital de €150.000,00, acrescidos dos juros vencidos desde 12 de Abril de 2014 sobre as obrigações SLN 2004, á taxa legal, até integral reembolso do capital, condenando ainda o Réu BANCO BIC S.A., a pagar ao Autor quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a € 20.000,00 (Vinte Mil Euros), por danos morais,  bem como ao pagamento de todas as despesas com o presente processo, nestas se incluindo honorários de advogado.

e;

No entendimento de que o contrato é nulo;

d) - Julgar-se nulo o contrato de intermediação financeira celebrado entre Autor e Réu que deu origem à ordem de subscrição de Abril de 2004 de obrigações SLN Rendimento Mais 2004 no valor de € 150 000 (cento e cinquenta mil euros), e,

e) - Em consequência, condenar-se o Réu BANCO BIC SA., a restituir ao Autor o valor de € 150 000 (cento e cinquenta mil euros) acrescido de juros, á taxa legal, desde 12-04-2014 e até efectivo e integral pagamento”.

O Réu contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, na parcial  procedência da acção, decidiu:

I - Declarar que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra das três obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004, ao Réu- BPN-(actual BANCO BIC S.A.) adquiridas na Agência de ..., foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento), garantia essa dada pelo próprio Banco BPN, na pessoa do seu gerente de Balcão.

II – Que é da responsabilidade do BANCO BIC S.A o reembolso do capital reportado à aquisição por parte do Autor das obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004, no valor de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), por via da transmissão do Nacionalizado Banco BPN para a esfera jurídica do Réu BANCO BIC S.A,.

Consequentemente,

III - Condenar o Réu BANCO BIC PORTUGUÊS SA a pagar ao Autor AA a quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde o dia 25 de Outubro de 2014 até efectivo e integral pagamento acrescida de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização de danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios desde esta data até efectivo e integral pagamento.

O Réu apelou da sentença, mas sem êxito pois que a Relação de Coimbra, por acórdão de 24.11.2020, julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença.

Ainda inconformado, o Réu interpôs recurso de revista excepcional, cuja alegação remata com as seguintes conclusões (suprimem-se as atinentes à admissibilidade da revista excepcional, questão já ultrapassada):

(…)

9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valornominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu comprimento, não deixando o legislador uma cláusula  aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme.

21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam: a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

28. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

30) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

31) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

32) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

33) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem.

34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

35) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

36) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

37) A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.


Na resposta, o Recorrido pugnou pela não admissibilidade da revista.



///



A questão a decidir resume-se a saber se o Réu violou o dever de informação a que estava obrigado enquanto intermediário financeiro, e se se verifica nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.


Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.


Fundamentação.

Vem provada a seguinte matéria de facto:

 1. O Autor era cliente do R (BPN), na sua Agência de ..., com a conta à ordem nº ...01, onde movimentava dinheiro, com a realização de pagamentos e efectuava poupanças.

2. Em Outubro de 2004, numa sua deslocação ao dito Balcão, com vista a proceder a um depósito a prazo, no montante de €200.000,00 (duzentos mil euros), o gerente do banco Réu da agência em causa propôs ao Autor que, ao invés de fazer o depósito a prazo a que se propunha, adquirisse um produto financeiro, que tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, mas que lhe daria um maior rendimento.

3. Para tal efeito, e por que o valor de aquisição do referido produto tinha como limite mínimo de aplicação €50.000,00 (cinquenta mil euros), o Autor poderia adquirir três obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no valor de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) e assim obteria o referido produto, que lhe traria um melhor rendimento, e que tinha o reembolso do capital garantido pelo BPN.

4. Mais lhe garantiu que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas que se necessitasse do dinheiro antes, bastaria avisar com dois ou três dias de antecedência que o mesmo lhe seria disponibilizado, bem como que poderia eventualmente proceder ao seu resgate antecipado decorrido prazo não apurado, por não esclarecido.

5. O Autor, perante o que lhe estava a ser proposto (maior rendimento na aplicação do seu dinheiro) e dadas as garantias que lhe estavam a ser dadas (segurança do produto como se fosse um depósito a prazo), ademais da especial relação de confiança que mantinha com o identificado gerente, anuiu a tal proposta, aceitou adquirir tal produto e assim, em 25 de Outubro de 2004, adquiriu três unidades do produto designado como SLN Rendimento Mais 2004, no valor total de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) aquisição essa subordinada às garantias que lhe estavam a ser dadas pelo identificado gerente de conta do BPN, BB, na Agência de ..., sem que para a sua formalização haja sido documentada uma qualquer ordem em tal sentido.

6. À data o Autor desconhecia de todo em todo o que era tal produto, apenas sabendo que estava a comprar e que comprou um produto que lhe havia sido e foi apresentado como sendo tão seguro como um depósito a prazo e que lhe dava mais juros, tendo a garantia do reembolso integral do capital que estava a investir.

7. Até 12 de Abril de 2014, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aplicação financeira, efectuados pelo BPN até 12 de Abril de 2012 e pelo Réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., a partir dessa data e até ao dito dia 12 de Abril de 2014.

8. Na data do vencimento da aplicação, o capital não lhe foi restituído- tão pouco tal sucedeu até ao presente -momento no qual tomou conhecimento a aplicação financeira em causa, não tinha cobertura de garantia de capital, que era uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostrava insolvente, tal resgate não lhe seria concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julgava com direito no processo de Insolvência, par além de que o BANCO BPN, ao vender a referida obrigação, apenas funcionou enquanto intermediário da dita SLN.

9. Até então nunca o Autor havia conhecido a SLN ou Galilei, com estas Entidades nunca tendo tido qualquer relação directa ou indirecta, apenas conhecendo o Banco BPN do qual era cliente e ao qual adquiriu o referido produto nas condições supra expostas.

10. O Autor deu o seu acordo na aquisição dos mencionados títulos com base na “informação de capital garantido”mas, sem essa informação, não teria daria o seu acordo na aquisição do identificado produto financeiro.

11. O Autor que já antes havia investido em produtos diferentes do simples depósito a prazo, designada e especialmente Fundos de Tesouraria.

12. A presente acção foi interposta em 15 de Novembro de 2018 e o Réu foi citado para a mesma em 20 de Novembro de 2018.

E foi julgado não provado:

1. No momento da apresentação do produto o identificado gerente de conta exibiu um documento onde constava de entre outras condições a do capital garantido a 100% (cem por cento), bem como a garantia de elevada taxa de remuneração.

2. O Autor, em Abril de 2009, cinco anos decorridos após as aplicações financeiras, e, confiante naquilo que o referido gerente de conta do BPN lhe havia afirmado e garantido- possibilidade de resgate decorridos cinco anos -deslocou-se ao BANCO-BPN, com vista a proceder ao resgate do capital investido, ocasião na qual foi informado que ao contrário do que lhe havia sido dito e garantido, só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual.

3. O Autor confrontado com a ideia de perder todo o dinheiro que convictamente tinha investido na aplicação financeira cujas garantias de retorno total lhe foram dadas, passou noites e noites sem dormir, dias e dias sem conseguir exercer a sua actividade profissional, dias e dias de conflitualidade familiar, factos estes que criaram uma tal desestabilização no seio do seu agregado familiar, que ainda hoje, o aqui Autor, sofre de depressão e angústia decorrente dos factos expostos, ademais de ver agravada a sua situação de saúde tendo uma constante necessidade de apoio médico especializado.

4. O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.

5. O Autor sempre foi pessoa experiente, informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património.

6. No momento da subscrição o subscritor foi informado que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu– a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. e que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

7. Ainda o Autor foi também informado de que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso, o que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade.

8. O Autor expressou ao Réu que queria, de facto, subscrever aqueles 150.000,00€ em obrigações subordinadas da Sociedade Lusa de Negócios, por pretender rentabilizar o seu investimento nesta modalidade de investimento, pois as taxas que o mesmo proporcionava eram bastante atractivas.

9. O Réu informou o subscritor sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto e da nota interna, junta como docs 3 e 4 da sua parte e que se encontrava disponível para consulta pelos mesmos.».

O direito.

Não vem posto em causa que a intervenção do Banco BPN SA na subscrição pelo Autor, em 25 de Outubro de 2004, de três unidades do produto designado como SLN Rendimento Mais 2004, no valor total de €150.000,00, é qualificada como actividade de intermediação financeira.

O Código de Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo DL nº 486/99 de 13.11,  estabelece no art. 289º/1, a), que são actividades de intermediação financeira os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros.

 Por sua vez, intermediários financeiros são, nos termos do art. 293º/1 a), as instituições de crédito (e as empresas de investimento), que estejam autorizadas a exercer actividades de intermediação financeira em Portugal.

São serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, segundo o art 290º/1, a) e b), a recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem.

O exercício da intermediação financeira está sujeito a um conjunto de deveres, designadamente de informação, não só decorrentes do princípio geral da boa fé plasmado no art. 227º do C.Civil,  como também da especial natureza da actividade, para que o cliente/investidor possa tomar uma “decisão esclarecida e fundamentada” (art. 312 do CVM).

Como princípio geral, os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade  no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e devem actuar com boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art 304º, nºs 1 e 2 do CVM).

No que tange aos chamados “deveres de informação” o art. 312º estabelece que o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de

Quanto à qualidade, prescreve o art. 7º, nº1, que a informação deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita. 

Como decidiu o Acórdão do STJ de 10.11.2022, P.7880/18, relatado pelo Conselheiro Oliveira Abreu e subscrito pelo relator do presente:

“A informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidos não qualificado será ilícita se ocorrer violação daquele dever com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objectividade e licitude.

A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.”

A omissão destes deveres, pode dar origem à obrigação de indemnizar os danos causados aos investidores nos termos prescritos no art. 314º:

1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação dos deveres de informação.


Tendo presente estes princípios, vejamos o que de relevante resulta da matéria de facto provada:

- O Autor era cliente do R (BPN), na sua Agência de ...;

- Em Outubro de 2004, numa sua deslocação ao dito Balcão, com vista a proceder a um depósito a prazo de €200.000,00 (duzentos mil euros), o gerente do banco propôs ao Autor que, ao invés de fazer o depósito a prazo a que se propunha, adquirisse um produto financeiro, que tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, mas que lhe daria um maior rendimento;

- O Autor aceitou a sugestão, e adquiriu três obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no valor de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), que tinha o reembolso do capital garantido pelo BPN;

-  À data o Autor desconhecia de todo em todo o que era tal produto, apenas sabendo que estava a comprar um produto que lhe foi apresentado como sendo tão seguro como um depósito a prazo, que lhe dava mais juros, tendo a garantia do reembolso integral do capital que estava a investir;

- O Autor deu o seu acordo na aquisição dos mencionados títulos com base na “informação de capital garantido” mas, sem essa informação, não daria o seu acordo na aquisição do identificado produto financeiro.

Perante estes facto não temos dúvidas em subscrever a decisão recorrida.

Foi sugerido o Autor a subscrição de um produto financeiro, com “as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo”, o que é uma informação não verdadeira. A subscrição de uma obrigação, ainda mais subordinada, envolve um risco superior ao do vulgar “depósito a prazo”, que beneficia da garantia concedida pelo Fundo e Garantia dos Depósitos, de que não beneficiam os titulares de obrigações lançadas no âmbito de um empréstimo obrigacionista.

O Banco não informou o Autor que o devedor do produto que adquirira era a SLN, e esta explicação era necessária porque o Autor adquiriu as obrigações convencido de que se tratava de um produto BPN.

A informação de que o “reembolso do capital era garantido pelo BPN”, é igualmente falsa, tendo sido determinante para a decisão do Autor de subscrever as obrigações SLN 2004.

É patente, pois, que o Réu incumpriu o dever de informação a que estava vinculado enquanto intermediário financeiro.


Aqui chegados, é altura de chamar à colação o AUJ do Supremo Tribunal de Justiça, nº 8/2022, Diário da República, 1ª série de 03.11.2022, que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:

 “1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto que “o reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”) sem outras explicações,  nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

Após a prolação deste acórdão, a jurisprudência do STJ tem sido unânime na caracterização da violação do dever de informação e quanto ao necessário nexo de causalidade entre o comportamento ilícito e o dano.

Citam-se os seguintes arestos, todos publicados no site www.dgsi.pt:

Acórdão de 30.11.2022, P. 7882/18 (Maria da Graça Trigo):

Em resultado da aplicação ao caso dos autos da decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ, nº 8/2022), considera-se ilícita a conduta do réu intermediário financeiro por violação dos deveres de informação.

Acórdão de 10.01.2023, P. 31/17, (Catarina Serra):

Resultando dos factos provados que “se o banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido seguramente o autor não teria dado a sua anuência na aquisição do identificado activo financeiro” deve dar-se por verificado o nexo de causalidade.

Acórdão de 02.03.2003, P. nº 1872/16 (Tibério Nunes da Silva):

I - A informação prestada por um Banco, no âmbito da intermediação financeira, deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, adequada ao perfil do investidor, de modo a propiciar a este uma decisão esclarecida e fundamentada, tomada na posse de todos os elementos relevantes (como serão, por exemplo, os atinentes à distinção entre obrigações subordinadas e depósitos a prazo), sob pena de se poder concluir pela violação desse dever  e que uma informação feita de acordo com as exigências legais teria levado o cliente a não investir;

II - Preenchem-se, num quadro em que se concluiu pela violação de um tal dever, os requisitos da ilicitude e da culpa, para além do nexo de causalidade, feita a prova de o cliente não teria investido no produto (obrigações subordinadas), apresentado como sendo semelhante a um depósito a prazo e tão seguro como este, caso tivesse sido fornecida uma informação com as caraterísticas referidas em I.

 Acórdão de 28.02.2023. P. 239/19 (António Magalhães):

I - Se o Banco, intermediário financeiro, que propôs a subscrição de uma obrigação SLN 2004, informando o cliente de que tal produto era idêntico a um depósito a prazo e que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco, prestou uma informação que não era verdadeira, susceptível de influenciar a decisão desse investidor (art. 7º, nº1 do CVM);

II – O Autor logrou demonstrar o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano de não reembolso do capital investido se provou que “só se dispôs a fazer a aplicação porque lhe foi afiançado pelo gestor que o retorno era garantido pelo próprio Banco.”


Acórdão de 14.03.2023, P. 1510/20 (Jorge Arcanjo):

“Considerando a orientação fixada no AUJ nº 8/2022, provando-se que o autor, investidor não qualificado, não teria investido neste tipo de produto financeiro (obrigações SLN 2006) se conhecesse verdadeiramente as suas características específicas e o grau de risco ou de incerteza que lhe estavam subjacentes e que só aceitou  investimento devido às informações de que não corria o risco de perder o capital e que o rendimento era seguro, o que lhe foi assegurado pelo banco réu, está demonstrado nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano.”

A situação dos autos é idêntica às referidas nos acórdãos citados.

Também ao Autor foi garantido pelo gestor da agência do BPN onde tinha a sua conta à ordem que a subscrição de obrigações SLN 2004 tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, que o Banco garantia o reembolso do capital investido, tendo sido estas informações determinantes para o Autor/recorrido aceitar subscrever as obrigações.

Por conseguinte, tem-se por verificado a violação do dever de informação e o nexo de causalidade entre aquela violação e o dano, nos termos da orientação do AUJ 8/2022.

Não vindo questionado o montante da indemnização, resta concluir pela confirmação da decisão recorrida, improcedendo na totalidade as conclusões do Recorrente.

Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 30.03.2023.

Ferreira Lopes (Relator)

Manuel Capelo

Tibério Nunes da Silva