Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
570/13.3TBSRT.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: PER
PRAZO PARA A CONCLUSÃO DAS NEGOCIAÇÕES
PRAZO PARA APROVAÇÃO DO PLANO DE REVITALIZAÇÃO
RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ).


Doutrina:
- Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, 2ª edição, pp. 160/161.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.º-A, 17.º-D, 17.º-F, N.ºS 1,2 E 5, 17.º-G, 215.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 139.º, N.º5.
Sumário :
I - No âmbito do processo especial de revitalização, o plano de recuperação da devedora requerente deve ser apresentado no prazo das negociações previsto no art. 17.º-F, n.º 1, do ClRE, que é um prazo de caducidade.

II - Ultrapassado tal prazo não deve ser homologado o plano, nos termos do art. 215.º do ClRE, por a sua homologação, nesse caso, constituir violação não negligenciável de norma imperativa.

III - O Tribunal não pode considerar, oficiosamente, a prorrogação do prazo judicial previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC.
Decisão Texto Integral:

Proc.570/13.3TBSRT.C1.S1

R-501-A[1]

Revista


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


           AA, Lda.”, em 25 de Setembro de 2013, no então Tribunal Judicial da Comarca da Sertã, deu início ao presente Processo Especial de Revitalização, nos termos dos arts. 17º-A e segs. do CIRE, na redacção da Lei nº16/2012, de 20.04.

  Alegou, muito em resumo, que a sua situação económico-financeira sofreu um declínio acentuado nos dois anos anteriores, sendo que passou a sofrer de falta de liquidez e de restrição ao crédito, o que teve como consequência passar a estar em situação económica difícil, mas em estado de poder ser revitalizada/recuperada, com a colaboração dos seus credores. 

   Em 26.09.2013, foi proferido despacho a nomear administrador judicial provisório – fls. 160/161.

           

           Em 23.10.2013, foi junto aos autos o requerimento de fls. 264/269, apresentado por vários ditos ex-trabalhadores da Requerente, alegando terem-se despedido por cartas de 01.07.2013, com fundamento no não pagamento de salários desde Abril de 2013, e requerendo que fosse fixado prazo para que pudessem reclamar os seus créditos junto do administrador judicial provisório, dado que esses seus créditos não constavam da lista de créditos relacionados pela Requerente/devedora.

           

            Em 25.10.2013, foi proferido o despacho de fls. 270, pelo qual foi indeferido tal requerimento, tendo-se em conta que o prazo requerido se encontra previsto no art. 17º-D, nº 2 do CIRE.

           

           Em 29.10.2013, foi pelo Senhor Administrador Judicial Provisório apresentada a lista provisória de credores, contendo os créditos reclamados e os créditos relacionados, conforme fls. 296/304.

           

            Em 1.11.2013, em articulados autónomos, os agora Recorrentes apresentaram impugnação à lista provisória de credores elaborada pelo Senhor Administrador Judicial, onde reclamam a sua inclusão nessa lista, face aos créditos laborais que dizem ter perante a Requerente, uma vez que terão cessado os seus contratos de trabalho em 1.07.2013, por alegada justa causa de rescisão dos contratos de trabalho, havendo salários em atraso e subsídios por liquidar; e que sejam reconhecidos, verificados e graduados tais créditos no lugar que lhes compete.

           

           A Requerente deduziu oposição a estes requerimentos, alegando que alguns dos impugnantes não eram trabalhadores da AA, Lda., nem têm qualquer crédito sobre esta sociedade, na medida em que a entidade patronal desses impugnantes era a sociedade “BB, Lda.”.

           

          Mais alegou que não tinha de notificar esses impugnantes da instauração do presente processo de revitalização, precisamente por não se tratar de ex-trabalhadores e credores da Requerente.

           

           Em relação aos outros impugnantes a Requerente impugnou os alegados créditos daqueles, sustentando que nada deve aos mesmos. 

           Em 14.01.2014, o Sr. Administrador Judicial apresentou o seu requerimento junto a fls. 2941/2943 do apenso de reclamação de créditos, onde refere quais os ex-trabalhadores da Requerente que se apresentaram a indicar os seus créditos e valores que por eles são referidos, dizendo, ainda, que nem esses impugnantes nem a requerente intentaram qualquer acção junto do Tribunal do Trabalho e que seja do seu conhecimento.

           Mais refere que os referidos créditos têm alguma/pouca relevância para efeitos da deliberação do plano de revitalização, porquanto têm o peso relativo sensivelmente de 8%, até porque, na sua opinião, apenas parte dos créditos indicados parece ter justificação.

           Que a Requerente cumpriu o disposto no nº1 do art. 17º-D do CIRE em relação a todos os credores, excepto no que diz respeito aos seus ex-trabalhadores, por não os considerar como seus credores.

           Em 31.01.2014 e em 24.02.2014 teve lugar uma tentativa de conciliação com os impugnantes, mas sem qualquer resultado – fls. 2949/2950 e 2982/2983 do apenso de reclamação de créditos.  

           

           Em 08.02.2014 – fls. 369 e ss. - foi apresentada a Proposta do Plano de Revitalização da sociedade requerente.

           Em 10.02.2014 – fls. 397 e ss. - foi junta aos autos a acta com o resultado da votação do Plano de Revitalização, com a menção de “aprovado”.

           Seguiu-se tramitação constituída pela junção de requerimentos vários, até que, em 01.10.2014, o processo foi remetido à Comarca de Castelo Branco – Secção de Comércio do Fundão, na sequência da reorganização judiciária que entrou em vigor em 01.09.2014.


***

           Nessa sequência, no Tribunal de Comércio, foi em 20/10/2014, proferida sentença a homologar o Plano de Revitalização da Requerente, constante de fls. 506 a 528 dos autos, constando o plano específico de pagamentos a fls. 665 e 666 – conforme fls. 1186 a 1212.


***

           Desta sentença interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra vários ditos ex-trabalhadores da Requerente, CC; DD; EE; FF; GG; HH; II; JJ; KK; LL; MM, NN; OO; PP; QQ; RR; SS; TT e UU, identificados a fls. 1252, pedindo a revogação da referida sentença e que seja proferida nova decisão a rejeitar a homologação do referido Plano, tendo nas alegações de recurso sido formuladas as respectivas conclusões, conforme fls. 1252 a 1274.

            A Relação, por Acórdão de 3.3.2015 – fls. 1470 a 1476 –, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença de 1ª instância que homologou o Plano de Recuperação da Requerente, nos seus exactos e precisos termos.


***

           

            A fls. 1553, as Recorrentes interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando oposição de Acórdãos, ao abrigo do art. 14º, nº1, do CIRE, – mencionando, enumeradamente, dez acórdãos em alegada contradição, sem que tivessem junto qualquer deles.

           Foi neste Supremo Tribunal de Justiça proferido o despacho de fls. 1602 a 1603, de 22.5.2015, onde se afirmou: “Assim, concedo, preliminarmente, às Recorrentes o prazo de 10 dias para juntarem um único acórdão como Acórdão-fundamento da oposição: estando em causa diversos fundamentos a oposição só poderá ser demonstrada com a junção de um único acórdão anterior, que em oposição com ele julgou a concreta questão”.

           A fls. 1605 as Recorrentes juntaram doze Acórdãos, afirmando que eram várias as questões essenciais decididas em divergência com o Acórdão recorrido.

           Foi proferido o despacho de fls. 1168, referindo que competia às Recorrentes especificar quais as questões e qual de cada um dos Acórdãos constituía o Acórdão-fundamento, concedendo-se-lhes o prazo de 10 dias para cumprirem o despacho de 1601/1603, sob pena de não se conhecer o recurso.

           Pelo requerimento de fls. 1674, as Recorrentes indicaram como Acórdão-fundamento para a apreciação do recurso, o Acórdão da Relação de Coimbra de 21.10.2014 – junto a fls. 1651 a 1652 – Proc. 2081/13.3TBSRT.C1.S1 publicado in www.dgsi.pt. – “que julgou apenas, a questão do prazo das negociações”.

            Resulta agora claro que o recurso está delimitado quanto ao seu objecto, consistindo em saber se existe contradição de Acórdãos e, se existir, qual o prazo para a conclusão das negociações e apresentação do plano de recuperação, no âmbito do PER.

            Assim das extensas alegações das Recorrentes e tendo em vista esta delimitação do objecto do recurso, apenas transcreveremos as conclusões no que a esta questão se refere, para depois indagar da alegada contradição entre os dois Acórdãos:

           C – O prazo para conclusão das negociações foi ultrapassado:

                AG. Estabelece o artigo 17º-D, nº5, do CIRE que “Findo os prazos para as impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal citius”.

               AH. Ora dos autos resulta que a lista provisória foi publicada no portal Citius, conforme estipula o art. 17º- D , nº3, em 29.10.2013.

                AI. Assim, o prazo de (5 dias) úteis para impugnação dos créditos terminou em 6.11.2013.

               AJ. Logo o prazo de dois meses para conclusão das negociações ocorreu em 06.01.2014.

                AK. Dos autos não resulta ter sido requerida prorrogação para conclusão das negociações.

               AL. Todavia, e ainda que o tivesse sido, tal prazo terminaria em 6.02.2014.

                AM. A proposta do plano de revitalização foi apresentada nos autos apenas em 08.02.2014, e em 10/02/2014 foi junta a acta demonstrativa da conclusão das negociações, a fls. 397 e ss.

               AN. Donde resulta de forma manifesta ter sido excedido o prazo para a conclusão das negociações, sem ter sido junto aos autos qualquer plano.

              AQ. Contrariamente entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra, concluindo que:

                “ (…) afigura-se-nos que o referido prazo de três meses para a conclusão das negociações foi respeitado, tanto mais que o dia 10/02/2014 foi uma segunda-feira, não tendo esse prazo a natureza de peremptório, que resulta do artigo 139/3 do Código de Processo Civil”.

               AO – (menção a acórdãos que decidiram em sentido contrário ao acórdão recorrido)

               AQ. Donde, outra não pode ser a conclusão senão a de “ (…) o prazo a quo para o decurso das negociações se inicie com o termo do que é fixado para se poder impugnar (…).

               Trata-se de um prazo corrido (…) de caducidade, razão pela qual, se o acordo só for obtido para além dele, não pode já ser homologado, por violação não negligenciável da lei (…)” – in, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, Quid Juris, pág. 161.

               Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, concedendo-se revista, em consequência, revogar-se o Douto acórdão recorrido.

            Não houve contra-alegações.


***

            Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação operou com os factos enunciados no Relatório.

            No Acórdão recorrido a questão agora objecto de revista foi assim apreciada e decidida:

           “Questão B – Saber se o prazo para as conclusões das negociações respeitantes ao presente processo foi ultrapassado e se daí deve resultar uma decisão de não homologação do Plano de Recuperação:

                 Dispõe o art. 17º-D, nº 5 do CIRE que “findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor…”.

               No presente caso já vimos que em 29/10/2013 foi pelo Sr. Administrador Judicial Provisório apresentada a lista provisória de credores, contendo os créditos reclamados e os créditos relacionados, conforme fls. 296/304.

               Logo, o prazo para a sua impugnação terá findado em 6/11/2013, uma quarta-feira.

                Porém, em 02/01/2014 foi apresentado requerimento pelo Sr. Administrador Judicial com o qual junta um ofício enviado ao ilustre mandatário da Requerente e onde refere que “…tendo em conta a especial complexidade do assunto a ser objecto das negociações com os credores… manifesta a vontade de que as mesmas prossigam pelo período de mais 30 dias” – fls. 353/354 –, o qual foi respondido através do requerimento de fls. 360, datado de 06/01/2014, apresentado pela devedora e onde manifesta a vontade dessa prorrogação. 

               Logo, o referido período de negociações estendeu-se por mais um mês, ou seja até 06.02.2014, sendo que em 8/02/2014 – fls. 369 e ss. – foi apresentada a Proposta do Plano de Revitalização da sociedade requerente, e em 10/02/2014 foi junta a acta demonstrativa da conclusão das negociações, conforme fls. 397 e segs.

               Ora, com o devido respeito, e tendo em conta os citados preceitos do CIRE, afigura-se-nos que o referido prazo de três meses para a conclusão das negociações foi respeitado, tanto mais que o dia 10/02/2014 foi uma 2ª feira, não tendo esse prazo a natureza de peremptório, que resulta do art. 139º, nº3 do nCPC.

                Além de que sempre teríamos de contar os 3 dias a que alude o nº 5 do art. 139º do nCPC, e independentemente do pagamento de multa.

               Pelo que não foi ultrapassado o referido prazo de negociações.”

               

               As recorrentes, primeiro negaram que tivesse sido requerida prorrogação do prazo para as conclusões das negociações, mas nas conclusões AK e AL, afirmam “todavia, e ainda que o tivesse sido, tal prazo terminaria em 6.2.2104”.

           

           Depois, afirmam que a proposta do plano de revitalização foi apresentada apenas em 8.2.2014, e, em 10.2.2014, foi apresentada acta demonstrativa da conclusão das negociações.

                O Acórdão considerou que, em 8.02.2014 (um sábado) – fls. 369 e ss. –, foi apresentada a Proposta do Plano de Revitalização da sociedade requerente, e em 10.02.2014 (uma segunda-feira) foi junta a acta demonstrativa da conclusão das negociações, conforme fls. 397 e segs, considerando que o prazo de três meses mais a prorrogação de um mês, não foi violado, tanto mais que tanto mais que o dia 10.02.2014 foi uma 2ª feira, não tendo esse prazo a natureza de peremptório o que resulta do art. 139º, nº3 do NCódigo de Processo Civil, além de que sempre se poderiam contar os 3 dias a que alude o nº5 do art. 139º do NCódigo de Processo Civil, e independentemente do pagamento de multa.

           Nos termos do art. 17º-D, nº5, do PER, findo o prazo das impugnações da lista provisória de créditos converte-se ela em definitiva e abre-se o prazo de dois meses para a conclusão da negociações encetadas entre o devedor e os seus credores, prazo que pode ser prorrogado, por um mês e por uma só vez mediante acordo prévio e escrito entre o administrador provisório nomeado e o devedor, devendo esse acordo ser junto ao autos e publicado no portal Citius.

            Tal vale por dizer que o prazo máximo de negociações é de três meses, que no caso findou em 6.2.2014, no que o Acórdão e as recorrentes não discordam.

           A controvérsia radica no facto do Acórdão não considerar excedido esse prazo quando, em 8.2.2014, foi apresentada a proposta do Plano de Revitalização da Sociedade e a as Recorrentes sustentam que o Plano, deveria ter sido apresentado dentro do prazo das negociações concluídas em 6.2.2014, e, porque o foi dois dias depois (o dia 6.2.2014 foi uma quinta-feira) se acha excedido, não podendo ser homologado nos termos do art. 17º-F, nº1, do PER, interpretando tal norma como exigindo que as negociações com a aprovação devem estar encerradas no prazo de três meses (havendo prorrogação legal).

            No Acórdão-fundamento decidiu-se (cfr. sumário) que:  

           “Decorre claramente do art.º 17º-F, n.º1, do CIRE, que a conclusão das negociações não está dependente da homologação do plano de recuperação aprovado, pois neste preceito está prevista a recusa da sua homologação pelo juiz. A aprovação do plano tem de ser efectuada dentro do prazo da fase das negociações, fase esta que comunga do carácter de urgência que é genericamente atribuído ao processo de revitalização pelo art.º 17º-A, n.º 3, do CIRE”.

            Aqui, efectivamente, radica a oposição de acórdãos, pelo que o recurso é admitido ao abrigo do art. 14º, nº1, do CIRE[2].

            Vejamos, então, se o Acórdão recorrido merece censura, no que respeita à homologação tempestiva do Plano de Recuperação tendente à r0evitalização da devedora requerente.

            No direito insolvencial português vigoram, actualmente, o Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), o Processo Especial de Revitalização (PER) introduzido no CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril (cfr. alteração advinda do DL.nº26/2015, de 6.2 – art.17º-F)

           Aqueles dois são processos judiciais e este último tem natureza extrajudicial. A existência destes instrumentos jurídicos não coarcta a possibilidade ou o direito das partes, no contexto da autonomia negocial e da liberdade contratual, usarem outras ferramentas do sistema jurídico para regularem os seus interesses.

           Vejamos os normativos convocáveis para a dilucidação da questão:

           

            Artigo 17.º-A – (Finalidade e natureza do processo especial de revitalização)

           “1. O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

                2. (omissis)

               3- O processo especial de revitalização tem carácter urgente”

           Quanto à tramitação rege o artigo 17.º-D (Tramitação subsequente)

            “1. Logo que seja notificado do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, o devedor comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu inicio a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta.

               2. Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.

               3. A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.

             4. Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva.

               5. Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius”.

            O PER é dominado pela autonomia dos credores e da devedora, pela desjudicialização e, sobretudo, pela celeridade.

           Se for ultrapassado o prazo para as negociações o plano não deve ser homologado, como decorre dos arts. 17º-F, nºs e 2 e 5.

           O prazo para as negociações decorre independentemente de quaisquer vicissitudes, sendo que o plano deve ser apresentado com a conclusão das negociações, não para além delas, como decorre do espírito da Lei, sobretudo, da celeridade e da improrrogabilidade do prazo negocial senão por uma única vez e de forma consensual solenizada.

           Não há um prazo para a conclusão das negociações, no máximo de três meses e um prazo posterior para apresentação do Plano de revitalização, que nem sequer está previsto – art. 17º -F, nº1, do PER.

           Do nº2 resulta que as negociações e a aprovação do plano se devem conter num prazo único –“Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal”.

           Discorrendo sobre a natureza do prazo em apreciação, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado” – 2ª edição – págs. 160/161, escrevem:

            “Com o sentido já acima explicitado, uma vez terminado o prazo das impugnações, sabe-se quem, desde logo, fica habilitado a intervir no processo negocial: todos os titulares de créditos que não tenham sido objecto de contestação, quer tenham sido subscritores da declaração inicial junta com o requerimento de instauração do processo – art. 17.°- C, n.°1 – quer não, carecendo neste caso de dar satisfação à exigência do nº7 do preceito em anotação.

           Percebe-se, assim, que o prazo a quo para o decurso das negociações se inicie com o termo do que é fixado para se poder impugnar, tal como fixado no n.°5.

            Trata-se de um prazo corrido, comungando a fase negocial do carácter de urgência que é genericamente atribuído ao processo de revitalização pelo art. 17.°-A, n.° 3.

            Nos termos em que está concebido, trata-se de um prazo de caducidade, razão pela qual, se o acordo só for obtido para além dele, não pode já ser homologado por violação não negligenciável da lei – art. 215.°, aplicável por imperativo do art. 17.°-F, n.°5.

           Aliás, segundo a disposição expressa do art. 17.°-G, n.°1, o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aqui estabelecido.

            Por esta mesma ordem de razões, para poder ser válido e eficaz, o acordo de prorrogação entre o devedor e o administrador terá de ser concluído antes de terminado o prazo inicial, exactamente porque doutra forma há a caducidade que não é reversível.” – (destaque e sublinhado nosso)

           

           No caso em apreço, o Plano de Recuperação e a aprovação pelos credores foi concluída para lá do prazo de três meses (já com a prorrogação legal de um mês), pelo que devendo a aprovação do plano estar concluída e contida nesse prazo, tendo ele sido excedido deveria ter sido proferida decisão de não homologação do plano, por não poder ser aprovado em violação de norma legal imperativa – n.º1 do art.º 17º-G, conjugada com o n.º5 do art.º 17º-D, ambos do CIRE.

           O prazo em causa é peremptório. O regime legal do art. 139º, nº5, do Código de Processo Civil, não deve ser aplicado oficiosamente carecendo da invocação da parte que pretende a prática do acto decorrido o prazo.

           

           Daí, que com o devido respeito, não se acompanha o douto Acórdão recorrido quando, como razão decisiva para considerar tempestiva o homologação do Plano, afirma:

           

           “Logo, o referido período de negociações estendeu-se por mais um mês, ou seja até 06.02.2014, sendo que em 8.02.2014 – fls. 369 e ss. – foi apresentada a Proposta do Plano de Revitalização da sociedade requerente, e em 10/02/2014 foi junta a acta demonstrativa da conclusão das negociações, conforme fls. 397 e segs.

               Ora, com o devido respeito, e tendo em conta os citados preceitos do CIRE, afigura-se-nos que o referido prazo de três meses para a conclusão das negociações foi respeitado, tanto mais que o dia 10/02/2014 foi uma 2ª feira, não tendo esse prazo a natureza de peremptório, que resulta do art. 139º, nº3, do nCPC.

                Além de que sempre teríamos de contar os 3 dias a que alude o nº5 do art. 139º do nCPC, e independentemente do pagamento de multa”.

               Importa dizer que o prazo findou a 6.2.2014 (uma quinta-feira), pelo que esse foi o termo final peremptório para apresentação do plano de recuperação, prazo que, sem qualquer justificação atendível foi ultrapassado, pelo que o plano não deveria ter sido homologado, por se tratar de um prazo de caducidade.

            Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

                Decisão:

           Nestes termos, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, decidindo-se não homologar o plano de revitalização da recorrida AA-…, Lda.

            Custas pela recorrida.

                                                       

Supremo Tribunal de Justiça, 8 de Setembro de 2015

Fonseca Ramos (Relator)

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

        

____________________
[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.

[2] A norma especial do art. 14º, nº1, do CIRE, estatui: “No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da Relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B do Código do Processo civil, jurisprudência com ele conforme”.