Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1629/15.8T8CTB.C2.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE OBJETIVA
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
PROPRIETÁRIO
DIREÇÃO EFECTIVA
SEGURO AUTOMÓVEL
SEGURO OBRIGATÓRIO
Data do Acordão: 06/02/2020
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
O art. 503.º, n.º 1, do CC, não admite que o proprietário do veículo de circulação terrestre que não é responsável objectivamente pelos danos causados pelo sinistro automóvel por falta dos requisitos legais (em especial, a falta de direcção efectiva do veículo lesante) seja responsabilizado a esse título de risco pelo incumprimento da obrigação de celebração de seguro de responsabilidade civil (arts. 4.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, de 21-08).
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 1629/15.8T8CTB.C2.S1

Revista: Tribunal recorrido – Relação de Coimbra, 1.ª Secção Cível

Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA, BB e “O Mário – Restaurante Regional, Lda.” intentaram acção declarativa de condenação por responsabilidade civil emergente de acidente de viação, com processo comum, contra CC, DD, «Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A.» e «ASF – Fundo de Garantia Automóvel» (FGA), formulando os seguintes pedidos: “a) Condenar-se a seguradora Allianz a indemnizar os AA. na quantia global de € 193.799,80), assim discriminado: a).1. Ao A. AA a quantia de € 20.000,00, a título de danos morais decorrentes da morte de sua mãe EE em consequência do acidente; a).2. À A. BB a quantia de € 20.000,00, a título de danos morais decorrentes da morte de sua mãe EE em consequência do acidente; a). 3. Aos AA. AA e BB a quantia de € 20.000,00 enquanto únicos herdeiros de EE, pelos danos morais por que esta sofreu em virtude do acidente; a).4. Aos AA. AA e BB a quantia de € 70.000,00, pela perda da vida e do direito de viver de sua mãe EE; a).5. Aos AA. AA e BB a quantia de € 11.512,14, a título de danos patrimoniais discriminados nos supra artigos 61º a 66º, acrescida do valor correspondente ao IVA que for devido aquando do pagamento da campa a que se faz menção no artigo 66º; a).6. À A. “O Mário – Restaurante Regional, Lda.” a quantia de € 52.287,66, a título de danos patrimoniais alegados e discriminados nos artigos 38º a 60º desta peça processual; a).7. Juros contabilizados sobre as quantias mencionadas nos supra números a).4, a).5 e a).6, à taxa supletiva legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento. Subsidiariamente: b) Caso venha a ser demonstrado que, à data do sinistro, não existia contrato de seguro válido e eficaz que transfira para a R. Allianz a responsabilidade civil pelos danos resultantes do sinistro, devem ser condenados solidariamente os RR. CC, DD e Fundo de Garantia Automóvel a indemnizar os Autores nas quantias acima impetradas e discriminadas na alínea a), pontos a).1 a a).7, no valor global de € 193.799,80”.

Alegaram, em síntese, que, no dia 21/11/2012, pelas 18 horas, o Réu CC conduzia o veículo automóvel com a matrícula 00-00-OZ na Estrada … n.º 00, no sentido …/…, tendo, na recta do cruzamento de …, em frente ao restaurante “Mário”, atropelado mortalmente EE, quando esta atravessava a passadeira ali existente, o que aconteceu por o Réu CC, conduzindo distraído, não ter visto a vítima. Os 1.º e 2.º Autores são os únicos filhos da falecida e, como tal, titulares de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos (pela vítima, por eles/Autores, com a perda do direito à vida) A 3.ª Autora (“O Mário – Restaurante Regional, Lda.”) sofreu prejuízos consistentes quer na perda de todo o tipo de auxílio que a falecida EE concedia ao seu restaurante (prejuízos que computou em € 36.000,00) quer nos 6 dias que, por luto dos seus sócios-gerentes (os aqui 1.º e 2.ª AA.), teve o restaurante encerrado (prejuízos que computou em € 16.287,66). Alegaram não saber se havia seguro válido e eficaz com a Ré Allianz, uma vez que, no decurso da audiência do processo-crime (no qual o Réu CC foi condenado, por sentença transitada em julgado, pelo crime de homicídio negligente, p. e p. pelo art. 137º, 2, do CPenal, em 9 meses de prisão, suspensos na sua execução: v. sentença, a fls. 50 e ss dos autos), se alegara – razão da remessa do pedido cível para os meios comuns – que não havia seguro válido e eficaz, por o seguro ter sido feito pelo anterior proprietário e à data do acidente estar o veículo já registado em nome da Ré DD, razão pelo qual, para o caso de se vir a demonstrar que não existia, demandam o CC (condutor da viatura), a DD (proprietária da viatura) e o FGA.

2. Contestaram os 4 Réus, separadamente, concluindo todos pelas suas absolvições, ou da instância ou do pedido.

O Réu FGA invocou que o veículo interveniente no acidente tinha seguro válido (titulado pela apólice 10000000) na Ré Allianz, razão pela qual terá, a seu ver, que ser, por ilegitimidade, absolvido da instância; ademais, impugnou os factos respeitantes ao acidente e aos danos (que também reputou de computados/pedidos excessivamente).

A Ré DD invocou também a existência de seguro válido na Ré Allianz e a sua ilegitimidade; alegou, a tal propósito, que, quando comprou o veículo (em 13/07/2012) a FF, este logo comunicou tal facto à Allianz por carta dirigida à mesma e entregue, no …, nas instalações do mediador (da Allianz) GG; mediador este que, por sua vez, comunicou de imediato tal venda ao funcionário da Allianz HH (que era quem, em nome e representação da seguradora, dava instruções ao mediador), o qual disse que se mantinha em vigor o contrato de seguro celebrado com o anterior proprietário (FF), uma vez que o Réu CC se mantinha como condutor habitual do veículo em causa, ou seja, por não haver agravamento de risco susceptível de justificar um outro contrato de seguro (e que um novo contrato só se celebraria aquando do termo da anuidade em curso); razão pela qual, segundo tal Ré, a posição da Allianz (de não haver seguro válido e eficaz) viola o princípio da boa fé e a tutela da confiança e representa um abuso de direito. Para além disto, impugnou a factualidade atinente à dinâmica do acidente, imputando à vítima a responsabilidade pelo acidente, pois o condutor do veículo não tinha, dado ser de noite, a iluminação ser fraca e a vítima trajar cor escura, como se aperceber da presença da vítima; e alegou que nunca teve a direcção efectiva do veículo, que sempre pertenceu ao seu irmão, o também Réu CC.

O Réu CC impugnou “genericamente” os factos aduzidos na petição inicial e disse aderir à contestação apresentada pela Ré DD.

A Ré «Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A.» suscitou a ineficácia do contrato/apólice de seguro referido nos autos, em virtude do aí tomador, FF, haver transmitido a propriedade do veículo à Ré DD em data anterior (13/7/2012) à do acidente, pelo que, à data do sinistro, já não vigorava a apólice de seguro 200000000, por terem cessado os seus efeitos às 24 horas do dia da alienação (pugnando pela procedência da excepção peremptória de ineficácia da apólice em relação ao sinistro por cessação dos seus efeito a partir desse dia 13/7/2012); no mais e à cautela, impugnou a factualidade alegada na petição inicial e reputou de excessivos os montantes indemnizatórios pedidos.

Os Autores apresentaram a sua Réplica, nos termos do art. 584º, 1, do CPC, que faz fls. 153 e ss.

Tendo sido requerido (pela Ré DD, na sua contestação, “por a ré contestante ter acção de regresso contra ele para ser indemnizado do prejuízo que lhe venha a custar a perda desta demanda”), foi admitido (despacho de 16/02/2016 – cfr. fls. 163, 168-169 dos autos) o incidente de intervenção acessória provocada de HH, enquanto representante da Ré «Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A.» e a fim de intervir nos autos como “auxiliar na defesa da Ré DD, sendo-lhe conferido o estatuto de assistente”. Citado, apresentou articulado próprio, onde negou ter sido avisado da alienação do veículo, ter dito/admitido a transferência de apólice ou sequer ter sido abordado (pelo mediador, condutor ou proprietária) sobre tal transferência; tendo apenas sido “abordado pelo mediador, em Dezembro de 2014, sobre a recusa da responsabilidade da Allianz, tendo este [mediador] referido que o condutor da viatura foi sempre o mesmo e desta forma não existiam falsas declarações” (art. 4º); acrescentando que os mediadores (como foi o caso de GG) recebem formação no sentido de não ser possível proceder à transferência de apólices em tais casos, uma vez que é o próprio sistema informático a proceder automaticamente à anulação da apólice, tendo que ser emitida uma nova apólice com um número diferente; no mais, impugnou a factualidade alegada na petição inicial e reputou de excessivos os montantes indemnizatórios pedidos. Pediu a absolvição do pedido no caso de eventual acção de regresso da Ré DD.

3. Foi dispensada a realização de audiência prévia (art. 593º, 1, CPC) e proferido despacho saneador, em que foi declarada a total regularidade da instância, tendo sido julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva suscitadas, fixado o valor da causa, sido identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Foi realizada a audiência final de discussão e julgamento em sessões de 2/2/2017, 10/2/2017, 2/3/2017 e 8/6/2017.

4. O Juiz 2 do Juízo Central Cível de ... do Tribunal Judicial da Comarca de ... proferiu sentença em 28/6/2017, na qual julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu: “1. Absolver a Companhia de Seguros Allianz da totalidade dos pedidos; 2. Condenar, solidariamente, o Fundo de Garantia Automóvel e os RR DD e CC, a pagar aos AA, AA e BB, as seguintes quantias: a) € 55.000,00, a título de indemnização pela perda do direito à vida de EE, mãe dos AA; b) 10.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima EE antes de falecer; c) € 17.000,00, para cada um dos 1.º e 2.º AA, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos com a morte de EE, sua mãe; d) € 2.012,14, aos 1.º e 2.º AA, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos com a morte de EE, sua mãe; e) a respeitante aos juros de mora que se vencerem sobre as quantias discriminadas nas als. a) a c), à taxa legal, desde a data do trânsito da presente sentença até integral e efectivo pagamento; f) a respeitante aos juros de mora vencidos e vincendos sobre a quantia discriminada na al. d), à taxa legal, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento; g) Absolver estes RR do demais peticionado. (…)”

5. Inconformados com tal decisão, interpuseram recurso de apelação os 1.º (por adesão ao recurso do FGA), 2.º e 4.º Réus, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que os absolvesse totalmente do pedido. A 4.ª Ré, Allianz, contra-alegou perante a apelação do FGA, sustentando que a sentença deveria ser confirmada integralmente mantida nos seus precisos termos.

Em 21/12/2018, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu acórdão em que decidiu anular, “ao abrigo do art. 662.º/2/c) do CPC, a decisão proferida na 1.ª Instância, para que, ampliando-se a matéria de facto, se apure/esclareça em que consistiu o ‘intuito de regularizar a situação’ referido no ponto 46 dos factos provados, devendo apurar-se/esclarecer-se (com a respectiva inclusão nos factos provados ou nos factos não provados, conforme o que se prove e for a convicção do tribunal) se o intuito de regularizar a situação, manifestado ao mediador, compreendia a celebração/manutenção dum/do seguro; podendo/devendo, se vier a revelar-se necessário, reapreciar-se outros pontos de facto, já julgados, a fim de evitar contradições, assim como fazer-se uso do art. 5.º/2/b) do CPC, adicionando-   -se, após o devido contraditório, factos complementares ou concretizadores que venham a resultar”.

6. Devolvidos os autos e tramitada a instância com as intervenções das partes para efeitos de prova, foi realizada nova audiência final de julgamento em 3/9/2018, após a qual foi proferida nova sentença em 18/9/2018, que conclui com o mesmo dispositivo da sentença anterior, julgando a acção parcialmente procedente exactamente nos mesmos termos.

7. De novo inconformada, interpôs recurso de apelação a Ré DD, visando a nulidade da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que a absolva de todos os pedidos formulados pelos Autores. Delimitada a questão recursiva na apelação – “que, em síntese, se traduz em tal R/recorrente sustentar que, em face dos factos, não podia, como foi, ter sido condenada, uma vez que só pelo risco podia ser condenada e não se provou quer a relação de comissão entre ela e o 1.º R. (e condutor do veículo) quer a sua direcção efectiva do veículo (embora seja a sua proprietária)” –, julgada nula a sentença recorrida nula, nos termos do art. 615º, 1, d), do CPC (“omissão de pronúncia”) e assumidos os poderes de substituição conferidos nos termos do art. 665º do CPC, foi proferido acórdão pelo TRC, em 2/4/2019, em que, depois de tais pronúncias e fundamentação da questão decidenda, julgou-se a apelação da Ré DD e, “revogando-se a decisão recorrida na parte em que a condenou, substituiu-se a mesma pela sua total absolvição do pedido”, “[m]antendo-se, com excepção do que diz respeito à 2.ª R., tudo o mais (condenações e absolvições) que foi decidido (e que não foi objecto de qualquer recurso) na sentença de 1.ª instância”.

8. Inconformado, o FGA interpôs recurso de revista para o STJ, em cujas alegações apresentou as seguintes Conclusões:

“1. O douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra absolveu a proprietária do veículo causador do acidente, que não detinha seguro válido.

2. Resultou provado que o veículo de matrícula 00-00 -ZO era, à data dos factos, propriedade da Ré DD e que não tinha seguro válido.

3. Encontram-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, relativamente à proprietária do veículo ZO, que violou a obrigação de segurar que se lhe impunha.

4. Tal violação tem natureza dolosa!

5. Não releva se DD detinha ou não a direção efetiva do veículo, ou se entre ela e o condutor na ocasião do acidente existia ou não uma relação de comissão.

6. Antes disso, releva que a mesma era proprietária e não contratou para o seu veículo o obrigatório seguro de responsabilidade civil automóvel.

7. Deverá, pois, DD ser condenada no pedido, na qualidade de proprietária do veículo sem seguro que causou danos a terceiros.

8. Mantendo-se a sua absolvição, terá o Fundo de Garantia Automóvel de ser absolvido da presente instância, por ilegitimidade.

9. O douto acórdão de fls. violou os seguintes artigos do DL 291/2007, de 21 de agosto: a) 4º, nº 1 b) 6º, nº 1 c) 15º, nº 1 d) 54º, nº 3 e) 62º, nº 1, in fine”.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO

1. Objecto do recurso
O conteúdo das Conclusões da Recorrente define em primeira linha o objecto do conhecimento do tribunal que aprecia o recurso (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), sem prejuízo das questões de oficioso conhecimento, desde que não decididas (art. 608º, 2, CPC). O âmbito do recurso é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida (questões suscitadas e apreciadas pelo tribunal recorrido), não podendo constituir-se decisões sobre matéria nova, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

Em consequência, importa conhecer nesta revista das seguintes questões:

— responsabilidade da Recorrida DD pela indemnização em razão de, na qualidade de proprietária do veículo, não ter celebrado seguro de responsabilidade civil automóvel válido e eficaz, em razão da interpretação e aplicação dos arts. 4º, 1, 6º, 1, 15º, 1, 54º, 3 e 62º, 1, do DL 291/2007, de 21 de Agosto;

— responsabilidade do Recorrente em caso de manutenção da absolvição da Recorrida DD.

2. Factualidade

É a seguinte a factualidade dada como provada nas instâncias:

1. No dia 21.11.2012, pelas 18h, o R. CC conduzia o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, com a matrícula 00-00-OZ na Estrada …, no sentido …/….

2. Ao Km 48,500, na denominada “recta do cruzamento de …”, EE atravessava a passadeira aí existente, no sentido poente-nascente, ou seja, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo R. CC.

3. Após ter atravessado a metade esquerda da faixa de rodagem (atento o sentido de trânsito …/…), rumando na direcção poente/nascente, EE parou por breves instantes no separador central, após o que iniciou o atravessamento da hemi-faixa do lado direito da estrada, atento o mesmo sentido de trânsito.

4. Nesse momento, aproximavam-se da dita passadeira dois veículos automóveis que pararam a sua marcha para darem passagem a EE.

5. Todavia, o R. CC não se dando conta que os dois veículos que circulavam à sua frente, no mesmo sentido de trânsito, estavam parados na via do lado direito para permitir que EE atravessasse a estrada, não reduziu a velocidade e foi colher EE, nela embatendo com a frente, do lado esquerdo, por cima do farol do veículo.

6. Fruto do embate, o corpo de EE foi projectado contra o pára-brisas desse mesmo lado esquerdo do veículo, que se partiu, sendo o corpo levado à frente, por cima do capot do veículo até ao local onde este se imobilizou, caindo na sua frente.

7. O R. CC apenas conseguiu imobilizar o automóvel por si tripulado cerca de 17 metros de distância, medida após a passadeira de peões.

8. EE ainda foi assistida pelo INEM no local do sinistro, porém, veio a falecer nesse mesmo dia, cerca das 18.40h.

9. A sua morte ficou a dever-se a lesões traumáticas cervico-meningo medulares e torácico-abdominais resultantes do acidente descrito.

10. No local do acidente, o pavimento é de betuminoso flexível; é uma recta com a extensão de 550 m, com ligeiro aclive (1% no sentido …/…) e com uma rotunda em cada uma das suas extremidades; é uma recta com sentido duplo, com duas vias de trânsito para cada sentido de marcha, separadas por uma placa central (tipo passeio) com cerca de 1 m de largura; a faixa de rodagem tem, ao todo, cerca de 13,50m de largura, tendo cada uma das quatro vias de trânsito a largura de 3,325m; existem passeios com cerca de 1,5m dos dois lados da faixa de rodagem; não existem lombas, curvas, ou obstáculos na via que impeçam a visibilidade.

11. Atento sentido de marcha .../... é possível avistar a faixa de rodagem, em toda a sua extensão, a mais de 300m de distância.

12. À data do acidente descrito o pavimento estava com a superfície seca e limpa e o tempo estava bom.

13. Na recta que antecede o restaurante “O Mário”, atento o sentido .../..., e junto ao local onde se deu o embate, a faixa de rodagem é marginada por casas de habitação, estabelecimentos comerciais, parques de estacionamento, um restaurante e uma fábrica, a “Cerâmica …”.

14. Antes do local do acidente, atento o sentido .../..., existia à data a seguinte sinalização vertical: sinalização luminosa a 116.75m; sinal A16a (passadeira para peões, situada a 90,0 m); sinal C13 (proibição de exceder a velocidade máxima de 50 km/hora, situado a 39m); sinal B7 (aproximação de rotunda, situado a 31,3m); sistema principal de luzes (semáforo), situado nas margens, direita e esquerda, da faixa de rodagem, aquele a 15,5m antes do PFR e este a 14,8m).

15. E existia a seguinte sinalização horizontal: linha M2 (linha descontínua delimitadora das vias de trânsito, tanto no sentido de marcha .../..., como no sentido inverso); marca M8 (linha de paragem STOP); marca M11 (passagem para peões) e passadeira para peões desenhada no pavimento.

16. No momento e local em que ocorreu o acidente, havia vários veículos a circular nos dois sentidos de trânsito.

17. E ainda havia luz do dia e o local estava já iluminado através de postes e de luzes do restaurante “O Mário”.

18. EE nasceu a 00.00.1931 e faleceu no estado de viúva.

19. Deixou como únicos e universais herdeiros os seus filhos, os aqui 1.º e 2.º AA.

20. EE vivia em comunhão de mesa, habitação e economia com os seus filhos, aqui AA.

21. O estabelecimento “O Mário – Restaurante Regional, Lda”, tem cariz familiar e desde há décadas era explorado pelos pais dos AA e a partir de 2003 pela sociedade, 3.ª A, cujos únicos sócios e gerentes são os 1.º e 2.º AA.

22. EE tinha presença assídua no restaurante aludido, prestando auxílio, designadamente na programação e realização das tarefas diárias, das ementas, dos eventos (casamentos, baptizados etc), bem como na recepção e diálogo que mantinha com alguma clientela, designadamente a mais antiga.

23. Ela própria cultivava produtos agrícolas e/ou hortícolas e frutos de elevada qualidade, que colhia e levava para o restaurante “O Mário”, onde eram servidos frescos, designadamente couve, alface, cherovia seleccionada, batata, azeitona cordovil seleccionada e retalhada à mão, beringela, courgette, tomate, feijão-verde, espinafre, salsa, agrião, coentros, cenoura, mogango, beterraba, morango, pêra, maçã, romã, figo e uva de mesa…

24. Confeccionava os denominados “produtos de mimo”, como marmelada, compotas e doces caseiros, que eram muito apreciados pelos clientes do restaurante.

25. Com o seu decesso, não mais os aludidos produtos foram servidos no restaurante dos Autores, que passaram desde então a adquiri-los no mercado.

26. E ocupava-se da gestão operacional da cozinha do restaurante, onde era muito interventiva, e substituía a gerência (ou seja, os co-Autores AA e BB), sempre que era necessário.

27. Não obstante a sua idade, gozava de boa saúde, era robusta e activa, de notório vigor físico, sem doenças conhecidas que afectassem o seu estado de saúde e a sua capacidade de trabalho.

28. Levantava-se diariamente muito cedo e ocupava-se das tarefas do restaurante, antes de rumar aos prédios rústicos nas proximidades do mesmo, onde se dedicava às tarefas agrícolas, particularmente à produção de produtos hortícolas que se destinavam, em grande parte, ao consumo no restaurante “O Mário”.

29. Era muito trabalhadora, cuidadosa, competente e considerada, estava ligada aos filhos por sólidos laços de afectividade e solidariedade.

30. Durante os seis dias que se seguiram ao óbito da sua mãe, os co-Autores AA e BB tiveram que encerrar o bar e restaurante “O Mário”, a fim de tratarem dos procedimentos habituais das exéquias fúnebres e cumprirem o seu luto e respeitarem o luto dos demais familiares e amigos da inditosa EE.

31. Durante esse período de tempo a sociedade “O Mário – Restaurante Regional, L.da” não obteve as receitas que, normalmente, obteria com a exploração do bar e do restaurante, se os mesmos não tivessem ficado encerrados.

32. O encerramento do estabelecimento abrangeu, também, o período do fim-de-semana, durante o qual o fluxo da clientela é muito mais elevado (quadruplicando o volume de negócios durante esse período quando comparado com os outros dias da semana).

33. A agência funerária que se encarregou do funeral da mãe dos Autores cobrou a quantia de € 1.515,00 (mil, quinhentos e quinze euros) pelo funeral, que estes pagaram.

34. E pagaram a quantia de € 100,00 (cem euros) pela abertura da sepultura para inumação do cadáver de sua mãe no cemitério de ….

35. E pagaram € 397,14 (trezentos e noventa e sete euros e catorze cêntimos) pelos anúncios do óbito e das exéquias fúnebres.

36. E pela campa na sepultura de sua mãe, no cemitério de .., terão que pagar a quantia de € 9.000,00 (nove mil euros), acrescida do IVA à taxa legal em vigor no momento do pagamento.

37. No momento da ocorrência do fatal sinistro, quando o veículo tripulado pelo co-Réu CC nela embateu, a malograda EE apercebeu-se que estava a ser atropelada em plena passadeira.

38. E sentiu dores físicas no momento em que foi colhida violentamente pela parte esquerda frontal do veículo, que a projectou contra o para-brisas e a levou à frente, em cima do capot, a 17 metros de distância.

39. Sentiu angústia e desespero pela percepção da ocorrência do embate e da fatalidade das suas consequências.

40. Os Autores AA e BB sofreram, sofrem e continuarão a sofrer para o resto dos seus dias profunda dor e incomensurável tristeza pela morte da sua mãe, a infeliz EE, desde a qual não mais sentiram o mesmo prazer de viver, nem conseguem reagir ao desgosto que a perda da mãe em tão trágicas e imprevistas circunstâncias lhes trouxe e que jamais serão capazes de esquecer.

41. Tiveram que receber apoio e conforto de familiares e amigos.

42. A Autora BB teve, até, que recorrer a ajuda médica especializada e continua a ir a consulta e a receber tratamento de psicologia no departamento de psiquiatria do CH ....

43. Entre a Ré Allianz, como seguradora, e FF, como tomador, foi celebrado seguro automóvel de responsabilidade civil relativamente ao veículo 00-00-ZO através da Apólice n.º 200000000.

44. A propriedade do veículo, à data do acidente dos autos, encontrava-se registada a favor da R. DD, pela Ap. 00600, de 13.07.2012.

45. Das condições particulares da apólice nº 200000000 consta como condutor habitual do veículo em causa o R. CC.

46. Em 12 de Julho de 2012, FF transmitiu esse veículo à R. DD e nesse mesmo dia, o FF, juntamente com o CC, foram ter com o mediador de seguros da R. seguradora, GG, com o intuito de regularizar a situação, designadamente cancelar o seguro para permitir a devolução do “remanescente pago”, tendo o mediador ajudado o FF a redigir a carta junta a fls. 102, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, dirigida à Seguradora onde, para além do mais, comunica a venda feita à DD e que o condutor habitual se mantinha o co-réu CC, tendo tal carta sido recebida pelo mediador, o qual na mesma apôs o seu carimbo, data de recebimento e assinatura.

47. Porém, tal carta não seguiu para a co-Ré Seguradora.

48. HH era quem, em representação da co-ré seguradora, mantinha com o mediador GG uma relação comercial que se traduzia na recolha das propostas de seguros, suas alterações e no tratamento de todos e quaisquer actos relacionados com a actividade de seguros, funcionário este que lhe dava instruções sempre em nome e representação da seguradora referentes a essa mesma actividade.

49. Entre este mediador e o dito funcionário e representante da seguradora desde há muitos anos que havia uma relação comercial intensa e continuada, sendo, de resto, todos amigos, com convivência assídua.

50. Era o mediador em causa quem recebia propostas de seguro e declarações de vontade e as reencaminhava para a co-ré seguradora e, em nome dela, recebia as participações de sinistro e procedia à gestão de quaisquer sinistros, além de receber os prémios directamente dos segurados, embora com a obrigação assumida entre ambos de entregar, de imediato, as importâncias recebidas à co-ré seguradora.

51. A co-ré seguradora, na sua contestação ao pedido cível formulado nos autos de processo comum singular nº 537/12. 9GBFND, que correu termos nesta comarca, na instância local criminal do …, alegou, para além do mais, que tinha celebrado com FF um contrato de seguro titulado pela apólice n.º 2000000000 e que o acidente lhe foi comunicado por este, desconhecendo, todavia, como ocorreu, por o dito FF nada mais lhe ter comunicado; e, mais alegou aceitar que o acidente ocorreu, mas não aceitou os danos.

52. Nesse mesmo processo, posteriormente à apresentação da contestação ao pedido cível, a Ré seguradora atravessou o requerimento de fls. 48 verso a 49 verso, onde refere que após as declarações prestadas na 1.ª sessão de audiência de julgamento, ficou a saber que o veículo por si seguro havia sido vendido pelo segurado FF a uma irmã do (ali) arguido em data anterior ao acidente; e que consultou, então, o registo automóvel e apurou que a propriedade do mesmo se encontrava registada, desde 13.07.2012, em nome de DD, em data anterior ao acidente, pelo que negou a sua responsabilidade, por os efeitos do seguro terem cessado às 24 horas desse dia 13.07.2012.

53. A ré DD nunca utilizou o veículo em causa, directa ou indirectamente, nunca o conduziu, nem nunca ele foi conduzido a ordens ou interesses seus.

54. Nunca cuidou da sua manutenção, das revisões periódicas ou outras, nunca pagou os impostos devidos pela sua circulação como nunca pagou nem o prémio do seguro ou as portagens ou taxas devidas pela sua condução.

55. O único utilizador do veículo em causa foi sempre o co-réu CC, irmão da co-ré DD, e foi sempre ele quem cuidou do seu funcionamento e conservação, fazendo e suportando as suas revisões mecânicas, ordenando e suportando as suas reparações e substituição de peças e/ou pneus, pagando os impostos respectivos, multas e também os serviços do sistema Via Verde, conduzindo-o quer no exercício da sua actividade profissional quer nos seus momentos de lazer ou recreio e fê-lo sempre de modo livre e independente.

56. O interveniente HH enquanto técnico comercial da Ré Allianz Portugal SA, em ..., não atende o público, não contrata apólices e a sua função no escritório é formar os mediadores e apoiar a actividade desenvolvida pelos mediadores.

57. Desde 2007 que a Ré Allianz Portugal deixou de ter balcões de atendimento directo e o canal comercial é exclusivamente assumido por mediadores, únicas pessoas que celebram directamente os contratos com os proponentes e clientes.

58. O mediador do contrato recebeu formação no sentido de não ser possível proceder à transferência de apólices.

Foram considerados não provados os seguintes factos:

a) Aquando do acidente a infortunada mãe dos Autores levava consigo um fio de ouro, que desapareceu e não mais foi encontrado.

b) O dito fio de ouro tinha o valor de, pelo menos € 500,00 (quinhentos euros).

c) Em vida, EE produzia azeite e vinho de apreciada qualidade, que eram servidos no restaurante.

d) O local do acidente, quando este se verificou, encontrava-se mal iluminado, sendo que a iluminação pública da via de trânsito e a dos semáforos aí existente estava desligada.

e) A generalidade dos veículos que circulavam em ambos os sentidos, incluindo o conduzido pelo R. CC, levava os médios ligados.

f) E isto porque era de noite e a linha do horizonte, ainda que fosse possível descortiná-la, não se apresentava já com evidência.

g) Por outro lado, a pouca luz emanada desse horizonte era bloqueada pelos edifícios circundantes do local do acidente.

h) Sendo que as luzes do restaurante e de um seu reclamo, que já se encontravam acesas, eram de todo insuficientes para iluminar o preciso local do acidente.

i) Os postes existentes e o semáforo dificultavam a visão a um condutor que seguisse na linha de trânsito mais à esquerda, junto do dito separador central, no sentido .../..., de qualquer pessoa que pudesse se encontrar em pé e imóvel no meio desse separador central.

j) O que já não aconteceria com qualquer condutor que seguisse na linha de trânsito mais à direita, junto à berma, no mesmo sentido, pois que o mesmo teria uma visão perfeita do separador central e avistaria o peão que aí se encontrasse imobilizado.

k) No instante em que EE parou no meio do separador central aproximou-se do local em causa o veículo conduzido pelo R. CC, seguindo a uma velocidade inferior a 50 Kms/hora mas reduzindo-a ainda à medida que se aproximava da passadeira, pela linha de trânsito mais à esquerda junto ao separador central, no sentido .../..., uma vez que na linha da direita seguiam outros veículos em marcha lenta que pretendiam cortar à sua direita antes ainda daquele local em causa.

l) O R. CC não viu o peão em momento algum anterior ao embate por ser já de noite, com fraca iluminação, e por se encontrar, vestido de cor escura, no meio do separador central, parcialmente encoberto pelos vários postes de iluminação e semáforo existentes no separador central.

m) EE também não viu o veículo conduzido pelo R. CC e, porque o não viu, decidiu atravessar a passadeira quando esse veículo se encontrava já a poucos metros distância, cerca de 6 ou 8.

n) E, antes que acabasse de dar o primeiro passo, na passadeira, o peão é embatido pelo veículo, cerca de 0,5 metros de distância do separador central.

o) O Interveniente não foi avisado da alienação do veículo seguro pela apólice 200000000 e só tomou conhecimento da alienação do veículo através da presente acção.

p) Nunca foi abordado pelo mediador, condutor ou proprietária do veículo sobre a transferência de propriedade do veículo 00-00-ZO.

q) O Interveniente não conhece nem nunca viu a Ré DD e nunca falou sobre o seguro dos autos, ou outro, com FF.

r) O Interveniente não teve qualquer intervenção na negociação da Apólice dos autos, não acompanhou eventuais pedidos nem teve qualquer contacto com a Ré DD.

s) O ora interveniente não foi informado pelo mediador do contrato, pelo segurado, pelo condutor habitual ou por terceiro da situação da propriedade do veículo ou da carta que consta no processo, que ignorava existir.

t) O mediador GG comunicou de imediato a venda do veículo e os termos pretendidos pela compradora DD à co-ré seguradora, justamente a um funcionário da mesma, de seu nome HH.

u) Foi o próprio funcionário da co-ré seguradora, o dito HH, quem aceitou que se mantivesse em pleno vigor o contrato de seguro celebrado com o dito FF, titulado pela apólice nº 200000000.

v) O mencionado mediador GG comunicou ao FF e ao CC que se mantinha a apólice anterior em vigor, pois o “risco mantém-se dado o condutor habitual continuar a ser o CC” e que “o novo contrato entre a co-ré seguradora e a compradora só se celebraria aquando do termo da anuidade em curso”.

w) O vendedor FF e o R CC ficaram cientes de que o contrato em causa, titulado pela apólice nº 200000000, se mantinha plenamente válido e que estaria em vigor na data do acidente em causa.

x) Nas circunstâncias mencionadas em 46 a Ré DD não esteve presente.

y) A co-ré seguradora reembolsou o co-réu CC das despesas judiciais (honorários do mandatário) com o sobredito processo crime ao abrigo da protecção jurídica do seguro em causa.

3. O direito aplicável às questões recursivas

3.1. No âmbito da resposta e fundamentação a dar sobre a responsabilidade indemnizatória da Ré e Recorrida DD, no âmbito de previsão e aplicação do art. 503º do CCiv. – “quanto a não poder a R/recorrente ser responsabilizada nos termos do art. 503.º por, embora proprietária, não ter a direcção efectiva do veículo “causador” do acidente e dos danos na infeliz EE” –, o acórdão recorrido foi bem explícito e completo:

“Na origem e razão de ser da responsabilidade objectiva, pelo risco, está, consabidamente, a “teoria” de que todo aquele que cria ou mantém um risco em proveito próprio deve suportar as consequências prejudicais do seu emprego, já que é ele que deles colhe o principal benefício (a ideia expressa no brocardo latino “ubi commodum ibi incommodum”).

É esta a razão de ser, sendo os veículos automóveis coisas perigosas, da previsão da responsabilidade objectiva, fundada no risco, consagrada no referido 503.º/1 do C. Civil.

Preceito que identifica a pessoa do responsável – quem responde objectivamente – com o fito de fixar o critério aplicável às múltiplas situações em que o uso e o domínio formal do veículo não coincidam; e que não tem em vista afastar a responsabilidade objectiva do proprietário que, presuntivamente, é o detentor do veículo e o interessado na sua utilização.

Em princípio e como regra, podemos pois afirmar que o responsável objectivo é o dono do veículo; é ele a pessoa que aproveita as especiais vantagens do veículo e quem correlativamente deve arcar com os riscos próprios da sua utilização.

“Porém, se houver um direito de usufruto sobre a viatura, ou se o dono tiver alugado ou emprestado o veículo (…), já a responsabilidade (objectiva) do dono se não justifica, à luz dos bons princípios” [Antunes Varela, Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª ed., pág. 656].

Assim, tendo em vista as múltiplas situações em que o uso e o domínio formal do veículo andam desligados, introduziu o art. 503.º/1 as duas notas que conduzem a tal responsabilidade objectiva: a) direcção efectiva do veículo; b) utilização deste no próprio interesse.

Com expressão/fórmula “ter a direcção efectiva do veículo”, tem-se em vista abranger todos aqueles casos em que alguém, mesmo sem o domínio jurídico, pela situação de facto em que se encontra investido, está incumbido de tomar as providências adequadas para que o veículo funcione sem causar danos a terceiros (daí o dizer-se que tem a direcção efectiva do veículo quem tiver o poder real, efectivo, de facto sobre o veículo; quem for possuidor em nome próprio); e com o requisito “utilização no próprio interesse”, tem-se em vista afastar a responsabilidade objectiva de quem, como o comissário, utiliza o veículo, não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outrem (o comitente).

Significa isto que as duas referidas notas têm em vista incluir na responsabilidade objectiva todos aqueles que, mesmo sem ser proprietários, têm o poder efectivo e de facto sobre o veículo e afastar todos aqueles que conduzem/utilizam o veículo no interesse do titular do poder de facto.

Em vez de se considerar, pura e simplesmente, que a responsabilidade objectiva recai sobre o titular do direito de propriedade, prevaleceu a orientação que não olha apenas à titularidade jurídico-formal, atendendo também à direcção efectiva do veículo e ao interesse na utilização dele.

Pode pois dizer-se que, em acidentes causados por veículos, haverá sempre alguém como sujeito passivo da responsabilidade objectiva estabelecida pelo art. 503.º do C. Civil; e que, por defeito, na ausência de elementos factuais que atribuam a direcção efectiva do veículo a outrem, “entra” o proprietário como sujeito passivo de tal responsabilidade.

O que, revertendo aos autos, em face do que consta dos pontos 53 a 55 dos factos provados, não é o caso.

Estando provado que a R/recorrente:

 - Nunca utilizou o veículo em causa (directa ou indirectamente);

 - Nunca o conduziu, nem o veículo foi conduzido por ordens ou interesses seus;

 - Nunca cuidou da sua manutenção, das revisões periódicas ou outras;

 - Nunca pagou os impostos devidos pela sua circulação como nunca pagou nem o prémio do seguro ou as portagens ou taxas devidas pela sua condução.

E estando ainda provado:

 - Que o único utilizador do veículo em causa foi sempre o 1.º R., que sempre quem cuidou do seu funcionamento e conservação, fazendo e suportando as suas revisões mecânicas, ordenando e suportando as suas reparações e substituição de peças e/ou pneus, pagando os impostos respectivos, multas e também os serviços do sistema Via Verde, conduzindo-o quer no exercício da sua actividade profissional quer nos seus momentos de lazer ou recreio e fê-lo sempre de modo livre e independente.

Está/ficou provado que é/era o 1.º R. que tinha a direcção efectiva do veículo; não tinha, é certo, o seu domínio jurídico, mas pela situação de facto em que se encontrava investido – utilizando permanente e exclusivamente o veículo, no seu restrito e único interesse – era ele que tinha o poder real sobre o veículo, era ele que estava incumbido de tomar as providências adequadas para que o veículo funcionasse sem causar danos a terceiros e, por conseguinte, era ele – e não a R/recorrente, sua proprietária – que tinha a direcção efectiva do veículo e que, em consequência, era, nos termos do art. 503.º/1 do C. Civil, a única pessoa objectivamente responsável.

Efectivamente, tendo prevalecido, no art. 503.º do C. Civil, a orientação que não olha apenas à titularidade jurídico-formal, impõe-se considerar que o quadro factual provado é paradigmático da não coincidência entre uso e o domínio formal do veículo; e estando claramente provado quem é o titular exclusivo de tal uso é ele – e só ele – quem tem a direcção efectiva e quem “entra” a responder objectivamente.

Em conclusão, não tendo a R/recorrente a direcção efectiva do veículo “causador” do acidente e dos danos na infeliz EE e não podendo ser responsabilizada civilmente a qualquer outro título, não é responsável pela indemnização (cujos montantes, como se referiu, nunca fez parte do objecto dos recursos) concedida ao 1.º A. e à 2.ª A. e, por conseguinte, não podendo ser condenada, há que revogar o decidido – e julgar procedente a sua apelação – e absolvê-la, de todo, do pedido.”

Não obstante, entrará ainda no âmbito de aplicação do art. 503º do CCiv. a responsabilidade do titular da propriedade do automóvel lesante pelo facto de ter omitido o dever de celebrar o respectivo seguro de responsabilidade civil?

Como há muito salienta a doutrina e foi salientado pelo acórdão recorrido, “a fórmula (…) – ter a direcção efectiva do veículo – destina-se a abranger todos aqueles casos em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objectiva, por se tratar das pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontram investidas, tomar as providências para que o veículo funcione sem causar dano a terceiros. A direcção efectiva do veículo é o poder real (de facto) sobre o veículo e constitui o elemento comum a todas as situações referidas [proprietário, usufrutuário, adquirente com reserva de propriedade, comodatário, locatário, o que o furtou, condutor abusivo, possuidor em nome próprio], sendo a falta dele que explica, em alguns dos casos, a exclusão da responsabilidade do proprietário. Tem a direcção efectiva do veículo aquele que, de facto, goza ou usufrui as vantagens dele, e a quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento”. Por outro lado, o segundo requisito da lei – utilização no próprio interesse – “visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o comissário, utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outrem”.[1] Em suma, a cumulação destes dois requisitos não exige, para a responsabilidade objectiva ser decretada, a titularidade jurídica de direito sobre o veículo (proprietário, usufrutuário, comodatário, locatário, beneficiário de aluguer, etc.)[2] e, portanto, é alheia aos deveres que sobre tal titular incumbem enquanto refracção jurídica dessa titularidade. Razão pela qual não se pode imputar responsabilidade indemnizatória à proprietária sem direcção efectiva do veículo apenas porque, na qualidade de proprietária, não observou obrigação necessária e imperativa para circulação terrestre do veículo lesante, como aquela que resulta dos arts. 4º, 1, e 6º, 1, do DL 291/2007.

Outra questão seria fazer condicionar a responsabilidade determinada pela previsão do art. 503º, 1, do CCiv. pelo cumprimento desse art. 4º, 1 («Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto-lei.»), em conjugação com o art. 6º, 1 («A obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário.»). Ou alargar tal responsabilidade ao titular da propriedade do veículo, mesmo que não fosse responsável por não ter a direcção efectiva e/ou não ter a utilização no próprio interesse, pelo incumprimento da celebração obrigatória do seguro de responsabilidade civil automóvel.

Ambas as hipóteses merecem resposta negativa.

A primeira decorre dos requisitos do art. 503º, 1, do CCiv. E é confirmada pelo art. 15º, 1, do DL 291/2007: «O contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 4.º e dos legítimos detentores e condutores do veículo». Nesta última parcela de garantidos pela abrangência do seguro estão justamente aqueles que não são proprietários do veículo e que, uma vez responsabilizados, vêem o seguro actuar igualmente em proveito dos beneficiários da responsabilidade (nos termos do art. 504º do CCiv.). Não como condição da sua responsabilidade mas antes como previsão de benefício para terceiro afectado pelos danos provocados pelos detentores e condutores com legitimidade para a direcção do veículo.

A segunda decorre ainda dos requisitos do art. 503º, 1, do CCiv. E é complementada pelo mecanismo juscivilístico de suprimento do incumprimento da celebração do seguro de responsabilidade civil automóvel: a reparação dos danos é garantida pelo FGA (arts. 47º, 1, 62º, 1, 69º e ss, DL 291/2007); satisfeita a indemnização, o FGA fica sub-rogado (legalmente) nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e de reembolso (art. 54º, 1, DL 291/2007); ficam solidariamente responsáveis pelo pagamento ao FGA «o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro» (art. 54º, 3, DL 291/2017), ficando os pagantes a beneficiar de «direito de regresso contra outros responsáveis, se os houver, relativamente ao que tiverem pago» (art. 54º, 5, DL 291/2017).
Quanto a essa responsabilidade solidária pelo pagamento ao FGA (art. 54º, 3), advirta-se ainda que, não obstante a letra da lei, não é responsável o proprietário (ou titular de outro título) só pelo facto de não ter cumprido a obrigação de seguro. Como enfatizou recentemente o Ac. do STJ de 6/6/2019[3], para o ponto que aqui interessa, só se for civilmente responsável pelos danos resultantes do acidente é que pagará ao FGA. Solução contrária – e que poderia ajudar à tese gizada pelo Recorrente – poderia tornar o proprietário garante ou mesmo responsável final pelo reembolso do FGA apenas por não ter cumprido a obrigação de segurar (e, até, em situações em que o veículo fora utilizado por outrem sem o seu conhecimento ou contra a sua vontade). Isto é, sem que houvesse fundamento para a responsabilidade do proprietário de um veículo no âmbito do art. 503º, 1, do CCiv. “Ora [sigamos o raciocínio essencial do aresto], para além de ser no mínimo discutível, em tal situação, a adequação entre a violação da obrigação de segurar e a respectiva consequência, a verdade é que o texto legal continua a qualificar como de sub-rogação aos lesados o direito de reembolso que confere ao FGA que os indemnizou, por não haver seguro que cobrisse o acidente”; “a sub-rogação (…) pressupõe (…) que o direito existe na esfera jurídica do credor e se transmite para o que fica sub-rogado. O direito de regresso é antes um direito novo, que se constitui na esfera jurídica de quem paga e que provoca a extinção total ou parcial da relação jurídica que estiver em causa, e não a transmissão da posição de credor. (…) O legislador teve seguramente presente esta diferença, quando, no nº 3 do artigo 54º do Decreto-Lei nº 291/2007, dispôs que, tendo pago a indemnização, o FGA se sub-roga nos direitos do lesado e, no nº 5, estabeleceu que “são solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do nº 1 (…), o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro[4].

Logo, não se vê errada interpretação e aplicação do regime aplicável do DL 291/2007 e é de manter a absolvição da Ré DD, improcedendo as Conclusões 1. a 7. do Recorrente.

3.2. Consequentemente, não há como absolver do pedido, por ilegitimidade, o FGA, pelo simples facto de só se ter responsabilizado o detentor efectivo do veículo-não proprietário – a isso obsta a aplicação do art. 62º, 1, do DL 291/2007: «As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade». O que releva para essa legitimidade processual passiva é, portanto e tão-somente, a inexistência de seguro válido e eficaz em benefício dos lesados e não a determinação dos lesantes responsáveis, nessa circunstância, com o FGA. A natureza subsidiária da intervenção do FGA, como garante do pagamento das indemnizações devidas a terceiro pelo sujeito da obrigação de segurar que não tenha cumprido essa obrigação, não derroga os princípios gerais da responsabilidade civil[5] e – para o que interessa – a aplicação do art. 503º do CCiv. não depende da qualidade dos lesantes responsáveis civilmente pelos danos causados. Logo, improcede a Conclusão 8. invocada em abono da revista.

III. DECISÃO

Em conformidade, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

STJ/Lisboa, 2 de Junho de 2020

Ricardo Costa – Relator

Maria da Assunção Raimundo

Ana Paula Boularot (Vencida nos termos da Declaração de Voto que junto)

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DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencida, teria dado provimento ao Recurso de Revista, revogando a decisão plasmada no Acórdão sob censura, repristinando a sentença de primeiro grau.

Porquanto.

A tese que fez vencimento no presente Acórdão, mantém a tese sustentada pelo segundo grau de que a Ré DD, proprietária do veículo, não tinha a sua direcção efectiva e por isso não poderia ser responsabilizada pelos danos causados, nos termos do artigo 503º, nº1 do CCivil, mantendo a absolvição do pedido contra ela formulado.

Recordo aqui, que a Ré/Recorrida, proprietária do veículo causador do acidente, omitiu a obrigação de o segurar; que o seu condutor habitual era o seu irmão aqui co-Réu CC, mantendo a mesma condição que já tinha anteriormente, quando o veículo era propriedade de FF transmitente do veículo à Ré; a Ré nunca utilizou o veículo em causa, directa ou indirectamente, nunca o conduziu, nem nunca ele foi conduzido a ordens ou interesses seus; nunca cuidou da sua manutenção, das revisões periódicas ou outras, nunca pagou os impostos devidos pela sua circulação como nunca pagou nem o prémio do seguro ou as portagens ou taxas devidas pela sua condução; o único utilizador do veículo em causa foi sempre o co-réu CC, irmão da co-ré DD, e foi sempre ele quem cuidou do seu funcionamento e conservação, fazendo e suportando as suas revisões mecânicas, ordenando e suportando as suas reparações e substituição de peças e/ou pneus, pagando os impostos respectivos, multas e também os serviços do sistema Via Verde, conduzindo-o quer no exercício da sua actividade profissional quer nos seus momentos de lazer ou recreio e fê-lo sempre de modo livre e independente pontos de facto 45., 46. e 52. a 55..

Da propriedade resulta a presunção de direção efetiva do veículo por parte do proprietário e de utilização no interesse deste, dispondo o artigo 1305º do CCivil no que a este propósito diz respeito que «O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.».

Sobre a Ré, enquanto proprietária, recaía a obrigação de segurar o veículo, de harmonia com o disposto nos artigos 4º, nº1 e 6º, nº1 do DL 291/2007, de 21 de Agosto, pois nessa qualidade poderia sempre vir a ser responsabilizada por danos causados a terceiros pelo veículo sua propriedade, de harmonia com o preceituado no normativo inserto no artigo 483º, nº1 do CCivil, daí decorrendo a sua eventual obrigação de os indemnizar, quer a titulo de culpa quer a titulo de risco.: estamos em sede de seguro obrigatório, convém não esquecer.

Acentue-se, que no caso de omissão da efectivação de contrato de seguro, a obrigação de indemnizar os lesados recai sobre o FGA, nos termos do artigo 47º, nº1 do DL 291/2007, instituição esta que subsequentemente à satisfação das indemnizações, fica sub-rogado nos direitos daqueles, podendo exercê-los contra «o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro.», nº3 do artigo 54º daquele mesmo diploma.

In casu, os lesados demandaram desde logo todas as pessoas que entendiam ser as responsáveis pelos danos sofridos, isto é, o FGA, aqui Recorrente, pelo facto de o veículo causador do sinistro não ter seguro válido, o condutor do veículo e a Ré, aqui Recorrida, na sua qualidade de proprietária do veículo.

A Ré/Recorrida, não é a responsável directa do sinistro, não lhe podendo ser o mesmo assacado a titulo de culpa, afastada ficando desta sorte a sua responsabilização nos termos do nº1 do artigo 483º do CCivil, normativo este, face à sua conjugação com o preceituado no supra extractado artigo 54º, nº3 do DL 291/2007, porquanto a omissão da obrigação de segurar, não conduz necessariamente àquela responsabilização.

Tal responsabilização, terá de ser encontrada no âmbito da responsabilidade objectiva.

O artigo 503º, nº1 do CCivil, dispõe que «Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.».

Ora bem, a dupla presunção estatuída no apontado ínsito, de direcção efectiva e utilização no seu próprio interesse, não foi afastada pela Ré, porquanto, não obstante dos factos apurados e enunciados supra, de onde se assaca que a mesma não utilizava o veículo, nem dele se ocupava sequer, nunca aquela pôs em causa que a utilização exclusiva pelo Réu tivesse sido devida a qualquer outra circunstância que não a sua própria tolerância na situação criada, sendo que esta complacência integra ainda, necessariamente, a esfera do risco que impende sobre a Ré enquanto proprietária do veículo e responsável pelos danos que da circulação do mesmo pudessem decorrer, não obstante o mesmo fosse apenas utilizado pelo seu irmão.

O interesse da Ré reside precisamente no controle que tem sobre o veículo, por ser titular da posição jurídica de proprietária do mesmo e por essa qualidade lhe ter possibilitado disponibilizar a sua utilização pelo seu irmão, o co-Réu CC.

Quer dizer, o co-Réu CC, irmão da Ré proprietária do veículo, não o utilizava contra a vontade desta e sem a sua autorização e/ou com o seu desconhecimento, por forma a que se pudesse, quiçá, daí retirar uma eventual desresponsabilização daquela, por ser completamente estranha e indiferente à actuação daquele.

Neste sentido se pronunciaram precisamente os Acórdãos de 15 de Fevereiro de 2018, processo n.º 36/08.3TBSTS.P2.S2, de 8 de Novembro de 2018, processo n.º 770/12.3TBSXL.L1.S1 e de 6 de Junho de 2019, processo n.º 519/14.6TBEVR.E1.S1, consultáveis in www.dgsi.pt, citados na tese que fez vencimento, chamando-se a atenção para a decisão de reenvio prejudicial que a este propósito teve lugar no Aresto de 8 de Novembro de 2018, sendo que, sempre s.d.r.o.c., aqui se decidiu em sentido contrário e ao arrepio dos mesmos.

A Ré/Recorrida, seria, na minha opinião, responsável solidária pela satisfação da indemnização.

(Ana Paula Boularot)

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[1] As transcrições são de PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª ed., com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, sub art. 503º, págs. 513-514.
[2] V. ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pág. 630.
[3] Processo n.º 519/14.6TBEVR.E1.S1, Rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA, in www.dgsi.pt.
[4] Antes, no mesmo sentido, o Ac. do STJ de 8/11/2018, processo n.º 770/12.3TBSXL.L1.S1, Rel. ABRANTES GERALDES, in www.dgsi.pt: “Não se trata de fazer do preceito em análise uma interpretação restritiva, solicitando a necessidade de encontrar para qualquer interpretação legal o lastro da justeza ou da razoabilidade dos resultados que seriam contrariados por uma interpretação meramente literal do preceito em causa. A clara opção que se assume no caso presente passa por extrair dos normativos convergentes o sentido que, sem perder de vista o objetivo de permitir o direito de sub-rogação por parte do FGA (tendo como destinatário, em regra, o proprietário e detentor efetivo do veículo, por ser ele simultaneamente incumpridor da obrigação de seguro e responsável civil pelos danos), não descura a génese ou a natureza desse direito, nem a posição em que tal entidade se coloca. Tratando-se de um direito que decorre de sub-rogação legal, em que o Fundo de Garantia Automóvel assume a posição jurídica dos lesados ou dos seus familiares, com os respetivos contornos objetivos e subjetivos, o reembolso dos quantitativos despendidos com as indemnizações apenas poderá ser exigido, como o prescreve o nº 3 do art. 25º DL nº 522/85, “nos termos do nº 1”, ou seja, do responsável ou responsáveis civis pelo acidente de viação em causa. (…) Ora, nessa categoria (de “responsável civil”) não se inclui a R. AA, proprietária do veículo que, à sua revelia, foi posto a circular, e que, nas circunstâncias em que ocorreu o acidente, não tinha a sua direção efetiva. Por isso, ainda que a referida proprietária do veículo não tenha cumprido a obrigação de celebrar o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, improcede, quanto à mesma, a pretensão de reembolso que foi formulada pelo Fundo de Garantia Automóvel”.
[5] Convergente: Ac. do STJ de 15/2/2018, processo n.º 36/08.3TBSTS.P2.S2, Rel. ROSA TCHING, in www.dgsi.pt.