Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
43990/98.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
JUROS DE MORA
TAXA DE JURO
JUROS LEGAIS
CONTAGEM DOS JUROS
DÍVIDA COMERCIAL
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
ABUSO DO DIREITO
BOA FÉ
Data do Acordão: 09/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DO AUTOR E CONCEDIDA EM PARTE A DO RÉU
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE JUROS / CONTRATOS EM ESPECIAL (MÚTUO).
Doutrina:
- Manuel Andrade, Teoria Geral das Obrigações, p.63.
- P. Lima e A. Varela, “Código Civil”, Anotado, 2ª ed. Revista e Actualizada, p. 259.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º1, 273.º, N.º2, 306.º, 310.º, AL. D), 323.º, N.º1, 334.º, 342.º, N.º1, 559.º, N.º2, 559.º-A, 1146.º, N.º1.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 2.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 24.05.2007, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1- Reconhecendo os RR uma dívida de capital no montante de £ 800.000, constituída antes da emissão do documento, em que fazem esse reconhecimento ou seja, no caso em apreço, antes de 8.2.91   e no qual estabeleceram que os juros só eram devidos a partir dessa data,   estes juros  assumem natureza moratória, porque, assim, estabelecidos não visaram remunerar a disponibilidade do capital  antes daquela data.

2- Não havendo convenção escrita sobre a invariabilidade da taxa,
nos termos exigidos no art, 559 nº2 do C. Civil, mas apenas uma referência a uma taxa coincidente com a taxa legal supletiva, significa  para o interlocutor, neste caso, estrangeiro que aquela taxa de 15% no contexto em que foi produzida apenas pode ser entendida  como a taxa que era legalmente exigível à época da emissão daquele documento. 8.2.91 ,sendo que a indicação de 15% apenas lhe serviu como mera indicação de uma medida de grandeza  e para seu conhecimento, sendo certo que era sempre  necessário que o A demonstrasse que houve uma convenção escrita sobre a invariabilidade da taxa de 15% ( cfr. art.342 nº1 do C Civil) prova que não foi feita.

3- E sendo assim não pode o A peticionar juros com base numa taxa fixa de 15% conforme o fez.

4-  Os juros, aqui, em questão devem antes ser contabilizados de harmonia com as taxas legais supletivas sucessivamente em vigor, nos termos do art.559 do C. Civil, ficando, assim, arredada qualquer hipótese de juros usurários, nos termos em que estes são definidos no art.1146 nº1 do C. Civil.,

5- Essa contabilização dos juros às mencionadas taxas legais tem como fundamento o facto
de estarmos perante operações predominantemente civis ( compra e venda de imóveis, ainda que tivessem por objecto a revenda ) e isto porque nada vem provado sobre a qualidade de comerciantes ( ou empresários comerciais) dos intervenientes no negócio e nada vem provado também que ateste a natureza comercial do negócio. ( cfr. art. 2º do C. Comercial).

6-  No que concerne à prescrição da dívida de juros, matéria exepcionada pelos RR , o prazo de cinco anos,  estabelecido no art.310 al..d) do C. Civil, verifica-se  a interrupção por força do art. 323 nº1 do C. Civil( notificação aos RR do requerimento de ampliação do pedido, que ocorreu em 28.07.2008) interrupção essa que opera relativamente aos juros que se venceram , não até essa data ,mas nos 5 anos anteriores ,pelo que se devem considerar prescritos os vencidos entre 8.02.1991 e 28.07.2003

7-  O prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do art.306 do C. Civil a partir da exigibilidade da obrigação, neste caso, os juros vão-se vencendo dia a dia , pelo que devem considerar-se prescritos ,os que se tiverem vencido para além dos últimos cinco anos..

8-  Não existe uma situação de abuso de direito, nos termos do  art.334doC. Civil, quando os RR invocam a prescrição da dívida de juros  e, isto porque  essa invocação representa o exercício legítimo de um direito,  que, aqui,, segura e objectivamente não ofende de forma clamorosa a justiça e não excede os limites impostos pela boa fé ,pelos bons costumes , ou pelo fim social ou económico desse direito.  
   
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório

AA intentou a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra BB e CC pedindo:
1) Que seja declarado nulo o contrato de compra e venda celebrado pelo 1º Réu consigo mesmo relativamente á quota do Autor na compropriedade do prédio urbano sito no nº … da ... ... por se tratar de negócio simulado quanto ao preço;
2) Que seja considerado válido o negócio dissimulado de compra e venda da referida quota por um preço de GBP: 800.000, equivalentes a 241.840.000$00ao câmbio à época da propositura da acção;
3) Em alternativa deverá o referido negócio ser modificado segundo juízos de equidade , por se tratar de negócio usurário estabelecendo-se para o mesmo o preço de GBP: 800.000;
4) Em qualquer dos casos , que os RR sejam condenados no pagamento ao Autor da quantia GBP : 800.000;
5) Se não for este o entendimento do tribunal que seja considerado ineficaz tal negócio relativamente ao Autor ,por ter sido celebrado pelo 1ª R com abuso dos poderes de representação.


Para tanto alegou em síntese:

O A e 1º R decidiram comprar conjuntamente um prédio na ... ..., com vista a um investimento a longo prazo, transformando-o num bloco de escritórios, tendo sido celebrada escritura em 1986 .Em 1989 o A foi convencido a vender a sua quota ao 1º R por 800.000GBP, que este pagaria em dois meses até ao final desse ano. E deslocou-se ao cartório notarial onde outorgou procuração ao 1º Réu conferindo-lhe poderes para celebrar o negócio na sua ausência. Todavia o dinheiro não lhe foi transferido pelo 1º R.
Em 8 de Fevereiro de 1991 , celebraram um acordo escrito em que o 1º R se comprometeu compensar o Autor do atraso do pagamento pagando-lhe uma compensação financeira de 15% ao ano a contar apenas daquela data.
O 1º Réu nada pagou ao A apesar de diversas vezes interpelado , tendo este vindo a saber não só tinha comprado a sua quota por 30 mil contos, como tinha prometido vender a terceiro o prédio todo em 1989 por 1.400.000.000$00  e recebido um sinal de 140 mil contos.
 Acresce que foi pelo 1º R constituído uma hipoteca sobre o referido prédio caso a escritura não viesse a ser efectuada, tendo movido uma acção contra a promitente compradora em liquidação voluntária, pedindo o cancelamento da hipoteca , tendo ocultado todos estes factos ao Autor.

Os RR contestaram, alegando que as coisas se passaram de forma diversa e que o Autor e o Réu acordaram na venda do1º ao2ºdo prédio, devidamente formalizada e simultaneamente num acordo informal para no futuro virem a participar nas mais valias a obter na venda do prédio a investidor. Assim quanto a este segundo acordo, o A entraria com 60 mil contos com vista á desocupação do prédio e processos camarários e os RR entrariam com outro tanto e ainda com outras despesas e com os seus serviços como empresários , de tudo tratando. E os RR comprometeram-se a pagar-lhe , após a venda do prédio a terceiro um acréscimo que levasse o benefício do utor de 200 mil contos , total no qual se incluía o preço da quota do Autor . Acima dos 200 mil contos ficava tudo para os RR.
Mais se acordou que o Autora dava por entregues os 30 .000 contos do preço da venda da sua quota por conta sa sua contribuição de 60.000 contos para os encargos de investimento, comprometendo-se a remeter os restantes 30.000 contos à medida que fossem necessários para o pagamento das indemnizações aos ocupantes do prédio.
 Depois os RR venderam o prédio, depositaram 7.400 contos a favor do Autor e prosseguiram a sua actividade com vista à desocupação do prédio e estudo de viabilidade da demolição e ampliação da edificação do prédio.
Numa altura de euforia do mercado imobiliário naquela ..., os RR lograram encontrar um investidor com quem celebraram um contrato-promessa de compra e venda , negócio do qual não tinham que prestar contas ao Autor , porquanto só teriam de lhe pagar o acréscimo até ao limite de 200.000 contos após a venda a terceiro.
Mais alegam que o documento por si assinado o foi após o Autor lhe afirmar que tinha um cancro e queria uma prova para os seus filhos saberem que tinha dinheiro a receber se morresse; e que assinou sem possibilidade de reflexão , naquele contexto, e porque apesar de notórias imperfeições na descrição do acordado, confiou destinar-se a usar apenas no âmbito das relações familiares .
É em 1993 que o Autor vem revelar que a pretendia socorrer-se da literalidade do documento assinado, onde imperfeitamente se exprimem os termos do que tinham efectivamente acordado em 1989 , para passar a exigir dos RR obrigações que não tinham sido acordadas.
Finalmente alega que actualmente o prédio em causa tem um valor de mercado de ....000 contos, atentas as diversas limitações administrativas à construção , designadamente por ser imóvel classificado e pelo PUALZE , mas também pelos investidores que se viraram para outras paragens.
 Finalmente, os RR pretendem ver compensada a sua obrigação de entregar “ acréscimos” ao Autor com os 30. 000 contos que este não chegou a entregar-lhes , para investimento e que se declare a inexistência jurídica do negócio constante do escrito particular que o Autor convenceu o Réu a assinar ou subsidiariamente , se considere anulado tal negócio por erro qualificado por dolo. Invocam ainda a nulidade do negócio descrito no documento , por falta de forma. E ainda suscitam a inexigibilidade da obrigação que o Autor aqui quer fazer valer, por o prédio ainda não ter sido vendido; subsidiariamente , se assim,  não se entender defendem que existe abuso de direito, devendo o negócio ser reequilibrado nas contribuições e lucros de cada parte. Mais arguem a nulidade da cláusula leonina de que prevê o lucro do autor contido no referido documento. E finalmente que se considere existir alteração superveniente das circunstâncias e, consequentemente, se modifique o contrato com redução da prestação devida ao Autor.
 
 Replicou o Autor, respondendo  às excepções arguidas pelos RR , pugnando pela sua improcedência.

Treplicaram ainda os RR contra a alteração da causa de pedir contida na réplica.
Respondeu o Autor , pugnando pela rejeição da réplica , por não ter sido efectuada qualquer modificação da causa de pedir.

 Veio ainda o Autor ampliar o seu pedido, pedindo ainda o cancelamento da inscrição registral da aquisição a favor do Réu.

 Entre outros despachos sobre vicissitudes várias relacionadas com documentos e suas traduções, foi admitida a ampliação do pedido por despacho de 22.11.2000 a fls. 371.

Foi proferido despacho saneador, relegando para final o conhecimento das excepções invocadas e selecionada a matéria de facto relevante, selecção que mereceu reclamação que foi indeferida – fls. 636-640.

O A veio requerer nova ampliação do pedido a fls. 1017-1024 , acrescendo aos pedidos já formulados os de juros de mora á taxa convencionada de 15% desde 8.2.91 ou subsidiariamente, aos juros de mora à taxa legal desde 11.07.1991 .

O A foi convidado através de despacho de fls.1316 a efectuar a liquidação do pedido de juros formulados.

 Veio  o Autor a reduzir o seu pedido a fls. 1322 a 1324 nos termos que aí constam .

Os RR opuseram-se à ampliação requerida e também à redução posterior, por se tratar de modificação inadmissível dos pedidos.

 Por despacho proferido no início da audiência de julgamento foi indeferida a requerida redução do pedido ( fls.1444 e1445) e admitida a ampliação anteriormente requerida , apesar de o autor não ter respondido ao convite para liquidação dos juros.

Produzida a prova e encerrada a audiência de julgamento , viéramos RR a lavrar   no processo o  termo de confissão do pedido constante a fls.1546 nos seguintes termos:
“ … confessam o pedido no montante de de GBP 800.000( oitocentas mil libras esterlinas ) cujo pagamento é exigido pelo Autor(…) com a consequente preclusão dos pedidos subsidiários.

Em 21.10. 2008 foi proferida sentença homologatória da confissão dos RR , condenando-os no pedido acrescido dos juros de mora.

Os RR interpuseram recurso de apelação desta sentença homologatória.

 Por despacho de 30.03.2009 ( fls.1898 -1899) foi suprida a nulidade consistente na omissão de pronúncia quanto à invocada prescrição dos juros , decidindo-se a final, julgar parcialmente provada tal excepção e, consequentemente ,declarados extintos por prescrição os juros peticionados desde 11.07.1989 até 30.7.2003, absolvendo os RR do pedido nessa parte.

Pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa( fls.2018- 2026) foi decidido revogar a sentença na parte em que condenou os RR no pagamento de juros de mora, anulando todo o processado subsequente, ressalvados os próprios recursos com vista que a 1ª instância aprecie a questão do direito aos juros de mora e as invocadas prescrição e redução da taxa de juros.

 Regressado o processo à1ª instância e após decisão quanto à matéria de facto contante da base instrutória, foi proferida sentença que decidiu:

a) Homologar por sentença a confissão do pedido efectuada pelos RR , condenando-os no pagamento ao Autor da quantia de £ 800.000;
b) Julgar o remanescente pedido parcialmente procedente , condenando os RR no pagamento ao Autor de juros de mora, sobre o capital acima referido, à taxa anual de 7% , desde 29.07.2008 até integral pagamento do capital;
c) Absolver os RR do remanescente pedido.          

Inconformadas, vieram ambas as partes interpor recursos de apelação para o Tribunal da Relação, que concedendo parcial provimento ao recurso alterou aquela decisão da 1ª instância, condenando os RR a pagar ao Autor a quantia de £800.000, acrescida de juros moratórios contados à taxa anual de 9% a partir de 29/7/2003 absolvendo-os do remanescente do pedido.

 A e RR não conformaram com esta decisão e interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal.

 O A nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

1ª - Embora não constem do elenco dos factos dados como provados na sentença da 1ª instância e no douto acórdão recorrido, há ainda outros dois factos que ficaram provados e que assim devem ser considerados, a saber:

•          que a assinatura que consta, no documento referido no facto provado sob o n.° 9, por baixo da frase "Confirmo o acima dito", é a assinatura do autor, facto este que ficou assente por acordo das partes (cfr. art. 46.° da p. i., a fls. 7 verso, e art. 127.° da contestação, a fls. 94);

•          que os réus são casados um com outro no regime da comunhão geral de bens, conforme consta das escrituras públicas de fls. 18 a 34 e 46 a 51.

2ª - São devidos juros de mora ao autor, contados, à taxa de 15% ao ano, desde 8-2-1991, conforme resulta do que foi estipulado entre ele e o réu marido.

3ª - A invocação da prescrição pelos réus constitui um claro abuso de direito, pois desde 1989 foram entretendo o autor com sucessivas promessas de que iriam pagar o valor devido.

4ª - Tendo o pedido de condenação no pagamento da quantia de 800.000 libras esterlinas sido apenas ampliado, a prescrição quanto aos juros de mora interromper-se-ia, pelo menos, cinco dias após a propositura da acção (art. 323.°, n.° 2, do Código Civil).

5ª - Pelo que improcede a excepção de prescrição dos juros de mora deduzida pelos réus.

6ª - O facto de, a partir de 2003, a taxa legal dos juros civis ter passado a ser de 4% não implica a superveniente invalidade de uma convenção de juros moratórios à taxa anual de 15% estipulada em 1991. Assim, os juros de mora a uma taxa de 15% ao ano, convencionada em 8 de Fevereiro de 1991, não são usurários.

7ª -Ainda que assim não se entenda, o art. 559.°-A do Código Civil remete para o disposto no art. 1146° do mesmo Código, pelo que às convenções de juros moratórios são aplicáveis os limites constantes do n° 2 do art. 1146.° do Código Civil e não os limites do n° 1 do mesmo inciso legal.

8ª-A convenção de juros moratórios subsume-se no conceito de cláusula penal referido no n° 2 do art. 1146° do Código Civil

9ª - Dado não existir garantia real, se, sem conceder, fosse aplicável o limite do n° 2 do art. 1146° do Código Civil, a taxa de juro aplicável aos juros de mora devidos pelos réus seria, pelo menos, de 13% ao ano (o correspondente a 9% acima dos juros legais de 4% ao ano).

10ª - Sendo os réus casados um com o outro no regime da comunhão geral de bens, a metade indivisa do prédio que pertencia ao autor passou a ser um bem comum do casal (cfr. art.º 1732° do Código Civil). O que significa que a dívida do preço foi contraída em proveito comum do casal e que ambos os réus são solidariamente responsáveis pelo pagamento da mesma e dos respectivos juros de mora (cfr. arts° 1691°, n° 1, al. c),

1692°, al. b), 2ª parte, e 1695° do Código Civil).

11ª - Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou as normas dos art.ºs 310°, al. d),

323°, n° 1, 334.°, 559°-A e 1146°, todos do Código Civil, normas essas que devem ser,

interpretadas e aplicadas com o sentido que resulta das conclusões anteriores.

Termos em que deve o presente recurso de revista, interposto pelo autor, ser julgado procedente, revogando-se o douto acórdão recorrido, na parte em que absolveu parcialmente os réus do pedido, o qual deve ser substituído, nessa parte, por não menos douto acórdão que julgue a acção totalmente procedente e, por via disso, condene os réus, solidariamente, a pagarem ao autor os juros de mora que por este foram peticionados, assim se fazendo JUSTIÇA.

Por seu turno, os RR nas suas alegações formulam as seguintes

 Conclusões:

(1)       Em 28/11/86, A. e RR compraram, em comum e partes iguais, pagando cada consorte 112.229,53 €, o prédio n° ... da Av. ... (fls. 1393) e, em 10/07/89, acordaram verbalmente a divisão de coisa comum, através da formalização de um contrato de compra e venda da metade indivisa do A. aos RR. O A. quis poder receber 800.000 libras (1.206.292,83€) pela sua metade indivisa, ganho que concebeu com base na futura venda do prédio a terceiro (Facto Provado n° 44).

(2)       A diferença de valores (entre 112 mil euros que gastou na compra e 1 milhão de euros que esperava embolsar), representando para o A. um crescimento de 1075%, só era possível porque as partes visaram um programa negocial que possibilitasse ao A. comparticipar nos proveitos a retirar duma futura venda do imóvel a terceiro.

(3)       A cessação da indivisão realizou-se em 01/08/89 (fls. 46) e foi um negócio instrumental da ulterior venda do imóvel a terceiro, que passaria por um conjunto de actos prévios de valorização do prédio indispensáveis à sua subsequente colocação no mercado.

(4)       Contrariamente ao estabelecido no n° 1 do art° 885° do C Civil, o pagamento ao A. não tinha lugar no momento da transmissão aos RR da metade indivisa, por as partes terem previsto um tempo de espera em que se aguardava a oportunidade da venda do prédio a terceiro, visto dessa venda depender o vencimento da obrigação de pagar ao A., o que inicialmente se pensou pudesse ocorrer até 31/12/89, e depois até 31/12/91, mas não veio a acontecer devido às condições adversas do mercado.

(5)       Com efeito, as primitivas datas de 31/12/89 e de 31/12/91 (a última sobressaindo no Doc. n° 3 de fls. 36), estimadas como lapso de tempo previsível para possibilitar a venda do prédio, sofreram sucessivas prorrogações, por mútuo acordo das partes, face à degradação do mercado, sem todavia se fixar novo termo para o prédio ser vendido e o A. ser pago, como manifestamente resulta da correspondência acolhida nos Factos Provados n°s 6, 7 e 8, evidenciando-se que, devido à persistente crise económica e à incerteza do futuro, as partes só podiam ir alimentando expectativas na recuperação do mercado.

(6)       À medida que as partes foram consensualmente alongando o tempo de espera antes previsto, foi também sendo anulado todo o calendário que havia sido anteriormente programado, designadamente, o referido no Doc. de fls. 36 [transcrito na Alínea i) dos Factos Assentes e que constitui o Facto Provado n° 9], cujo conteúdo ficou, deste modo, inteiramente ultrapassado pelo decorrer dos factos, pese embora a circunstância de unicamente no Doc. de fls. 36, entretanto desactualizado, se ter estribado o douto acórdão recorrido para, sem haver mora, condenar os RR em juros de mora.

(7)       A acção foi proposta em 16/06/98 (fls. 2), sem ter sido nela formulado o pedido de juros de mora. Só 10 anos depois iria o A., pela primeira vez, cumular o pedido de juros moratórios, tendo os RR sido notificados em 29/07/2008, para deduzir oposição ao novo pedido. A1a instância considerou o dia 29/07/2008 como data da interpelação judicial dos RR e da constituição destes em mora, motivo pelo qual apenas reconheceu ao A. o direito a juros moratórios "desde 29 de Julho de 2008" (fls. 2160), data da interpelação.

(8)       Assiste inteira razão à Mma Juiz de 1ª instância, porquanto só depois de ter sido feito pelo A., no processo, o pedido dos juros moratórios, é que passou a existir, na acção, um pedido de juros de mora: antes de se efectivar a notificação/interpelação aos RR, em termos de juros nada existe na acção. Com efeito, a mora faz nascer o direito do credor a juros de mora. Mas o direito do credor tem de ser por ele exercido no processo. Se, de acordo com o princípio dispositivo, o credor não exercer o seu direito, o Tribunal não lhe reconhece, na sentença, qualquer direito a juros (que não pediu), pelo que, pura e simplesmente, o credor, nenhum juro moratório levará.

(9)       Com a confissão do pedido, os RR renunciaram aos efeitos, para o futuro, da não ocorrência até então da venda do prédio. Foi intenção dos RR fazer vencer, na data da confissão, a obrigação de pagar ao A. a quantia de 800.000 libras, mas não a de assumir qualquer obrigação de indemnizar o A. por uma mora que os RR não reconheceram existir no passado anterior à data em que foi lavrado o termo de fls. 1546.

(10)     Face à clareza dos termos em que a vontade real das partes foi sendo uniforme e reiteradamente manifestada ao longo dos anos que se seguiram à cessação da indivisão do prédio (fls. 46), o entendimento que se retira da correspondência trocada entre as partes [Alíneas F), G) e H) - Factos Provados n°s 6,7 e 8] foi sempre o de que o momento do cumprimento da obrigação ficou consensualmente a aguardar a venda do prédio a terceiro, visto dessa venda depender o vencimento da obrigação e, portanto, da exigência pelo A. do montante de 800.000 libras, realidade que igualmente se evidencia, por muito expressiva, na carta do A. aos RR datada de 09/07/94 (fls. 149 com tradução a fls. 236).

(11)     Na própria versão do A., a obrigação de pagar o preço da venda da sua metade indivisa não se venceu no acto da transmissão da mesma aos RR (01/08/89), por as partes terem estabelecido um programa negocial que deferia o pagamento para momento posterior, primeiro para 31/12/89 e depois para 31/12/91 [diversamente ao previsto nos art.ºs 879°, alínea c), e 885°, n° 1, ambos do C. Civil].

(12)     Tanto assim é que o próprio Doc.de fls. 36, datado de 08/02/91 [transcrito no Facto Provado n° 9 - Alínea I)], ao qual as instâncias deram uma indevida importância, apenas reflectia mais um tempo de espera até 31/12/91 (11 meses), tempo que foi então estimado para possibilitar a venda do prédio e o A. poder ser pago, mas que as circunstâncias adversas do mercado obrigaram a protelar.

(13)     Na verdade, posteriormente ao Doc.de fls. 36, e mais precisamente por carta que o A. remeteu aos RR em 14/04/94 (mais de 2 anos depois de 31/12/91), solicitou ao R. marido, sob a forma de um pedido, e não do exercício de um direito, um plano com informação das datas em que, no futuro o pagamento das 800.000 libras pudesse ocorrer e, bem assim, a indicação dos respectivos montantes [carta de fls. 453 transcrita no Facto Provado n° 6 - Alínea F)]. Ao terminar esta missiva, o A. implora ao R. marido que «por favor não te sintas ofendido pelo meu pedido». Repare-se que, nesta carta de 1994, nem uma palavra existe sobre juros de mora!...

(14)     Deste modo, esta última carta de 14/04/94 tomou sem efeito o que havia sido anteriormente programado no Doc.de fls. 36 [Facto Provado n° 9 - Alínea i)], abrindo caminho a outros sucessivos adiamentos, por mútuo consenso das partes, determinados pela estagnação do mercado, sem todavia se fixar novo termo para o prédio ser vendido e o A. ser pago, como manifestamente resulta do conteúdo da correspondência trocada entre A. e RR e reproduzida nos Factos Provados n°s 7 e 8 e, bem assim, da carta do A. de 09/07/94 (a fls. 149 com tradução a fls. 236).

(15)     Acresce que, por carta de 04/05/1995 (fls. 498), transcrita na Alínea H) dos Factos Assentes, o A. pediu encarecidamente aos RR (não exigiu como se estivesse a exercer um direito, mas antes como quem está a pedir um favor) a importância de 25.000 libras, alegando estar necessitado de dinheiro e solicitando um adiantamento por conta do capital das 800.000 libras, e não para pagamento dos juros vencidos. Qualquer credor medianamente dotado, se dispusesse dum crédito de juros supostamente vencido desde 08/02/1991, haveria naturalmente de ter o cuidado de deixar intacto o capital para apenas exigir os juros já vencidos, no todo ou em parte. Insensato seria, invocando necessidade de dinheiro, pedir um pequeno adiantamento por conta do capital, esquecendo os juros entretanto vencidos. Não ocorreu ao A. pedir juros supostamente vencidos, pela comezinha razão de não se sentir com direito a eles.

(16)     Não se provou existir dia certo para cumprimento da obrigação. Todos os tempos foram sendo estimados apenas face ao comportamento do mercado. E foram sendo sucessivamente prorrogados em função da instabilidade deste, por mútuo consenso das partes, sem se fixar à obrigação um termo firme e imperativo, porque as partes estiveram sempre à espera que o mercado recuperasse e a venda se concretizasse.

(17)     Não se pode falar em juros de mora sem que os RR se tenham constituído em mora e, havendo mora, terá que ser previamente determinado qual o dia certo da constituição em mora, aspecto fundamental que escapou à análise superficial do douto acórdão recorrido.

(18)     Neste cenário, só há constituição em mora após a interpelação do devedor a que alude o n° 1 do cit. art° 805° (Ac. Rei. Coimbra, 22/07/70, BMJ 199°-277). Nas obrigações sem prazo certo, os juros da mora só são devidos depois de formulado no processo o respectivo pedido e desde a data da interpelação ao devedor, pois só a partir de tal interpelação existe mora (o que, no caso dos autos, só aconteceu em 29/07/2008).

(19)     Sem a existência duma data firme em que o vencimento da obrigação pudesse seguramente ocorrer, não pode falar-se de mora. E a verdade é que, nestes autos, não é possível descortinar uma única data que não tenha sido depois invalidada pelas sucessivas prorrogações consensualmente acordadas pelas partes.

(20)     Mesmo quando haja motivos para se poder considerar o devedor constituído em mora, esta não chega a verificar-se ou extingue-se quando, mediante acordo do credor, é prorrogado para mais tarde o vencimento da obrigação (V. Prof. ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 6ª Ed., 1994, pág. 926).

(21)     Se o A. entendesse ser necessário estabelecer um prazo para o cumprimento da obrigação, deveria então ter tomado a iniciativa - que nunca tomou - de propor uma acção especial para fixação judicial do prazo (art.ºs 1456° e 1457° CPC).

(22)     A 2ª instância não podia condenar os RR no pagamento de juros moratórios desde 29/07/2003 - quinquénio contado da interrupção operada pela notificação efectuada em 29/07/2008 -, sem primeiro tratar de verificar se a obrigação nasceu e qual o exacto momento desse nascimento, identificando o facto que lhe serviu de fonte geradora. A Relação condenou os RR a indemnizar o A. por uma mora que nem cuidou de saber se existe, nem tampouco a situou no tempo, limitando-se a olhar para o facto de não estarem prescritos os juros do último quinquénio anterior a 29/07/2008, como se a prescrição fosse a fonte da obrigação.

(23)     Os RR invocaram a prescrição quinquenal do art° 310°, al. d), do C Civil, mas apenas subsidiariamente, para valer na hipótese de eventualmente se poder vir a entender que houve mora debitória no passado anterior a 29/07/2008, e unicamente para o efeito de os RR se oporem ao exercício do direito já prescrito.

(24)     Salvo o devido respeito, o raciocínio do Tribunal da Relação está invertido: em primeiro lugar, devia procurar saber se houve um facto gerador da obrigação de juros de mora (nascimento da obrigação de indemnização criada pelo ilícito da mora) e, só depois de haver a certeza de que a obrigação nasceu, devia passar a conhecer da extinção (morte) da obrigação de juros por prescrição. Enquanto não se demonstrar a existência do ilícito da mora, não há lugar a juros de mora, sendo descabido falar de prescrição.

(25)     Acresce que, tendo a 2a instância entendido condenar os RR numa indemnização emergente da mora desde 29/07/2003 devia identificar os factos integradores do ilícito da mora e, bem assim, apurar se se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil, porquanto, tendo a obrigação de juros de mora natureza indemnizatória, seria necessária a ocorrência cumulativa do facto, da ilicitude, da culpa, do prejuízo e do nexo de causalidade entre o facto e os prejuízos, o que nesta acção não se mostra verificar, nem foi assunto que merecesse qualquer atenção por parte do Tribunal da Relação.

(26)     Só na hipótese de, havendo mora, serem devidos juros de mora, é que se podia passar para a questão da taxa aplicável. Mas a Relação dispensou-se de conhecer da alegada inexistência da mora e, dando de barato que eram devidos ao A. juros moratórios desde 29/07/2003, apressou-se a decidir que a taxa de juro era de 15%, que a Relação reduziu para 9%, por entender que aquela excedia os limites máximos da lei.

(27)     Nem a 1ª, nem a 2ª instâncias acertaram na taxa de juro que deve prevalecer, motivo pelo qual, nesta parte, os RR não se conformaram - e continuam a não se conformar - com nenhuma das decisões. A contar do dia da constituição em mora, só podem ser devidos ao A. os juros legais, uma vez que em nenhum momento foi estipulado um juro moratório «diferente do legal» (art° 806, n° 2, do C Civil).

(28)     O Tribunal da Relação não acolheu a taxa convencional de 15% alegada pelo A. com base num pretenso "acordo escrito" que disse existir, mas não logrou provar. A matéria de facto alegada pelo A. nos arts° 41° a 47° da PI e levada à Base Instrutória como factos 76° a 89°, não foram dados como provados, ficando apenas a valer o que já constava da Alínea I) dos Factos Assentes. Nestas circunstâncias, o Tribunal da Relação não podia reconhecer a existência de "acordo escrito" contendo a «convenção de juro diferente do legal», até porque a taxa de juro que exceda a taxa legal tem de ser fixada por estipulação escrita (art° 559 n° 2 do C Civil), sob pena de apenas serem devidos os juros legais (art° 559, n° 2 do C Civil). Trata-se de norma de interesse e ordem pública exigindo formalidade «ad substantiam» (Ac. Rel. Lisboa, de 27/10/1992, BMJ 420°-637).

(29)     Nada mais foi apurado no processo relativamente aos "juros convencionais" alegados pelo A., para além do que já constava da Alínea I), sendo que, é sobre o A. - e só sobre ele - que recai o ónus da prova da existência do alegado «juro convencional com taxa invariável de 15%», visto se tratar de facto invocado pelo A. como constitutivo do direito que alegou (artº 342° do C Civil).

(30)     E mantendo-se a divergência das partes sobre o sentido da declaração constante do Doc.de fls. 36, transcrito no Facto Provado n° 9, a interpretação da declaração negocial constitui matéria de direito, sujeita, como tal, ao poder de fiscalização do Supremo Tribunal de Justiça, quando lhe cumpra averiguar se as instâncias fizeram correcta aplicação dos critérios interpretativos fixados na lei, designadamente, nos art.ºs

 

 

236°, n° 1, e 238° do C Civil. É o que se passa neste caso, daí se justificando a censura de Vossas Excelências que os RR solicitam.

(31)     O Tribunal da Relação - dando diferente rumo à controvérsia factual das partes - entendeu que "o documento escrito, assinado pelo R. mando, e datado de 8/2/91, a que se refere o facto provado sob o n° 9, consubstancia o reconhecimento de uma dívida de juros - à taxa de 15%, a contar da data 8/2/91 da declaração naquele expressa".

(32)     Contudo, o enquadramento no art° 458°, n° 1, do C Civil, não autoriza que a declaração unilateral do R. marido, contida no Doc.de fls. 36, valha como fonte da obrigação invocada na decisão recorrida para condenar os RR, como o foram. Efectivamente, as promessas unilaterais de cumprimento e o reconhecimento de dívida não são fontes autónomas de obrigações, e «só obriga nos casos previstos na lei» (art° 457° do C Civil), o que quer dizer que, em princípio, a lei não atribui eficácia vinculativa à simples declaração unilateral de vontade, assentando o princípio geral contido no predito art° 457° na ideia de tipicidade ou de numerus clausus dos negócios unilaterais enquanto fonte de obrigações. A promessa unilateral, tal como encarada pelo acórdão recorrido, não está prevista na lei, aplicando-se-lhe, portanto, o princípio geral do artº 457° do C Civil.

(33)     Além disso, há que sublinhar, com todo o respeito, que a 2ª instância raciocinou em termos duma suposta dívida de juros remuneratórios (como se de retorno financeiro de capital investido se tratasse - versão que, neste processo, as partes jamais admitiram, nem discutiram, nem tampouco é verdadeira). Deste modo, o acórdão recorrido deslocou a discussão do campo da debatida reparação indemnizatória emergente do ilícito da mora para outro diferente campo da responsabilidade obrigacional por dívida de juros remuneratórios (que a Relação infundadamente entendeu haver sido assumida pelos RR, mas que é de todo estranha às versões que as duas partes trouxeram a juízo).

(34)     Feitos estes reparos, cumpre realçar que a 2ª instância passou apressadamente para a fase seguinte, qual a da determinação da taxa de juro. E para, nos termos do art° 1146°, n° 1, do C Civil, poder mandar contar os juros à taxa reduzida de 9%, começou por erradamente validar a pretensa taxa «convencional e invariável» de 15% alegada pelo A., mas colmatando a falta de prova do A. com o errado enquadramento do caso no art° 458° do C Civil. Apoiou-se unicamente no Doc.de fls. 36, fazendo deste uma leitura desajustada e inquinando, por esta via, a decisão que veio a ser proferida.

(35)     Com efeito, o Tribunal da Relação considerou suficiente a ideia de encontrar no Doc de fls. 36 um reconhecimento unilateral da divida, que logo tratou como «fonte» da obrigação dos RR de pagar juros moratórios à taxa invariável de 15%. E só por causa deste precipitado juízo é que o acórdão recorrido teve depois que proceder à redução, por usura, da taxa de 15% para 9% (art° 1146°, n° 1, do C Civil). Redução que era o inevitável corolário da indevida validação duma taxa de 15%, para alegadamente valer, em termos invariáveis e irrevogáveis.

(36)     Chegados aqui, não querem os RR deixar de apresentar a interpretação da declaração negociai contida no Doc.de fls. 36 que, por respeitar os critérios fixados na lei, têm em seu modesto entender como correcta, mas submetendo ao superior critério de apreciação de Vossas Excelências.

(37)     Ao deduzir nos autos o pedido de juros moratórios (e não de juros remuneratórios), o A. manifesta explicitamente que, ele próprio, não tem dúvida nenhuma de que os juros a que alude o Doc.de fls. 36 foram previstos apenas para a hipótese de haver mora. Esta é a primeira ideia a reter.

(38)     Mas, com o que acaba de ser evidenciado, começa também a despontar uma segunda ideia a reter: nunca seria possível contar juros moratórios desde a data da elaboração do Doc.de fls. 36 (08/02/91), porquanto, segundo esse mesmo documento, o pagamento ao A. poderia ser efectuado até 31/12/91 (11 meses após a data em que o R. marido o subscreveu). Contudo, mesmo depois de 31/12/91, continuava a não poder considerar-se os RR constituídos em mora, porque, devido à paralisação do mercado (sem qualquer culpa dos RR), o vencimento da obrigação foi sendo prorrogado para mais tarde, mediante acordo do A., sem todavia se fixar novo termo para o prédio ser vendido e o A. ser pago (circunstancialismo expressamente reconhecido na correspondência acolhida nos Factos Provados n°s 6, 7 e 8 e na carta do A. de 09/07/94 junta a fls. 149 com tradução a fls. 236).

(39)     Uma terceira ideia que se retira do Doc.de fls. 36 é a de que, havendo mora, os juros devidos são os JUROS LEGAIS, visto jamais ter sido estipulado um juro moratório "diferente do legal (art° 806°, n° 2, do C Civil).

(40)     Facilmente se alcança que, com a expressão «taxa de juros 15%», o R. marido não se estava a vincular a um juro moratório "diferente do legal” uma vez que, em 08/02/91, era precisamente de 15% a taxa supletiva legal de juros civis na altura vigente em Portugal {Portaria n° 339/87, de 24/04, em vigor desde 30/04/87). De modo que a menção feita, no Doc.de fls. 36, à «taxa de juros 15%», referia-se ao JURO DE TAXA EXACTAMENTE IGUAL À LEGAL. Aquilo que, em sintonia com o elemento histórico-racional, se afigura perfeitamente natural, tendo em conta que era de 15% a taxa legal ao tempo (em 08/02/91) vigente em Portugal, é que o R. marido, subscritor do Doc.de fls. 36, admitiu, se houvesse mora, vir a pagar juros à taxa legal.

(41)     Considerando que tal documento é datado de 08/02/91, e que nele se previa que a pretensão do A. pudesse ser satisfeita até 31/12/91, isto é, num arco de tempo relativamente pequeno de 11 meses, fazia todo o sentido que, para o interlocutor estrangeiro perceber melhor, fosse concretizada a própria cifra de 15%, que tinha à época a taxa supletiva legal, em vez de os mesmos 15% serem referenciados através da remissão ao conceito de «taxa legal de juros civis aplicável em Portugal», expressão esta que compreensivelmente nada dizia ao interlocutor estrangeiro. Afigura-se evidente que não existe aqui uma verdadeira taxa de juro diferente da legal, pretensamente «convencionada» pelas partes; o que existe é tão somente uma expressa remissão para a cifra (15%) da taxa supletiva da lei, remissão que visou concretizar o próprio valor da taxa legal a esse tempo em vigor, só para melhor conhecimento do interlocutor estrangeiro.

(42)     Entretanto, a taxa supletiva legal vigente em Portugal foi sendo sucessivamente ajustada para 10% (em 1995), para 7% (em 1999) e para 4% (desde 2003), sendo estes os valores a ter em conta no caso vertente, uma vez que o R. marido apenas se vinculou ao juro moratório EXACTAMENTE IGUAL AO JURO LEGAL (e não a um juro moratório "diferente do legal - art° 806°, n° 2, do C Civil).

(43)     Se se pudesse entender que, no Doc.de fls. 36, houve situações não reguladas convenientemente por terem escapado à previsão do seu subscritor, estaríamos perante lacunas negociais, a preencher nos termos do artigo 239° do C Civil: a declaração negocial deve ser integrada de acordo com a vontade hipotética das partes ou em conformidade com os ditames da boa fé, se estes impuserem solução diferente. Mas, por qualquer destas vias, a solução seria sempre idêntica.

(44)     Demonstrado, assim, que tanto a 1ª como a 2ª instâncias erraram ao validar uma suposta taxa de juros "convencional e invariável” de 15%, alegada pelo A., cumpre acrescentar um breve apontamento sobre a divergência do decidido nas instâncias no tocante ao problema da redução dos juros usurários (art° 1146°, n° 1, do C Civil). Entendeu a 1a instância que a taxa dos juros anuais não podia exceder 7%; decidiu a 2ª instância que a taxa dos juros anuais não podia exceder 9%. A nosso ver quem menos errou foi a 1ª instância.

(45)     Tendo em conta que os RR reconheceram estar em mora a partir de 29/07/2008 e, bem assim, admitiram vir a pagar, havendo mora, juros à taxa supletiva legal (4%), os únicos juros que devem ser considerados na decisão final são os juros legais contados a partir de 29/07/2008, de harmonia com o disposto nos arts 805, n°1, e 806°, n° 2, ambos do C Civil. Nesta linha de pensamento, nem se coloca a necessidade de falar de redução dos juros usurários, porque fica apenas a prevalecer o juro legal.

(46)     Porém, se outro viesse a ser o entendimento de Vossas Excelências - o que os RR confiadamente esperam não aconteça - e se, por isso, se mantivesse de pé a questão da redução dos juros usurários aos máximos legalmente permitidos, então, no confronto dos critérios discrepantes das 2 instâncias, afigurar-se-ia certeira a solução encontrada pela Mma Juiz da 1ª instância, ao entender que a taxa dos juros anuais não podia exceder 7% (juros legais acrescidos de 3%) porque, neste caso, existiu sempre garantia real até ao dia do integral pagamento da dívida de capital, traduzida no registo predial da presente acção real, registo que proporcionou sempre ao A. a garantia real do seu crédito, até porque, devido ao ónus do registo da acção, o prédio deixou de poder ser alienado, havendo sempre o direito de sequela do A. em caso de transmissão a terceiros. (47)            Decidindo como decidiu, o douto acórdão recorrido violou as seguintes normas jurídicas: arts° 236°, n° 1; 238°; 239°; 342°, n° 1; 457°; 458°, n° 1; 559°, n° 2; 805°, n° 1; 806°, n° 2; e 1146°, n° 1, todos do Código Civil.

Nestes termos, e com o esclarecido suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento à presente revista interposta pelos RR, sendo o douto acórdão recorrido inteiramente revogado, para ficar a subsistir a douta decisão proferida pela 1ª instância apenas na parte em que condenou os RR em juros moratórios a partir de 29/07/2008 e até integral pagamento do capital com os juros moratórios mandados computar à taxa supletiva legai de juros civis de 4% ao ano, e sendo os RR absolvidos de todo o restante pedido. Assim se cumprirá a Lei e se fará

JUSTIÇA!

A e RR apresentaram contra-alegações, tendo o A junto um parecer.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir:

II-Fundamentação:

 Os factos provados são os seguintes:


1) A escritura pública de compra e venda do prédio sito na ... ... n° ..., em Lisboa, realizou-se em 28/11/86 (A).
2) Figurando nela, como compradores, em comum e partes iguais, os ora A. e 1o R., conforme doe. 1, de fls. 18 a 34 (B),
3) O A. e 1o R., visto serem primos direitos e terem sido, sempre, muito amigos, acordaram em comprar aquele prédio (C).
4)O A. assinou, em branco, duas folhas de papel selado, uma delas na última linha do verso e a outra na primeira linha do verso (D e quesito 31°).
5) O A., em 10/7/89, ante o 22° Cartório Notarial de Lisboa, identificando-se como AA, Advogado, natural da República da índia, de nacionalidade kenyana, casado com DD em regime de separação de bens, residente acidentalmente na ..., n° …, …, em Lisboa, outorgou instrumento denominado procuração, onde por ele foi dito: "Que, pelo presente instrumento, constitui seu bastante procurador o Sr. Dr. BB, advogado, casado, natural da índia (Antigo Estado da índia), residente na …, …, … direito, em Lisboa, a quem, com os de substabelecer, confere os poderes necessários para o fim especial de vender, a quem quiser, incluindo a ele próprio mandatário, para o que fica desde já autorizado nos termos do disposto no artigo duzentos e sessenta e um do Código Civil, sob as cláusulas e condições que tiver por convenientes e pelo preço que entender e que declarará na respectiva escritura, a metade que lhe pertence do prédio urbano sito na ... ... número …, tornejando para a Rua ... número …, da freguesia do ..., em Lisboa, descrito na Quinta Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … a folhas sessenta e cinco do livro B-um e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, outorgando, em representação dele, mandante, na celebração da respectiva escritura pública de compra e venda, e praticando, requerendo e assinando tudo quanto se torne necessário para boa execução deste mandato, obrigando-se por contrato-promessa, se for caso disso.

Foi-me exibido o cartão de contribuinte fiscal do outorgante com o número .... Esta procuração foi lida e explicado o seu conteúdo em voz alta ao outorgante" (E).

6) O ora A. - Sr. AA - dirigiu ao aqui R. – EE  - a comunicação manuscrita com a menção Tel (…)... …, que constitui doe 4 junto com a petição inicial, a fls. 37, lendo-se da respectiva
tradução, a fls. 453 (III vol. dos autos), o seguinte:

"14 Abril 1994 Caro Amigo ...

Saudações para ti e família. Espero que vocês estejam todos bem.

Faço referência ao nosso acordo datado de 8 de Fevereiro de 1991, que junto uma cópia da mesma. Agradeceria imenso se pudesses dar-me um plano ou indicação como quando tu propões efectuar pagamento do montante devido.

No passado disseste-me que o mercado imobiliário em Portugal estava em depressão e que não conseguias vender qualquer dos imóveis sem incorrer em perda considerável.

Compreendo por ter lido nos jornais, que o mercado tem estado a melhorar rapidamente. De facto, nunca te pressionei pelo pagamento com o lote, e não o estou a fazer agora. Tudo o que peço de ti, é para dares uma listagem aproximada, indicando datas e valores que planeias pagar e, se possível algum pagamento em conta. Corno estás ciente isto foi sempre um investimento de negócio estritamente da nossa parte. Sinto que sou um tutor das crianças por aquilo que possuo e que é minha obrigação cuidar dos interesses das crianças. Por favor escreve o mais breve possível, e por favor não te sintas ofendido pelo meu pedido. Minha amizade para a CC as crianças e para ti. Teu afectuoso primo. Assinatura Ilegível" (F).

7) O ora R. dirigiu ao aqui A. a comunicação dactilografada, com a menção ... FF – Advogado Av. … … - … / telef …- 100 Lisboa, que constitui doe 5, junto com a petição inicial, a fls. 39 e 40,
lendo-se da respectiva tradução, a fls. 455 e 456 (vol. Ill dos autos) o seguinte:

"17.05.94 Caro AA

Agradeço imenso pela tua recente carta. Espero que tu e a família estejam todos bem. Esta minha carta foi traduzida para Inglês para tua fácil compreensão.

Não tenho dúvidas que estás ansioso em receber o mais breve possível tudo o que te é devido. Podes descansar que esta situação tem estado predominante na minha mente.
Prefiro não estipular quaisquer datas e valores de pagamento nesta altura, uma vez que ainda não estou numa posição de o fazer, correndo o risco de ser considerado uma pessoa a qual não mantém a sua palavra. Ainda que tenhas lido nos jornais que o mercado está a recuperar, de momento existem sinais de acordar na Europa, mas as coisas por aqui continuam num impasse. De acordo com especialistas Portugal, Espanha e Grécia serão definitivamente os últimos países a saírem desta recessão. Pode ser por teu interesse saber no centro de Lisboa aonde sempre houve urna imensa procura para compra e arrendamento existem hoje dúzias de edifícios novos em folha nos quais ninguém se interessa, ao ponto dos proprietários oferecerem arrendamentos com um ano grátis de arrendamento e mesmo assim continuam vagos! Esperançosamente de acordo com prognósticos alguns resultados positivos aparecerão em 1995. O facto mantém que até esta data ainda ninguém contactou-me com vista à compra do edifício ou qualquer outra propriedade, apesar de todos os preços terem baixado drasticamente. Sei que não me tens pressionado, mas sabes também que eu sozinho endividei-me com um empréstimo bastante elevado para pagar aos inquilinos que ocupavam o edifício, pelo que até esta data estou a pagar uma taxa de juro bastante alta, tendo-te mostrado aquando da última visita a Lisboa todos os documentos bancários. Também não te tenho feito pressão de qualquer maneira, uma vez que sinto que devido às más condições do mercado (pelas quais nem tu nem eu somos responsáveis), ambos temos de suportar o fardo desta depressão. Por esta razão ainda não estou numa situação para especificar datas, mas podes ter a certeza que assim que possa fazer qualquer pagamento, estarei feliz que tu em ver-me livre desta situação. Há de facto um detalhe que teremos de falar acerca, com respeito ao juro, algo que certamente seremos capazes de concordar sobre em data posterior. Com respeito aos interesses dos teus filhos, esta questão não se levanta de todo, uma vez que tenho a certeza que os teus filhos terão acesso total ao acordo que assinei. Amizade para ti, DD e as crianças. Afectivamente Assinatura ilegível" (G).
8)  O ora A. dirigiu ao aqui R. comunicação manuscrita com a menção menção "Tel (…)... …, que constitui doe 6 junto com a petição inicial, a fls. 41, lendo-
-se da respectiva tradução, a fls. 498 (III vol. dos autos), o seguinte:

"4 Maio 1995 Meu caro ...
Cumprimentos para ti e tua família. Não tenho tido notícias tuas e da tua família há já algum tempo,
Espero que estejam todos bem e de boa saúde e que as crianças estejam a progredir bem com os seus estudos. Cheguei a Londres acerca de 3 semanas para estar com a família nas férias da Páscoa e estava esperançado em passar por Lisboa no retorno a Nairobi. Infelizmente o tempo voou muito rapidamente e tivemos um grande assalto na nossa casa em Nairobi e tenho de regressar imediatamente.
Faço referência à tua carta de 17 de Maio de 1994 quando nos asseguraste que estavas a fazer o teu melhor e esperavas que o mercado imobiliário recuperaria em 1995, de modo que pudesses efectuar pagamento. Estamos agora em Maio de 1995, e não sei qual a situação actual em Portugal. Estaria grato se pudesses informar-me se estarias agora numa posição de me dar alguma listagem para quando posso começar a receber pagamento. Estou agora numa situação um pouco apertada em relação a dinheiro e apreciaria se pudesses enviar-me £ 25.000,00 por conta que nos ajudava imenso. Não é um valor elevado e espero que possas pagar isto de momento.
GG, como sabes, acabou os estudos dela. Assim como HH e II. O JJ em breve entrará no seu ao final e deseja ir para a Guatemala para o seu "electivo", isto é, como estudante fazer a sua experiência médica. Se tudo correr bem, os dois terão acabado os seus cursos básicos por volta do meio do próximo ano. Amizade para ti e CC e KK, LL e MM. Afectivamente" (H).
9)  O R. - BB - apôs pelo seu punho a sua assinatura no escrito, cuja cópia
constitui doe 3, a fls. 36, estando a respectiva tradução a fls. 452 (III vol.). Dela, lê-se:

"8 Fevereiro 1991

Eu, Dr. ... FF, Advogado na …, …, em Lisboa, pela presente confirmo que em ou por volta de 11 de Julho de 1989, concordei em adquirir uma meia parte não dividida do lote n° ..., ... ..., Lisboa, pelo preço líquido de £ 800,00.00 (oitocentos mil libras esterlinas) a ser pago em ou antes de 31 Dezembro de 1989.

Temos até hoje discutido, no âmbito do espírito de primos e irmãos, e foi concordando que tendo em vista o facto não cobrei pelo considerável trabalho que tive no respeitante à compra e gestão das instalações vendidas, não estaria sujeito a pagar qualquer juro até esta data.
Foi concordado agora que pagarei o preço líquido acordado de £ 800,000,00 (oitocentas mil libras esterlinas), em prestações em ou antes de 31 Dezembro 1991 e que uma taxa de juros 15% (quinze por cento) será paga no dito valor da compra ou no balanço disso, a partir de hoje até que o dito preço de compra tenha sido pago na totalidade,

Ass: ... FF"

Por baixo da data 91.02.08 aparece o seguinte: "confirmo o acima dito" e uma assinatura ilegível (I).

10) Em princípios de 1985, o A. entrou em contacto com o R. (quesito 1o).

11) O A. solicitou a assistência do R. (quesito 2o).

12) Que se dispôs a apoiar o ora A. (quesito 3o).

13) E o R. convidou o ora A. a passar alguns dias em sua casa (quesito 4o).

14) O que o A. fez, em Abril de 1985 (quesito 5o).

15) E o A., então em Portugal, visitou algumas propriedades (quesito 6o).

16) EoA. decidiu, então, comprar o prédio urbano sito na ... ..., n°..., em Lisboa (quesito 7o).

17) Que lhe foi indicado pelo R. e pelo agente imobiliário deste R. (quesito 8o).

18) EoA. decidiu comprar tal prédio (quesito 9o).
19) E a 2a R. - CC - residente com o R., disse ao A. que o R. tinha estado interessado na propriedade do referido prédio (quesito 10°).

20)E a R. mulher sugeriu ao A. que o prédio fosse adquirido conjuntamente pelo A. e pelo R. varão (quesito 11°).

21)EoA. recusou inicialmente a sugestão (quesito 12°).

22)E sugeriu que fosse, antes, o 1o R. a adquirir o prédio na totalidade (quesito 13°).
23) E a 2a R„ mulher, disse que o seu marido não estaria interessado em ficar com o prédio na totalidade (quesito 14°).

24)E, depois do contacto entre o A. e a 2a R., mulher, houve um encontro entre o A. e o 1 ° R., varão (quesito 15o).
25)   E, nesse encontro, o A. deixou claro que pretendia adquirir o prédio, investindo nele, a longo prazo (quesito
16°).

26)E o 1o R.disse ser também sua intenção (quesito 17°).
27)E tal encontro de intenções viabilizou um acordo entre A. e 1o R. para aquisição do aludido prédio da ... ... (quesito 18°).
28)Combinando-se a realização de modificações no interior do prédio para transformá-lo em bloco de escritórios (quesito 19°).
29)E ficou acertado que o 1o R. trataria das questões jurídicas da desocupação do prédio e acompanhamento da execução do projecto (quesito 20°).

30)E que o A. se encarregaria das questões financeiras e de estratégia (quesito 21°).

31)E que nem o A. nem o 1o R. cobrariam um ao outro qualquer montante por tais actividades (quesito 22°).
32)   E tais acordos não foram reduzidos a escrito dadas as relações familiares e de amizade entre A. e 1o R.
(quesito 23°).

33) E, combinada a aquisição conjunta do prédio, o A. abriu conta bancária num balcão do Lloyds Bank, em Lisboa (quesito 24°).
34) O A. escreveu a carta datada de 21/6/85, cuja cópia consta a fis. 38 e tradução a fis. 451 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais:"(...) Junto envio as duas escrituras carimbadas em branco, as quais assinei em branco no verso de cada uma (...)" (quesito 32°).

35) O A. depositava confiança total no 1o R. (quesito 33°).
36) Para justificar a demora na elaboração da escritura do prédio da ... ..., o 1o R. alegou dificul­dades pelo facto de entre os respectivos vendedores existirem muitos herdeiros menores (quesito 34°).

37) O que, para os proteger nos seus interesses, exigia a intervenção do Tribunal (quesito 35°).
38) Em meados de 1989 - três anos depois da escritura - o 1o R. ainda não tinha enviado ao A. os documentos de aquisição do prédio (quesito 36°).


39) E o A., quando estava em Nairobi, começou a receber telefonemas da sua mulher que estava em Londres, alertando-o para o facto de que o 1o R. pretendia vender de imediato o prédio da ... ... (quesito 37°).

40) Mas o A. ignorou tais advertências pela confiança que fazia no 1o R. (quesito 38°).

41) EoA., regressado a Londres, recebeu sucessivos telefonemas dos RR. (quesito 39°).

42)E por eles os RR. afirmaram a existência de 4 ou 5 investidores interessados em comprar o prédio por elevadas quantias (quesito 40°).

43)E conhecidas as condições em que o A. aceitaria vender o prédio, o 1o R. propôs ao A. a compra da compro­priedade deste, A., no prédio da ... ... pela importância de 800.000 libras esterlinas (quesito 49°).

44)Que era o montante líquido mínimo que o A. aceitaria receber como produto da venda a terceiros (quesito 50°).

45)O A. resolveu aceitar (quesito 51°).

46)Mas nunca o pagaria (o preço), em qualquer caso, depois de 1989 (quesito 53°).

47)E o A. não domina o Português (quesito 56°).
48)O A. ficou a aguardar o envio pelo 1o R. do dinheiro correspondente ao preço da sua parte na propriedade do prédio (quesito 62°).
49)E a 2a R. prometeu ao A. telefonicamente diversas vezes que o pagamento daquele valor seria feito em breve (quesito 63°).
50)Decorrido cerca de um ano e meio sobre a passagem da referida procuração pelo A., este nada tinha recebido (quesito 64°).

51)Apesar de muitas insistências feitas pelo A. em telefonemas ao 1° R. (quesito 65°).

52)Em princípios de 1991, o A. deslocou-se a Portugal (quesito 66°).

53) Procurando receber pelo menos parte do dinheiro (quesito 67°).
54)E receber um escrito que formalizasse o acordo feito com o 1o R. sobre a venda que ele próprio A. fizera com o 1o R. vendendo a este a sua compropriedade no prédio (quesito 68°).

55)E, então, o 1 ° R. disse ao A. que não lhe poderia entregar qualquer dinheiro (quesito 69°).

56)Mas o R. aceitou elaborar um acordo escrito (quesito 70°).

57)Cuja concretização o 1o R. arrastou no tempo (quesito 71°).

58)O A. ficou desagradado com as promessas do 1o R. (quesito 72°).

59)E deslocou-se em 8/2/91 ao escritório do 1o R., a fim de obter o dito documento (quesito 73°).
60)Apesar de, a partir de Janeiro de 1992 o A. ter insistido junto do 1 ° R. pelo pagamento da sua parte no prédio, o A., em Fevereiro de 1993 não tinha recebido nem o preço ajustado para a venda da sua parte no prédio (quesito 90°).

61)Nem os juros referidos no documento descrito em I) dos factos assentes (quesito 91°).

62)Apesar das insistências do A., o R. nada pagou (quesitos 92° a 110°).

63)O A. resolveu, então, em meados de 1996, averiguar através de advogado a situação do prédio (quesito 111°).


64) Por escritura lavrada em 1/8/89, cuja cópia consta a fls. 46/47 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, BB, por si e também na qualidade de procurador de AA declarou que "em nome do seu constituinte e pelo preço de trinta milhões de escudos, que ele já recebeu, vende a si próprio metade indivisa do prédio urbano sito na ... ..., número duzentos e quarenta (...)" (quesitos 112° e 113°).
65) Por escritura lavrada em 11/12/89, cuja cópia consta a fls. 49/51 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, BB e CC declararam que "por contrato de promessa de compra e venda celebrado em 15 de Novembro último, entre os primeiros outorgantes e a sociedade representada pelos segundos outorgantes, esta prometeu comprar pelo preço de ml! e quatrocentos milhões de escudos e os primeiros prometeram vender, o prédio urbano sito em Lisboa, na ... ..., número duzentos e quarenta (...). Que nos termos do referido contrato de promessa de compra e venda eles primeiros outorgantes receberam até esta data a quantia de cento e quarenta milhões de escudos como sinal e princípio de pagamento do preço atrás referido. Que nos termos da cláusula quarta do contrato de promessa os primeiros outorgantes obrigaram-se a constituir hipoteca a favor da promitente compradora sobre o prédio identi­ficado, para garantia do reembolso da quantia já recebida nesta data, em caso de incumprimento imputável aos promitentes vendedores. Que, assim, pela presente escritura, os primeiros outorgantes constituem a favor da sociedade representada pelos segundos outorgantes - R.. - hipoteca sobre o prédio atrás identificado, para garantia do eventual reembolso do sinal já efectuado pela sociedade promitente compradora (...)" (quesitos 114° a 116°).

66) O R. não deu conhecimento ao A. do referido na resposta aos quesitos 114° a 116° (quesitos 117° e 118°).
67) O que consta da certidão judicial constante a fls. 1027 e segs. dos autos, cujo teor se dá por reproduzido (quesitos 119o a 122°).
68) A R. escreveu a carta datada de 15/3/90, cuja cópia consta a fls. 229 e a tradução a fls. 232 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido.

Apreciando:

Antes de mas importa registar o circunstancialismo fáctico e processual ocorrido para um melhor enquadramento:

 O A AA intentou a presente acção judicial em 16. 06.1998, contra o R ... FF e mulher pedindo:

 1) A  declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado pelo 1º R consigo mesmo relativamente à quota do A na compropriedade do prédio urbano sito no nº ... da ... ... em Lisboa, por se tratar de negócio simulado quanto ao preço;

2) Que seja considerado válido o negócio dissimulado de compra e venda da referida quota por um preço GBP : 800.000, 00 equivalentes a 241.840.000$00 ao câmbio à época da propositura da  acção ;

3) em alternativa , deverá o referido negócio ser modificado segundo juízos de equidade , por se tratar de negócio usurário estabelecendo-se para o mesmo um preço GBP 800.000;

4) Em qualquer dos casos , que os RR sejam condenados a pagar ao A da quantia de GBP : 800.000,00; 5) se não for este o entendimento que seja considerado ineficaz tal negócio relativamente ao A , por ter sido celebrado pelo 1º R com abuso dos poderes de representação.

 Aconteceu que o A, através do requerimento apresentado em 25 de Julho de 2008, ( fls.1017-1024) veio requerer a ampliação daquele pedido, adicionando  aquele pedido principal  o de condenação dos RR  no pagamento da importância de 800.000, 00, o pedido de pagamento de juros de mora sobre essa importância, à taxa convencionada de 15% desde 8.02.91 ou subsidiariamente, aos juros de mora à taxa legal desde 11.7.1991.

Os RR opuseram-se a essa ampliação do pedido alegando em síntese: que não eram devidos juros de mora; e a não ser assim só relevavam os juros posteriores a 30.7.2003 por se encontrarem prescritos nos termos da alínea d) do art. 310 do C. Civil e que, em qualquer caso em virtude do seu carácter usurário , seria inadmissível  a taxa de 15% considerando-se os mesmos reduzidos aos máximos legais.

Por despacho judicial de 30.09.2008 proferida no decurso da audiência foi admitida a requerida ampliação do pedido nos termos do art. 273 nº2 do CPC, despacho este que não mereceu qualquer  recurso.

 Significa que foi admitida a  requerida ampliação do pedido referente ao pagamento de juros de mora sobre o a importância de £800.000,00.

Em 20 de Outubro de 2008 foi lavrado o termo a fls.1546 onde os RR confessaram « o pedido no montante de GBP 800.000( oitocentos mil libras esterlinas ) cujo pagamento é exigido pelo Autor como preço da venda que lhes fez da metade indivisa do prédio nº ... da Av. … em Lisboa com a consequente preclusão dos pedidos subsidiários».

  Em 21.10.2008 foi proferida sentença, homologando a confissão dos RR e condenando-os no pedido, acrescida dos juros de mora.

Os RR interpuseram recurso desta sentença.

 Entretanto por despacho de 30.03.2009 ( fls.1898-1899) foi suprida a nulidade consistente na omissão de pronuncia quanto á invocada prescrição dos juros , decidindo-se no final, julgar parcialmente provada tal excepção e consequentemente declarados extintos por prescrição os juros peticionados desde 11.07.1989 até 30.07.3003,absovendo os RR do pedido nessa parte.

No entanto por Acórdão da Relação de Lisboa ( fls. 2018-2026) foi decidido revogar a sentença, na parte em que condenou os RR no pagamento de juros de mora, anulando todo o processado subsequente, ressalvados os próprios recurso, com vista a que a 1ªinstância aprecie a questão do direito aos juros de mora e as invocadas prescrição e redução de taxa de juros.

 Regressado o processo á 1ª instância e, após a decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, foi proferida sentença que decidiu:

a) Homologar por sentença a confissão do pedido efectuada pelos RR , condenando-os no pagamento ao Autor  da quantia de £ 800.000;

b) Julgar  o remanescente pedido parcialmente procedente ,condenando-os RR no pagamento ao Autor de juros demora, sobre o capital acima referido à taxa anual de 7% contado desde 29 de Julho de 2008 , até integral pagamento.

c) Absolver os RR do remanescente pedido.    

 É desta sentença que ambas as partes interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que concedendo parcial provimento ao recurso do A e negando provimento ao interposto pelos RR , alterou a decisão recorrida condenando se os RR a pagar ao A a quantia de £800.000, acrescida dos juros moratórios , contados á taxa anual de 9% a partir de 29.07.2003, absolvendo- os do remanescente do pedido.

 É deste Acórdão da Relação que o A e RR interpuseram os recursos de revista., cujas alegações acima foram transcritas.

 Desde logo, importa registar que o que está, aqui, em causa, é apenas o pagamento dos juros .

 

  E esse pagamento implica desde logo qualificar a natureza dos juros, aqui, em questão, o que significa   saber, se estamos perante juros remuneratórios , ou moratórios.

 Para aferir a natureza dos juros temos de nos ater à matéria de facto provada relacionada com esta problemática:

 Daqui importa, desde logo, destacar a natureza dos juros que foram estipulados no documento assinado em 8.02.1991, pelo que  importa submeter tal documento às regras da interpretação, nomeadamente as regras do art. 236 nº1 do C. Civil, nomeadamente saber qual o sentido dessa estipulação.

Esse documento é do seguinte teor:

Eu, Dr. ... FF, Advogado na ... , …, …º em Lisboa , pela presente confirmo que em ou por volta de 11 de Julho de 1989 concordei em adquirir uma meia parte não dividida dolote nº ... ..... , Lisboa , pelo preço de £800.000( oitocentos mil libra esterlinas) a ser pago em ou antes de 31 de Dezembro de 1989.

Temos até hoje discutido no âmbito do espírito de primos e irmãos e foi concordando que tendo em vista o facto não cobrei pelo considerável trabalho que tive no respeitante à compra e gestão das instalações vendidas ,não estaria sujeito a pagar qualquer juro até esta data.

Foi concordado agora que pagarei o preço de líquido acordado £800.000( oitocentos mil libras esterlinas) em prestações em ou antes de 31 de Dezembro de 1991 e que uma taxa de 15% ( quinze por cento ) será paga no dito valor da compra ou no balanço disso, a partir de hoje até que o dito preço de compra tenha sido pago na totalidade.

Ass. ... FF.

Por baixo da data 91.02.08 aparece o seguinte:” confirmo o acima dito e uma assinatura ilegível . 

  Tendo em conta a factualidade que vem  provada tudo indicia que a questão dos juros só  é colocada aquando da emissão do  identificado documento , ou seja em 8.02.1991 , sendo certo que o relacionamento entre o A e o 1ºR surge muito antes, nomeadamente quando em 28.11.1986 o autor e réu decidiram em conjunto e em comum e em partes iguais comprar o prédio urbano sitona ... ... , nº ... em Lisboa.

 Sublinhe-se que ficou acertado que o 1º R trataria das questões jurídicas da desocupação do prédio e acompanhamento da execução do projecto – quesito 20 – 29

 E que o Autor se encarregaria das questões financeiras e da estratégia – quesito 21-30;

E que nem o Autor nem o 1º R cobrariam um ao outro qualquer montante por tais actividades e tais acordos não foram reduzidos a escrito atenta as relações familiares e de amizade entre o Autor e 1º R – quesito 2332.

E conhecidas as condições em que o autor aceitaria vender o prédio, o 1º R propôs ao Autor a compra da compropriedade deste , Autor , no prédio da Av. ... pela importância de £800.000 ,que era o montante líquido mínimo que o Autor aceitaria receber como produto da venda a terceiros , tendo o Autor  resolvido aceitar tal proposta, mas nunca pagaria o preço , em qualquer caso depois de 1989- . – 49, 50 , 51 e 53

 Em 10.07.89 o A outorgou uma procuração constituindo seu bastante procurador o R Dr. ... FF, a quem conferiu os poderes necessários para fim especial de vender a quem quiser , incluindo a ele próprio mandatário o que fica desde já autorizado  nos termos do art. 261 do C. Civil. sob as condições e cláusulas que tiver por conveniente e pelo preço que entender que declarará na respectiva escritura a metade que lhe pertence do prédio sito na Av. ... , nº ....

 O R munido desta procuração por escritura lavrada em 1.08.1989, cuja cópia consta a fls.46/47 dos autos  e cujo teor se dá por reproduzido ,... BB, por si e também na qualidade de procurador de AA , declarou que “ em nome do seu constituinte e pelo preço de trinta milhões escudos , que ele já recebeu , vende a si próprio metade indivisa do prédio urbano sitona Av. ... , número duzentos e quarenta – quesitos 112 e 113 – 64.

 O A ficou a aguardar o envio pelo1º R do dinheiro correspondente ao preço da sua parte na propriedade do prédio – quesito 62 – 48.

 Decorrido cerca de um ano e meio sobre a passagem da referida procuração pelo Autor, este nada tinha recebido, pelo que em princípios de 1991 , o A deslocou-se a Portugal procurando receber pelo menos parte do dinheiro-  quesitos 64, 66,67- 50-52 e 53.

 É neste contexto que é elaborado o documento supra referido em 8.02.1991 e cujo teor aqui se volta reproduzir.

 Com um enquadramento fáctico deste tipo e sendo o juro, aqui em causa,  uma questão que  as partes verdadeiramente  só  colocam em 8.02.1991  não visa  seguramente no contexto contratual  acima descrito e  em que   o documento foi elaborado,   remunerar o capital  ( dinheiro),  e, isto porque todo esse contexto nomeadamente   ao  não  fixarem qualquer remuneração  às actividades desenvolvidas por ambos A e 1º R    relacionados com o desembaraço do prédio, aconselha em termos da vontade das partes que, pelo menos,   até aquela data não existiam qualquer encargo com juros, circunstância que afasta a natureza remuneratória dos juros ( cfr . nomeadamente os referidos quesitos23 e 32)-.

 Seguramente esse  contexto contratual preliminar ao documento  de 8.02.1991 terá pesado e não repugna  que à luz do citado art. 236 nº1 do C civil  as partes aceitem apenas  o pagamento dos juros a partir de 8.2.02. 91 e neste caso os juros  contados a partir  da data do  documento    assumem antes  natureza moratória e, isto porque só a partir desta data as partes verdadeiramente  estipularam que eram devidos juros,  pelo que para efeitos de determinação da data da constituição da mora nos temos  de ater aquela data, nada havendo, aliás, na matéria de facto provado  que contrarie essa circunstância temporal..  

Sublinhe-se como refere o Ac. deste Supremo Tribunal de 24.05.2007 acessível via www.dgsi.pt que “os juros  remuneratórios distinguem-se dos juros moratórios porque, enquanto aqueles constituem contraprestação onerosa pela disponibilidade do capital mutuado durante vigência do contrato mútuo nos termos acordados-pelo que só com o decurso do tempo em que esse capital foi sendo disponibilizado ao mutuário vai nascendo e se vão vencendo como preço de tal disponibilização , estes constituem uma reparação pelos prejuízos resultantes do atraso de cumprimento da obrigação ou seja no caso pela não restituição do capital mutuado no momento do vencimento”.

Efectivamente ,tratando-se de uma dívida  constituída antes daquela data de 8.2.91 , a estipulação de que os juros são devidos a partir dessa data,  não visa remunerar o capital que estava  em dívida ,mas estabelecer que a partir dessa data já eram devidos pelo atraso no cumprimento da obrigação e nessa medida os juros assumem natureza moratória e não remuneratória.   

 Qualificados os  juros, aqui, devidos como moratórios coloca-se  outro ploblema, que reside em saber se estamos  , perante uma taxa convencional fixa de 15%,como pretende o A ou a referência á taxa de 15% ao ano referida no documento de 1991 significa a remissão para a taxa legal supletiva?  

 

 É  certo que o A invocando a convenção consubstanciada no documento de fls. 36  pugna pelo direito a juros moratórios à taxa   aí estipulada de 15% desde 8.09.1991.

 

 Mas existe aqui uma convenção escrita relativa à taxa de juros fixando-a em 15%?

 A matéria facto provada não permite concluir que aquela referência à taxa de 15% no documento  consubstancie uma verdadeira cláusula escrita  de estipulação de juros autónoma, conforme a lei exige quando as partes pretendem  fixar juros superiores aos legais ( cfr. art. 559 nº 2 do C. Civil) .

Qualquer das formas há que indagar a declaração, com vista a apurar o alcance da referência ai feita à taxa de juro de 15% .

 Tudo indicia em termos da vontade das partes que o R ao indicar a taxa de juro de 15% tinha certamente em mente a taxa legal em vigor à época ( 8.02.91) que era precisamente de 15% , a taxa legal supletiva em vigor ( Portaria nº 339/ 87 de 24/04 em vigor desde 30/4/87).

A matéria de facto provada também não é conclusiva em termos da vontade das partes no sentido da existência de um acordo escrito no sentido de uma estipulação de um taxa invariável( fixa) de 15% .

Porque razão o R consignou no aludido documento a taxa de 15%?

Há desde logo que considerar o contexto em que sessa declaração é produzida, sendo certo  que à época a taxa legal supletiva era de 15% .

  Num contexto deste tipo e com um interlocutor estrangeiro a indicação de 15% procura uma melhor precisão em termos quantitativos e daí que   não repugne à luz dos critérios legais do art. 236 nº1 do C. Civil apenas pretendeu significar que era essa a taxa legal em vigor à  época.

 Na verdade para se concluir pela invariabilidade da taxa, esta devia  ter sido  expressa ( escrita) e explícita  e assim, consignado no documento,, tanto mais que a taxa indicada correspondia precisamente á taxa legal em vigor.

 Ao autor competia provar  o acordo sobre a invariabilidade da taxa , não bastando para esse desiderato o documento referir a taxa legal supletiva  que  à época era  de 15%.( art. 342 nº1 do C. Civil).

 Não havendo convenção escrita sobre a invariabilidade da taxa, mas apenas  uma referência a uma taxa coincidente com a taxa legal, significa para o interlocutor, neste caso, estrangeiro que aquela taxa de 15% no contexto em que foi produzida apenas  por ele podia ser entendida como a taxa que era  legalmente exigível à época da emissão daquele documento , sendo que a sua quantificação apenas  lhe serviu como mera indicação e para seu conhecimento.  

 Portanto, quando o R ... FF, no documento de fls. 36, a que alude a alínea I) dos factos assentes diz que “ foi concordado agora que pagarei o preço líquido acordado de £ 800.000 ( oitocentos mil libras esterlinas ) em prestações  em ou antes de 31 de Dezembro de 1991 e que uma taxa de juros 15% ( quinze por cento) será paga no dito valor da compra ou no balanço disso a partir de hoje até que o dito preço de compra tenha sido pago na totalidade “ pretende em termos de juros remeter para a taxa legal de 15% ano que era a taxa vigente á época em que foi emitido tal documento.

E  havendo remissão para as taxas legais em vigor nos termos acima descritos,  não tem sentido falar aqui em juros usurários nos termos em que estes são definidos no art. 1146 nº1 do C. Civil ,quando no documento de 8.82.91, que consubstancia o acordo das partes,  se faz referência  à taxa de 15%,, taxa esta coincidente com a taxa  legal supletiva em vigor  aquela data.

 E tratando-se de juros moratórios quando ocorreu a situação de mora?

 Como acima já  se referiu a propósito da qualificação da natureza dos juros, estes são devidos à luz do próprio aludido documento e portanto contabilizados a partir de 8.2.1991 e, isto, porque é  o próprio documento que prevê expressamente que os juros são devidos a partir de 8.02.1991,,nada havendo na factualidade apurada  em termos temporais que contrarie essa contabilização. 

 Outra questão suscitada  prende-se  com a invocada prescrição de juros.

Conforme refere o Acórdão recorrido, embora  lícita a taxa de juro à data da estipulação ( 1991) , o certo é que a taxa reclamada pelo A  à taxa de 15%  ao ano desde 8.2.91 não pode proceder, porquanto a taxa reclamada  reportada ao ano de 2003 , supera a taxa legal que nesse ano foi fixada em 4% ano ( Portaria 291/2003 de 8/4) e nessa medida é usurária nos termos do art. 559-A do C. Civil  que dispõe expressamente  que são havidos como usurários os juros que excedam os juros legais acrescidos dos limites estabelecidos no nº1 do art.1146 . 3% ou 5% consoante exista ou não garantia real .

 É  certo que o A apenas se pode valer da taxa legal supletiva nos termos acima referidos e  nessa medida o pedido de juros que formula  com base na taxa fixa de 15% assume, aqui, natureza usurária, mas esta questão não chega a colocar-se  como mais adiante se esclarecerá  quando se referir que os juros, aqui, em questão,    devem antes  ser contabilizados de harmonia com as taxas legais supletivas nos termos art. 559 do C. Civil e, isto porque estamos, aqui, perante operações predominantemente civis. ( compra e venda de imóvel ainda que as partes  tivessem por objectivo a revenda).

 No que concerne ao abuso de direito pela invocação da prescrição dos juros, importa referir que não existe qualquer factualidade que sustente o invocado abuso de direito, sendo que   essa invocação representa  um exercício legítimo de um direito , que segura e objectivamente  não ofende de forma  clamorosa a justiça e   não excede os limites impostos pela de boa fé ,pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito ( cfr. art. 334 do C. Civil- Manuel Andrade  Teoria Geral das Obrigações pag.63).

 No que concerne à prescrição dos juros acompanha-se o Acórdão recorrido quando considera que prescrevendo a dívida de juros no prazo de 5 anos estabelecendo no art.310 do C- Civil, a mesma se interrompeu nos termos do art. 323 nº1 do C. Civil tão somente com a notificação àqueles- tida por efectuada em 28.07.2008 do aludido requerimento de ampliação do pedido.

 Todavia e contrariamente ao decidido na 1ª instância a interrupção opera relativamente aos juros que se venceram, não até essa data ,mas nos 5 anos anteriores ,pelo que apenas se devem considerar prescritos os vencidos entre 8.2.91 e 28.07.2003., conforme  se decidiu no Acórdão recorrido.

 Efectivamente , o  prazo de cinco anos começa a contar-se , segundo a regra do art.306 ,a partir da exigibilidade da obrigação.

 Como referem os Profs. P. Lima e A. Varela in C. Civil Anotado 2ª ed. Revista e Actualizada pag. 259 “ pode acontecer ,nas dívidas de juros ,que não haja prazo estabelecido para o seu pagamento. É o que acontece quanto aos juros legais . Neste caso , os juros vão- se  vencendo dia-dia, pelo que devem considerar-se prescritos os que tiverem vencido para além dos últimos cinco anos”.

 

 Por último e no que concerne á taxa de juro aplicável, há desde logo que salientar como acima já se referiu que se trata de uma operação com natureza predominantemente civil- compra e venda de um prédio entre particulares – A e 1º R ,. Nada vem provados sobre a qualidade de comerciante ( ou empresários comerciais) dos intervenientes no negócio  e também nada vem provado que ateste a natureza comercial do negócio.( cfr..art.2º do C Comercial).

 Isto para dizer que a taxa de juro aplicável é aquela que vem regulada no art. 559 do C. Civil.

 

Em conclusão:

1- Reconhecendo os RR uma dívida de capital no montante de £ 800.000, constituída antes da emissão do documento, em que fazem esse reconhecimento ou seja, no caso em apreço, antes de 8.2.91   e no qual estabeleceram que os juros só eram devidos a partir dessa data,   estes juros  assumem natureza moratória, porque, assim, estabelecidos não visaram remunerar a disponibilidade do capital  antes daquela data.

2- Não havendo convenção escrita sobre a invariabilidade da taxa, nos termos exigidos no art, 559 nº2 do C. Civil, mas apenas uma referência a uma taxa coincidente com a taxa legal supletiva, significa  para o interlocutor, neste caso, estrangeiro que aquela taxa de 15% no contexto em que foi produzida apenas pode ser entendida  como a taxa que era legalmente exigível à época da emissão daquele documento. 8.2.91 ,sendo que a indicação de 15% apenas lhe serviu como mera indicação de uma medida de grandeza  e para seu conhecimento, sendo certo que era sempre  necessário que o A demonstrasse que houve uma convenção escrita sobre a invariabilidade da taxa de 15% ( cfr. art.342 nº1 do C Civil) prova que não foi feita.

3- E sendo assim não pode o A peticionar juros com base numa taxa fixa de 15% conforme o fez.

4-  Os juros, aqui, em questão devem antes ser contabilizados de harmonia com as taxas legais supletivas sucessivamente em vigor, nos termos do art.559 do C. Civil, ficando, assim, arredada qualquer hipótese de juros usurários, nos termos em que estes são definidos no art.1146 nº1 do C. Civil.,

5- Essa contabilização dos juros às mencionadas taxas legais tem como fundamento o facto

de estarmos perante operações predominantemente civis ( compra e venda de imóveis, ainda que tivessem por objecto a revenda ) e isto porque nada vem provado sobre a qualidade de comerciantes ( ou empresários comerciais) dos intervenientes no negócio e nada vem provado também que ateste a natureza comercial do negócio. ( cfr. art. 2º do C. Comercial).

6-  No que concerne à prescrição da dívida de juros, matéria exepcionada pelos RR , o prazo de cinco anos,  estabelecido no art.310 al..d) do C. Civil, verifica-se  a interrupção por força do art. 323 nº1 do C. Civil( notificação aos RR do requerimento de ampliação do pedido, que ocorreu em 28.07.2008) interrupção essa que opera relativamente aos juros que se venceram , não até essa data ,mas nos 5 anos anteriores ,pelo que se devem considerar prescritos os vencidos entre 8.02.1991 e 28.07.2003

7-  O prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do art.306 do C. Civil a partir da exigibilidade da obrigação, neste caso, os juros vão-se vencendo dia a dia , pelo que devem considerar-se prescritos ,os que se tiverem vencido para além dos últimos cinco anos..

8-  Não existe uma situação de abuso de direito, nos termos do  art.334doC. Civil, quando os RR invocam a prescrição da dívida de juros  e, isto porque  essa invocação representa o exercício legítimo de um direito,  que, aqui,, segura e objectivamente não ofende de forma clamorosa a justiça e não excede os limites impostos pela boa fé ,pelos bons costumes , ou pelo fim social ou económico desse direito.  

   

 III- Decisão:

 Nestes termos e considerando o exposto acordam os Juízes deste Supremo em julgar improcedente o recurso do A e parcialmente procedente o recurso dos RR,  alterando-se em consequência  o Acórdão recorrido apenas na observação da taxa de juro aplicar, sendo que os juros são  contabilizados às taxas legais supletivas sucessivamente em vigor desde 29.07.2003.,mantendo-se o demais o decidido.

 Custas pelo A e pelos RR, estes apenas na proporção do decaimento no recurso por  eles interposto.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 26 de Setembro de 2013

Tavares de Paiva (Relator)

Abrantes Geraldes

Bettencourt de Faria