Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7200/16.0T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
ALTERAÇÃO DOS FACTOS
MATÉRIA DE DIREITO
FUNDAMENTOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 05/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Para que a dupla conforme deixe de atuar como obstáculo à revista, torna-se necessário, uma vez verificada a decisão confirmatória da sentença apelada, sem voto de vencido, a aquiescência, pela Relação, do enquadramento jurídico suportado numa solução jurídica inovatória, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados na sentença proferida em 1ª Instância.

II. Os elementos de aferição da conformidade ou desconformidade das decisões das Instâncias têm de se conter na matéria de direito, donde, nenhuma divergência das Instâncias sobre o julgamento da matéria de facto é passível de implicar, por si só, a desconformidade entre aquelas decisões que importem a admissibilidade da revista, em termos gerais, sublinhando-se que a apreciação do obstáculo recursório respeitante à figura da dupla conforme terá sempre e necessariamente de se deter nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal de revista, acentuando-se que qualquer alteração da decisão de facto pela Relação, apenas será relevante para aquele efeito quando implique uma modificação, também essencial, da motivação jurídica, sendo, portanto, esta que servirá de elemento aferidor da conformidade ou desconformidade das decisões.

III. Se a nulidade apontada ao acórdão recorrido é invocada quando não se verifica a dupla conforme e não se verifica qualquer outro bloqueio recursório, nada obsta a que o objeto do recurso seja exclusivamente preenchido pela arguição dessa nulidade, ao invés, na verificação de qualquer bloqueio recursório, importa que a reclamada nulidade do aresto recorrido seja invocada perante o Tribunal que proferiu a decisão.

IV. Somente a decisão condenatória por litigância de má fé está sujeita a um regime especial de recorribilidade, condizente a um grau, pelo que, decorrendo do dispositivo do acórdão recorrido a improcedência do pedido de condenação, está, necessariamente, vedado o recurso de revista.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

1. AA e BB intentaram contra, CC e DD ação declarativa condenatória com processo comum alegando, em síntese, que celebraram com os Réus um contrato promessa de compra e venda de 2/3 de imóveis sitos em ..... mas que por culpa dos Réus, que os enganaram, nunca conseguiram levar os imóveis a registo tendo acabado por resolver o contrato promessa de compra e venda, imputando à atuação dos Réus o fundamento da resolução.

Concluíram pela procedência da ação e que em consequência fosse:

a) Judicialmente declarada válida a resolução do contrato de promessa de compra e venda celebrado entre eles Autores e os Réus no dia .. de fevereiro de 2003;

b) Condenados os Réus no pagamento da quantia total de €153.414,75 correspondente ao dobro do valor despendido a título de sinal e seu reforço no valor total de €129.687,46 (cento e vinte e nove mil seiscentos e oitenta e sete Euros e quarenta e seis cêntimos), por incumprimento do contrato promessa celebrado consigo, acrescido de juros vencidos desde ../3/2015 até à data da instauração da ação no valor de €8.854,28, bem como nas despesas em que incorreram, no valor de €14.873,01, sendo que €13.480,87 foram despendidos por AA e €1392,14 por BB;

c) Condenados os Réus, ainda, no pagamento dos juros vincendos sobre as quantias acima peticionadas desde a citação até integral pagamento.

Subsidiariamente, caso não procedesse o pedido anterior, nos termos do nº 1 do art. 554.º do CPC, peticionaram que fosse:

a) Judicialmente declarada válida a resolução do contrato de promessa de compra e venda celebrado entre si Autores e os Réus no dia .. de fevereiro de 2003;

b) Condenados os Réus no pagamento da quantia total de €149.716,74 correspondente à restituição do preço pago por si Autores pelos 2/3 da quota parte dos imóveis, no valor de €64.843,73, acrescidos das despesas em que incorreram no valor €14.873,01 (sendo que €13.480,87 foram despendidos por AA e €1392,14 por A. BB);

c) Condenados os Réus a pagar-lhes uma indemnização por lucros cessantes calculados em €50.000 e em indemnização por danos morais por si sofridos no valor de €10.000 para cada um dos Autores respetivamente.

d) Condenados os Réus, ainda, no pagamento dos juros vincendos sobre as quantias acima peticionadas desde a citação até integral pagamento.

Mais peticionaram os autores que em ambos os pedidos supra formulados fossem, ainda, os Réus condenados:

- A reconhecer que não são donos nem legítimos possuidores da totalidade de 1/3 dos bens pertencentes aos pais dos Autores, por efeito da usucapião, declarando-se a escritura de justificação notarial efetuada pelos Réus a .. de junho de 2014 nula e de nenhum efeito, ordenando-se o cancelamento dos registos prediais efetuados com base nesta escritura de justificação, bem como qualquer outro eventualmente feito pelos Réus na pendência da ação.

2. Regularmente citados, os Réus pugnaram pela improcedência do peticionado pelos Autores não aceitando os motivos invocados como justificativos da resolução do negócio, por parte dos mesmos, mais imputando aos Autores, litigância de má-fé, devendo, em consequência, os mesmos serem condenados em multa e indemnização a si Réus.

3. Os Autores impugnaram a genuinidade do documento junto aos autos pelos Réus, requerendo a realização de prova pericial quanto às assinaturas e rubricas dos segundos outorgantes, ora Autores, e, bem assim, quanto à existência de indícios de ter ocorrido manipulação do documento junto com a contestação a partir do documento junto com a petição inicial.

4. Realizou-se audiência prévia e elaborou-se despacho saneador, com fixação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.

5. Calendarizada e realizada a audiência final foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “Por tudo o exposto, julga-se parcialmente procedente a acção e consequentemente: - julga-se procedente a impugnação da escritura de justificação notarial, realizada pelos RR. em .. de Junho de 2014, declarando-se não serem os RR donos de 1/3 dos bens identificados na escritura pertencentes aos pais da R., não tendo nenhum efeito aquela escritura e determinando-se o cancelamento dos registos efectuados com base naquela escritura; - julgam-se improcedentes os restantes pedidos deduzidos nos autos pelos AA. absolvendo-se os RR. do peticionado; - julga-se improcedente o pedido de condenação dos AA. por litigância de má fé.”

6. Inconformados com o decidido, recorreram os Autores/AA e BB e os Réus/CC e DD, tendo a Relação conhecido do objeto das apelações, proferindo acórdão, em cujo dispositivo consignou: “Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedentes ambos os recursos independentes interpostos pelas Partes da sentença e decidir: 1- Confirmar a sentença recorrida; 2- Julgar improcedente o pedido de condenação como litigantes de má-fé dos Apelantes/Apelados CC e DD formulado na ação, em 14/03/2018, pelos Apelantes/Apelados AA e BB”.

7. É contra esta decisão que os Autores/AA e BB se insurgem, interpondo revista, formulando as seguintes conclusões:

“1.ª - Os AA. formularam, além do mais, na sua petição inicial, SUBSIDIÁRIAMENTE, pedido de condenação dos RR. no pagamento correspondente à RESTITUIÇÃO das quantias pagas no montante de €64.843,73 e juros legais com fundamento na resolução do contrato por ACORDO entre os contraentes.

2.ª - No recurso para a Relação essa questão consta das CONCLUSÕES (sintetizadas) - n.º 16 e parte IV MATÉRIA DE DIREITO – A6.

3.ª - Verifica-se que nem a Primeira instância nem o Tribunal da Relação conheceram deste pedido.

4.ª - No caso sub judice a Primeira Instância e o acórdão recorrido limitaram-se a apreciar a questão relativa ao incumprimento culposo, relativamente ao qual as partes tinham posições divergentes.

5.ª - Assim sendo, não se poderia, pelos motivos atrás explanados, verificar “dupla conforme”, quanto a este pedido, motivo pelo qual o presente recurso deve ser admitido, não se verificando a limitação do recurso de revista quanto a esta parte.

6.ª - Ficou provada a resolução do contrato promessa de compra e venda por acordo dos contraentes.

7ª - Os RR., apenas discordaram dos motivos insertos na comunicação dos recorrentes no que concerne à culpa.

8.ª - A resolução pode fazer-se por acordo, mesmo que o direito tenha sido conferido a uma das partes, não carecendo de declaração de validade judicial.

9.ª - A resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (art. 433.º C.C) e tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.

10.ª - A não devolução das quantias pagas configuraria um locupletamento à custa alheia e um enriquecimento sem causa.

11.ª - No que concerne ao pedido de condenação dos RR. como litigantes de má-fé, só se pronunciou o acórdão recorrido substituindo-se ao tribunal de primeira instância, que não conheceu desta questão, inexistindo também neste segmento dupla conformidade.

12.ª - Do exposto no ponto V desta peça processual, verifica-se que os recorridos atuaram com dolo e negligência grave, alterando a verdade de factos pessoais de que tinham conhecimento direto e omitindo factos relevantes para a descoberta da verdade, violando os mais elementares princípios de boa fé contratuais consagrados no artigo 227.º n.º 1 do Código Civil, com intuito de conseguir um objetivo ilegal e prejudicar os recorrentes como efetivamente prejudicaram.

13.ª - Ao não apreciar a questão colocada pelos Autores (resolução do contrato por acordo das partes e pedido de restituição das quantias pagas) relevante para a boa decisão da causa, o acórdão recorrido enferma do vício de omissão de pronúncia, o que acarreta a sua NULIDADE, nos termos do 615.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil

14.ª - O acórdão recorrido faz uma errada interpretação dos factos provados e uma incorrecta aplicação do direito e das normas aplicáveis, violando, nomeadamente, as seguintes disposições legais: 224.º n.º 1, 227.º, 289.º n.º 1, 374.º n.º 2, 432.º n.º 1, 433.º, 434.º n.º 1, 436.º 473.º, 480.º al. b), todos do Código Civil, alíneas b) e d) do artigo 542.º e 615.º n.º 1 alínea d) do CPC.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve dar-se provimento ao presente recurso revogando-se o acórdão recorrido e substituído por outro que: a) declare sua NULIDADE, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615 n.º 1 alínea d) CPC, e, em consequência condene os recorridos a restituir aos AA. a quantia de €64.843,73 (Sessenta e quatro mil oitocentos e quarenta e três euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros à taxa legal em vigor, contados desde 10.03.2015, data em que ocorreu a aceitação da resolução do contrato. b) Condene os RR. como litigantes de má-fé em multa e indemnização, no que se vier a liquidar em execução de sentença.

Com o que se fará a costumada JUSTIÇA”

8. Foram apresentadas contra-alegações onde se concluiu pela improcedência da revista, aduzindo, para o efeito, as seguintes conclusões.

“1) No tocante às questões objeto de recurso, interposto pelo Il. Mandatário dos AA., sustentam os RR. que as mesmas terão já sido apresentadas e apreciadas tanto pelo Tribunal de 1ª Instância, mas também pelo Tribunal da Relação, o que reforça a nossa posição no que diz respeito à improcedência do recurso de revista.

2) Os autores vêm colocar em crise a Douta Sentença e posterior Acórdão, invocando a sua nulidade por ausência de pronúncia sobre a “resolução do contrato”, quando o Tribunal a quo o faz expressamente de fls. 31 (§4º) a fls 33 da Douta decisão, fundamentando-o de facto e de Direito Improcede assim igualmente esta alegação dos autores reconvintes.

3) A nulidade das decisões judiciais por omissão de pronúncia, prevista no Código de Processo Civil ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” e é aplicável aos acórdãos das Relações por força do ar.º 666º, n.º 1, e aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça por força do ar.º 685º, ambos do mesmo Código.

4) Tendo o acórdão reclamado conhecido das questões em sede de pedido principal e sendo as conclusões extensivas ao pedido subsidiário pela própria natureza partilhada dos pedidos, apreciando assim o que lhe competia apreciar, não incorre em nulidade por omissão de pronúncia por não ter respondido, um a um, a todos os argumentos dos recorrentes ou por não ter apreciado questões com conhecimento prejudicado pela solução dada à anterior questão.

5) O postulado no artigo 615º nº1 al. d), prende-se com o dever imposto ao juiz de se pronunciar sobre questões suscitadas pelas partes, tal como determina o postulado no artigo 608º nº2 Código de Processo Civil  acrescentando a esta matéria o Professor Doutor Alberto dos Reis que nos transmite a ideia de que “são, na verdade, coisas diferentes; deixar de conhecer a questão que se devia conhecer, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pelas partes.”

6) Decorre do cauteloso exame da sentença de 1ª instância, referente à invalidade do contrato-promessa de compra e venda alegada pelos recorrentes, o seguinte: “Nada mais resultou provado, com relevância para a decisão da causa, nomeadamente não resultou provado que: Em .. de Fevereiro de 2003 os AA. celebraram com os RR. Contrato de promessa de compra e venda de dois terços dos imóveis melhor identificados no doc. 1.”

7) No que toca então à questão levantada relativamente ao pedido subsidiário da restituição do montante de 64.843,73€ (ponto I) conclui a sentença em análise que ‘’cabe considerar que de acordo com o disposto no artigo 483º CC são pressupostos da obrigação de indemnizar: o dano, a existência de ato ilícito, nexo de causalidade entre este e o dano causado e nexo de imputação desse dano lesante.

No caso em apreço não estão preenchidos estes pressupostos conforme supra explanado e atenta a factualidade provada. Pelo exposto, forçoso se torna concluir pela improcedência do peticionado pelos AA no que se refere à restituição do preço pago pelos AA, das despesas peticionadas, da indemnização por lucros cessantes e da indemnização por danos morais’’, aludindo ao disposto na folha 33 da sentença analisada.

8) A douta decisão foi consubstanciada pelo Tribunal da Relação de ..... em sede de recurso de apelação, que aborda a questão da seguinte forma: “Porém, em face da factualidade descrita na sentença recorrida, relevando, por um lado, não ter resultado provado que o objecto de tal contrato coincidia com os dois terços dos imóveis identificados no documento 1 junto com a petição inicial e por outro que a resolução contratual levada a cabo não foi devidamente motivada, por não ter resultado provado o alegado incumprimento contratual culposo por parte dos Réus, o Tribunal a quo concluiu não haver fundamento jurídico para proceder a restituição do preço pago pelos Autores, assim como das despesas peticionadas, bem como para indemnização por lucros cessantes e bem assim a título de danos morais, visto não terem resultado provados os pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil.

9) Em suma, o Tribunal a quo apreciou efectivamente a questão/pedido em causa, só não o tendo feito da forma pretendida pelos Autores, não reconhecendo a validade da resolução do contrato promessa de compra e venda dos dois terços dos imóveis mencionados na acção tendo de acordo com o supra referido, decidido pela sua improcedência.

10) Quanto à questão levantada acerca da litigância de má-fé, não nos parece que a mesma tenha sido erradamente interpretada, tendo sido aludida, resolvida e fundamentada no Acórdão da Relação com referência ao disposto no artigo 665º, nº1 do CPC que consagra a regra de substituição do Tribunal de Recurso pelo Tribunal Recorrido, tendo a fundamentação e decisão sido integrada na sentença em causa

11) Diz-nos o douto Acórdão que: “Não invocaram os Apelantes factos concretos que possam ilustrar que os Apelados terão agido com dolo, ou, pelo menos, com negligência grave e deixaram claro impugnarem o exemplar apresentado posteriormente pelos Apelados. [...] Neste quadro factual pensamos que a situação trazida à colação pelos Apelantes não ilustra um quadro de litigância de má-fé por parte dos Apelados retratando, ao invés, por um lado, dificuldade em apurar alguns factos ocorridos há várias dezenas de anos e, por outro, certa diversidade de versões sobre os mesmos”.

12) Ainda dentro do quadro normativo da litigância de má-fé, alude-se ao disposto no Acórdão do TRG, processo número 1716/17.8T8VNF.G1 que “Com tipificação das situações objetivas de má fé - nº 2, do art. 542º, do CPC -, a figura da litigância de má-fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave (elemento subjetivo), põe em causa os princípios da cooperação, da boa fé processual, da probidade e adequação formal, que estão subjacentes à boa administração da justiça. Para a sua aplicabilidade, é exigido que resulte demonstrado nos autos que a parte agiu de forma reprovável e conscientemente ao pôr em causa a boa administração da justiça;

13) Ora, com base nos requisitos da litigância de má-fé, estes não se encontram preenchidos, tanto pelas alegações dos Recorrentes como na conduta dos Recorridos, nunca pondo em causa os Princípios inerentes à normativa legal e sempre contribuindo para a boa resolução da causa em todas as questões processuais.

NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que Vossas Excelências suprirão, Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, se requer julguem as CONCLUSÕES DE RECURSO apresentadas pelos autores recorrentes improcedentes por manifesta ausência de fundamento de fato ou de Direito, mantendo Vossas Excelências o Douto Acórdão em conformidade com o que supra se alegou, com as demais legais consequências, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”.

9. Foi proferida decisão singular, em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, em razão dos fundamentos aduzidos, rejeito o presente recurso de revista.”

10. Notificados os litigantes da aludida decisão, os Recorrentes/Autores/AA e BB apresentaram requerimento, reclamando para a Conferência da aludida decisão singular, aduzindo as seguintes conclusões:

“I - Os ora reclamantes não se conformam com o teor da decisão singular de que se reclama e que rejeitou o recurso de revista ora interposto pelos AA.

II - A decisão objecto de reclamação é completamente omissa quanto às questões suscitadas pelos AA. aquando da sua pronúncia quanto à verificação da dupla conforme, ao abrigo dos artigos 655.º n.º 1 ex-vi artigo 679, ambos do CPC.

III -  Não existe qualquer obstáculo à apreciação do recurso de revista ora interposto, por não se verificar princípio da dupla conforme porquanto

IV -  não foi apreciado pela 1.ª instância nem pela Relação o pedido subsidiário formulado pelos AA. na petição inicial.

V - Os Tribunais têm o dever constitucional de fundamentar as suas decisões e a omissão da apreciação do pedido subsidiário formulado pelos AA. redunda numa autêntica denegação de justiça.

VI -  Toda a factualidade em que assenta a apreciação do pedido subsidiário encontra-se provada na sentença recorrida (pontos 1, 46 e 54 da matéria de facto dada provada),

VII - alicerçada na resolução amigável do contrato por ambas, o que acarretaria a nulidade do negócio jurídico ora celebrado com a consequente restituição por banda dos RR. de todas as quantias pagas pelos AA.

VIII - Como tal, inexiste qualquer modificação substancial da matéria de facto considerada como provada e pertinente para as questões levantadas.

IX -  O acórdão de que se recorre não teve em conta todas as normas jurídicas em que os recorrentes estribaram a sua pretensão de reversão da decisão proferida, que não conheceu da referida matéria constante das CONCLUSÕES, ignorando a matéria PROVADA, a mencionada nas alíneas: a), b), e c) do número 6 deste articulado, relevante para a boa decisão da causa.

X - Estamos perante um quadro jurídico diferente com consequências legais distintas das operadas pelo incumprimento contratual culposo.

XI -  A limitação recursória resultante da dupla conformidade de decisões não abrange o segmento decisório do acórdão recorrido, pois, não existe qualquer decisão quanto a esta questão colocada pelos Autores

XII - Quer a 1.ª instância, quer a Relação apenas apreciaram os pedidos principais formulados pelos AA. na petição inicial, sendo certo que estes e apenas estes se fundam no incumprimento contratual culposo por banda dos RR.

XIII - Subsumiu-se assim erroneamente toda a questão relativa ao incumprimento contratual culposo como fundamento de restituição das quantias pagas pelos AA. aos RR. a título de sinal.

XIV - O que não é de todo o cerne das questões levantadas pelos AA. no recurso de revista.

XV - O acórdão da Relação de ..... efectuou uma errada interpretação dos factos provados e uma incorrecta aplicação do direito e das normas aplicáveis, violando, nomeadamente, as seguintes disposições legais: 224.º n.º 1, 227.º, 289.º n.º 1, 374.º n.º 2, 432.º n.º 1, 433.º, 434.º n.º 1, 436.º 473.º, 480.º al. b), todos do Código Civil

XVI - A NÃO PRONÚNCIA, quer pela Relação, quer pela 1.ª instância ora proferida, quanto à questão da apreciação do pedido subsidiário configura a NULIDADE prevista na alínea d) do artigo 615.º do CPC.

XVII - Deve assim considerar-se a inexistência da dupla conforme e ser o recurso de revista em causa admitido e apreciadas as suas questões.

XVIII - Na eventual manutenção da decisão singular, a rejeição do recurso em questão origina a baixa dos autos para Relação para apreciação da nulidade de omissão de pronúncia invocada, devendo-se ordenar o cumprimento no disposto no artigo 617.º n.º 5 CPC.

Nestes termos e nos melhores de direito e com o mui douto suprimento de V/Exa. deve a presente reclamação, após D. e A. por apenso, ser atendida e em consequência ser admitido o recurso de revisto interposto pelos AA. para apreciação das questões nele colocadas. Na eventualidade da improcedência da presente reclamação deve-se ordenar a baixa dos autos para a Relação para a apreciação da nulidade de omissão de pronúncia invocada.”

11. Notificados os Recorridos/Réus/CC e DD, foi apresentada resposta, com as seguintes conclusões:

“1) No tocante às questões objeto de recurso, interposto pelo AA. recorrentes, as mesmas foram objeto de decisão tanto pelo Tribunal de Primeira Instância, como pelo Tribunal da Relação.

2) Os autores recorrentes vêm colocar em crise a Douta Sentença e posterior Acórdão, invocando a sua nulidade por ausência de pronúncia sobre a “resolução do contrato”, quando o Tribunal a quo o faz expressamente de fls. 31 (§4º) a fls 33 da Douta decisão, fundamentando-o de facto e de Direito.

3) O Douto Acórdão do Tribunal da Relação de ..... conheceu e decidiu sobre as questões colocadas pelas partes e seus pedidos, sendo as conclusões extensivas ao pedido subsidiário pela própria natureza partilhada dos pedidos, apreciando assim o que lhe competia apreciar, não incorrendo em nulidade por omissão de pronúncia por não ter respondido, um a um, a todos os argumentos dos recorrentes ou por não ter apreciado questões com conhecimento prejudicado pela solução dada à anterior questão.

4) O postulado no  artigo 615º nº1 al. d), prende-se com o dever imposto ao juiz de se pronunciar sobre questões suscitadas pelas partes, tal como determina o postulado no artigo 608º nº2 CPC acrescentando a esta matéria o Professor Doutor Alberto dos Reis: “são, na verdade, coisas diferentes; deixar de conhecer a questão que se devia conhecer, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pelas partes.”

5) Decorre do cauteloso exame da Douta Sentença de Primeira Instância, referente à invalidade do contrato-promessa de compra e venda alegada pelos recorrentes, o seguinte: “Nada mais resultou provado, com relevância para a decisão da causa, nomeadamente não resultou provado que: Em .. de Fevereiro de 2003 os AA. celebraram com os RR. Contrato de promessa de compra e venda de dois terços dos imóveis melhor identificados no doc. 1.”

6) No que toca então à questão levantada relativamente ao pedido subsidiário da restituição do montante de 64.843,73€ (ponto I) conclui a sentença do mesmo Tribunal que ‘’cabe considerar que de acordo com o disposto no artigo 483º CC são pressupostos da obrigação de indemnizar: o dano, a existência de ato ilícito, nexo de causalidade entre este e o dano causado e nexo de imputação desse dano lesante. No caso em apreço não estão preenchidos estes pressupostos conforme supra explanado e atenta a factualidade provada.            Pelo exposto, forçoso se torna concluir pela improcedência do peticionado pelos AA no que se refere à restituição do preço pago pelos AA, das despesas peticionadas, da indemnização por lucros cessantes e da indemnização por danos morais’’, aludindo ao disposto na folha 33 da sentença analisada,

7) A Douta Decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de .....     no seu Douto Acórdão, onde: “Porém, em face da factualidade descrita na sentença recorrida, relevando, por um lado, não ter resultado provado que o objecto de tal contrato coincidia   com os    dois terços dos imóveis identificados no documento 1 junto com a petição inicial e por outro que a resolução contratual levada a cabo não foi devidamente motivada, por não ter resultado provado o alegado incumprimento contratual culposo por parte dos Réus, o Tribunal a quo concluiu não haver fundamento jurídico para proceder a restituição do preço pago pelos Autores, assim como das despesas peticionadas, bem como para indemnização por lucros cessantes e bem assim a título de danos morais, visto não terem resultado provados os pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil.

8) Em suma, os Tribunais apreciaram efectivamente a questão/pedido em causa, só não tendo concluído da forma pretendida pelos Autores recorrentes, não reconhecendo a validade da resolução do contrato promessa de compra e venda dos dois terços dos imóveis mencionados na acção tendo de acordo com o supra referido, decidido pela sua improcedência.

 NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que Vossas Excelências suprirão, Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, deverá ser indeferido o requerido pelos autores recorrentes, mantendo-se o Doutamente decidido em decisão singular ora objeto de reclamação, com as demais legais consequências, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA”


12. Foram dispensados os vistos.


13. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO

Cotejada a decisão singular proferida e confrontada a argumentação esgrimida pelos Reclamantes/Recorrentes/Autores/AA e BB, não encontramos quaisquer razões que infirme o dispositivo da decisão onde se concluiu pela rejeição do presente recurso de revista.

Para sustentar a predita decisão singular este Tribunal ad quem consignou a seguinte fundamentação: “Os Recorrentes/Autores/AA e BB interpuseram recurso de revista do acórdão confirmatório da sentença proferida em 1ª Instância,  sustentando, com utilidade, que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre o pedido subsidiário formulado na petição inicial, qual seja, a condenação dos Réus no pagamento correspondente à restituição das quantias pagas no montante de €64.843,73 e juros legais com fundamento na resolução do contrato por acordo entre os contraentes, daí que se impõe a declaração de nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, a par de que deve ser reapreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça o pedido de condenação dos Réus, como litigantes de má-fé, uma vez que Tribunal recorrido ao conhecer da invocada litigância de má-fé, substituiu-se à 1ª Instância, que não conheceu desta questão.

Concluem, assim, os Recorrentes/Autores/AA e BB que se: a) declare sua nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615 n.º 1 alínea d) CPC, e, em consequência condene os recorridos a restituir aos Autores a quantia de €64.843,73 (Sessenta e quatro mil oitocentos e quarenta e três euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros à taxa legal em vigor, contados desde 10.03.2015, data em que ocorreu a aceitação da resolução do contrato; b) Condene os Réus como litigantes de má-fé em multa e indemnização, no que se vier a liquidar em execução de sentença.

A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer estar vedado ao legislador suprimir, sem mais, em todo e qualquer caso, a prerrogativa ao recurso, admitindo-se, todavia, que o mesmo estabeleça regras/normas sobre a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

A este propósito o Tribunal Constitucional sustenta que “Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr., a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349).

Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…)”. (Acórdão n.º 159/2019 de 13 de Março de 2019).

Na Doutrina, sustenta Rui Pinto, in, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, 2015, páginas 174-175, “se o objeto de recurso de apelação é irrestrito, apenas com especificidades quanto à oportunidade da sua dedução (cf. art. 644º), já o objeto do recurso de revista é tipificado pela lei (…). Nesta perspectiva, o direito ao recurso é essencialmente garantido pelo regime do recurso de apelação, ficando reservada para a revista uma função de estabilização e uniformização na aplicação do direito (…).”

Também Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, páginas 335-336, salienta que “com o CPC de 2013 se encontra consolidada a ideia de que o triplo grau de jurisdição em matéria cível não constitui garantia generalizada. Ainda que ao legislador ordinário esteja vedada a possibilidade de eliminar em absoluto a admissibilidade do recurso de revista para o Supremo (…), ou de elevar o valor da alçada da relação a um nível irrazoável e desproporcionado que tornasse o recurso de revista praticamente inatingível na grande maioria dos casos, não existem obstáculos à previsão de determinados condicionalismos a tal recurso. Aliás, (…) o Tribunal Constitucional vem uniformemente entendendo que as normas que, em concreto, restringem o recurso para o Supremo não estão feridas de inconstitucionalidade. O mesmo se poderá dizer das regras que limitam o recurso de decisões intercalares (…).”

A lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.

No caso que nos ocupa está reconhecida a tempestividade e legitimidade dos Recorrentes/Autores/AA e BB, e, neste concreto pressuposto, uma vez que o requerimento de interposição de recurso obedeceu ao prazo legalmente estabelecido, sendo pacificamente aceite, outrossim, que a decisão de que recorre lhe foi desfavorável, encontrando-se, pois, a dissensão quanto a ser a decisão proferida recorrível, a qual confirmou a sentença proferida em 1ª Instância e julgou improcedente o pedido de condenação como litigantes de má-fé dos Apelados/Réus/CC e DD.

Poder-se-á, assim, questionar a admissibilidade do recurso de revista, atenta a decisão confirmatória da Relação que, em princípio, fará operar a dupla conforme, enquanto obstáculo à revista, daí que importa convocar, a este propósito, as regras recursivas adjetivas civis, concretamente o art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, atinente à irrecorribilidade das decisões do Tribunal da Relação em consequência da dupla conforme, nos precisos termos aí concretizados (…não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância …).

Do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil condizente ao n.º 3 do art.º 721º do anterior Código do Processo Civil, com a redação do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, decorre, importar, agora, que a decisão da segunda Instância não tenha uma fundamentação essencialmente diferente da decisão de primeira instância para que produza a dupla conforme, ao contrário do que acontecia com a alteração adjetiva civil, imposta pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em que se abstraía da fundamentação do acórdão da segunda instância para que se verificasse a dupla conforme.

Levada a cabo a exegese do consignado normativo adjetivo civil o Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme, a verificação de uma situação, conquanto o acórdão da Relação, conclua pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido neste aresto, quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a decisão proferida na sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.

Torna-se necessário para que a dupla conforme deixe de atuar, a aquiescência, pela Relação, do enquadramento jurídico sufragado em 1ª Instância, suportada numa solução jurídica inovatória, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados no aresto apelado, neste sentido, entre muitos outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2014; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2014; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Janeiro de 2015; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2015, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 2015, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 2015, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2016, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2018, in, http://www.dgsi.pt/stj, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não publicado [Processo n.º 856/12.4TJVNF.G1.S1], desta 7ª Secção Cível, proferido em 4 de Julho de 2019, pelo relator da presente decisão singular.

A este propósito, sustenta António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 349, “que com o CPC de 2013 foi introduzida uma nuance: deixa de existir dupla conforme, seguindo a revista as regras gerais, quando a Relação, para a confirmação da decisão da 1ª instância, empregue “fundamentação essencialmente diversa”. A admissibilidade do recurso de revista, no caso do acórdão da Relação ter confirmado, por unanimidade, a decisão da 1ª instância, está, assim, dependente do facto de ser empregue “fundamentação substancialmente diferente”.

Aclarando o sentido e alcance da expressão “fundamentação essencialmente diferente”, elucida Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 352, que “a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais”.

No caso sub iudice, confrontadas as decisões das 1ª e 2ª Instâncias, distinguimos que o Tribunal a quo, uma vez enunciadas e apreciadas as questões suscitadas no recurso independente interposto pelos Autores, quais sejam, “a - Nulidades da sentença; b - Motivação da decisão de facto; c- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;” acabou por consignar na última questão que encerra o thema decidendum do recurso interposto pelos Autores “d- Na eventual procedência e com relevância da impugnação reapreciação de mérito a centrar nas questões da validade da resolução do contrato-promessa outorgado com os Apelados, consequências daí resultantes e pedido de indemnização por danos alegadamente sofridos causados por aqueles” um enquadramento jurídico que sufraga o vertido em 1ª Instância, conforme respigamos do acórdão recorrido.

“d- Prosseguindo na apreciação das questões objecto do recurso entramos na parte respeitante ao mérito.

Neste domínio temos de convir que os Apelantes AA e BB limitaram-se a defender uma solução jurídica diferente da que foi adotada na sentença recorrida na base da modificação da matéria de facto considerada provada e não provada descrita naquela sentença por que pugnaram na impugnação relativa à decisão sobre tal matéria de facto que apresentaram neste recurso.

Dito de outro modo os Apelantes em apreço não apresentaram uma diversa solução jurídica para o pleito na base dos mesmos factos que constituíram fundamento da solução jurídica construída pelo Tribunal a quo.

Ora, recordando que a sua impugnação apenas procedeu parcialmente de forma muito limitada, somos em crer que a modificação atendida não tem implicação na solução jurídica fornecida pela sentença recorrida.

Na verdade, ainda que se tenha considerado como assente que a quantia de €32.421,87 entregue em 27/02/2003 pelos Apelantes AA e BB aos Apelados CC e DD constituiu sinal e princípio de pagamento, a verdade é que a restituição desse sinal (seria em dobro), dependeria da prova de incumprimento contratual culposo por parte dos ditos Apelados, passível de validar a resolução contratual realizada pelos Apelantes.

Por outras palavras, era necessário que tivesse resultado provado que existira incumprimento contratual imputável aos Apelados.

Com efeito, diz-nos o artigo 442º, nº 2, do CC, que:

“2- Se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou…”.

Não tendo resultado provado que os Apelados CC e DD incorreram culposamente em incumprimento contratual de promessa de compra e venda outorgada em 27/02/2003 falece o direito dos Apelantes a essa restituição do sinal em dobro.

Do exposto, não se vislumbrando a existência de erro de julgamento, terá que improceder o recurso interposto pelos Apelantes AA e BB.”

O enquadramento jurídico vertido em 1ª Instância tem a aquiescência da Relação, aportando os mesmos preceitos, interpretações normativas e institutos jurídicos, aliás, limitando-se a 2ª Instância a sufragar o enquadramento jurídico da 1ª Instância.

Assumindo-se que a aferição do requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revela crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das Instâncias, afirmamos, sem reserva que, quer numa, quer noutra Instâncias, a pretensão jurídica arrogada pelos Autores/AA e BB acolheu o mesmo apoio legal, aduzindo que os demandantes não demonstraram, em seu benefício, a essencialidade dos factos constitutivos do direito arrogado, daí que, sendo o acórdão recorrido, sem voto de vencido, e confirmatório da sentença proferida em 1ª Instância, sufragando a fundamentação jurídica vertida na sentença, impõe-se, necessariamente, reconhecer o bloqueio recursório determinado pela dupla conforme.

Outrossim, tão pouco se concebe e concede que ao constatar-se que acórdão confirmatório procedeu à modificação da matéria de facto, a desconformidade das aludidas decisões.

Neste conspecto, importa reconhecer, desde já, que a invocada e reconhecida divergência da decisão de facto que resulta do conhecimento da impugnação da decisão de facto pela Relação, em nada releva, enquanto apenas em si considerada, para o reconhecimento da conformidade das decisões.

Os elementos de aferição da conformidade ou desconformidade das decisões das Instâncias têm de se conter na matéria de direito, donde, nenhuma divergência das Instâncias sobre o julgamento da matéria de facto é passível de implicar, por si só, a desconformidade entre aquelas decisões que importem a admissibilidade da revista, em termos gerais, sublinhando-se que a apreciação do obstáculo recursório respeitante à figura da dupla conforme terá sempre e necessariamente de se deter nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal de revista, acentuando-se que qualquer alteração da decisão de facto pela Relação, apenas será relevante para aquele efeito quando implique uma modificação, também essencial, da motivação jurídica, sendo, portanto, esta que servirá de elemento aferidor da conformidade ou desconformidade das decisões.

A este propósito, Abrantes Geraldes, in, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), páginas 364/365 sustenta que “[a] expressão “fundamentação essencialmente diferente” pode, porventura, confrontar-nos com o relevo a atribuir a uma eventual modificação da decisão da “matéria de facto” empreendida pela Relação, ao abrigo do art. 662.º. (…) todavia, tal evento não apresenta verdadeira autonomia, na medida em que uma modificação essencial da matéria de facto provada apenas será relevante para aquele efeito na medida em que também implique uma modificação essencial da motivação jurídica, sendo, portanto, esta que servirá de elemento aferidor da diversidade ou da conformidade das decisões centrada na respectiva motivação”, e, no mesmo sentido, Francisco M. Lucas Ferreira de Almeida, in, Direito Processual Civil, Volume II, Almedina, página 498 defende que “conhecendo (em regra) o Supremo Tribunal de Justiça apenas de “matéria de direito  os “elementos de aferição” das aludidas “conformidade” ou “desconformidade” das decisões das instâncias (os chamados elementos “identificadores” ou “diferenciadores”) têm de circunscrever-se à “matéria de direito” (questões jurídicas); daí que nenhuma divergência das instâncias sobre o julgamento da “matéria de facto” seja susceptível de implicar, “a se”, a “desconformidade” entre as decisões das instâncias geradora da “admissibilidade da revista”. Tal “desconformidade” terá, pois, sempre de reportar-se a matérias integradas na “competência decisória” (ou seja, nos “poderes de cognição”) do Supremo Tribunal de Justiça.”

Na Jurisprudência, assumindo idêntica orientação, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2017 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015, in, www.dgsi.pt e Sumários, 2015, página 428, respetivamente.

No primeiro daqueles arestos consta “[n]ão releva, para este efeito, a alteração factual operada pela Relação, pois que conhecendo, em regra, o STJ de matéria de direito (arts. 46.º da Lei n.º 62/2013, de 26-08, e 682.º, n.ºs 1 a 3, do CPC), “os elementos de aferição das aludidas “conformidade” ou “desconformidade” das decisões das instâncias (os chamados elementos identificadores ou diferenciadores) têm de circunscrever-se à matéria de direito (questões jurídicas); daí que nenhuma divergência das instâncias sobre o julgamento da matéria de facto seja susceptível de implicar, a se, a “desconformidade” entre as decisões das instâncias geradora da admissibilidade da revista. Tal “desconformidade” terá sempre de reportar-se a matérias integradas na competência decisória (ou seja, nos poderes de cognição) do STJ”.

E no segundo dos consignados acórdãos “[s]e a Relação alterar a matéria de facto provada e não provada sem que essa alteração implique uma modificação essencial da motivação jurídica contida na decisão proferida na 1.ª instância, não se verifica a “fundamentação essencialmente diferente” que justifica a admissibilidade do recurso de revista.”

De igual modo, consignou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 2019, in, www.dgsi.pt. que para efeitos de aferição da conformidade ou da desconformidade decisória, não pode, compreensivelmente, atribuir-se significado a alterações meramente secundárias ou marginais, sem reflexo na decisão final, sob pena de, no caso contrário, o disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC ficar destituído da sua função substancial (que é a de efectuar a selecção dos casos em que é justificado o acesso ao terceiro grau de jurisdição) e no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 2019, in, www.dgsi.pt. consta sumariado “Para efeitos de aferição da conformidade ou da desconformidade decisória, não pode ser atribuído significado a alterações irrelevantes e sem reflexo na decisão final, sob pena de, no caso contrário, o disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC ficar destituído da sua função substancial (que é a de efectuar a selecção dos casos em que é justificado o acesso ao terceiro grau de jurisdição).”

A enunciada orientação foi por nós sufragada e vertida na decisão singular proferida em 20 de Fevereiro de 2020 (Processo n.º 18983/16.7T8LSB.L1.S1).

Tudo visto, concluímos que não é a mera alteração do julgamento fáctico operada pela Relação que conduz a que entre a fundamentação do seu veredicto final e a da sentença apelada, haja, sem mais, e imperativamente, por excluída uma situação de dupla conforme envolvendo ambas essas decisões.

Revertendo ao caso sub iudice, uma vez que a alteração do substrato fáctico não implicou uma substancial modificação da qualificação ou enquadramento jurídico efetuados pela 1.ª Instância, que o mesmo é dizer, do julgamento de direito por esta emitido, não temos como deixar de concluir pela não exclusão da conformidade entre as decisões, confirmando-se o bloqueio recursório do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil.

Ademais, na medida em que decorre da revista a invocação da nulidade do acórdão recorrido, a par de que deve ser reapreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça o pedido de condenação dos Réus, como litigantes de má-fé, uma vez que Tribunal recorrido ao conhecer da invocada litigância de má-fé, substituiu-se à 1ª Instância, que não conheceu desta questão, importa tecer breves considerações a este propósito.

Sobre a arguição da nulidade invocada no recurso interposto impõe-se deixar claro que distinguimos do direito adjetivo civil - alínea c) do n.º 1 do art.º 674º do Código de Processo Civil - que a revista pode ter por fundamento as nulidades previstas nas alíneas b) a e) do art.º 615º do Código de Processo Civil, todavia, aquele preceito adjetivo tem de ser relacionado com a norma consagrada no n.º 4 do citado art.º 615º do Código de Processo Civil que textua que tais nulidades só podem ser arguidas por via recursória quando da decisão reclamada caiba também recurso ordinário, isto é, como fundamento adicional desse mesmo recurso, donde, não sendo admissível recurso ordinário, aquelas nulidades teriam de ser arguidas mediante reclamação perante o Tribunal que proferiu a decisão, conforme estabelecido na 1ª parte do mencionado n.º 4 do art.º 615º e decorre do n.º 6 do art.º 617º, ambos do Código de Processo Civil.

Conforme sustenta Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5.ª Edição, 2018, páginas 404 e 405, em anotação ao art.º 674º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, a respeito da revista poder ter como fundamento as nulidades previstas nos artºs. 615º e 666º, do Código de Processo Civil, importa distinguir consoante a nulidade apontada ao acórdão recorrido ocorra quando não se verifica a dupla conforme (caso em que nada obsta a que o objeto do recurso seja até unicamente preenchido unicamente pela arguição de nulidades) dos casos em que ocorre dupla conforme, daí que, sublinhamos, nesta última situação, o conhecimento das nulidades pelo Supremo Tribunal de Justiça fica dependente da admissibilidade da revista, o que, como vimos, não sucede no presente caso.

Sobre a questão da reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça do pedido de condenação dos Réus, como litigantes de má-fé, uma vez que Tribunal recorrido ao conhecer da invocada litigância de má-fé, substituiu-se à 1ª Instância, que não conheceu desta questão, há que convocar o preceito adjetivo civil - art.º 542º do Código de Processo Civil - que textua “3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.”, donde se retira que somente a decisão condenatória por litigância de má fé está sujeita a um regime especial de recorribilidade, condizente a um grau, pelo que, decorrendo do dispositivo do acórdão recorrido “Julgar improcedente o pedido de condenação como litigantes de má-fé dos Apelantes/Apelados CC e DD formulado na ação, em 14/03/2018, pelos Apelantes/Apelados AA e BB”, está, necessariamente, vedado o recurso de revista.”

Reconhecendo inexistir razão que nos leve a divergir do consignado na decisão singular, restará concluir pela inadmissibilidade da interposta revista.


III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam improcedente o pedido de revogação da proferida decisão singular que rejeitou o presente recurso de revista, mantendo-a na íntegra.

Custas pelos Recorrentes/Autores/AA e BB.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 6 de maio de 2021


Oliveira Abreu (relator)

Ilídio Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira

Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, no processo em referência, atesto o respetivo voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos, Ilídio Sacarrão Martins e Nuno Pinto Oliveira.