Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1323/20.8T8CLD-A.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃOJSTJ000
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
ARTICULADO SUPERVENIENTE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A revista excepcional, nos termos do artigo 672º, nº 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil, só pode ter objecto a prolação de uma decisão substantiva e final, apreciada no acórdão recorrido, e não uma decisão interlocutória, de natureza processual, que nunca se integraria, por sua própria natureza, na previsão do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil.
II – Reveste natureza de decisão interlocutória o indeferimento de um articulado autónomo para “exercício do contraditório”, quando, nos termos do art.1104º do Código de Processo Civil, os interessados foram notificados da relação de bens, podendo, além do mais, reclamar e impugnar os créditos e dividas da herança, no prazo de 30 dias, consubstanciando-se, portanto, tal peça processual numa mera duplicação de pronúncia.
III - Na situação sub judice não é ainda configurável a possibilidade de interposição de revista ao abrigo do disposto no artigo 671º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil, uma vez que não foi invocada oposição de julgados com qualquer acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
IV - Daí a inadmissibilidade da revista excepcional, não havendo lugar ao seu conhecimento, nos termos dos artigos 652º, nº 2, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:


 
Revista nº 1323/20.8T8CLD-A.C1.S1.


Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).
Apresentados os autos ao relator foi proferido o seguinte despacho singular:
“AA, BB e CC, requereram, em 23 de Outubro de 2020, a instauração de processo de inventário para partilha da herança aberta por óbito de DD, falecido a .../.../2020.
Nomeada cabeça de casal a viúva EE, veio esta, em 27 de Abril de 2021, proceder à junção da relação de bens.
Vieram os demais interessados, por requerimento de 29 de Abril de 2021, indicando fazê-lo ao abrigo do princípio do contraditório, pronunciar-se quanto à relação de bens, nomeadamente no ponto II os “créditos da Cabeça-de-casal sobre a herança”.
Mais vieram em requerimento também apresentado em 29 de Abril de 2021, em que vieram alegar que:
“O terreno descrito na verba nº 16 da Relação de bens não estava registado em nome dos herdeiros (…) Aliás, apenas ½ do imóvel estava registado em nome de FF (…) Uma vez que a Cabeça-de-casal não providenciou quanto à inscrição desse registo, tal como, aliás, lhe competia, os Habilitantes decidiram, eles próprios, proceder ao registo junto da Conservatória do Registo Predial ....”, despendendo para o efeito o valor de € €319,88, e requerendo que seja tal valor incluído nas despesas da herança e assim, suportadas por todos os herdeiros na proporção dos seus quinhões.
A este requerimento veio a cabeça de casal deduzir oposição alegando que:
“Não se compreende a sua intervenção no registo de um direito imobiliário relacionado (…) Não há qualquer justificação legal para assim terem procedido.” pelo que, se o fizeram, devem ser eles a suportar os custos.
Por despacho proferido em 17 de Maio de 2021, foi decidido que:
“Notificados da relação de bens, vêm os interessados AA, BB e CC apresentar articulado para “exercício do contraditório”.
Ora, nos termos do art.1104º do Código de Processo Civil, notificados os interessados da relação de bens podem os mesmos, além do mais, desta reclamar e ainda impugnar os créditos e dividas da herança, no prazo de 30 dias.
O “exercício do contraditório” quanto à relação de bens efectiva-se, pois, através do incidente de reclamação à relação de bens e não por meio de qualquer articulado autónomo.
De resto, e compulsado os autos constata-se que apenas o requerimento apreço apresentaram os interessados, em prazo, novo requerimento em que se pronunciam quanto à relação de bens, desta vez esclarecendo que apresentam reclamação à relação de bens.
Afigura-se, pois, que o articulado em apreço não é legalmente admissível, consubstanciando uma mera duplicação de pronuncia.
Face ao exposto, não se admite o articulado com a refª PE ...25.
Notifique”.
Posteriormente por despacho de 11 de Março de 2022, foi decidida a reclamação de bens nos seguintes termos:
“Nos presentes autos apresentaram os interessados AA, BB e CC reclamação à Relação de Bens apresentada pelo cabeça de casal alegando, em síntese:
a) A necessidade de junção aos autos de declaração bancária comprovativa do saldo e dos titulares das contas bancários;
b) Que os bens móveis se encontravam subavaliados, devendo o cabeça de casal esclarecer os valores atribuídos;
c) A alteração do valor do veículo automóvel relacionado (verba 12);
d) A falta de relacionação de uma verba correspondente ao valor locativo do imóvel, desde a data do óbito até à sua partilha efectiva;
e) A inclusão das despesas tidas com a actualização do registo predial; diversas despesas e encargos por si suportados;
Pretendem, ainda, os interessados a avaliação dos bens imóveis.
Pronunciou-se o cabeça de casal, afirmando que os valores dos bens atribuídos o foram tendo por base a indicação dos interessados reclamantes, correspondendo ao valor patrimonial, o mesmo sucedendo quanto às contas bancárias e respectivos saldos bancários.
Opôs-se ainda à relacionação da verba correspondente ao valor locativo do imóvel e das despesas efectuadas pelos interessados,
Realizada audiência prévia, não se logrou alcançar acordo.
Foi determinada a avaliação dos bens imóveis relacionados e a junção de documentação bancária.
Não havendo prova a produzir, cumpre apreciar e decidir.
Afigura-se que os autos reúnem já os elementos necessários para decidir a reclamação apresentada.
Assim:
Dos presentes autos decorre:
1) DD faleceu em .../.../2020;
2) A Conta de depósitos à ordem de que era titular a cabeça de casal e o inventariado no Banco Millenium BCP nº...90 tinha, na data referida em 1), o saldo de €122,81;
3) A Conta de depósitos à ordem de que era titular a cabeça de casal e o inventariado no Banco Millenium BCP nº...21 tinha, na data referida em 1), o saldo de €379,53;
4) O prédio urbano descrito na verba 14 tem o valor de €€110 000;
5) O prédio rústico descrito na verba 16 tem o valor de €5 600;
Tal factualidade decorre do relatório de fls.187 e da informação bancária de fls.164v e 165.122,81;
Cumpre apreciar e decidir.
O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária.
A relação de bens deve conter, na parte activa, os direitos patrimoniais do autor da herança, e na verba do passivo, as obrigações do mesmo.
A titularidade de tais direitos e obrigações tem de ser determinada com referência à data da abertura da herança, ou seja, à data da morte do autor da mesma (cfr.art.2024º e 2031º do Código Civil).
Vieram os interessados AA, BB e CC reclamar dos valores atribuídos na relação de bens aos bens móveis, relacionados nas verbas 3 a 10 e 13, por entender que se se encontravam subavaliados, requerendo que a cabeça de casal esclarecesse os critérios utilizados.
Porém, não indicam os interessados qual o valor que reputam adequado ou por que razão entendem que se encontra desajustado o indicado pela cabeça de casal, sendo certo que nenhuma avaliação foi requerida quanto aos bens em causa.
De resto, sempre se dirá que não tem o incidente de reclamação à relação de bens o propósito de ser meio de obtenção de esclarecimentos do cabeça de casal.
Assim, e quanto às indicadas verbas, improcede a reclamação apresentada.
Reclamaram igualmente os referidos interessados do valor atribuído à verba 12, veículo automóvel da marca Mercedes Benz, entendendo que ao mesmo deveria ser atribuído o valor de €7 000, correspondente ao valor declarado em sede de imposto de selo.
Constata-se que, efectivamente, da declaração de imposto de selo apresentada em Maio de 2020 foi declarado que o referido veículo automóvel tinha o valor de €7 000, tendo sido indicado na relação de bens apresentada em Abril de 2021 o valor de €6 000.
Antes de mais, não se pode deixar de ponderar que o valor atribuído na liquidação de imposto de selo é um valor declarado e não calculado por um qualquer meio exterior e objectivo.
Acresce que, um veículo automóvel é um bem que sofre uma rápida desvalorização, sobretudo se já não estiver no estado novo.
Por outro lado, não foi requerida a avaliação do referido veículo.
Assim, improcede a questão suscitada.
Reclamaram ainda os interessados que fosse relacionada uma verba correspondente ao “valor locativo” do imóvel.
Não obstante, afigura-se que o valor locativo de um imóvel não pode ser dissociado do valor deste, tendo o imóvel em causa sido já objecto de avaliação.
Por outro lado, e no que respeita a um eventual crédito da herança decorrente da utilização abusiva do imóvel em causa, no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos ou enriquecimento sem causa, afigura-se que a sua apreciação escapa ao objecto dos autos de inventário, uma vez que não integra o acervo hereditário do falecido.
Nestes termos, improcede a reclamação apresentada.
Impugnaram ainda os interessados as verbas do passivo relacionadas.
Porém, não alegaram quaisquer factos respeitantes a tal impugnação (considerando o despacho com a ...), pelo que não poderá a mesma ser apreciada.
Reclamaram ainda os interessados da inclusão no passivo da herança das despesas tidas com o registo do imóvel constante da verba 16.
Afigura-se que tal matéria respeita à administração da herança, pelo que se trata de matéria a relegar para a eventual prestação de contas, sem prejuízo da sua aprovação em sede de conferência de interessados.
Peticionaram os interessados que fosse junta aos autos documentação bancária respeitante ao saldo das contas relacionadas e respectivos titulares.
Tal documentação encontra-se já junta aos autos, pelo que, e nada mais tendo sido nada alegado, nomeadamente quanto à eventual movimentação de tais contas bancárias contra a vontade do inventariado, nada mais há a apreciar.
Pelo exposto, julga-se a reclamação apresentada pelos interessados AA, CC e BB parcialmente procedente, determinando-se a alteração da relação de bens apresentada nos seguintes termos:
a) Verba 14: valor de €110 000;
b) Verba 16: valor de €5 600;
Custas do incidente a suportar pela cabeça de casal e pelos interessados reclamantes na proporção de 20% e 80% respectivamente.”
Interposto recurso de apelação pelos interessados que teve por objecto a não apreciação a reclamação contra o passivo apresentado pelo cabeça de casal e despesas que os mesmos pretendem incluir, foi proferido o acórdão, em Conferência, do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 28 de Junho de 2022, que manteve a decisão singular do relator de 11 de Maio de 2022, julgando improcedente a apelação e confirmando a decisão recorrida.
Interpuseram os interessados recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 672º, nº 1º, alínea a), do Código de Processo Civil, apresentando as seguintes conclusões (sobre o título “condensando”):
1ª questão:
Será razoável entender que a remissão para um requerimento que não foi aceite como reclamação da Relação de Bens, por alegada “duplicação de pronúncia”, mas que ainda se encontra no Citius, é inoperante e tem como consequência o efeito cominatório que se pretende atribuir ao preceituado no artigo 1104º nº 1 – d) do C.P.C.?
2ª questão
Será razoável entender-se que a circunstância de ser feita uma remissão de conteúdo para um requerimento ainda existente nos autos, mas que suscita questões de clareza ou certeza que oTribunal pondera,não legitimao recurso ao despacho de aperfeiçoamento ao abrigo do princípio da cooperação processual?
3ª questão: É correto dizer-se que o artigo 1104º nº 1 – e) do C.P.C tem o mesmo efeito cominatório que o artigo 574º do C.P.C., mesmo quando existe um incidente de reclamação, como tal devidamente tipificado, no qual, de uma forma inequívoca, os Habilitantes/Recorrentes impugnam as verbas do passivo embora com remissão para um requerimento que não foi aceite como reclamação da Relação de Bens?
Estas três questões sumarizam a perplexidade dos Recorrentes face à interpretação que ambos os tribunais recorridos fizeramdos normativos legais em questão e da aplicação do Direito neste tipo de situações.
E, claro, o impacto que a solução a dar a estas questões tem no presente processo judicial não é de modo nenhum negligenciável; aliás, o valor do presente recurso estriba-se precisamente no montante dos créditos do passivo que a Cabeça-de-Casal se arroga.
Pelas razões acima expostas e que Vossa Excelências melhor analisarão, vêm os Recorrentes submeter à vossa apreciação as questões acima destacadas, certos de que a vossa intervenção e opinião contribuirá para uma melhor aplicação do Direito.
Apreciando liminarmente da admissibilidade da presente revista:
Vieram os recorrentes interpor revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 672º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
Ora, o acórdão recorrido versou unicamente sobre decisões de natureza interlocutória proferida em 1ª instância e não sobre a decisão final (do presente processo de inventário).
Está em causa unicamente a não apreciação de uma reclamação quanto ao passivo apresentado pelo cabeça de casal e o não atendimento de um conjunto de despesas reclamadas pelos interessados, pelo que não há dúvidas quando à natureza interlocutória da respectiva decisão de 1ª instância, que veio a ser objecto de confirmação pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
Acontece que a revista excepcional só pode incidir sobre decisões finais e não sobre decisões interlocutórias.
(Neste sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2022 (relator António Barateiro), proferido no processo nº 2749/15.4T8STS-J.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.; Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, a página 446).
Pelo que não haverá lugar ao conhecimento do objecto do recurso que, nessa medida, se julgará findo, nos termos gerais dos artigo 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, notifique as partes para se pronunciaram, no prazo de dez dias, sobre a (in)admissibilidade da revista.
Notificada a recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, manifestou a sua frontal discordância contra tal posição, pronunciando-se pela admissibilidade da sua revista
Essencialmente concluiu:
A posição do douto despacho acima referenciado alarga demasiado o âmbito das decisões interlocutórias que não poderãoser objetode revista excecional.
Não serão todas as decisões interlocutórias que não poderão ser objeto de revista excecional.
 Aliás, o acórdão citado como fundamento da posição do despacho acima referenciado é claro ao circunscrever os casos de inadmissibilidade de revista excecional de decisões interlocutórias quando estas recaiam unicamente sobre a relação processual.
E no caso do acórdão citado, a relação processual seria afetada pela inclusão ou exclusão de credores num apenso de verificação de créditos.
 Não é o caso em apreço nos presentes autos; a decisão interlocutória, se como tal for considerada, não recai unicamente sobre a relação processual.
 Por outro lado, e antes de se considerar esse aspeto da questão, importa analisar previamente se a decisão da primeira instância sobre a qual recaiu o acórdão da Relação, em si mesma, será uma decisão interlocutória.
 Na realidade, não o é; trata-se, ao invés, de uma decisão final respeitante a um incidente de reclamação de bens.
 Nesta conformidade, não sendo a decisão da primeira instância uma decisão interlocutória qua tale nem faz sentido averiguar se a mesma recai unicamente sobre a relação processual.
 E, mesmo que fosse interlocutória, do artigo 672º do C.P.C não decorre nenhuma restrição relativamente à revista excecional das decisões interlocutórias.
 O entendimento jurisprudencial citado apenas circunscreve o âmbito da revista excecional das decisões interlocutórias quando estas recaiam unicamente sobre a relação processual.
 Perante o acima exposto, não existe fundamento para a não admissão do recurso de revista excecional, atento o facto de a decisão sobre a qual recaiu o acórdão da segunda instância não ser interlocutória e, mesmo que o fosse, não recairia unicamente sobre a relação processual, saindo, portanto, do âmbito do artigo 671º nº 2 do C.P.C.
 Nesta conformidade, deverá o recurso de revista excecional ser admitido.
Apreciando:
Não assiste a razão à recorrente quando pugna pela admissibilidade da sua revista excepcional.
A decisão recorrida que foi objecto de confirmação pelo Tribunal da Relação de Coimbra tem o seguinte teor:
“Notificados da relação de bens, vêm os interessados AA, BB e CC apresentar articulado para “exercício do contraditório”.
Ora, nos termos do art.1104º do Código de Processo Civil, notificados os interessados da relação de bens podem os mesmos, além do mais, desta reclamar e ainda impugnar os créditos e dividas da herança, no prazo de 30 dias.
O “exercício do contraditório” quanto à relação de bens efectiva-se, pois, através do incidente de reclamação à relação de bens e não por meio de qualquer articulado autónomo.
De resto, e compulsado os autos constata-se que apenas o requerimento apreço apresentaram os interessados, em prazo, novo requerimento em que se pronunciam quanto à relação de bens, desta vez esclarecendo que apresentam reclamação à relação de bens.
Afigura-se, pois, que o articulado em apreço não é legalmente admissível, consubstanciando uma mera duplicação de pronuncia.
Face ao exposto, não se admite o articulado com a refª PE ...25.
Notifique”.
Assim sendo, é absolutamente inequívoco, objectivo e inegável que esta decisão, que indefere o requerimento apresentado neste processo de inventário (segundo a própria recorrente “por não ter aceite que a remissão para um requerimento não constitua reclamação da Relação de Bens, sendo inoperante e tem como consequência o efeito cominatório que se pretende atribuir ao preceituado no artigo 1104º nº 1 – d) do C.P.C.; invocando a ausência do correspondente despacho de aperfeiçoamente ao abrigo do princípio da cooperação processual e impugnando a consideração de que o artigo 1104º nº 1 – e) do C.P.C tem o mesmo efeito cominatório que o artigo 574º do C.P.C., mesmo perante um incidente de reclamação, como tal devidamente tipificado, no qual, de uma forma inequívoca, os Habilitantes/Recorrentes impugnam as verbas do passivo embora com remissão para um requerimento que não foi aceite como reclamação da Relação de Bens”) reveste, naturalmente e sem a menor sombra de dúvida, natureza interlocutória, tendo a ver estritamente com a relação processual e não com qualquer decisão substantiva e final.
De resto, o recurso contra esta decisão, que regula os termos do processado, nunca se integraria, por sua própria natureza, na previsão do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Daí a inadmissibilidade de revista excepcional nos moldes definidos para o despacho singular, para os quais se remete, uma vez que esta modalidade de revista só é susceptível de incidir sobre decisões finais (que admitissem, em abstracto, a interposição de revista normal, apenas impedida por via da aplicação da dupla conforme prevista no artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil) e não sobre decisões respeitantes a questões processuais.
(Neste sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2022 (relator António Barateiro), proferido no processo nº 2749/15.4T8STS-J.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2022 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 6798/16.7T8LSB-C.L1-A.S1, publicado in www.dgsi.pt; Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, a página 446).
Dir-se-á ainda que na situação sub judice não é configurável a possibilidade de interposição de revista ao abrigo do disposto no artigo 671º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil, uma vez que não foi invocada oposição de julgados com qualquer acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
Pelo que não há lugar ao conhecimento do objecto do presente recurso de revista excepcional.

Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em não conhecer do objecto da presente revista (excepcional), nos termos do artigo 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.
                                                    
Lisboa, 30 de Novembro de 2022.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Resende

Graça Amaral


V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.