Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1552/07.0TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FACTOS NÃO CONSTANTES DA NOTA DE CULPA
FACTOS PESSOAIS
MEIOS DE PROVA
DEVER DE LEALDADE
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / DIREITOS DE PERSONALIDADE.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / SUJEITOS / DIREITOS DE PERSONALIDADE - INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PODER DISCIPLINAR - CESSAÇÃO DO CONTRATO / CESSAÇÃO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR.
Doutrina:
- António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, p. 835.
- Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed., pp. 216, 225.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, intervenção no VI Colóquio do Supremo Tribunal de Justiça sobre Direito do Trabalho, subordinada à temática da «Tutela da Personalidade, Princípio da Proporcionalidade e Equilíbrio entre Interesses dos Trabalhadores e dos Empregadores», cujo texto está acessível em www.stj.pt .
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 80.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT)/ 2003: - ARTIGOS 16.º, 365.º, 367.º, 396.º, N.ºS1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 18.º.
LEI N.º 67/98 DE 26 DE OUTUBRO: - ARTIGOS 22.º, N.º5, 43.º, N.º1, C), 44.º
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19 DE MARÇO DE 2009, DOCUMENTO N.º SJ200903190016864, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 8 DE JANEIRO DE 2013, PROCESSO N.º 447/10.TTVNF.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
-DE 9 DE JULHO DE 2014, 12 DE SETEMBRO DE 2013 E 18 DE JANEIRO DE 2012, PROCESSOS N.ºS 2127/07.9TTLSB.L1.S1, 381/12.3TTLSB.L1.S1 E 543/06.2TTGRD.L1.S1, RESPECTIVAMENTE, TODOS COM SUMÁRIO ACESSÍVEL EM WWW.STJ.PT .
Sumário :
1. Ao Supremo Tribunal de Justiça compete julgar questões efetivamente conhecidas e decididas pelo tribunal recorrido, não lhe compete conhecer e decidir questões novas naquele não equacionadas.

2. A desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão final que conclui pelo despedimento não conduz, de modo necessário, à declaração de invalidade de todo o procedimento disciplinar, cumprindo averiguar, na economia de ambas as peças processuais, em que factos assenta tal desconformidade e em que medida eles se refletem no direito de defesa do trabalhador.

 
3. Detetada uma desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão de despedimento, com a identificação de factos novos de natureza não atenuativa da responsabilidade do trabalhador, a consequência a retirar é a da impossibilidade de considerar esses factos na formulação do juízo da justa causa de despedimento.


4. Não assumem a natureza de factos desconformes entre os constantes da nota de culpa e os constantes da decisão de despedimento, as considerações tecidas pelo instrutor do procedimento disciplinar, em sede de fundamentação por recurso à prova produzida, sendo objeto de apreciação jurisdicional apenas os factos enquanto tais.

5. Reconhecendo, embora, que a intromissão do empregador na esfera da vida privada do trabalhador está-lhe, por regra, vedada, situações existem que – observados os princípios da proporcionalidade e adequação – consentem essa intromissão, mormente aquelas que, pela repercussão grave na execução do vínculo laboral e/ou por minarem a confiança do empregador na continuação deste, podem justificar àquele a reação disciplinar.


6. Constatadas, pela entidade empregadora, as ausências do trabalhador, um dia por semana, para frequência de um mestrado, constitui meio lícito de prova a solicitação de informação à respetiva Faculdade, no sentido de se certificar que as ausências ao trabalho coincidiam com os dias de frequência do mestrado.

7. Consubstancia grave incumprimento do dever de lealdade – de modo a pôr irremediavelmente em causa a confiança imprescindível à manutenção do vínculo laboral - a conduta do trabalhador corporizada na assumida vontade em, por diversas vezes e sem autorização do empregador, estar ausente ao serviço, auferindo, não obstante, a retribuição como se, nesses dias, tivesse trabalhado.

Decisão Texto Integral:

I - RELATÓRIO

1. No Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA intentou, em 17 de abril de 2007, ação com processo comum, contra EPUL, EMPRESA PÚBLICA DE URBANIZAÇÃO DE LISBOA, pedindo que seja declarado ilícito o despedimento do A. e como tal, a condenação da R. a pagar-‑lhe:

            a) € 95.495,40, de indemnização pelo despedimento;

b) € 75.000,00, de indemnização por danos não patrimoniais;

c) As retribuições (incluindo o valor do seguro de saúde BB) que deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão do tribunal, incluindo vencimentos, férias, subsídios de férias e Natal;

d) € 10.000,oo, de indemnização por violação do dever de ocupação efetiva;

e) € 21.682,00 (mais IVA), por gastos inerentes ao patrocínio judiciário.

2. Alegou, em síntese:

Laborou para a R. e foi despedido ilicitamente, por:

    • Ter caducado o processo disciplinar, instaurado muito para além do prazo de sessenta dias após o conhecimento dos factos constantes da nota de culpa;
    • A infração ter prescrito porquanto a decisão de despedimento foi proferida após um ano sobre a primeira das faltas injustificadas imputadas ao A;
    • A decisão ser nula por conter factos que não constam da nota de culpa, ao considerar como factos provados, declarações das testemunhas CC e DD, violando o seu direito ao contraditório;
    • Inexistir justa causa de despedimento, porquanto obteve autorização expressa da R. para frequentar as aulas de mestrado durante o período laboral e à sexta-feira; e por não ter dado 10 faltas interpoladas no mesmo ano civil, porquanto as faltas imputadas distribuem-se pelos anos de 2005 e 2006; a sua baixa médica subsequente à cirurgia ocular não foi fraudulenta, tendo sido confirmada medicamente e pela segurança social; e as suas faltas foram sempre facto notório na empresa; e se o fez, foi sob recomendação expressa do médico psiquiatra; o pagamento de retribuição a trabalhadores que frequentassem o mestrado era prática corrente na empresa.
    • Ser nula a prova obtida pela R. junto da Faculdade de Arquitetura sem consentimento do A. por violar o direito à proteção de dados pessoais (art.º 197 e ss. da p.i.), facto pelo qual apresentou queixa na Comissão Nacional de Proteção de Dados contra a R. e a Faculdade de Arquitetura, tendo a Comissão considerado existirem indícios suficientes da prática de duas infrações criminais em sede de proteção de dados, o que transmitiu ao Ministério Público;
e ainda:
    • Sofreu danos graves com a instauração do processo disciplinar;
    • A partir de 25/5/2004 deixou de ter qualquer ocupação profissional, pelo que a R. violou o dever de ocupação efetiva;
    • Viu-se obrigado a recorrer a assessoria jurídica bastante intensa a diversos níveis, atentas as consecutivas ilegalidades praticadas pela R.

3. A R. contestou alegando:

    • Só teve conhecimento da conduta do A. por comunicação do diretor de recursos humanos, em 30/6/2006, pelo que não caducou o procedimento disciplinar.
    • Também inexiste prescrição porque os factos imputados não são as meras faltas injustificadas, mas todo um comportamento violador dos deveres de lealdade, zelo e respeito, bem como de assiduidade.
    • Não há nulidade do processo disciplinar pois é dominado pelo princípio do inquisitório, realizando todas as diligências consideradas necessárias ao apuramento dos factos, nomeadamente os alegados pelo A.;
    • A R. limitou-se a valorar as circunstâncias e a adequação do despedimento às mesmas, tendo concluído pela impossibilidade prática da manutenção do vínculo laboral;
    • Estão em causa falsas declarações do A. quanto à justificação das faltas e quanto à sua presença na empresa;
    • Jamais autorizou a frequência de aulas de mestrado em horário laboral;
    • Considera válidas as provas produzidas no processo disciplinar;
    • Negou a violação do dever de ocupação efetiva e no final, pediu a total improcedência da ação.

4. Efetuado o julgamento o Tribunal julgou a ação improcedente e absolveu o Réu do pedido.

5. Irresignado, o A. interpôs recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, na pretensão de ver declarada a ilicitude do procedimento disciplinar, com a consequente nulidade do despedimento.

6. Por Acórdão de 18 de dezembro de 2013, o Tribunal da Relação deliberou:
a) Não admitir o agravo do despacho que no saneador relegou para final o conhecimento, por falta de elementos, de questões suscitadas pelo A;
b) Julgar improcedentes os dois restantes recursos de agravo (C2 e C3);
c) Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação quanto à matéria de facto, aditando aos factos provados, sob o n.º 47 A: «47A. A instauração do procedimento disciplinar fez o A. perder a alegria de viver.»
d) Quanto ao resto, julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida.
7. Inconformado, o A. interpôs Recurso de Revista Excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
a) Em 17 de abril de 2007, o ora Recorrente EE apresentou junto do Tribunal de Trabalho de Lisboa, ação de impugnação de despedimento contra a Recorrida EPUL com fundamento na nulidade do processo disciplinar, por violação dos princípios do contraditório, da defesa e da igualdade e, subsidiariamente, por se concluir pela inexistência de justa causa.
b) Esta ação correu termos no 4.° Juízo - 2.ª secção do mencionado Tribunal do Trabalho, sob o nº 1552/07.0TTLSB.L 1 e, em 05 de setembro de 2012, foi proferida a sentença que declarou não verificada a ilicitude do despedimento impugnado.
c) Não se conformando com essa decisão, o ora Recorrente EE interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
d) No entanto, e com o devido respeito, não pode o ora Recorrente EE aceitar a decisão do ilustre Tribunal da Relação, pelo que vem, através do presente recurso de revista, requerer a revogação do acórdão proferido pelo ilustre Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão proferida em primeira instância, pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, com fundamento em violação de lei substantiva por erro de interpretação e aplicação.
e) O presente recurso de revista é admissível, porquanto o acórdão ora recorrido incidiu sobre decisão da 1ª instância que conheceu o mérito da causa e estão verificados os requisitos previstos no artigo 672.° nº 1 alíneas a), b) e c) do CPC.
f) O presente recurso de revista é inequivocamente necessário (para) uma melhor aplicação do direito, para que se possa observar da forma mais correta possível a concretização dos fundamentos de ilicitude do procedimento disciplinar e a integração do conceito de justa causa.
g) É essencial que o Supremo Tribunal de Justiça aclare que as faltas injustificadas com o conhecimento e autorização de um superior hierárquico, que a falta injustificada de junção de documentos solicitados pelo trabalhador no âmbito do procedimento disciplinar e que a inclusão de factos novos na decisão disciplinar, constituem factos susceptíveis de afectar a licitude do procedimento disciplinar.
h) A isto acresce que a proibição de despedimento sem justa causa e a reserva da intimidade da vida privada são direitos constitucionalmente garantidos, pelo que uma decisão sobre estes aspetos detém, naturalmente, impacto nas situações da vida que as normas que regulam o despedimento e a reserva da intimidade da vida privada visam regular.
i) Além disso estão em causa fatores que afetam a estabilidade das relações laborais e a segurança contra a arbitrariedade nos despedimentos, estando assim em causa um instituto com dignidade constitucional como sejam os princípios constitucionais da liberdade de expressão e de garantia do emprego.
j) Existe, também, uma clara contradição entre o acórdão ora recorrido e o acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, de 21 de maio de 2008, referente ao processo nº 2110/2008-4, disponível in http://dgsi.pt/jtr.nsf, quer no âmbito das questões de nulidade do processo disciplinar, por violação dos princípios do contraditório e da defesa, quer relativamente às faltas injustificadas autorizadas constituir fundamento para aceitar a existência de justa causa.
k) Em ambos os casos estamos perante situações em que trabalhadores: i) veem o seu direito de defesa comprimido, quando é-lhes tolhida a possibilidade de juntarem documentos que consideram importantes para a boa decisão da causa e ii) se veem privados de fazer uso da prerrogativa da reserva da intimidade da vida privada.
I) Assim, existem evidentes semelhanças, de facto e de direito (quer ao nível da legislação aplicável, quer ao nível da questão fundamental) entre o caso debatido no Acórdão da Relação de Lisboa de 2008 e o debatido nos presentes autos, pelo que, também com este fundamento, deve o presente recurso ser admitido por estarem preenchidos todos os requisitos legais para tal.
m) A isto acresce que no âmbito do acórdão referente ao processo n.º 154/97, de 18 de junho de 1998, o Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que num caso em que o trabalhador alega factos, na resposta à nota de culpa, que possam contraditar os factos contra si enunciados e requer prova essencial para a sua defesa, esta não pode ser rejeitada, bem como a decisão do instrutor que evidencie essa rejeição tem de ser adequadamente justificada, pelo que, também neste caso, se verifica uma oposição entre acórdãos no âmbito das questões de nulidade do processo disciplinar por violação dos princípios do contraditório e da defesa que justificam a admissão da presente revista.
n) E mais se alega que o acórdão recorrido se encontra, ainda, em oposição com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no qual foi decidido que a inclusão de factos novos na decisão final de despedimento que não constavam, na nota de culpa e cuja importância foi determinante para a decisão de despedimento constitui uma clara violação do princípio do contraditório, o que implica a nulidade do procedimento disciplinar.
o) Em 07 de janeiro de 2014, o ora Recorrente EE foi notificado do acórdão que julgou improcedente a apelação confirmando a sentença recorrida, no entanto, com o devido respeito, não pode o ora Recorrente EE aceitar a decisão do ilustre Tribunal da Relação.
p) O ora Recorrente EE alegou, em sede de apelação, que na sua resposta à nota de culpa requereu a junção de documentos que justificavam e tornavam legítimo e lícito o teor dos e-mails enviados por si e que sustentaram o procedimento disciplinar, mas que a Recorrida EPUL não juntou os mesmos ao processo.
q) Estes documentos eram essenciais para justificar as faltas dadas pelo ora Recorrente EE para a frequência das aulas de mestrado.
r) E a verdade é que a omissão destas diligências prejudicou as possibilidades de defesa do trabalhador porquanto estas eram decisivas para enquadrar e compreender o comportamento do mesmo no âmbito das atitudes que originaram o procedimento disciplinar.
s) Os documentos em causa eram fundamentais para provar não só a autorização dada pela superior hierárquica, como também para provar a justificação da falta em si, tornando, naturalmente, legítimo e lícito as faltas do Recorrente EE e sendo essenciais para o seu direito de defesa, pelo que nada tinham de dilatório ou impertinente.
t) Sobre a pertinência da junção de documentos requerida pelo trabalhador vejam-se os acórdãos da Relação de Lisboa, de 20 de janeiro de 1999, de 10 de abril de 2006 e de 21 de maio de 2008 (que fundamenta a presente revista excepcional).
u) Ainda sobre a pertinência da junção de documentos, a sua associação ao princípio do contraditório e a necessidade de fundamentação da recusa de junção dos mesmos, veja-se o autor Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 2a Edição, Principia, pág. 102:"Entre as diligências de prova que o trabalhador pode lançar mão, contam-se a junção de documentos e a audição de testemunhas por si indicadas, ambas mencionadas na lei, decerto por serem as mais utilizadas na prática. O único critério fixado na lei é que as diligências solicitadas pelo trabalhador se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade. O empregador é obrigado a realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, sob pena de o processo poder ser declarado nulo se se vier a entender que a não efetivação daquelas implicou o desrespeito do direito de defesa do trabalhador. Prevê-se, contudo, a possibilidade de não serem realizadas as diligências que o empregador considere patentemente dilatórias ou impertinentes, desde que tal seja alegado por escrito e fundamentadamente. (. . .) Caberá ao empregador demonstrar que tais diligências eram irrelevantes, destruindo a presunção criada e convencendo o Tribunal do caráter impertinente ou dilatório dessas mesmas diligências." (negrito nosso).
v) Assim, nestes termos, verificou-se uma violação do direito de defesa e em consequência a nulidade do despedimento por invalidade do procedimento disciplinar nos termos dos artigos 414.° e 430.° n.º 2 al. b) do CT aplicável à data dos factos, pelo que, salvo o devido respeito, andou mal o ilustre Tribunal da Relação de Lisboa ao considerar que não se justificava a invalidade do processo disciplinar.
w) Além disso, uma decisão que entenda que a falta de fundamentação na decisão do instrutor na recusa de junção de prova pertinente, pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa não consubstancia uma violação do princípio da defesa e do contraditório, nos termos dos artigos 414.° e 430.° n.º 2 al. b) do CT, aplicável à data dos factos, terá de se considerar violadora do núcleo essencial deste direito fundamental, bem como direito constitucional previsto no artigo 20.° da CRP que sustenta e garante o acesso ao direito.
x) O ora Recorrente EE alegou, também, que a decisão disciplinar incluiu factos que não constam da nota de culpa.
y) Atente-se ao facto de que, tudo isto se mostra ainda mais grave porque estes factos novos foram os únicos que minimamente poderiam, eventualmente, justificar, caso fossem verdadeiros, a inexigibilidade da manutenção da relação laboral.
z) Assim, a Sra. Instrutora, para justificar o despedimento, não se podia ter baseado em factos que não constavam da Nota de Culpa, pois assim, não foi assegurado o direito de defesa do ora Recorrente EE, uma vez que este foi acusado de certos factos e veio a ser despedido com fundamento em outros não descritos na Nota de Culpa.
aa) Ora, a nota de culpa delimita o âmbito fáctico de apreciação do comportamento do trabalhador e da adequação da respetiva sanção e a inclusão de factos que não constam da nota de culpa na decisão de despedimento implica, naturalmente, a violação do princípio do contraditório, que constitui fundamento de invalidade do procedimento nos termos do artigo 430.°, n.º 2, al. b) do CT aplicável aos factos.
bb) Se a concretização de factos na nota de culpa tem por finalidade proporcionar a defesa do trabalhador, devendo verificar-se uma relação de correspondência entre os factos constantes da nota de culpa e os fundamentos da decisão do despedimento, os factos novos incluídos na decisão de despedimento, que não constavam na nota de culpa nunca poderiam ser objeto de contraditório e defesa pelo trabalhador na resposta à nota de culpa (porque não se encontravam lá).
cc) Assim, salvo o devido respeito, é evidente que se verificou a violação do princípio do contraditório, que nos termos dos artigos 413.° e 430.° n.º 2 al. b) do CT aplicável à data dos factos, é fundamento expresso de invalidade do procedimento disciplinar, ao que acresce que nos termos dos artigos 415.° n.º 2 e 430.° n.º 2 al. c) do CT aplicável, deve ser declarado inválido o procedimento disciplinar se " ... a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito nos termos do artigo 415º ... "
dd) Neste sentido vejam-se os acórdãos do STJ de 20 de maio de 1988 e de 12 de junho de 1990, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de junho de 1998.
ee) Uma decisão que entenda que a admissão de factos novos na decisão final, que não constavam da nota de culpa, não consubstancia uma violação do princípio da defesa e do contraditório, nos termos dos artigos 414.°,415.° e 430.° n.º 2 al. b) do CT aplicável à data dos factos, terá de se considerar violadora do núcleo essencial deste direito fundamental, bem como direito constitucional previsto no artigo 20º da CRP que sustenta e garante o acesso ao direito.
ff) Considerou, ainda o venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão ora recorrido, que se verificou, no caso concreto, justa causa, sendo, por isso, licito o despedimento promovido pela ora Recorrida EPUL, confirmando, assim a sentença da 1ª instância.
gg) No entanto, é evidente que o Recorrente EE não faltou, sem justificação, ao trabalho",
hh) Além disso, em sede de procedimento disciplinar se quisesse ter imputado ao ora Recorrente EE (supostas) faltas injustificadas, todos estes factos deveriam constar da Nota de Culpa, o que não se verifica.
ii) As faltas injustificadas não constam da matéria assente nem foram quesitadas na Base Instrutória, pelo que não houve discussão no julgamento sobre esta matéria, pelo que manifestamente verifica-se, aqui, violação da regra constante do art.º 72.º do CPT e consequentemente do princípio do contraditório.
jj) Além disso, as alegadas faltas foram devida e atempadamente comunicadas à Sra. Arqtª CC, o que, aliás, ficou provado em sede de audiência de discussão e julgamento.
kk) Posto isso, torna-se evidente que o Recorrente EE não faltou ao trabalho para frequentar as aulas de mestrado, sem que a sua imediata superior hierárquica, Sra. Arqtª  CC, tivesse conhecimento dos motivos da sua ausência.
ll) Assim, na verdade, o ora Recorrente EE obteve o consentimento da sua superior hierárquica para frequentar as aulas de mestrado, não se tendo verificado nenhuma situação que tenha lesado os direitos da Recorrida EPUL.
mm) A tudo isto acresce que o trabalhador não detinha qualquer histórico de infrações disciplinares.
nn) Assim, da conduta do ora Recorrente EE não resultou qualquer comportamento culposo que pela sua gravidade e consequência tornasse praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre as parte pelo que não se poderia concluir pela existência de justa causa.
o0) Finalmente, mais se alega que houve por parte da Recorrida EPUL uma violação grave da reserva da intimidade da vida privada do ora Recorrente EE, tendo o Tribunal de primeira instância levado em consideração, para sustentar a sua decisão, meios de prova nulos por violarem direitos do ora Recorrente no âmbito da proteção de dados pessoais, visto a Recorrida EPUL acedeu a dados pessoais, sem o consentimento do Recorrente, dados esses cuja comunicação só é permitida por lei ou autorizada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados.
pp) Esta mesma Comissão considerou, aliás, existir indícios suficientes da prática de duas infrações criminais em sede de proteção de dados, por parte da Recorrida EPUL, acesso não autorizado a dados pessoais de terceiros - art. 44° da Lei 67/98, de 26 de outubro, por parte da Faculdade de Arquitetura, utilização de dados pessoais de forma incompatível com a finalidade determinante da recolha dos mesmos - art. 430, n.º 1. c) da Lei 67/98, de 26 de outubro.
qq) Assim, o disposto no artigo 26.° da Constituição da República Portuguesa e no artigo 16° do CT consagram a reserva da intimidade da vida privada, como direito de o trabalhador não ver a sua vida íntima exposta ou divulgada, pelo que uma decisão que declare lícito o despedimento em causa, através de prova nula por intromissão na vida privada terá de se considerar violadora do núcleo essencial deste direito fundamental, bem como direito constitucional previsto no artigo 53° da CRP.


8. Neste Supremo Tribunal de Justiça, pela Formação de Juízes de Apreciação Liminar, foi proferido Acórdão, em 30 de abril de 2014, no qual, no reconhecimento de não ser aplicável o regime da revista excecional, mas na consideração do «valor da causa (€ 204.830,05) e da atinente sucumbência», deliberou-se a remessa do processo à Distribuição como Revista nos termos gerais.
9. Não foram apresentadas contra-alegações.
10. Neste Supremo Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer com o sentido final de que deve ser negada a Revista e confirmada a decisão recorrida, sob a seguinte motivação que se sintetiza:
· A invocação de violação do direito de defesa com fundamento em não junção injustificada de documentos (cfr. art.º 414.º n.º 1 do CT/2003) é absolutamente infundada, não só porque não se verificou, em sede de instrução de processo disciplinar, a não junção de qualquer documento que o Recorrente tivesse requerido, como também porque a questão trazida a revista tal como é, agora, enunciada, é questão nova a não admitir pronúncia neste recurso, uma vez que nos recursos se impugnam decisões, não se provocam decisões sobre matérias não discutidas e decidas em decisão anterior.
· Relativamente à questão suscitada em termos de que a decisão final do procedimento disciplinar contém a imputação de factos que não eram referidos na nota de culpa, carece o Recorrente de razão visto a inexistência de factos novos, conforme demonstrado no Tribunal da Relação.
· Bem decidiu o Acórdão recorrido quando, ao sopesar os interesses envolvidos na concreta situação, no exercício de avaliação da importância relativa a dar à reserva da vida privada, por um lado, e à realização da justiça, por outro, concluiu pela licitude da recolha da informação em causa – pedido de informação dirigido à Faculdade de Arquitetura de Lisboa sobre a frequência por parte do A. do curso de mestrado, que está na génese da ação disciplinar encetada pela Ré – e da inclusão da mesma no procedimento disciplinar.
Aliás, tal pretensão relativamente à ilicitude da informação pedida não deixará de revelar uma contradição quando o próprio A. alega que o conteúdo dessa informação era do conhecimento de muitos colegas trabalhadores da R., colegas do A., pelo que também a Administração da R. não a poderia ignorar.
· Os comportamentos imputados e sancionados são de inequívoca gravidade, por clara violação dos princípios da obediência e da lealdade, pelo que se torna adequada a sanção cominada.

11. Notificadas as Partes do antedito Parecer, veio o A./Recorrente responder concluindo no sentido de que «não deverá proceder a conclusão do douto despacho do Ministério Público, devendo consequentemente ser dado provimento à revista e revogada a decisão recorrida».
12. Já depois daquela resposta, o A./Recorrente juntou, em 8 de setembro de 2014, Parecer elaborado pelo Prof. Doutor António de Lemos Monteiro Fernandes, com a formulação da seguinte síntese conclusiva:
«a) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido sobre o litígio entre o Arquiteto AA e a EPUL – Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, ignorou – tal como a sentença do Tribunal do Trabalho de Lisboa que o antecedeu e foi por ele confirmada – grande parte da matéria de facto provada, com consequências decisivas quanto ao sentido dos julgamentos realizados;
b) O mesmo acórdão qualifica juridicamente, de modo inexato, os comportamentos imputados ao A., considerando-os em colisão com deveres acessórios que não foram, na realidade, postos em causa por esses comportamentos.»

13. Deste Parecer, notificada a parte contrária, veio a R. sustentar que não enferma, quer a sentença quer o acórdão, de qualquer valoração deficiente da factualidade dada como provada que determinou a licitude do despedimento, reafirmando o já exarado nas contra-alegações.

14. Distribuído o projeto pelos Exmos. Adjuntos, é altura de decidir.

15. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto dos recursos é delimitado pelas respetivas conclusões (art.s 635.º, n.º 3 e 639.º, n.º 1 do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, correspondentes aos art.s 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 do CPC, na redação em vigor à data da propositura da ação), cumpre apreciar e decidir as seguintes questões:
A - Nulidade do procedimento disciplinar por violação do princípio do contraditório e da defesa;
B - Nulidade do procedimento disciplinar por inclusão, na decisão final de despedimento, de factos que não constavam da nota de culpa;
C - Ilicitude na obtenção de dado privados referentes ao A.;
D - (In)existência de justa causa para o despedimento.

*

II. Na instância recorrida, foram considerados provados os seguintes factos:

1. O A. EE celebrou com a R. EPUL o contrato individual de trabalho em 01/09/1983, tendo sido transferido, a seu pedido, para a carreira de arquitetura em 01/07/1992, aquando da conclusão da sua licenciatura em arquitetura, tendo atualmente a categoria de Arquiteto Especialista, exercendo funções no Departamento de Arquitetura.

2. No início de agosto de 2006, o A. EE foi notificado da nota de culpa, na qual constava a intenção de despedimento com justa causa.

3. No dia 18 de agosto de 2006, o A. EE apresentou a sua defesa, tendo-se seguido a produção de prova relativamente à mesma.

4. No dia 24 de outubro de 2006, foi remetida ao A. EE a decisão final de despedimento imediato, com o seguinte conteúdo:


«RELATÓRIO I
A EPUL - Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, com sede na Rua Professor Fernando da Fonseca, Edifício Visconde de Alvalade, 2º, 1600-616 Lisboa, doravante designada por arguente, instaurou na sequência da respetiva deliberação do Conselho de Administração, processo disciplinar ao seu trabalhador, AA, Arquiteto Especialista, residente na R. …, Edif. …, … B, … Lisboa, doravante designado por arguido, com base nos factos e diligências levadas a efeito nos presentes autos, apurou-se o seguinte:
O arguido encontra-se ao serviço da arguente desde 01/09/1983, com contrato individual de trabalho, tendo sido transferido, a seu pedido, para a carreira de arquitetura, em 1/07/1992, aquando da conclusão da sua licenciatura em arquitetura.
Nomeada instrutora do presente processo disciplinar, a relatora elaborou a nota de culpa de fls. 9 a fls. 18 que se dá por reproduzida, onde se articularam de forma circunstanciada os factos imputados ao arguido, tendo sido notificada ao arguido a nota de culpa bem como a intenção de despedimento (fls. 19 e 20), bem como a sua suspensão de trabalho sem perda de retribuição uma vez que a sua presença na empresa é inconveniente e se mostra prejudicial para o bom andamento do processo disciplinar, situação que se mantém.
O arguido consultou o processo disciplinar no dia 4/08/2006, na pessoa do seu Ilustre Mandatário Dr. FF, no escritório da instrutora, tendo apresentado a sua resposta no dia 18 (dezoito) de agosto de dois mil e seis, em mão, no escritório da instrutora. Na sua resposta o arguido deduziu por escrito os elementos que considerou necessários ao esclarecimento dos factos e descoberta da verdade, impugnou as acusações, concluindo pelo arquivamento dos autos.
Requereu a inquirição de cinco testemunhas, bem como a junção de documentos.
Ambos os requerimentos do arguido foram deferidos, fls. 47 e 48, e 54.
Ainda na sua resposta o arguido veio invocar a prescrição do processo disciplinar, pelo que a instrutora, oficiosamente e para a boa descoberta da verdade, pediu informação sobre esta matéria aos funcionários da arguente, Arqta. CC, Arqto. GG e Engª HH, informação esta que foi prestada pelos funcionários em questão, fls. 43 a 45 e 50.
A prescrição invocada pelo arguido não foi considerada pela instrutora, porquanto das informações prestadas nos autos não se pode concluir pela evidência da caducidade do direito do exercício da acção disciplinar, fls. 54.
A inquirição das testemunhas arroladas foi designada para os dias 8 de Setembro, pelas 10h 30m, para as três primeiras testemunhas e pelas 15h 00m para as restantes duas testemunhas, (fls. 47 e 48).
A solicitação da instrutora (fls. 48) o Ilustre Mandatário do arguido veio indicar a matéria a que cada testemunha arrolada respondeu (fls. 52 e 53).
No dia 7 de setembro de 2006, o arguido informou a instrutora da impossibilidade de comparência na data designada da testemunha Arqta. CC (fls. 57 e 58).
A instrutora adiou a inquirição da testemunha Arqta. CC (fls. 59), mantendo a inquirição das demais testemunhas.
A instrutora, face à comunicação do arguido na impossibilidade de contacto com a testemunha Arqta. CC (fls. 88), designou o dia 20 de setembro pelas 16h 00m para inquirição da referida testemunha (fls. 89 e 90), tendo sido informada por contacto telefónico do Ilustre Mandatário do arguido que a testemunha não iria comparecer.
Entendeu ainda a instrutora para a boa descoberta da verdade material dos factos proceder, oficiosamente, à recolha de depoimentos da Diretora da Direção Técnica de Engenharia e Arquitetura, Arqta. CC, e da Engª. DD, o que veio a suceder em 28 de Setembro, (fls. …).
II
O arguido foi acusado dos factos discriminados na nota de culpa de fls. 9 a fls. 14, nos seguintes termos:
NOTA DE CULPA
Nos termos do art. 411º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27/08 e anteriormente previsto no n.º 1 do art. 10º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27 de fevereiro, e na sequência da deliberação do Conselho de Administração da EPUL – Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, deduzo contra AA, os seguintes artigos de acusação:
1. O arguido celebrou com a arguente contrato de trabalho, em 1/09/1983, tendo sido transferido a seu pedido para a carreira de Arquitetura, em 1/07/1992, aquando da conclusão da sua licenciatura em Arquitetura, tendo atualmente a categoria de Arquiteto Especialista, exercendo funções no Departamento de Arquitetura.
2. A arguente tomou conhecimento, em 20/06/2006, que o arguido se encontrava inscrito no Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário na Faculdade de Arquitetura, cujas aulas funcionam às sextas-feiras das 9h00 às 20h00m e aos sábados das 9h00m às 14h00m conforme consta da carta enviada pela Faculdade ao Exmo. Senhor Diretor de Recursos Humanos da EPUL que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos – doc. nº 1.
3. Não sendo a informação prestada pela Faculdade – vide doc. nº 1 - conclusiva para se saber da existência ou não de eventual infração ou infrações disciplinares, o Diretor de Recursos Humanos solicitou esclarecimento à Faculdade através de carta de 22/06/2006, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzida – doc. nº 2.
4. A Faculdade de Arquitetura veio responder à Direção de Recursos Humanos, em 29/06/2006, juntando uma relação das presenças do arguido às aulas no Curso de Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário na Faculdade de Arquitetura, que, aqui, se junta e se dá por integralmente reproduzida – doc. nº 3.
5. Do quadro anexo ao doc. nº 3 já junto, verifica-se que o arguido frequentou, sem autorização ou consentimento da empresa, designadamente da sua chefia hierárquica, o curso de mestrado durante o mês de Outubro de 2005 nos dias 21 e 28 e, em Novembro de 2005, nos dias 4, 11, 18 e 25 e em Fevereiro de 2006 nos dias 3, 10, 17 e 24, tendo recebido o salário total destes dias em que não trabalhou, sendo o custo total de 1.495.14€ (custo dia em 2005: € 149,29, custo dia em 2006: € 149,85), o que constitui comportamento altamente censurável, e determina diretamente um prejuízo sério e grave para a arguente.
6. Com efeito, o arguido prestou falsas declarações quanto à sua presença na arguente, e apropriou-se dos montantes correspondentes aos dias em que não trabalhou, o que implica uma quebra de confiança da arguente tanto mais grave, atendendo à qualificação e responsabilidade do arguido, o que torna impossível a manutenção da relação de trabalho.
7. Neste sentido, o Ac. da RL de 9/03/1994 in CJ ano XIX, tomo II, pg. 156.
8. Com esta conduta, o arguido desobedeceu às ordens da arguente, violando os deveres de lealdade, respeito e zelo, bem como o dever de assiduidade previstos no art. 121º nº 1 alíneas b), c), d),e),g) do Código do Trabalho.
9. As condutas ilícitas do arguido que vêm de ser descritas, têm-se também por inequivocamente dolosas, pelo contexto em que surgem, foram condutas pensadas, queridas e executadas com plena liberdade e consciência por parte do arguido, repercutindo-se entre outros deveres, maxime do princípio implícito de cooperação empresarial.
10. O arguido frequentou o curso de mestrado durante o seu período de baixa que teve início em 07/10/2005 até 14/10/220, interrompendo até à data em que regressou à situação de baixa 21/12/2005 até 31/01/2006, tendo reiniciado em 24/02/2006 com prorrogações sucessivas até à presente data, sendo que prestou à arguente falsas declarações relativas quer às faltas identificadas no parágrafo anterior quer quanto à sua situação de doença, prestando igualmente falsas declarações relativas à sua situação de doença, iludindo a arguente sobre as verdadeiras razões da sua baixa, uma vez que continuou a frequentar o seu curso de mestrado.
11. De salientar que a arguente não impugna a genuinidade dos documentos apresentados para justificar a baixa médica, mas sim o comportamento muito grave do arguido ao frequentar um curso de mestrado sem qualquer restrição, quando, na arguente, se encontrava, alegadamente, impossibilitado de prestar o seu trabalho por motivo de doença, o que, inequivocamente, consubstancia falsas declarações quanto à justificação das faltas dadas pelo arguido nos seus períodos de baixa, tentando evitar as consequências do regime aplicável às faltas injustificadas.
12. Mais, o arguido, com a falsa justificação das faltas, teve intenção de se furtar às consequências da injustificabilidade, o que merece um elevado grau de censura pela sua conduta.
13. Conclui-se que as baixas apresentadas em 7/10/2005 até 14/10/2005, e com reinício 21/12/2005 até 31/01/2006 (com uma prorrogação), reiniciando em 24/02/2006 com prorrogações até à presente data, constituem a apresentação à arguente de baixas médicas com intuitos fraudulentos, vulgo o uso dos chamados “atestados de complacência”.
14. De salientar que se o arguido não se encontra em condições físicas e psicológicas para poder prestar o seu trabalho, também não estará em condições físicas e psicológicas para a frequência das aulas de um curso de mestrado, que, como é do conhecimento geral, exige particular concentração e empenho, o que demonstra, inequivocamente, a violação grave dos deveres de lealdade, assiduidade, zelo e diligência
15. O contrato de trabalho é celebrado com base na boa fé e na recíproca confiança entre empregador e trabalhador, sendo assim é necessário que o comportamento do trabalhador não seja suscetível de destruir ou abalar essa confiança, sendo que o arguido, com a sua conduta, cria no espírito da arguente a dúvida legitima sobre a idoneidade futura do seu comportamento, tendo estabelecido um clima de desconfiança, o que resulta na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, em violação do dever de lealdade a que estava adstrito.
16. Desses deveres constam os de obediência, respeito, urbanidade e lealdade, aos quais o arguido se encontra vinculado até de forma mais exigente do que os demais trabalhadores que não têm a qualificação, as atribuições ou a responsabilidade do arguido.
17. Esses deveres acrescidos enquadram o comportamento do arguido, limitando-o, até pelas regras do bom senso, atendendo ao seu nível e funções dentro da empresa, neste sentido Ac. da RC de 16/06/2000 in BMJ, 498, p.284.
18. Com efeito, o arguido violou o dever de lealdade para com a arguente (art. 121º, nº 1, al. e) do CT), sendo que o dever de lealdade, no caso em crise, é uma manifestação do principio da boa fé no cumprimento das obrigações, e o seu conteúdo é muito mais intenso atenta a qualificação e responsabilidade do arguido.
19. O comportamento culposo e reiterado do arguido, revela-se prejudicial à organização disciplinada e produtiva da arguente, pelo que não exigível à arguente que mantenha o arguido ao seu serviço, tendo havido absoluta quebra de confiança entre a arguente e o arguido, provocada exclusivamente por este último.
20. Tal comportamento do arguido, é igualmente desrespeitoso e contrário ao dever de urbanidade profissional a que o arguido estava e está vinculado, violando de forma muito grave o dever de urbanidade a que estava e está adstrito (art. 121º, nº 1, al. a) do CT).
21. Os factos que vêm de ser expostos consubstanciam uma atitude do arguido de notória indisciplina e insubordinação, demonstrando uma total ausência cívica.
22. O arguido estava obrigado a solicitar autorização para a frequência do Curso de Mestrado identificado anteriormente, o que não fez, violando pela omissão, de forma reiterada e grave, o seu dever de obediência.
23. A prática reiterada só agora conhecida pela arguente das falsas declarações quanto às suas faltas e presenças na arguente, bem como a desobediência por omissão, demonstram grave deslealdade, provocando uma rutura de confiança no arguido,
24. Não sendo exigível à arguente que continue a trabalhar com o arguido e a depositar neste a confiança necessária uma vez que o comportamento do trabalhador destruiu e abalou essa confiança, criando no espírito da arguente a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta, ou que esteja tranquila quanto ao normal acatamento das suas determinações e à colaboração do arguido para o bom funcionamento do Departamento em que está enquadrado e da arguente em geral, bem como a sua continuidade seria o aceitar da indisciplina e insubordinação.
25. A descrita quebra de confiança é da inteira culpa e responsabilidade do arguido, como o é a consequente impossibilidade da subsistência da relação de trabalho.
26. A prática reiterada dos comportamentos acima descritos, consubstanciam a violação de forma grave, do dever de zelo e diligência que impõe que o arguido execute as suas tarefas com esforço de vontade e correta orientação adequados ao cumprimento das suas obrigações.
27. As condutas do arguido constituem assim, justa causa para o despedimento, nos termos do nº 1 do art. 396.º do CT, anteriormente previsto no nº 1 do art. 9º da LCCT, porquanto o comportamento do arguido integra as infrações disciplinares previstas nas al. a), d), f), e g) no nº 3 do art. 396º do CT, anteriormente previstas nas al. a), d), n) e g) do nº 2 do art. 9º da LCCT.
28. A arguente teve em atenção os parâmetros estabelecidos no nº 2 do art. 396º do CT.
Com tais comportamentos, o arguido cometeu, dolosamente, as infrações disciplinares correspondentes à violação de todos os mencionados deveres, das quais vai acusado, incorrendo na aplicação da sanção de despedimento com justa causa.
Nos termos do disposto no nº 413º do CT anteriormente previsto no art. 10º do Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, pode o arguido em 10 (dez) dias úteis consultar o processo disciplinar, responder à acusação que consta da presente nota de culpa, caso em que deverá deduzir por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo arrolar testemunhas, juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
O processo disciplinar está disponível para consulta no escritório da Instrutora nomeada, sito na Av. …, nº …, …º, …Lisboa, entre as 10h 30m e as 13h 00m e entre as 15h 00m e as 17h 30m, de segunda a sexta-feira, onde também deverá ser entregue a resposta à nota de culpa.
Extraia-se cópia da presente nota de culpa para dela notificar o arguido por carta registada com Aviso de Receção.
ANEXOS: 3 documentos referidos no texto
Lisboa, 31 de Julho de 2006
A Instrutora nomeada
(II)
III
No dia 18 de Agosto de 2006 o arguido entregou a sua resposta à nota de culpa na sede da arguente com o seguinte teor:
Na sua resposta o arguido veio alegar em resumo a prescrição do processo disciplinar, defendendo que a Administração e as chefias diretas bem como o Departamento de Recursos Humanos, tinham conhecimento dos factos em causa, acrescentando que a própria Diretora da Direção Técnica de Engenharia e Arquitetura, Arqta. CC, o tinha autorizado a frequentar o Mestrado mesmo antes de obter a necessária autorização formal, defendendo que por tal motivo não tinha de justificar as suas ausências às sextas-feiras.
O arguido refere ter recebido a retribuição na íntegra, no entanto, recusa a acusação que lhe é feita, referindo para tal que “presumiu que tal pagamento se manteve por causa da autorização que lhe foi dada para frequência das aulas de mestrado”.
O arguido, em vários artigos do seu articulado, invoca a alegada prescrição do exercício da ação disciplinar, sem que consiga lograr fazer prova da mesma.
Defende ainda o arguido que deu conhecimento ao seu superior hierárquico, Arqto. GG da frequência do curso e que a respetiva Diretora de Direção autorizou “expressamente tal frequência”, no entanto, entra o arguido em contradição quando refere a alegada existência de uma reunião entre o Arqto. GG e a respetiva Diretora de Direção Arqta. CC, da qual resultaria que estaria autorizado a frequentar o mestrado mas que a Diretora falaria com o Administrador do pelouro, Engº JJ com vista a obter uma “autorização formal”.
Pelo que resulta da defesa do arguido e da contradição entre os seus artigos 10 e 11 e artigo 28 que a respetiva Diretora Arqta. CC, não autorizou “expressamente” tal frequência.
O arguido confessa que frequentou o curso de mestrado durante os períodos de baixa médica.
Conclui o arguido que não prestou falsas declarações à arguente quanto à justificação das suas faltas, quer durante o período de baixa quer durante o período de trabalho normal.
Quanto à alegada violação do dever de ocupação efetiva que o arguido refere no art. 48 da sua resposta, como o próprio o diz, “não importa curar nesta sede”.
Quanto ao alegado estatuto remuneratório invocado pelo arguido, tal não é relevante face às acusações que constam na nota de culpa.

IV
Os depoimentos das testemunhas arroladas pelo arguido (fls. 61 a 87) pouco esclarecem sobre a tese da defesa ou os factos da acusação, sendo que desconhecem se o arguido tinha ou não autorização formal para frequentar o curso de mestrado em desenvolvimento imobiliário da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa.
Quanto à testemunha Arqto. GG (fls. 61 a 70) afirma que quem se encontrar no gabinete não consegue visualizar quem se encontra no local do arguido, referindo que o DRH “confina com o meio do edifício, zona dos elevadores, e o posto de trabalho do arguido situa-se no outro meio do edifício, do lado direito”. Mais referiu esta testemunha “que não verifica as faltas dos seus colaboradores, não fiscalizando um a um, até porque se encontra no seu gabinete a trabalhar.
Quanto à tese da periodicidade das reuniões referiu que “elas eram marcadas, normalmente de acordo com as necessidades, sendo reuniões de coordenação”.
A testemunha respondeu “que em data que não se recorda, o arguido comunicou-lhe verbalmente que se tinha inscrito no curso de mestrado, já com o facto consumado, o que desagradou ao depoente que transmitiu ao arguido esse seu desagrado, informando-o que não o poderia autorizar a frequentar o curso…”, “o arguido referiu ao depoente que necessitava das sextas-feiras, não tendo obtido a sua autorização…”.
No que se refere à alegada reunião havida com a Diretora Arqta. CC, a testemunha refere que esta “de imediato deu conta ao arguido do seu desagrado… no entanto não autorizou a frequência do mestrado, tendo este pedido sido recusado pelo Administrador em data que não sabe precisar; tendo-lhe sido comunicada, i.e., ao arguido pela Arqta. CC, tal recusa, antes da baixa de Dezembro de 2005”.
A testemunha esclareceu ainda “que, na referida reunião, terá ficado, de forma talvez subentendida, que o Arqto. e aqui arguido iria faltar pelo menos algumas sextas-feiras, enquanto o seu pedido de autorização era apreciado”.
 “No entanto, entre a reunião e a recusa pela Administração, a Arqta. CC sabia que o arguido precisava das sextas-feiras em causa, mas nunca o arguido se dirigiu ao depoente ou à Arqta. CC, tanto quanto saiba, a avisar que iria faltar.”
A testemunha confirma que a Arqta. CC nunca deu autorização expressa ao arguido para frequentar o curso de mestrado. A testemunha desconhece se existiram faltas do arguido nas sextas-feiras que constam da acusação.
A testemunha Sr. KK (fls. 71 a 75) “apenas quanto a si” confirma que o arguido lhe disse em conversa de corredor que estaria a frequentar o curso de mestrado.
Quanto à matéria da justificação de faltas nada sabe.
Referiu ainda a testemunha “que não é verdade ou evidente que as pessoas que trabalham no mesmo local se vejam todos os dias, podendo passar-se dias sem que se cruzem, até mesmo meses sem que se cruzem. Mais esclarece que existem vários armários que impedem completamente a visibilidade esclarecendo ainda que se podem passar meses sem que os trabalhadores se cruzem, i.e., referindo-se aos trabalhadores onde se encontra o Departamento de Recursos Humanos.”
Quanto à testemunha Dr. LL (fls. 77 a 82), confirmou que tinha conhecimento, por informação do arguido, de que este frequentava o curso de mestrado, sendo sua convicção que o referido mestrado estaria a ser patrocinado pela empresa, também é convicção da testemunha que o arguido estaria autorizado a frequentar o curso de mestrado.
Quanto à justificação de faltas a testemunha nada sabe.
A testemunha refere que “as conversas que manteve com este sobre o mestrado tiveram lugar no primeiro semestre de 2005, salientando que desde o final de 2005 não voltou a falar com o arguido sobre esta matéria”.
A testemunha referiu que “nunca teve conhecimento que existisse alguma irregularidade na frequência do mestrado, até à decisão do Conselho de Administração”.
Quanto à testemunha Sr. MM (fls. 83 a 87), esclareceu que quanto à EPUL não pode confirmar se tinha ou não conhecimento das faltas para frequência do mestrado dadas pelo arguido, no entanto era sua convicção de que o arguido estaria autorizado a frequentar o curso em causa, por conversas com o próprio arguido e outros colegas, “no entanto esclareceu que nunca falou desta matéria com o Arqto. GG e Arqta. CC, nem nunca assistiu a qualquer conversa entre estes ou estes com outras pessoas sobre a frequência do mestrado”.
“No que se refere à EPUL, aos outros Departamentos e à Arqta. CC não sabe se tinham conhecimento”, quanto à justificação de faltas nada sabe.
V
Da mesma forma, os documentos juntos aos autos pelo arguido nada provam em abono da tese por si defendida quanto à matéria de que é acusado.
VI
Aqueles depoimentos e estes documentos não foram, pois, suficientes para infirmar a convicção de serem verdadeiros os factos relatados na nota de culpa, e correto o seu enquadramento e valoração jurídico-disciplinar.
Esta convicção, aliás, reforçou-se com o teor das declarações prestadas pelos superiores hierárquicos do arguido, Arqta. CC e Engª DD, ouvidas oficiosamente pela instrutora para a boa descoberta da verdade material, resultando essencial o depoimento da Arqta. CC, conforme foi transmitido pessoalmente e em conferência telefónica, ao Ilustre Mandatário do arguido.
A primeira testemunha Arqta. CC, confirmou integralmente o teor e conteúdo da nota de culpa, interessando reproduzir o que declarou a fls. 95 “perdeu a confiança no arguido, o que provoca a rutura irreversível da relação de trabalho. Mais acrescenta, que não pretende mais alguma vez trabalhar com o arguido. Entende ainda, que este tipo de comportamentos são inadmissíveis no seio da EPUL, até porque, levariam a situações de insubordinação e indisciplina como a do arguido. A depoente jamais teria confiança na idoneidade do arguido, bem como jamais ficaria tranquila quanto ao acatamento por parte deste das determinações da EPUL, bem como quanto à colaboração deste para o bom funcionamento da EPUL e do Departamento em que o arguido está inserido”.
“A depoente recorda-se da existência de um contacto que quanto à depoente não é reunião, mas sim um contacto informal, com o Arqto. GG e o arguido.
Mais esclarece que jamais consentiu, formalmente, expressamente, tacitamente ou de forma subentendida que o arguido frequentasse o curso”.
“O arguido apenas poderá saber que a depoente o considera de difícil trato e como tal de difícil integração no Departamento”.
Quanto à testemunha Engª EE (fls. 99 a 101), apenas reiterou a informação prestada a fls. 44 dos autos, i.e., nunca autorizou ou consentiu que o arguido frequentasse o referido curso, acrescentando “que tanto quanto é do seu conhecimento, não existe nem existiu qualquer tipo de autorização para o arguido poder frequentar o curso de mestrado em causa, fosse ela formal ou tácita”.
VII
Assim, tem-se por provada a seguinte matéria factual:
O arguido celebrou com a arguente contrato de trabalho, em 1/09/1983, tendo sido transferido a seu pedido para a carreira de Arquitetura, em 1/07/1992, aquando da conclusão da sua licenciatura em Arquitetura, tendo atualmente a categoria de Arquiteto Especialista, exercendo funções no Departamento de Arquitetura.
A arguente tomou conhecimento em 20/06/2006 que o arguido se encontrava inscrito no Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário na Faculdade de Arquitetura, cujas aulas funcionam às sextas-feiras das 9h00 às 20h00m e aos sábados das 9h00m às 14h00m conforme consta da carta enviada pela Faculdade ao Exmo. Senhor Diretor de Recursos Humanos da EPUL.
Não sendo a informação prestada pela Faculdade conclusiva para se saber da existência ou não de eventual infração ou infrações disciplinares, o Diretor de Recursos Humanos solicitou esclarecimento à Faculdade através de carta de 22/06/2006.
A Faculdade de Arquitetura veio responder à Direção de Recursos Humanos em 29/06/2006, juntando uma relação das presenças do arguido às aulas no Curso de Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário na Faculdade de Arquitetura.
Do quadro anexo junto aos autos a fls. 18, verifica-se que o arguido frequentou, sem autorização ou consentimento da empresa, designadamente da sua chefia hierárquica, o curso de mestrado durante o mês de outubro de 2005 nos dias 21 e 28 e em novembro de 2005 nos dias 4, 11, 18 e 25 e em fevereiro de 2006 nos dias 3, 10, 17 e 24, tendo recebido o salário total destes dias em que não trabalhou, sendo o custo total de 1.495.14€ (custo dia em 2005: 149,29 €, custo dia em 2006: 149,85 €), o que constitui comportamento altamente censurável, e determina diretamente um prejuízo sério e grave para a arguente.
Com efeito, o arguido prestou falsas declarações quanto à sua presença na arguente, e apropriou-se dos montantes correspondentes aos dias em que não trabalhou, o que implica uma quebra de confiança da arguente tanto mais grave, atendendo à qualificação e responsabilidade do arguido, o que torna impossível a manutenção da relação de trabalho.
Neste sentido, o Ac. da RL de 9/03/1994 in CJ ano XIX, tomo II, pg. 156.
Com esta conduta, o arguido desobedeceu às ordens da arguente, violando os deveres de lealdade, respeito e zelo, bem como o dever de assiduidade previstos no art. 121º nº 1 alíneas b), c), d),e),g) do Código do Trabalho.
As condutas ilícitas do arguido que vêm de ser descritas, têm-se também por inequivocamente dolosas, pelo contexto em que surgem, foram condutas pensadas, queridas e executadas com plena liberdade e consciência por parte do arguido, repercutindo-se entre outros deveres, maxime do princípio implícito de cooperação empresarial.
O arguido frequentou o curso de mestrado durante o seu período de baixa que teve início em 07/10/2005 até 14/10/2005, interrompendo até à data em que regressou à situação de baixa, 21/12/2005 até 31/01/2006, tendo reiniciado em 24/02/2006 com prorrogações sucessivas até à presente data, sendo que prestou à arguente falsas declarações relativas quer às faltas identificadas no parágrafo anterior quer quanto à sua situação de doença, prestando igualmente falsas declarações relativas à sua situação de doença, iludindo a arguente sobre as verdadeiras razões da sua baixa, uma vez que continuou a frequentar o seu curso de mestrado.
De salientar que a arguente não impugna a genuinidade dos documentos apresentados para justificar a baixa médica, mas sim o comportamento muito grave do arguido ao frequentar um curso de mestrado sem qualquer restrição, quando, na arguente, se encontrava, alegadamente, impossibilitado de prestar o seu trabalho por motivo de doença, o que, inequivocamente, consubstancia falsas declarações quanto à justificação das faltas dadas pelo arguido nos seus períodos de baixa, tentando evitar as consequências do regime aplicável às faltas injustificadas.
Mais, o arguido, com a falsa justificação das faltas, teve intenção de se furtar às consequências da injustificabilidade, o que merece um elevado grau de censura pela sua conduta.
Conclui-se que as baixas apresentadas em 7/10/2005 até 14/10/2005, e com reinício 21/12/2005 até 31/01/2006 (com uma prorrogação), reiniciando em 24/02/2006 com prorrogações até à presente data, constituem a apresentação à arguente de baixas médicas com intuitos fraudulentos, vulgo o uso dos chamado “atestados de complacência”.
De salientar que se o arguido não se encontra em condições físicas e psicológicas para poder prestar o seu trabalho, também não estará em condições físicas e psicológicas para a frequência das aulas de um curso de mestrado, que, como é do conhecimento geral, exige particular concentração e empenho, o que demonstra, inequivocamente, a violação grave dos deveres de lealdade, assiduidade, zelo e diligência
O contrato de trabalho é celebrado com base na boa fé e na recíproca confiança entre empregador e trabalhador, sendo assim é necessário que o comportamento do trabalhador não seja suscetível de destruir ou abalar essa confiança, sendo que o arguido, com a sua conduta, cria no espírito da arguente a dúvida legítima sobre a idoneidade futura do seu comportamento, tendo estabelecido um clima de desconfiança, o que resulta na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, em violação do dever de lealdade a que estava adstrito.
Desses deveres constam os de obediência, respeito, urbanidade e lealdade, aos quais o arguido se encontra vinculado até de forma mais exigente do que os demais trabalhadores que não têm a qualificação, as atribuições ou a responsabilidade do arguido.
Esses deveres acrescidos enquadram o comportamento do arguido, limitando-o, até pelas regras do bom senso, atendendo ao seu nível e funções dentro da empresa, neste sentido Ac. da RC de 16/06/2000 in BMJ, 498, p.284.
Com efeito, o arguido violou o dever de lealdade para com a arguente (art. 121º, nº 1, al. e) do CT), sendo que o dever de lealdade, no caso em crise, é uma manifestação do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações, e o seu conteúdo é muito mais intenso atenta a qualificação e responsabilidade do arguido.
O comportamento culposo e reiterado do arguido, revela-se prejudicial à organização disciplinada e produtiva da arguente, pelo que não (é) exigível à arguente que mantenha o arguido ao seu serviço, tendo havido absoluta quebra de confiança entre a arguente e o arguido, provocada exclusivamente por este último.
Tal comportamento do arguido, é igualmente desrespeitoso e contrário ao dever de urbanidade profissional a que o arguido estava e está vinculado, violando de forma muito grave o dever de urbanidade a que estava e está adstrito (art. 121º, nº 1, al. a) do CT).
Os factos que vêm de ser expostos, consubstanciam uma atitude do arguido de notória indisciplina e insubordinação, demonstrando uma total ausência cívica.
O arguido estava obrigado a solicitar autorização para a frequência do Curso de Mestrado identificado anteriormente, o que não fez, violando pela omissão, de forma reiterada e grave, o seu dever de obediência.
A prática reiterada só agora conhecida pela arguente das falsas declarações quanto às suas faltas e presenças na arguente, bem como a desobediência por omissão, demonstram grave deslealdade, provocando uma rutura de confiança no arguido,
Não sendo exigível à arguente que continue a trabalhar com o arguido e a depositar neste a confiança necessária uma vez que o comportamento do trabalhador destruiu e abalou essa confiança, criando no espírito da arguente a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta, ou que esteja tranquila quanto ao normal acatamento das suas determinações e à colaboração do arguido para o bom funcionamento do Departamento em que está enquadrado e da arguente em geral, bem como a sua continuidade seria o aceitar da indisciplina e insubordinação.
A descrita quebra de confiança é da inteira culpa e responsabilidade do arguido, como o é a consequente impossibilidade da subsistência da relação de trabalho.
A prática reiterada dos comportamentos acima descritos, consubstanciam a violação de forma grave, do dever de zelo e diligência que impõe que o arguido execute as suas tarefas com esforço de vontade e correta orientação adequadas ao cumprimento das suas obrigações.
VIII
Não logrou o arguido provar que as suas condutas devam ter um enquadramento diferente do que na acusação se caraterizou, no que respeita à sua culpa (e é de culpa que se trata, pois o elemento objetivo está adquirido, como acima indicado). Estas condutas devem, no que à culpa respeita, ser qualificadas à luz de critérios objetivos, e não de acordo com o critério do seu autor ou com o seu caráter. Não basta vir agora o arguido dizer que estava autorizado, sem lograr fazer prova dessa autorização.
Como refere a jurisprudência, a culpa e a sua gravidade hão-de apreciar-se pelo entendimento de um bom pai de família em face de cada caso concreto, segundo critérios de objetividade e razoabilidade, só se podendo considerar grave a que resulta da aplicação de tais critérios e não a que subjetivamente de tal forma se qualifique (e cf. por exemplo o Ac. STJ de 10/05/95, Acs. Dout. do STA, 408, p.1412). Está em jogo o critério da “exigibilidade” (Ac. STJ de 12/01/91, BMJ, 403, p.255).
O arguido é quadro médio da arguente, conforme o arguido reconhece na sua resposta, mas não deixa de ser um trabalhador subordinado, como tal sujeito a ordens, direção e fiscalização por parte do seu empregador, estando sujeito aos deveres consagrados no art.º 121 do C.T. e anteriormente previstos no art. 20º do Decreto lei nº 49408 de 24/11 de 1969.
Entre aqueles, os de obediência, respeito e urbanidade, e lealdade vinculam-no, até, de forma mais exigente dos que os demais trabalhadores que não têm a qualificação, as atribuições e responsabilidades do arguido, tendo o arguido violado, para além dos deveres atrás identificados, com especial gravidade o dever de lealdade para com a arguente (art. 121 nº 1 al. e) do C.T.), sendo que este dever é uma manifestação do Princípio da boa fé, sendo o seu conteúdo mais intenso atenta a elevada qualificação e a responsabilidade do arguido, como o próprio reconhece e confessa na sua resposta, designadamente no art. 49.
Recorde-se que a sua Diretora, Arqta. CC, sentiu que perante todos foi posta em causa a sua autoridade e direção, estando indisponível para tolerar tal tipo de conduta por parte de um subordinado da sua Direção, e titular de um cargo de confiança, recusando-se, seja em que circunstâncias for em trabalhar novamente com o arguido, sendo que o considera de difícil trato e como tal de difícil integração no Departamento, o que constitui circunstância agravante do arguido.
De acordo com o mencionado critério de exigibilidade, tem-se por não exigível, à Diretora, Arqta. CC que, nestas circunstâncias, continue a trabalhar com o arguido e a depositar a confiança necessária para nele manter as funções que lhe estão confiadas, enquanto arquiteto especialista, atendendo à especificidade e natureza desse trabalho, ou que esteja descansada quanto ao normal acatamento das suas determinações e à colaboração do arguido para o bom funcionamento daquela Direção em especial, e da EPUL em geral, devendo o comportamento do arguido ser analisado na perspetiva da sua projeção sobre o vinculo laboral em atenção às funções que exerce e à impossibilidade de estas subsistirem face à lesão irremediável dos deveres fundamentais inerentes, sendo que esta lesão é tanto mais grave quanto mais grave e responsável for a função do trabalhador no complexo da Direção que integra.
Subsumindo os factos provados, que constam do libelo acusatório, ao conceito de justa causa e avaliando-os em concreto, ter-se-á que a conduta do arguido torna impossível a subsistência da relação de trabalho, não permitindo a viabilização da relação de trabalho, é de considerar, o comportamento do arguido culposo e grave em si mesmo e nas suas consequências, justa causa de despedimento. A descrita quebra de confiança é da inteira culpa do arguido, como o é a consequente impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, que se tem por incontornável.
IX
A boa conduta anterior do arguido tem escassa relevância atenuante quando se trata de qualidades, caraterísticas morais ou situações não superiores às comuns ou normais nas pessoas da classe do agente da infração em idênticas condições de vida e de cultura. Este é o entendimento corrente no direito sancionatório, e não se vê que deva ter especialidades no campo disciplinar. Em qualquer caso, acresce sempre que qualquer atenuante – e nenhuma se vislumbra – sempre colidiria com a quebra de confiança verificada, a qual não se afigura remediável mediante o recurso a uma sanção disciplinar de índole conservatória do vínculo laboral, a arguente teve em atenção os parâmetros estabelecidos no nº 2 do art. 396 do CT.
X
As condutas do arguido constituem assim justa causa para despedimento nos termos do disposto, única sanção que se tem por proporcionada às faltas cometidas, e viável em razão da irreparável quebra de confiança apontada, nos termos do nº 1 do art. 396º do Código do Trabalho, anteriormente previsto no nº 1 do art. 9º da LCCT, porquanto o comportamento do arguido integra as infrações disciplinares previstas nas al. a), d), f) e g) no nº 3 do art. 396º do CT, anteriormente previstas nas al. a), d), n) e g) do nº 2 do art. 9º da LCCT.
Pelo que, com os fundamentos acima descritos, se considera subsistente a acusação e se propõe superiormente a aplicação, ao arguido AA, Arquiteto Especialista, da sanção de despedimento com justa causa prevista no artº. 396º, nº 1, e nº 3, al. a), d), f) e g). Lisboa, 12 de Outubro de 2006
A Instrutora
(II)

5. O A. recebeu o montante correspondente às remunerações dos dias de ausência para frequência do Mestrado.

6. Foi elaborada uma declaração escrita pelo Diretor de Recursos Humanos, Dr. NN, no dia 13 de janeiro de 2005, onde o mesmo afirma que: “(…) o Senhor Arquiteto AA, após ter sido sujeito a uma intervenção cirúrgica aos olhos, que se sabe ter ocorrido em 22/09/05 e tendo-se apresentado ao serviço no dia 15/10/05, demonstrou uma franca limitação física relacionada com a sua capacidade de visão que, ao que foi dado constatar ao seu direto superior hierárquico, Senhor Arquiteto GG, o impossibilitava de desempenhar com normalidade as funções de coordenação de projetos que lhe estão confiadas. (…)”

7. O A. EE frequentou o Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário durante o período da sua baixa médica.

8. Em Maio de 2006, o Diretor de Recursos Humanos da R. EPUL, o Dr. NN, requereu à Faculdade de Arquitetura, através de carta, que esta lhe facultasse uma relação de presenças do A. EE às aulas do Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário, assim como os horários do referido Mestrado.

9. A Faculdade de Arquitectura, depois de uma primeira resposta relativa apenas ao horário do Mestrado e às faltas dadas pelo A. EE, completou esta informação, a pedido da R. EPUL, com a indicação das datas em que o mesmo esteve presente no Mestrado.

10. O Autor apresentou a 4 de agosto de 2006, uma queixa na Comissão Nacional de Protecção de Dados contra a R. EPUL e a Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa.

11. Para tal, a Comissão Nacional de Proteção de Dados ouviu a Faculdade de Arquitetura, que confirmou o fornecimento dos dados requeridos pela R. EPUL, no que se referia aos horários do Mestrado e ao número de faltas dadas pelo A. EE.

12. Confirmou ainda a Faculdade de Arquitetura que a R. EPUL insistiu na comunicação das datas de presença do A. EE no Mestrado, afirmando que “na qualidade de entidade empregadora a EPUL tem o direito de obter essa informação, a qual não constitui dado nominal em relação ao qual seja legítimo restringir o acesso por parte da Faculdade de Arquitetura.”

13. No dia 23 de janeiro de 2007, o A. EE foi notificado da Deliberação da Comissão Nacional de Proteção de Dados, que considerou o seguinte: «A R. EPUL acedeu, por sua solicitação, a dados pessoais do A. EE, sem o consentimento deste; não existe nenhuma regra jurídica que permita este acesso, designadamente no âmbito de um processo disciplinar organizado nos termos da lei laboral. Por outro lado, a Faculdade de Arquitetura utilizou dados pessoais do A. EE consubstanciados em informações respeitantes às presenças nas aulas do Mestrado, para um fim diverso do que justificou a sua recolha. A comunicação destes dados a uma terceira entidade, neste caso a R. EPUL, só seria legítima se permitida por lei ou autorizada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados.»

14. Face a tudo o que foi exposto, considerou a Comissão Nacional de Protecção de Dados que existem indícios suficientes da prática de duas infracções criminais em sede de proteção de dados pessoais: por parte da R. EPUL, acesso não autorizado a dados pessoais de terceiros – artigo 44º da Lei 67/98 de 26 de Outubro, por parte da Faculdade de Arquitetura, utilização de dados pessoais de forma incompatível com a finalidade determinante da recolha dos mesmos – artigo 43º, nº1, c) da Lei 67/98 de 26 de Outubro.

15. Concluiu, por isso, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, pelos fundamentos expostos e ao abrigo do artigo 22º, nº5 da Lei 67/98 de 26 de outubro, transmitir ao Ministério Público os indícios apurados quanto à prática dos crimes supra mencionados.

16. O Conselho de Administração da R. EPUL, no dia 25 de maio de 2004, emitiu o comunicado nº 19/2004, onde deliberou o seguinte: “Aprova a renovação do contrato de trabalho e prestação de serviços oportunamente celebrado com o Arqto. OO, pelo período adicional de um ano, conferindo-‑lhe responsabilidades enquanto gestor de projetos e coordenador das equipas de projetistas de diversos empreendimentos.”

17. O Autor aufere o vencimento base de € 2 260 (dois mil duzentos e sessenta euros), ao qual acresce o valor de € 110,40 (cento e dez euros e quarenta cêntimos) correspondente a anuidades e a quantia de € 132,25 (cento e trinta e dois euros e vinte e cinco cêntimos) referente a subsídio de alimentação e a quantia de € 150 (cento e cinquenta euros) a título de seguro de vida grupo.

18. Sobre a queixa apresentada pelo Autor nos Serviços do Ministério Público e referente à prática de dois crimes de violação da proteção de dados pessoais recaiu decisão de arquivamento transitada em julgado.

19. O A. EE esteve de baixa médica nos períodos que se passam a referir, baixas essas que foram renovadas de acordo com os documentos que se passam a elencar:
1. - de 7 de março de 2006 até 6 de abril de 2006;
2. - de 6 de abril a 6 de maio de 2006;
3. - de 7 de maio a 6 de junho de 2006;
4. - de 6 de junho a 6 de julho de 2006;
5. - de 6 de julho a 5 de agosto de 2006;
6. - de 5 de agosto a 4 de setembro de 2006;
7. - de 4 de setembro de 2006 a 4 de outubro de 2006;
8. - de 4 de outubro de 2006 a 3 de novembro de 2006;
9. - de 3 de novembro de 2006 a 3 de dezembro de 2006.
10. - o A. EE ficou de baixa entre o dia 26 de setembro 2005 e o dia 14 de outubro de 2005.

20. No dia 31 de janeiro de 2006, o A. EE foi convocado para um exame médico pela Segurança Social, cuja deliberação foi a seguinte: “Subsiste a incapacidade temporária para o trabalho do beneficiário acima indicado”.

21. O Autor foi sujeito, a 3 de agosto de 2006, a uma avaliação por parte da Segurança Social, que visava aferir da subsistência da sua condição de doença, tendo a mesma concluído que «subsiste a incapacidade temporária para o trabalho».

22. No dia 7 de novembro de 2006, o A. EE foi convocado para um exame médico na Segurança Social, cuja deliberação foi: “subsiste a incapacidade temporária para o trabalho do beneficiário acima indicado”.

23. Em 2004, o A. EE inscreveu-se no Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário, na Faculdade de Arquitetura.

24. A 23 de novembro de 2004, o A. EE recebeu uma carta da Faculdade de Arquitetura informando-o de que não existia número de alunos suficientes para o Mestrado, sendo que o mesmo fora adiado para o ano letivo de 2005/2006.

25. No dia 19 de setembro de 2005, o A. EE foi informado pela Faculdade de Arquitetura que tinha sido selecionado para o Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário e que o prazo para inscrição no mesmo era até 30 de setembro de 2005 e inscreveu-se no Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário no dia 28 de setembro de 2005.

26. O referido Mestrado iniciou-se no dia 7 de outubro de 2005.

27. As aulas deste Mestrado funcionavam às sextas-feiras das 9h00 às 20h00 e aos sábados das 9h00 às 14h00.

28. O A. solicitou verbalmente ao Administrador JJ autorização para frequentar o Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário durante o período laboral.

29. Nesse sentido, JJ foi contactado pela Arqt. CC, Diretora da Direção Técnica de Engenharia e Arquitetura, que se encontrava de baixa médica, e decidiram não autorizar o A. EE a frequentar o Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário.

30. A Administração da R. EPUL e o A. EE encontram-se no mesmo edifício, embora em pisos diferentes, a Administração no 4º piso, e o A. no 3º piso, sendo que neste os serviços estão dispostos em “open space”, e no qual se localiza o Departamento de Recursos Humanos.

31. O A. mencionava a frequência do Mestrado aos seus colegas.

32. Concretamente, na carta de 25 de maio de 2006, subscrita pelo Dr. NN, Diretor de Recursos Humanos da R. EPUL, este afirma que na semana anterior, ou seja na semana de 15 a 19 de maio de 2006, este mesmo Diretor da R. EPUL tomou conhecimento de que o colaborador Arquiteto AA estaria a frequentar um curso de Mestrado na Faculdade de Arquitetura da UTL.

33. A pedido da Senhora Instrutora do processo disciplinar, a Arqta. CC e a Eng. DD elaboraram e outorgaram as declarações que constam de fls. 302 e 303 que se dão aqui por reproduzidas; e tais testemunhas foram oficiosamente inquiridas no processo disciplinar de acordo com a cota de fls. 351 e declarações de fls. 352 a 359.

34. No dia 22 de setembro de 2005, o A. EE foi sujeito a uma intervenção cirúrgica oftalmológica, para redução da miopia, no Instituto de Microcirurgia Ocular.

35. Na sequência da cirurgia referida no ponto 34., o A. ficou com uma acuidade visual reduzida que limitava a sua capacidade de trabalho.

36. O A. EE não foi trabalhar nos dias 2, 3 e 4 de Novembro de 2005, tendo a Dra. PP justificado as suas faltas por motivo de doença de acordo com atestado médico.

37. O A. EE esteve de baixa médica entre o dia 21 de dezembro de 2005 e o dia 1 de janeiro de 2006.

38. No dia 1 de fevereiro de 2006, o A. EE regressou ao trabalho na EPUL.

39. Por motivos de saúde e em virtude do relatório clínico do seu médico psiquiatra, Dr. QQ, o A. EE esteve de baixa médica de 24 de Fevereiro de 2006 a 7 de Março de 2006.

40. O A. EE enviou, a 24 de Fevereiro de 2006, ao Dr. NN, Diretor de Recursos Humanos da R. EPUL, uma carta onde explicava a sua situação, os motivos da sua ausência na empresa e onde incluiu o relatório clínico do Dr. QQ.

41. No dia 3 de Março de 2006, o Prof. Doutor RR considerou que o A. EE padecia de um quadro depressivo clinicamente grave.

42. Por este motivo o A. EE esteve de baixa médica nos períodos referidos no ponto 19.

43. Era prática normal da empresa continuar a pagar aos trabalhadores nos casos em que estes frequentassem mestrados ou formações previamente autorizados pelos superiores hierárquicos.

44. O A. pagou a 1ª prestação das propinas do Mestrado em 28/9/2005, no valor de € 1750.

45. O Autor frequentou o Mestrado durante o período de baixa médica mas fê-lo mediante recomendação expressa do seu médico, o Prof. Doutor RR.

46. O A. tem uma filha de 3 anos de idade.

47. O processo disciplinar desencadeado pela R. EPUL levou a que este se sentisse particularmente angustiado com o seu futuro pessoal e profissional.

47A. A instauração do procedimento disciplinar fez o A. perder a alegria de viver.

48. O A. é arquiteto de reconhecido mérito e foi vencedor do “Prémio DGE 2003 – Eficiência Energética em Edifícios”, na Categoria de Edifício de Serviços.

49. Também era pago ao A. EE, todos os meses e de forma certa, um seguro de saúde da BB.

50. A Administração apenas tomou conhecimento da frequência do Mestrado pelo A. em 30/06/2006, através de comunicação do Diretor de Recursos Humanos.

51. Sempre que havia autorização para a frequência dos cursos de Mestrado era a R. quem custeava os mesmos, para além de manter integralmente a remuneração mensal.

52. ([1]) O processo disciplinar foi instaurado em 28/7/2006.

53. O A. esteve presente às aulas do curso de Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário nos seguintes meses e dias (sendo sextas a negrito e sábados os demais dias):

· Outubro/05: 7, 14, 15, 21, 28;

· Novembro/05: 4, 5, 11, 18, 19, 25;

· Janeiro/06: 13, 20, 21, 27, 28;

· Fevereiro/06: 3, 4, 10, 11, 17, 18, 24;

· Abril/06: 21, 22, 28;

· Maio/06: 6, 19, 26;

· Junho/06: 2, 3, 23.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A – Da nulidade do procedimento disciplinar por violação do princípio do contraditório e da defesa
                 O recorrente, nas alíneas p) a w), das conclusões da alegação de recurso, dedica à questão da invalidade do procedimento disciplinar com fundamento na violação do princípio do contraditório extensa pronúncia, concluindo que o Acórdão recorrido errou ao não considerar justificar-se essa invalidade por apelo à violação desse princípio fundamental.
                Na verdade, o recorrente sustenta, neste âmbito, que o procedimento disciplinar que lhe foi movido pela ré é inválido por violação do princípio do contraditório e do direito de defesa porquanto não foram juntos àquele procedimento documentos requeridos na resposta à nota de culpa, documentos esses que, na perspetiva do recorrente, eram essenciais para «provar não só a autorização dada pela superior hierárquica, como também para provar a justificação da falta em si». Conclui que a circunstância de a instrutora ter declinado que fossem juntos aos autos esses documentos – por os reputar de dilatórios e impertinentes – gerou a omissão de diligência essencial, conducente, pois, à invalidade do procedimento disciplinar, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 414.º e 430.º, n.º 2, al. b), do Código do Trabalho de 2003.
                Ora, compulsado o Acórdão recorrido, nele não se constata a existência de uma expressa pronúncia quanto à questão antes enunciada, sendo certo que, conferidas, igualmente, as conclusões da alegação do recurso de apelação interposto pelo A. para o Tribunal da Relação de Lisboa ([2]), nelas não se vislumbra qualquer menção – ainda que implícita – à invalidade do procedimento disciplinar com fundamento na violação do princípio do contraditório e da defesa. ([3])
                Tal como tem vindo a ser o entendimento, sucessivo e reiterado, deste Supremo Tribunal de Justiça ([4]), os recursos destinam-se a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas. Assim, não pode o Supremo Tribunal de Justiça conhecer da questão relacionada com a invalidade do procedimento disciplinar por violação do princípio do contraditório – consubstanciada na não junção, ao procedimento disciplinar, de documentos que o autor reputava relevantes para a sua defesa – porquanto a mesma não foi questionada nas conclusões das alegações do recurso de apelação interposto da sentença proferida na 1.ª instância, nem o acórdão recorrido sobre ela se pronunciou.
                 Não se conhece, pois, da questão colocada pelo recorrente nas conclusões p) a w), da alegação da revista.

B - Da nulidade do procedimento disciplinar por inclusão, na decisão final de despedimento, de factos que não constavam da nota de culpa

                Sustenta o recorrente – na linha do entendimento que vem exprimindo ao longo de todo o processo – que o procedimento disciplinar é inválido porquanto na decisão final deste procedimento foram relevados factos que não constavam da nota de culpa o que, necessariamente, conduziu a que sobre eles não tivesse tido oportunidade de se pronunciar e/ou defender, assim se evidenciando violado o princípio do contraditório. Invoca, em abono desta sua asserção, o disposto nos artigos 414.º, 415.º e 430.º, n.º 2, alínea c), do Código de 2003.
                Dispõe o n.º 1 do artigo 411.º do Código do Trabalho de 2003 que «[n]os casos em que se verifique algum comportamento susceptível de integrar o conceito de justa causa enunciado no n.º 1 do artigo 396.º, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que tenha incorrido nas respetivas infracções a sua intenção de proceder ao despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados».
                O artigo 415.º, que versa sobre a decisão final a proferir no processo disciplinar, consigna que a decisão «deve ser fundamentada e constar de documento escrito» (n.º 2) e nela «são ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador [...], não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a responsabilidade» (n.º 3).
                Por seu turno, a ilicitude do despedimento apresenta-se regulada nos artigos 429.º e seguintes, sendo que, de acordo com o princípio geral previsto neste artigo, qualquer despedimento é ilícito: «a) [s]e não tiver sido precedido do respetivo procedimento; b) [s]e se fundar em motivos políticos ou ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso; c) [s]e forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento». A par destes fundamentos – aplicáveis a todos os tipos de despedimento – outros prevê a lei e que, uma vez verificados, conduzem ao mesmo resultado.
                Sobre o despedimento por facto imputável ao trabalhador rege o artigo 430.º, do Código do Trabalho, aí se estatuindo que: «[o] despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos de prescrição estabelecidos no artigo 372.º ou se o respetivo procedimento for inválido» (n.º 1); «[o] procedimento só pode ser declarado inválido se: a) faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa ou não tiver esta sido elaborada nos termos previstos no artigo 411.º; b) [n]ão tiver sido respeitado o contraditório, nos termos enunciados nos artigos 413.º, 414.º e n.º 2 do artigo 418.º; c) [a] decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos do artigo 415.º ou do n.º 3 do artigo 418.º» (n.º 2).
                A desconformidade factual da nota de culpa com a da decisão final que conclui pelo despedimento não conduz, ao contrário do defendido pelo autor, necessária e inelutavelmente, à declaração de invalidade de todo o procedimento disciplinar, antes cumprindo averiguar, na economia de ambas as peças processuais, em que factos – se todos, se alguns ou se, porventura, até nenhuns – assenta essa desconformidade e em que medida eles se refletem, efetivamente, no direito de defesa do trabalhador, pois, como vimos, podem ser atendidos factos novos que, justamente, tenham a virtualidade de atenuar ou diminuir a sua responsabilidade.
                 Detetada, porventura, a desconformidade factual entre a nota de culpa, por um lado, e a decisão de despedimento, por outro, tendo por base factos novos insuscetíveis de integrar o catálogo dos factos atenuantes da responsabilidade do trabalhador, a consequência a daí retirar é a da impossibilidade de considerar esses factos na formulação do juízo da justa causa de despedimento, mormente na fase da apreciação do mérito da ação em que esse despedimento venha a ser impugnado. Assim se afasta a possibilidade – tal-qual pretendia o recorrente – de o juízo de invalidade se estender a todo o procedimento, ([5]) a menos, claro, na remota hipótese de a decisão de despedimento conter factos totalmente distintos, todos eles, dos invocados na nota de culpa.
                
                O Tribunal da Relação, perante a alegação do autor suscitando a desconformidade entre os factos constantes da nota de culpa e os invocados na decisão de despedimento e depois de confrontar os factos constantes da nota de culpa com os constantes da decisão de despedimento considerou que:
«Não se [veem] aqui quaisquer factos novos: é exatamente a mesma coisa.
Argumenta o A. que se trata de transcrição de depoimentos de testemunhas. E até sublinha: “se os trechos concretos dos depoimentos não fundamentam a decisão de despedimento dever-se-ia apenas ter procedido à sua indicação, sem a reprodução do seu teor concreto”.
Mas sublinha mal, porque nada impede que se transcreva o que se quiser: uma coisa é fundamentar a decisão de facto, outra são os factos apurados. O que releva são estes factos provados.
     Alega ainda que no capítulo VIII (posterior àquele supra transcrito) são tidos em conta factos não constantes da nota.
Trata-se todavia, da interpretação que, bem ou mal, a Srª instrutora faz da prova produzida no inquérito.
Sobre isto não tem de ser ouvido o arguido, não havendo qualquer violação do contraditório.
Acresce que quando são tidos em conta na decisão mais factos que suportam a acusação (porque a decisão final nem tem de conter tão-‑somente os factos contidos na nota de culpa, como resulta do n.º 3 do art.º 415, in fine) do que aqueles que constavam da nota de culpa, a consequência não é a nulidade do procedimento disciplinar, como pretende o A., mas sim, simplesmente, não serem atendíveis tais factos quando se houver de sindicar a lisura da decisão do empregador.
O contraditório traduz-se para o trabalhador no direito de responder à nota de culpa, de apresentar os seus meios de prova e de ver realizadas as diligencias que requereu (art.º 414). Note-se que ao trabalhador cabe contraditar imputações, i é, os factos de que é acusado e não provas. Por isso “em parte alguma se exige que a formulação da nota de culpa seja antecedida da realização de diligências probatórias ou instrutórias. E mesmo que estas tenham tido lugar, a lei não impõe que constem dos autos do processo de despedimentos provas ou os elementos recolhidos antes da notificação da nota de culpa” (cfr. Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed., 216), não sendo obrigatório “que o trabalhador seja ouvido sobre os elementos de prova carreados para os autos” (idem, 225).
Assim é: a lei não impõe a notificação ao trabalhador de cada prova produzida no PD; contenta-se que veja aquilo que nele consta aquando da consulta.
Não se verifica, pois, a arguida nulidade».

                Subscrevem-se, na íntegra, as considerações tecidas no Acórdão recorrido. Na verdade, tal como ali sublinhado, não se constata a existência de qualquer desconformidade entre os factos constantes da nota de culpa e os constantes da decisão de despedimento, não sendo despiciendo notar que nem o próprio recorrente cura pelo seu elenco. Ao invés, o que o recorrente pretende elevar à noção de facto desconforme são considerações da instrutora do procedimento disciplinar, aquando da fundamentação de facto por recurso à prova produzida na fase de instrução do procedimento e a sua relevância para a decisão a proferir, o que, objetivamente, não integra o enquadramento jurídico pretendido. Por outro lado, apenas os factos, enquanto tais, são objeto de apreciação jurisdicional, sendo que as considerações tecidas na decisão final quanto à fase de instrução do procedimento disciplinar, mormente com o fito de fundamentar os factos ali dados como provados ou de fundamentar a decisão de despedimento, não vinculam o tribunal, esgotando-se, pois, o seu efeito prático e útil naquela fase, atento o ónus da prova que impende sobre o empregador quanto aos factos integradores do ilícito disciplinar e à impossibilidade prática de subsistência do vínculo.
                 Improcedem, por isso, as conclusões x) a ee). 

C – Da ilicitude na obtenção de dados privados referentes ao Autor

              Defende o autor que o despedimento levado a cabo pela ré deve ser julgado ilícito porquanto nele foram dados como provados factos fundamentados em prova obtida através de intromissão na sua vida privada. Conclui, desta feita, que «o Tribunal de primeira instância lev[ou] em consideração, para sustentar a sua decisão, meios de prova nulos por violarem direitos do ora recorrente no âmbito da proteção de dados pessoais, visto a recorrida EPUL [ter acedido] a dados pessoais, sem o consentimento do Recorrente, dados esses cuja comunicação só é permitida por lei ou autorizada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados».
                O ora recorrente refere-se, concretamente, à circunstância de, previamente à instauração do procedimento disciplinar, ter a ré, em maio de 2006, por intermédio do seu Diretor de Recursos Humanos, o Dr. NN, requerido à Faculdade de Arquitetura, através de carta, que esta lhe facultasse uma relação de presenças do autor às aulas do Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário, assim como os horários do referido Mestrado. Refere-se, ainda, ao facto de a Faculdade de Arquitetura, depois de uma primeira resposta relativa apenas ao horário do Mestrado e às faltas dadas pelo A. EE, ter completado esta informação, a pedido da ré, com a indicação das datas em que o mesmo esteve presente no Mestrado (factos provados ns. 8 e 9).
                Em abono da sua tese, socorre-se o autor do facto de ter apresentado, a 4 de agosto de 2006, uma queixa na Comissão Nacional de Proteção de Dados contra a R. EPUL e a Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa, queixa essa que motivou a que aquela entidade tivesse considerado o seguinte: «A R. EPUL acedeu, por sua solicitação, a dados pessoais do A. EE, sem o consentimento deste; não existe nenhuma regra jurídica que permita este acesso, designadamente no âmbito de um processo disciplinar organizado nos termos da lei laboral. Por outro lado, a Faculdade de Arquitetura utilizou dados pessoais do A. EE consubstanciados em informações respeitantes às presenças nas aulas do Mestrado, para um fim diverso do que justificou a sua recolha. A comunicação destes dados a uma terceira entidade, neste caso a R. EPUL, só seria legítima se permitida por lei ou autorizada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados». Concluiu, neste âmbito, a Comissão Nacional de Proteção de Dados que existiam indícios suficientes da prática de duas infrações criminais em sede de protecção de dados pessoais: por parte da R. EPUL, acesso não autorizado a dados pessoais de terceiros – artigo 44º da Lei 67/98 de 26 de Outubro, por parte da Faculdade de Arquitetura, utilização de dados pessoais de forma incompatível com a finalidade determinante da recolha dos mesmos – artigo 43º, nº1, c) da Lei 67/98 de 26 de outubro, concluindo, pelos fundamentos expostos e ao abrigo do artigo 22º, nº5 da Lei 67/98 de 26 de outubro, transmitir ao Ministério Público os indícios apurados quanto à prática dos crimes supra mencionados (cfr., os factos provados sob o ns. 10 a 15).
                
                 O Acórdão recorrido, chamado a pronunciar-se acerca desta concreta questão, embora na vertente da impugnação da matéria de facto, considerou que:
«Cumpre trazer à colação, nesta parte, os art.º 16 e 17 do CT2003, diploma aplicável atenta a data dos factos, que dispõem:
Artigo 16º
Reserva da intimidade da vida privada
1 — O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada.
2 — O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas.

Artigo 17º
Proteção de dados pessoais
1 — O empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador que preste informações relativas à sua vida privada, salvo quando estas sejam estritamente necessárias e relevantes para avaliar da respetiva aptidão no que respeita à execução do contrato de trabalho e seja fornecida por escrito a respetiva fundamentação.
2 — O empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador que preste informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respetiva fundamentação.
3 — As informações previstas no número anterior são prestadas a médico, que só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto a desempenhar a atividade, salvo autorização escrita deste.
4 — O candidato a emprego ou o trabalhador que haja fornecido informações de índole pessoal goza do direito ao controlo dos respetivos dados pessoais, podendo tomar conhecimento do seu teor e dos fins a que se destinam, bem como exigir a sua retificação e atualização.
5 — Os ficheiros e acessos informáticos utilizados pelo empregador para tratamento de dados pessoais do candidato a emprego ou trabalhador ficam sujeitos à legislação em vigor relativa à protecção de dados pessoais.

Não é alheia a estas normas a teoria das 3 esferas, que distingue, na esfera de cada indivíduo um âmbito público, um privado e um íntimo.
Se o acesso a informações da primeira não tem restrições (p. exemplo, o que o trabalhador faz quando convive na empresa com os colegas), os da segunda e terceira são, compreensivelmente, mais limitados, em face dos bens que se pretende proteger. Assim, o art.º 17/1 exige, para que o empregador possa requerer informações sobre a vida privada do trabalhador, que elas sejam relevantes e que o faça por escrito; já quanto às da vida íntima (17/2 e 3) é mister que particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respetiva fundamentação, e ainda a intermediação de um médico do trabalho, que apenas informará se o trabalhador está ou não apto a desempenhar a atividade, salvo autorização escrita deste (sendo que o consentimento deste não deverá violar os bons costumes).
No caso, as informações em questão não fazem parte da esfera pública e nem da íntima do A., sendo claramente do âmbito privado.
Na esfera privada há informações protegidas pelo direito à reserva e outras que não.
Guilherme Dray, referindo-se à esfera privada mas também à íntima, escreve que estão protegidas áreas como “as convicções políticas, partidárias, sindicais e religiosas do trabalhador, com as suas ideias e opiniões, com os seus gostos pessoais, forma de vestir e hábitos de vida, bem como à sua vida familiar e sexual (…). A regra, a este propósito, deve ser a da total irrelevância de aspetos da vida privada do trabalhador. O mesmo sucederá, em princípio, com a aparência física do trabalhador e a sua forma de vestir. Impõe-se, todavia, atender às especificidades do caso concreto e obter um justo equilíbrio entre as exigências do tipo de atividade a exercer e a esfera privada do trabalhador”. Cita, em nota de rodapé (n.º 31) Ulrich Zachert, que distinguindo com mais precisão a esfera íntima da pessoa diz que “há questões absolutamente interditas, designadamente relativas às convicções religiosas, politicas ou sindicais” – cfr. Justa Causa e Esfera Privada, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, II vol., Justa Causa de Despedimento, Almedina, 2001, pag. 59 e 60 (note-se que mesmo aqui há limites, como no caso das organizações de tendência, não sendo razoável, vg, impor a um partido político a contratação de funcionários membros de partidos adversários, ou a entidade religiosa a contratação de ateus).
Sopesando os interesses envolvidos entendemos que a R. podia colher informações desde que relevantes e dando conta disso por escrito, o que, no essencial, fez.
Mais ainda, importa nesta sede sopesar os bens em confronto, a saber, a reserva da vida privada e a realização da justiça (que é o que está em causa a propósito do esclarecimento de factos pertinentes em sede disciplinar).
No caso paralelo das informações colhidas sobre o trabalhador bancário pelo banco empregador (em que acresce ainda, a proteger o segredo, o sigilo bancário), tem entendido esta Relação (cfr. processo. 30.127/12.0T2SNT.L1) que tal não obsta a que o empregador colha informações. Num caso similar decidiu a Relação do Porto, no acórdão de 13-06-2011, que “não existe violação do segredo bancário previsto no artigo 78º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31-12, quando num processo disciplinar instaurado por uma instituição bancária a um seu trabalhador, a entidade empregadora utiliza como meios de prova informações sobre factos ou elementos respeitantes à instituição e às relações desta com os clientes, uma vez que tudo se passa no âmbito interno da própria instituição” (e citando o prof. Menezes Cordeiro: "o sigilo não vigora nas relações internas entre o banco e o seu trabalhador, mesmo quando, como sucede no caso, essas relações internas derivem dos conflitos entre a instituição de crédito e um seu trabalhador que sejam trazidas a tribunal.").
De resto, como nota a sentença, o próprio A. afirma ter comunicado na empresa que frequentava o curso, o que mostra que não pretendia preservar o seu sigilo.
Entende-se, pois, que a prova é lícita».

     Vejamos.
                 O artigo 16.º do Código do Trabalho de 2003 – a par, aliás, com o artigo 80.º do Código Civil – prevê o dever de o empregador respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhe, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada.
                A especial tutela conferida ao trabalhador no âmbito das relações laborais justifica-se pela sua sujeição à posição de poder do empregador, posto que, como é sabido, é este o detentor dos direitos de fiscalização, direção e orientação da prestação laboral, bem como o titular do poder disciplinar, poderes esses que tornam evidente a assimetria da posição jurídica de uma e outra parte no âmbito do vínculo laboral. É, pois, a especial vulnerabilidade do trabalhador no âmbito da relação laboral que justifica a intensidade conferida aos seus direitos de personalidade.
                 Reconhecendo, embora, que a intromissão do empregador na esfera da vida privada do trabalhador está-lhe, por regra, vedada, situações existem que podem justificar essa intromissão – conquanto respeitado o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, da Constituição da República Portuguesa – mormente as situações em que a conduta do trabalhador, embora respeitando à sua esfera pessoal ou privada – como sucede, in casu, com a mais-‑valia profissional e académica que o autor pretendeu obter através da frequência do mestrado – têm repercussão na boa execução do vínculo laboral e podem, ou não, vir a justificar a reação disciplinar do empregador.
                Tal como referido pela Prof. Maria do Rosário Palma Ramalho ([6]) «para efeitos da cessação do contrato de trabalho, a principal projeção do direito à reserva da vida privada do trabalhador reside no facto de tornar, em princípio, irrelevantes para efeitos de configuração de uma situação de justa causa para despedimento, as condutas que tenham a ver com a sua vida pessoal e, em geral, as suas condutas extra-laborais. Contudo, as características específicas de alguns vínculos laborais ou da atividade laboral em causa, e, bem assim, o reconhecimento de interesses legítimos do empregador nesta matéria exigem alguma elasticidade na aplicação deste princípio geral, que, aliás, a jurisprudência tem reconhecido. Assim, já foram admitidas como justa causa para despedimento condutas do trabalhador que, apesar de serem do seu foro privado, se podem repercutir gravemente no cumprimento dos seus deveres laborais ou serem de molde a minar a confiança do empregador na possibilidade na continuação do vínculo laboral».
                No presente caso, e sem prejuízo de se entender que a circunstância de o recorrente pretender obter a já citada mais-valia profissional e académica apenas a si dizer respeito, certo é que, a partir do momento em que a frequência do mestrado pressupunha a ausência, ao trabalho, durante um dia por semana – a sexta-feira – tinha a ré, constatadas essas ausências e visando o exercício da ação disciplinar, justificação para, junto da Faculdade de Arquitetura solicitar, como solicitou, as informações relevantes, informações essas que, como se entende, não vão para além do que era proporcional e adequado ao fim pretendido – verificar se as ausências do trabalho coincidiam, porventura, com os dias de frequência do mestrado – donde não se verifica qualquer ilicitude nessa sua conduta, a demandar que se conclua, também, pela licitude da prova obtida por essa via. Aliás, temerário seria encetar um procedimento disciplinar, mormente imputando ao recorrente as ausências ao serviço por um determinado motivo, sem se assegurar da veracidade da imputação factual.
                 Ademais, e tal como notado pelas instâncias, a frequência do mestrado não era assumida pelo autor como um segredo ou subtraída ao conhecimento daqueles com que, no local de trabalho, se relacionava, tal como dá nota o facto provado n.º 31, donde não é sem perplexidade que se constata, agora, pretender o recorrente o respeito por um facto privado quando é o mesmo que o propala.
                Em síntese, pois, entende-se que, visando a R., por via das informações solicitadas à Faculdade de Arquitetura, aquilatar da pertinência da instauração de procedimento disciplinar, mostra-se justificado, face à gravidade e consequências a ele associadas, o comportamento que assumiu, não se afigurando que o mesmo, embora respeitante a um dado referente à vida privada do recorrente, face ao objectivo a prosseguir e à sua relevância no âmbito da execução do vínculo laboral, possa ser visto como uma intromissão excessiva na vida privada do recorrente.
                A prova, por essa via obtida, é, como dito, lícita, improcedendo, por isso, as conclusões oo) a qq), da alegação da revista.

D - Da (in)existência de justa causa para o despedimento.
                
                Finalmente, insurge-se o recorrente contra o despedimento promovido pela recorrida, sustentando a ausência de justa causa para o efeito.

                 Vejamos.
                 Seguindo de muito perto o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido na Revista n.º 447/10.TTVNF.P1.S1, de 8 de janeiro de 2013 (acessível em www.dgsi.pt), dispõe-se no n.º 1 do art. 396.º do Código do Trabalho, que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
                 Diz-se, no citado aresto, que a «relação juslaboral é, como se sabe, tendencialmente duradoura ou de execução duradoura.
                A posição jurídica do empregador confere-lhe, enquanto titular da empresa (havida como uma organização de meios materiais e humanos), um conjunto de poderes, incluído o disciplinar, que se manifesta na possibilidade de aplicação de sanções internas aos trabalhadores, seus subordinados, cuja conduta se revele desconforme com as ordens, instruções e regras de funcionamento da estrutura produtiva».
                Do elenco gradativo das previstas sanções disciplinares [artigo 365.º, do Código do Trabalho], o despedimento sem indemnização ou compensação surge como a ‘ultima ratio’, reservada às situações de crise irreparável da relação jurídica de trabalho.
                Estes são os casos de justa causa de despedimento, com os contornos delimitados pela referida noção/cláusula geral, preenchida por um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo juslaboral, impossibilidade perspetivada enquanto inexigibilidade da sua manutenção, como é entendimento doutrinal e jurisprudencial unânime, pacífico e reiterado.     
                 Na respetiva apreciação, para além das circunstâncias que se mostrem particularmente relevantes no caso concreto, ponderam-se, com objetividade e razoabilidade, os fatores a que alude o [n.º 2 do art. 396.º do Código do Trabalho], aferindo-se a final a gravidade do comportamento em função do grau de culpa e da ilicitude, como é regra do direito sancionatório, nela incluído necessariamente o princípio da proporcionalidade, convocado aquando da seleção da sanção disciplinar tida por adequada – art. [367.º do Código do Trabalho].
                 Este princípio geral orienta e informa o empregador, enquanto decisor, da necessidade de observar, no momento próprio, a regra segundo a qual a sanção por que se opte deve corresponder, em termos de proporcional severidade, à gravidade da conduta infracional, avaliada em si e nas suas consequências, e ao grau de culpa do infrator, ambas aferíveis pelo padrão convencional do homem médio/’bonus paterfamilias’ e reportadas ao quadro atendível na apreciação da justa causa (…).
(…)
                Neste plano de valoração (…) – não pode descurar-se o setor de atividade em que se desenvolve a atividade contratada e a particular exigência da componente fiduciária, tantas vezes enfatizada na Jurisprudência».
                E conclui o citado aresto, na abordagem dogmática do conceito de justa causa de despedimento, dizendo que o «despedimento-sanção é, em suma, a solução postulada sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença, se conclua – num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interação relacional pressupõe – que a permanência do contrato constitui objetivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador».

                É, pois, com base nas considerações antes tecidas que se procederá ao enquadramento jurídico dos factos, mas não sem antes relembrar o que, nesse âmbito, foi considerado no Acórdão recorrido, e relembrar que, na ponderação da conduta do autor foram relevadas não apenas as faltas dadas ao trabalho, mas também todo o circunstancialismo que as envolveu.
                 Dele se retira a seguinte transcrição:

                 «Vejamos se há, em concreto, justa causa.
Previstas no art.º 224 do CT, as faltas consubstanciam a ausência da presença física do trabalhador, por motivos determinantes ligados à sua pessoa, ao local do trabalho, no período em que devia desempenhar a atividade a que está adstrito. Traduzem, pois, violação do dever de assiduidade que lhe é imputável.
O art.º 396º, sob a epígrafe, “Justa causa de despedimento”, dispõe que “1 — O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento. 2 — Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. 3 — Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador: (...) g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas”.
                 Nem toda a ausência constitui falta. (…)
Por outro lado, as faltas podem ser justificadas ou injustificadas, consoante previstas no n.º 2 ou 3 do art.º 249, cabendo notar que as al. i) e j) contêm cláusulas extremamente abertas, capazes de abranger uma enorme multiplicidade de situações.
                 Só relevam disciplinarmente as injustificadas.
Mas mais, a mera verificação objetiva do número de faltas injustificadas não é suficiente para justificar o despedimento, exigindo-se que o mesmo seja culposo e, pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho (…).
                 No caso releva especialmente:
28. O A. solicitou verbalmente ao Administrador JJ autorização para frequentar o Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário durante o período laboral.
29. Nesse sentido, JJ foi contactado pela Arqt. CC, Diretora da Direção Técnica de Engenharia e Arquitetura, que se encontrava de baixa médica, e decidiram não autorizar o A. EE a frequentar o Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário.
50. A Administração apenas tomou conhecimento da frequência do Mestrado pelo A. em 30/06/2006, através de comunicação do Diretor de Recursos Humanos.
53. O A. esteve presente às aulas do curso de Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário nos seguintes meses e dias (sendo sextas a negrito e sábados os demais dias):
· Outubro/05: 7, 14, 15, 21, 28;
· Novembro/05: 4, 5, 11, 18, 19, 25;
· Janeiro/06: 13, 20, 21, 27, 28;
· Fevereiro/06: 3, 4, 10, 11, 17, 18, 24;
· Abril/06: 21, 22, 28;
· Maio/06: 6, 19, 26;
· Junho/06: 2, 3, 23.
Daqui resulta que o A. frequentou o Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário, faltando às sextas-feiras, bem sabendo que não tinha autorização do empregador para o efeito.
Também resulta que, negada a autorização, o A. não lhe comunicou essa frequência (o que acarretou, designadamente, que até a situação ser detetada, o A. percebeu o vencimento como se laborasse nos dias em que não compareceu).
           E que com isso faltou 21 dias:
· Outubro/05: 7, 14, 21, 28;
· Novembro/05: 4, 11, 18, 25;
· Janeiro/06: 13, 20, 27,
· Fevereiro/06: 3, 10, 17, 24;
· Abril/06: 21, 28;
· Maio/06: 19, 26;
· Junho/06: 2, 23.
Há que salientar que empregador e trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos respetivos direitos e no cumprimento dos seus deveres (art.º 126/1).
Como nota o Prof. Bernardo Xavier (cf. Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pag. 442) “no plano do relacionamento contratual trabalhadores / empregadores e dos direitos e deveres respetivos, sobressai a existência de um vínculo de colaboração na execução do contrato, na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção profissional e humana do trabalhador”.
E é todo esse vínculo de colaboração que é posto em causa quando o trabalhador falta reiteradamente ignorando a oposição do empregador.
Nem se argumente que as faltas não respeitam todas ao mesmo ano civil, porque não é isso que a lei exige: limita-se a permitir a resolução com justa causa independentemente de qualquer prejuízo ou risco para o empregador logo que verificadas, no mesmo ano civil, 5 faltas seguidas ou 10 interpoladas (que até se verificaram em 2006). Mas, obviamente, a manutenção da relação laboral poderá tornar-se inexigível antes de atingido tal quantitativo no mesmo ano, e no caso, vê-se que o A. até já dera 8 faltas em 2005 (art.º 396/1 e 3/g).
O facto de não ter antecedentes, trabalhar há largos anos para a R., ser um profissional premiado e ter problemas de saúde não afasta a gravidade do ilícito nem para, nas aludidas circunstâncias, impor a manutenção do vínculo laboral. O trabalhador não pode dar um número de faltas como o A. deu e pretender que o empregador suporte a continuação dessa situação, que obviamente afeta os interesses deste, por não contar com o trabalho do A., continuando, aliás, a pagar-lhe.
A falta de comunicação das faltas reiteradas (e desde logo injustificadas) viola a boa fé.
Há, assim, grave violação dos deveres de lealdade e de assiduidade, que preenche, a previsão do art.º 396/1 e 3/a. e g. do Código do Trabalho.
Não pode haver inconstitucionalidade na decisão disciplinar, visto a resolução unilateral do contrato fundar-se em justa causa, como impõe o art.º 53 da Constituição».

               A decisão alcançada pelo Tribunal da Relação de Lisboa merece o nosso acolhimento, cumprindo, no entanto, salientar que o número de faltas relevado por aquela instância não coincide, com exatidão, com o que resulta da matéria de facto provada, uma vez que, no cômputo das faltas ali tidas por injustificadas muitas delas não podem receber uma tal qualificação porquanto dadas em períodos em que o autor/recorrente se encontrava de baixa médica, sendo certo que resultou indemonstrada a existência dos denominados «atestados médicos de complacência». Desta feita, relevam 5 faltas dadas no ano de 2005 e 6 faltas dadas no ano de 2006. É o que resulta da conjugação dos factos provados nos ns. 19, 36, 37, 39 e 53.   
                Todavia, e sem prejuízo da valoração que decorre das faltas dadas pelo autor – cuja justificação, ao contrário do que alega, não logrou provar ([7]) por não ter resultado demonstrada a existência de autorização, por banda da ré, para que faltasse em ordem a assegurar a presença no mestrado que decidiu frequentar – é todo o circunstancialismo que as motiva que nos leva a enveredar pela solução alcançada no Acórdão recorrido.

                As faltas injustificadas assumem, in casu, uma vertente objetiva, violadora do dever de assiduidade e reveladora de desinteresse no cumprimento, rigoroso e diligente, do vínculo laboral, sendo, nesse âmbito, de pouco significado a circunstância de, sendo interpoladas, não terem sido, todas elas, dadas no mesmo ano civil. A sua proximidade temporal relativiza, aliás, o relevo deste circunstancialismo.
                Todavia, o que ressalta é, como dito, a envolvência subjacente a essas ausências injustificadas, donde decorre o grave incumprimento, pelo recorrente, de um dos deveres contratuais de maior relevo no âmbito laboral: o da lealdade, aqui corporizado na assumida vontade do autor em, por diversas vezes e sem autorização do empregador, estar ausente ao serviço, auferindo, não obstante, a retribuição como se, nesses dias, tivesse trabalhado. A gravidade da conduta do autor surge, ainda, mais acentuada por virtude das ausências prolongadas ao serviço motivadas por baixas médicas as quais demandariam, uma vez cessadas, uma especial dedicação às funções, materializada, pelo menos, no cumprimento do dever de assiduidade.
                 Também o setor em que se desenvolve a atividade contratada e a particular exigência da componente fiduciária, aqui evidenciada não só pela antiguidade do autor ([8]), como, também pelas funções de Arquiteto Especialista, no Departamento de Arquitetura, que exercia, demandava maior respeito pelas regras instituídas. As funções de responsabilidade em que se encontrava investido exigiam ao recorrido a observância de conduta distinta da que assumiu, sendo que, assim não procedendo, colocou definitiva e irremediavelmente em causa a confiança imprescindível à manutenção do vínculo laboral, mostrando-se, pois, justificada a aplicação da sanção de despedimento com justa causa.
                 Improcedem, por isso, as conclusões ff) a a nn), da alegação da Revista.




*******


                
                 IV - Decisão
                 Face a todo o exposto, acorda-se em negar a Revista, mantendo-se, na íntegra, o Acórdão recorrido.

           Custas a cargo do Autor.

                 Lisboa, 17 de dezembro de 2014
 
          
     Melo Lima (Relator)
          
     Mário Morgado

     Pinto Hespanhol                

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[1] Conforme nota exarada na sentença os factos n.º 52 e 53 foram considerados provados pelo Tribunal a quo face aos “documentos de fls. 261, 411, 370 e ss e 374 e ss e 277”.
[2] Em ordem a aquilatar da possível omissão de pronúncia, quanto a essa questão, por banda do Tribunal da Relação. Sendo certo que, ainda que confirmada, ficaria vedado a este Supremo Tribunal conhecer da nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia, por carência da respetiva arguição no requerimento de interposição do recurso de revista.
[3] Apenas na conclusão PP. da alegação do recurso de apelação sustenta o recorrente que «requereu a junção aos autos, pela APELADA EPUL, do seu registo de assiduidade, o que nunca aconteceu, pelo que a falta de entrega injustificada destes documentos deverá implicar, sobre estas matérias, uma inversão do ónus da prova, relativamente a toda a matéria das alegadas faltas, bem como à autorização e conhecimento prévio dos superiores hierárquicos para frequentar as aulas de mestrado em Desenvolvimento Imobiliário por parte do APELANTE EE, nos termos do constante do artigo 529.º do CPC, conjugado com o 519.º n.º 2 do CPC, e com o 344.º do CC, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a), do CPT», o que configura questão/argumento completamente distinto daquele que agora alega no recurso de revista interposto e cujo enquadramento jurídico nada tem em comum com o que agora é defendido.
[4] A título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos nas Revistas ns. 2127/07.9TTLSB.L1.S1, 381/12.3TTLSB.L1.S1 e 543/06.2TTGRD.L1.S1, de, respectivamente, 9 de julho de 2014, 12 de setembro de 2013 e 18 de janeiro de 2012, todos com sumário acessível em www.stj.pt. 
[5] Cfr., neste sentido, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 2009, documento n.º SJ200903190016864, em www.dgsi.pt.
[6] Cfr., a intervenção da Sra. Professora Maria do Rosário Palma Ramalho no VI Colóquio do Supremo Tribunal de Justiça sobre Direito do Trabalho, subordinada à temática da «Tutela da Personalidade, Princípio da Proporcionalidade e Equilíbrio entre Interesses dos Trabalhadores e dos Empregadores», cujo texto está acessível em www.stj.pt.
[7] O regime de prova, seguinte de perto António Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, pág. 835, é o seguinte: ao empregador incumbe a prova da falta (art. 342.º, do Código Civil), sendo que é ao trabalhador que incumbe provar a sua justificação (art. 229.º, do Código do Trabalho).
[8] E pela confiança nele certamente depositada pela recorrida ao aceder ao seu pedido de transferência para a carreira de arquitetura aquando da conclusão da sua licenciatura nesta área.