Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11/13.6TCFUN.L2.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: FIANÇA
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
ABUSO DO DIREITO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
CONTRATO FIDUCIÁRIO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROVA VINCULADA
DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA PROBATÓRIA
ASSINATURA
ADMISSIBILIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL
FACTOS NOTÓRIOS
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. No caso dos autos, os vícios que os recorrentes imputam ao acórdão recorrido prendem-se com a impugnação da matéria de facto e com a forma como a Relação reapreciou a prova produzida e não com verdadeiras questões cuja apreciação o tribunal tenha omitido ou das quais se tenha ocupado sem que tal lhe tenha sido pedido, não se verificando, pois, as arguidas nulidades.

II. Face ao disposto no art. 674.º, n.º 3, do CPC, a intervenção do STJ, no que concerne ao controlo da decisão da matéria de facto, circunscreve-se a aspectos em que se tenha verificado a violação de normas de direito probatório material (por, nessa hipótese, estarem em causa verdadeiros erros de direito), já não abrangendo, porém, questões inerentes à decisão da matéria de facto quando esta foi precedida da formulação de um juízo assente na livre apreciação da prova formulado pelas instâncias.

III. Havendo impugnação da assinatura será ao apresentante do documento que incumbe provar a autoria contestada; para esse efeito, e na falta de disposição legal que o proíba, não está o apresentante do documento impedido de lançar mão de qualquer meio de prova, da mesma forma que, para formar a sua convicção acerca da dita autoria, não está o tribunal impedido de se socorrer de qualquer meio de prova, designadamente da prova testemunhal.

IV. Não se afigura que o não preenchimento do requisito previsto no art. 373.º, n.º 3, do CC tenha ou possa ter reflexo na convicção formada pelo tribunal, em face da prova produzida, no sentido de determinada assinatura ter sido feita, pelo próprio punho, pela pessoa a quem a autoria do documento é imputada, podendo, quando muito, a dita inobservância reflectir-se, num momento posterior, na questão de saber se essa assinatura, ainda que atribuída a essa pessoa, a vincula ao conteúdo do documento.

V. Encontrando-nos no domínio da prova testemunhal, sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (arts. 396.º do CC e 607.º, n.º 5, do CPC), assim como da convicção que, com base em tal prova, o tribunal formou, e não vigorando, quanto à questão da proveniência da assinatura, qualquer prova vinculada, forçoso é concluir que a discordância dos recorrentes acerca da referida apreciação crítica para dar como provada a dita matéria não se enquadra em nenhuma das excepções previstas na parte final do art. 674.º, n.º 3, do CPC, estando, como tal, o STJ impedido de sindicar a decisão da matéria de facto que resultou da apreciação desse meio probatório.

VI. Mesmo que se admita que o STJ pode, no plano dos factos, sindicar a decisão das instâncias quanto à desconsideração de factos notórios – o que não é pacífico na doutrina e na jurisprudência do STJ – certo é que, in casu, se afigura ser evidente que os factos em causa não são subsumíveis à noção de factos notórios.

VII. Considerando que a pretensão dos recorrentes a respeito do erro na aplicação do direito assenta, por inteiro, na pretendida alteração da matéria de facto (designadamente quanto à aposição da assinatura do falecido autor nos documentos juntos aos autos e quanto ao facto de o tribunal se ter convencido de que o mesmo concordou e pretendeu levar a cabo o procedimento respeitante à transferência do seu património para uma sociedade offshore para, dessa forma, continuar a ter benefícios fiscais e obter o melhor rendimento possível), tendo-se concluído pela improcedência da pretensão de alteração da decisão de facto, forçoso é também concluir-se pela improcedência do invocado erro de julgamento.

VIII. Tendo o autor desistido do pedido de invalidade da maior parte dos contratos, que havia formulado ab initio, apenas subsistiu para apreciação o pedido de declaração de invalidade e ineficácia do contrato de prestação de serviços fiduciários e do termo de fiança: (i) quanto ao contrato de prestação de serviços fiduciários, não estando este sujeito a forma escrita, forçoso é concluir que o facto de não ter sido cumprido, no que toca à assinatura do falecido autor, o requisito previsto no art. 373.º, n.º 3, do CC, não pode afectar a validade daquele; (ii) atendendo a que, no caso sub judice, a fiança se destinou a garantir o cumprimento do contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente caucionada, a resposta à questão de saber se a fiança estava sujeita a forma implica a resposta à questão prévia de saber se o contrato que a mesma se destinou a garantir estava, ou não, sujeito a forma.

IX. Trata-se de questão cuja resolução não tem sido pacífica, tanto na doutrina como na jurisprudência do STJ, não tendo as instâncias tomado posição nesta controvérsia, uma vez que entenderam que a alegação pelo autor da invalidade dos negócios dos autos, por falta de cumprimento de exigências de forma, configura, de forma ostensiva, uma situação de exercício abusivo do direito a invocar um (eventual) vício formal.

X. A inalegabilidade de vícios formais por via do abuso do direito, consagrado no art. 334.º do CC, tem sido afirmada nas seguintes situações: (i) quando seja claramente imputável à parte que quer prevalecer-se da nulidade a culpa pelo desrespeito das regras legais que impunham a celebração do negócio por determinada forma qualificada ou a adopção de determinada formalidade, obstando a que possa vir invocar um vício que ela própria causou com o seu comportamento no momento da celebração do negócio, agindo de modo preterintencional ou, pelo menos, com culpa grave; (ii) quando a conduta das partes, sedimentada ao longo de período temporal alargado, se traduz num escrupuloso cumprimento do contrato, sem quaisquer pontos ou focos de litigiosidade relevante, assumindo as mesmas, por inteiro, os direitos e obrigações dele emergentes, criando, com tal estabilidade e permanência da relação contratual, assumida prolongadamente ao longo do tempo, a fundada e legítima confiança na contraparte em que não se invocaria o vício formal, verificado aquando da celebração do acto.

XI. Os contornos fácticos do caso são enquadráveis, sem margem para dúvidas, nesta segunda hipótese de censurável venire contra factum proprium, posto que apenas quando, na sequência da crise económica e financeira mundial, os títulos se desvalorizaram e o falecido autor deixou de obter o retorno financeiro que até aí alcançara (com a estrutura financeira criada para o efeito) e passou a ter prejuízo, é que veio invocar uma (eventual) invalidade dos negócios celebrados, assumindo, dessa forma, um comportamento manifestamente contraditório com a fundada expectativa de cumprimento desses negócios que a sua conduta anterior gerou na contraparte.

XII. Estando o acórdão impugnando alicerçado na excepcionalidade da situação e na ponderação casuística que o preenchimento da cláusula geral do abuso do direito sempre impõe, não se vê que tenha existido, nessa interpretação e ponderação e nas conclusões a que as mesmas conduziram, qualquer violação das normas constitucionais.

XIII. A conduta processual dos recorrentes insere-se de forma patente na litigância de má-fé processual prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 542.º do CPC pelo que, consequentemente, devem os mesmos ser condenados por litigância de má-fé, no pagamento de multa e de indemnização, a liquidar, a favor dos recorridos.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. CC, entretanto falecido, ocupando a sua posição processual os herdeiros habilitados AA, BB e CC, instaurou contra Millennium – Banco Comercial Português, S.A., BCP Bank & Trust Company Ltd., e Serot Finance Ltd., a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, formulando os seguintes pedidos:

“a) Declaração de invalidade, nulidade ou anulação e ineficácia em relação ao autor dos seguintes contratos:

1. contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente caucionada;

2. termo de Fiança datado de 30 de Setembro de 2008;

3. contrato de penhor de valores mobiliários;

4. contrato de empréstimo de € 5 000 000,00€, contraído no âmbito da conta de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente caucionada;

5. contrato de cessão de posição contratual do réu Banco Millennium para o banco BCP Bank & Trust Company Ltd em relação a todas as contas relativas ao património do autor;

6. abertura de conta no BCP – Bank & Trust Company Ltd”, em nome da sociedade “Serot Finance Ltd”;

7. contrato de compra das acções representativas do capital social da ré Serot Finance Ltd pelo BCP Bank & Trust Company Ltd, em nome do autor, como seu gestor de negócios e com o dinheiro deste;

b) Condenação do réu Millennium BCP, S. A. a restituir ao autor a importância de € 3 428 332,05, que este mantinha depositada a prazo no “Millennium – Banco Comercial Português, S.A.” e que foi transferida em 22 de Julho de 2005 para a conta da Serot Finance Ltd sem autorização e sem o conhecimento do autor;

c) Condenação do réu Millennium BCP a pagar ao autor os juros semestrais do montante de € 53 000,00, que vinha sendo pagos de seis em seis meses, em remuneração do capital depositado a prazo, que deixaram de ser pagos, desde Junho de 2011 (inclusive), no montante já vencido de € 212 000,00 € e nos vincendos até final;

d) Condenação dos réus no pagamento solidário ao autor de uma indemnização por danos morais, em montante nunca inferior a € 250 000,00”.

Subsidiariamente, deduziu ainda os seguintes pedidos:

“e) Declaração de que é proprietário de todos os títulos e obrigações e de todas as acções que os bancos réus possuem em nome da ré Serot Finance Ltd em conta aberta no segundo réu;

f) Condenação dos réus na entrega ao autor dos títulos e obrigações e acções livres de ónus e encargos, no valor actual de € 1 700 000,00 ou de todos os títulos que, entretanto, compraram para substituição dessas acções;

g) Condenação dos réus no pagamento solidário ao autor de uma indemnização global no montante de € 1 978 332,05 correspondente aos restantes danos sofridos, sendo € 1 728 000,05 de danos materiais correspondentes à diferença entre o valor do capital do autor depositado no banco réu (€ 3 428 332,05) e o valor das acções e títulos que sobram em nome da Serot Finance Ltd e comprados com o dinheiro depositado do autor (€ 1 700 000,00) e sendo € 250 000,00 de danos morais, acrescido de juros de mora, a partir da citação, à taxa de 4% sobre o montante total”.

Alegou, para tanto, e em síntese, o seguinte:

- Em Janeiro de 1988 o A. abriu uma conta de depósito a prazo (conta n.º ...08, em nome pessoal, no banco Millennium – Banco Comercial Português, S.A., com o depósito inicial de € 65.841,32;

- Em Outubro de 1989 abriu outra conta de depósito a prazo (conta n.º ...94, cujo número mais tarde rectificou em requerimento de 17-03-2015 – fls. 1555 p.p. e seguintes), em nome pessoal, no mesmo banco para onde transferiu as poupanças que possuía como depositante residente nas ...;

- Em 28 de Junho de 2005 depositou a prazo no mesmo banco € 500.000,00;

- No Millennium BCP, S.A. o A. era atendido pelo funcionário DD, com quem negociava as taxas de juros e de quem recebia os juros remuneratórios do capital;

- Em Janeiro de 2011 o saldo global das suas contas bancárias rondava os 3,5 milhões de euros;

- Desde 28 de Janeiro de 2005 o A. tem vindo a receber do Banco R., de modo regular, o valor de € 50.000,00 a € 58.000,00, de seis em seis meses, correspondente a juros remuneratórios do capital de 3,5 milhões de euros, com o imposto de capitais retido na fonte, à taxa de 21,5%, depositados na conta n.º ...08;

- Para receber tais juros o A. teria de ter na conta a prazo, como acreditava que tinha, 3,5 milhões de euros, incidindo sobre estes a taxa de 4% ou 4,5%, que era a taxa negociada com o funcionário DD;

- O A. procedia a levantamentos de dinheiro depositado sem aviso prévio;

- Em Maio de 2011 o A. foi convocado para o Banco Millennium BCP, S.A. para uma reunião com o Dr. EE e, nessa data, foi informado que o seu dinheiro depositado a prazo tinha sido transferido para um banco estrangeiro das Ilhas Caimão e que este banco o investira na compra e venda de acções;

- A partir dessa data deixou de receber os juros remuneratórios;

- O R. Millennium BCP, S.A., por sua iniciativa, abriu conta em nome da sociedade Serot Finance Ltd., com o n.º ...97 no banco BCP Bank & Trust Company Ltd. para onde transferiu todo o património do A., em 22 de Julho de 2005, sem autorização deste e sem o seu conhecimento, onde passou a existir um saldo em títulos, acções e obrigações no valor de € 3.428.332,00;

- Atenta a confiança que o falecido CC depositava na liderança do Eng.º FF, aquele sempre apôs o seu nome em documentos sem ler e sem que lhe fossem lidos pelos funcionários do banco pelo que nunca tomou conhecimento do seu conteúdo;

- O falecido CC, devido à doença de que padecia (diabetes) estava praticamente cego desde meados do ano de 2006, o que era do conhecimento dos funcionários do banco e os documentos que assinou, sem poder ler, nunca foram confirmados por notário;

- O dinheiro do A., transferido para a conta da Serot Finance Ltd. no BCP Bank & Trust Ltd., foi aplicado em acções e títulos com o actual valor de mercado de € 1.700.000,00;

- Na conta da Serot Finance Ltd. foi creditado um empréstimo pelo R. Bank & Trust Ltd. no valor de € 5.000.000,00 para financiamento da aquisição de títulos, sendo que as acções compradas foram dadas de penhor àquele banco como caução e garantia do capital mutuado, tudo sem autorização ou conhecimento por parte do A.;

- A sociedade Serot Finance Ltd. foi constituída no dia 13 de Julho de 2005 e registada no Belize, pela sociedade designada Belize Incorporation Services, Ltd., o que foi feito sem qualquer intervenção ou solicitação de CC, que nunca comprou acções da Serot Finance Ltd.;

- O falecido CC nunca abriu contas no Bank & Trust, Ltd., nem em nome pessoal nem em nome da Serot Finance Ltd.;

- O falecido CC não é procurador da Serot Finance Ltd. porque nunca lhe foi entregue tal procuração, nem dela teve conhecimento;

- Os RR. bancos utilizaram a sociedade Serot Finance Ltd. para aplicarem o dinheiro do A. no negócio do jogo da bolsa e o detentor de todas as acções desta sociedade e beneficiário é o BCP Bank & Trust Ltd.;

- O A. nunca assinou o contrato de abertura de crédito, sob a forma de conta corrente, com data de 27 de Agosto de 2007, que nem se mostra assinado pelo BCP Bank & Trust Ltd., e do qual CC não é parte, pelo que não tem que restituir qualquer dinheiro que o banco não lhe emprestou;

- Tal contrato de abertura de crédito contém cláusulas gerais não negociadas com o falecido CC e dele não lhe foi entregue qualquer exemplar; os valores foram apenas contabilisticamente creditados na conta da sociedade Serot Finance Ltd. que não pertence ao A.;

- O falecido CC nunca negociou ou assinou o contrato de penhor assinado em 28 de Agosto de 2007, que nem contém a assinatura do BCP Bank & Trust Company Ltd., não o podia ler nem lhe foi lido pelos funcionários, nem lhe foi entregue qualquer exemplar;

- Também nunca teve um exemplar de um termo de fiança assinado em 30 de Setembro de 2008, celebrado após o termo do contrato afiançado de abertura de crédito que se venceu em 28 de Agosto de 2008, que nunca leu e nunca lhe foi lido;

- O R. Millennium BCP, S.A. beneficiava de informações privilegiadas e, quando sabia que as acções iriam subir de valor, retirava dinheiro dos depósitos dos clientes, sem o consentimento e conhecimento destes e aplicava-o na bolsa de valores;

- Os RR. bancos não informaram o A., como consumidor, de forma clara, leal, objectiva e adequada sobre as características e riscos da compra e venda de acções e do empréstimo de € 5.000.000,00;

- Quando o valor das acções baixou os bancos não fizeram funcionar a cláusula stop loss e não notificaram o falecido CC para reforço das garantias ou para liquidar o financiamento;

- O falecido CC deixou de conseguir dormir e de controlar a diabetes e a pressão arterial em face do desgosto causado pela perda do seu dinheiro.

2. Os RR. Banco Comercial Português, S.A. e BCP Bank & Trust Company (Cayman) Limited contestaram. Invocaram as excepções de incompetência territorial do tribunal e de prescrição. Pugnaram pela não verificação do dever de restituição da quantia de €3.428.332,06 por nunca ter existido um depósito a prazo com esse montante, nem terem sido pagos juros remuneratórios sobre tal capital e concluíram pela procedência das excepções deduzidas e, quando assim se não entenda, pela improcedência da acção.

3. Em sede de réplica o A. alterou o pedido nos termos expostos a fls. 1020 a 1033 p.p.

4. Os RR. deduziram tréplica, suscitando a inadmissibilidade parcial da réplica; mais alegaram que, à data dos factos, o Código dos Valores Mobiliários não exigia a forma escrita para a celebração do contrato de intermediação financeira à luz do qual foram prestados os diversos serviços em causa nos autos e que a validade e eficácia das ordens e instruções transmitidas ao intermediário financeiro não está dependente da observância de qualquer forma especial; o banco não logrou encontrar cópia ou registo fonográfico das ordens e instrução emitidas pelo A., mas tal não impede a prova testemunhal da sua emissão, uma vez que o dever de guarda de tais elementos perdura apenas por cinco anos (artigo 307º-B do CVM).

Em resposta à impugnação de documentos apresentada pelo A., os RR. sustentam, relativamente à procuração e poderes que lhe foram conferidos para actuar em representação da Serot Finance Ltd., que daquela resultam precisamente poderes para solicitar pedidos de financiamento e/ou prestação de garantias em nome da sociedade; quanto ao mais referem que o A. se limitou a colocar em causa a eficácia probatória dos documentos e, por outro lado, não fundamentou o alegado desconhecimento sobre se as assinaturas que lhe são imputadas são verdadeiras ou não.

Em face da alteração e ampliação do pedido, entenderam os RR. que o Tribunal é internacionalmente incompetente para conhecer do pedido de declaração de nulidade do acordo de prestação de serviços, por ser competente o Tribunal das Ilhas Caimão.

Mais suscitaram a excepção de ilegitimidade passiva relativamente ao pedido de declaração de nulidade dos contratos em face da desistência do pedido quanto à Serot Finance Ltd.

5. Em novo requerimento, o A. pronunciou-se quanto às suscitadas excepções de incompetência e de ilegitimidade.

6. Em 07-04-2014 foi proferido despacho em que se considerou que, perante a alteração/ampliação do pedido, deduzida em sede de réplica, ocorria preterição de litisconsórcio necessário relativamente ao pedido de declaração de nulidade dos contratos de abertura de crédito, de penhor e de abertura de conta, dada a não intervenção da sociedade Serot Finance Ltd., pelo que se convidou a parte a sanar a falta de tal pressuposto processual (fls. 1257 e 1258 p.p.).

7. Na sequência de tal despacho, o A. veio desistir dos pedidos de declaração de nulidade de todos os contratos em que teve intervenção aquela sociedade, reformulando os seus pedidos (fls. 1263 a 1271 p.p.).

8. Em 20-05-2014 foi proferido despacho que apreciou os pedidos subsistentes na acção em face da desistência e ampliação de pedidos deduzida pelo A., determinando-se como pedidos remanescentes do objecto do litígio os enunciados a fls. 1316 p.p..

9. O A. interpôs recurso desse despacho, que indeferiu dois dos pedidos deduzidos pelo A., recurso que mereceu provimento (fls. 2698 a 2720 p.p.).

10. Assim, devem considerar-se os seguintes pedidos a apreciar:

“I – Declaração de que o autor não deu autorização, ordens ou instruções ao Banco “Millennium – Banco Comercial Português, S. A.”, balcão do ..., para aplicar o seu dinheiro depositado em títulos, acções e obrigações e não deu autorização, ordens ou instrução a tal banco para transferir o seu património pessoal para a conta da sociedade “Serot Finance, Ltd.” aberta no “BCP – Bank & Trust Company, Ltd.”, em dinheiro ou em instrumentos financeiros, no valor de € 3 428 332,05, depositados em conta pessoal a prazo em nome do autor, que os bancos réus geriram sem autorização e sem o consentimento e o conhecimento do autor;

II – Declaração de invalidade, nulidade ou anulação e ineficácia em relação ao autor do Acordo de Prestação de Serviços Fiduciários, celebrado entre o autor e o banco réu “BCP – Bank & Trust Company, Ltd.”;

III – Declaração de incumprimento do acordo de prestação de serviços fiduciários;

IV – Declaração de nulidade do Termo de Fiança junto a fls. 413 p.p.;

V – Condenação dos bancos réus, de modo solidário, a restituírem ao autor a importância de € 3 428 332,05 que este mantinha depositada a prazo no “Millennium – Banco Comercial Português, S. A.” e que este transferiu para o BCP Cayman, em dinheiro ou instrumentos financeiros;

VI – Condenação dos bancos réus, de modo solidário, a pagarem ao autor os juros semestrais no montante de € 53 000,00 que o “Millennium – Banco Comercial Português, S. A.” vinha regularmente pagando, de seis em seis meses, em remuneração do capital do autor, depositado a prazo, que deixaram de ser pagos desde Junho de 2011 (inclusive), no montante já vencido de € 265 000,00 e nos vincendos até final.

VII – Condenação dos bancos réus no pagamento solidário ao autor de uma indemnização por danos morais nunca inferior a € 250 000,00;

VIII – Condenação dos bancos réus a pagarem os juros ao autor, de modo solidário e a partir da citação, à taxa de 4% ao ano, sobre o montante global em que forem condenados; subsistindo ainda os pedidos subsidiários deduzidos em sede de réplica: condenação dos réus no pagamento ao autor de indemnização no montante de € 3 678 332,05 pelos danos materiais e morais sofridos e prestação dos juros semestrais de € 53 000,00 que lhe vinha sendo pago como remuneração do capital depositado a prazo, acrescido de juros de 4% ao ano; e no caso de improcederem os anteriores, a condenação solidária dos réus a pagar ao autor, a título de indemnização, a quantia de € 2 100 000,00, preço pelo qual os títulos foram vendidos e € 250 000,0 a título de indemnização por danos morais (fls. 1310 a 1316 p.p.).”

11. A fls. 1482 a 1484 p.p. o A. deduziu ampliação do pedido, a cuja admissibilidade os RR. se opuseram (fls. 1491 a 1498 p.p.), indeferida a fls. 1506 e 1507 p.p..

12. Os AA. habilitados (cfr. ponto 18. do presente relatório) interpuseram recurso do aludido despacho, que mereceu provimento, razão pela qual foi admitida a ampliação de pedido deduzida a fls. 1482 a 1484 p.p., onde o A. alega que o Banco 1.º R. confessou ter transferido da conta pessoal de CC com o número ...08 para a conta titulada pela sociedade Serot Finance Ltd. com o número ...97, os montantes de € 120.000,00 e de € 500.000,00, em Dezembro de 2005 e em Outubro de 2006. Com base nisso, o A. ampliara o seu pedido do seguinte modo: a condenação do Banco Millennium a restituir ao A. a importância de € 4.048.332,05 que mantinha depositada nesse banco, no ..., e que este transferiu: € 3.428.332,05, em 22 de Julho de 2005; € 120.000,00, em Dezembro de 2005 e € 500.000,00, em Outubro de 2006, para a conta da Serot Finance Ltd., aberta no BCP – Bank & Trust Company Ltd., sem autorização e conhecimento daquele.


13. Na sequência do despacho proferido em 06-10-2017 (cf. fls. 3028 e 3029 p.p.), os AA. habilitados vieram desistir do pedido quanto à parcela atinente aos montantes de € 120.000,00 e de € 500.000,00 mencionados nesta ampliação, desistência homologada por decisão de 24-11-2017 (fls. 3035 p.p.).

14. Foi proferido despacho que considerou não escritos os artigos 28º a 304º da réplica (fls. 1505 verso p.p.).

15. Foi proferido despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção de incompetência internacional e territorial e se aferiram positivamente os demais pressupostos processuais relevantes.

16. Teve lugar a realização de audiência prévia em que foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, que não foram alvo de qualquer reclamação.

17. Em 25-11-2014 foi proferido despacho que não admitiu o incidente de impugnação quanto aos seguintes documentos: o acordo de prestação de serviços fiduciários; os dois contratos de abertura de crédito; os contratos de penhor e as relações anexas, o termo de fiança, o contrato de hold mail, condições gerais, condições particulares – ficha de assinaturas, transferência de carteira de títulos e autorização de transferência de carteira de títulos e admitiu tal incidente relativamente aos seguintes documentos:

a) Procuração da Serot Finance Ltd. (doc. n.º 41);

b) Declaration of Trust – Welbeck (doc. n.º 38);

c) International Business Company (doc. n.º 39) (cf. fls. 1518 a 1520 p.p.).

Tal despacho foi objecto de recurso que mereceu provimento, pelo que, em conformidade, se tem por admitido o incidente de impugnação também quanto aos seguintes documentos:

d) Acordo de prestação de serviços fiduciários;

e) Os dois contratos de abertura de crédito;

f) Contratos de penhor e as relações anexas;

g) Termo de fiança; 

h) Contrato de Hold Mail;

i) Condições gerais, condições particulares – ficha de assinaturas;

j) Transferência de carteira de títulos e autorização de transferência de carteira de títulos. 

18. CC faleceu no dia ... de Março de 2015, tendo sido deduzido o respectivo incidente de habilitação em que foi proferida decisão (fls. 1635 a 1637 p.p.) que julgou habilitados a ocuparem a sua posição processual os herdeiros AA, BB e CC.

19. A fls. 1904 a 1918 p.p. os AA. habilitados vieram requerer segunda ampliação do pedido de € 3.428.332,06 para € 9.551.410,00, relativamente à conta n.º ...87, alegando que, com base nos documentos juntos aos autos pelos RR. (documentos n.ºs 36, 22, 23, 45 juntos com a contestação), em conjugação com o extracto n.º 2005/004, tiveram conhecimento que o saldo credor daquela conta, em 30-06-2005, era de € 8.898.410,78; mais alegam que o Banco 1.º R. vendeu em bolsa acções do BCP pertencentes ao falecido, sem o consentimento deste, tendo realizado o valor de € 653.000,00, que transferiu em Setembro de 2005 para a conta ...87 e, na mesma data, para a conta da Serot Finance Ltd.; o A. tinha obrigações no capital do BCP 2005 que, em 29-07-2005, tinham uma cotação de mercado com o valor de € 4.214.575,00, vencendo juros a 9% ao ano, com termo de vencimento em 30-09-2005, pelo que lhe deveria ter sido reembolsado o valor de € 4.593.886,75 mas o banco transferiu-as para a conta da Serot Finance Ltd.

Pedem, então, a ampliação do pedido de condenação dos bancos RR. no pagamento da quantia de € 3.428.332,06 para a quantia de € 9.551.410,00 (€ 8.898.410,78 mais € 653.000,00).

Subsidiariamente, em caso de improcedência, pedem a condenação dos RR. a reconhecer o direito de propriedade do A. sobre o saldo credor da conta ...87 em 30-06-2005, no valor de € 9.848.410,00 e, em consequência, a ressarcir todos os prejuízos do seguinte modo: condenação do BCP, S.A. a restituir o valor de € 9.898.410,00 (€ 682.000,00 relativo a dinheiro e € 8.215.809,00 a títulos; a restituir o valor de € 653.000,00 que transferiu para a conta da Serot Finance Ltd.; a pagar o valor já vencido de € 5.083.651,00, correspondente aos juros remuneratórios, desde 30-09-2005; a pagar a importância anual de € 566.651,00 de juros remuneratórios vencidos e vincendos desde 30-09-2005, em relação ao capital depositado de € 8.898.410,78, vencendo-se a primeira prestação em 30-09-2015 e ainda no valor de € 250.000,00 por danos morais; a condenação dos RR. no pagamento do valor global já vencido de € 14.885.061,00, sendo € 14.635.061,00 de danos materiais e € 250.000,00 de danos morais, acrescido de prestações vincendas e juros à taxa legal de 4% ao ano, a partir da citação.


20. A ampliação do pedido e, subsidiariamente, a ampliação da causa de pedir e do pedido deduzidas não foram admitidas, conforme despacho proferido em 02-10-2015 (fls. 1930 verso e 1931 p.p.). 

21. Interposto recurso desta decisão, foi admitida a ampliação do pedido e considerou-se prejudicada, em face dessa admissão, a apreciação do recurso na parte relativa à pretensão subsidiária de alteração do pedido e da causa de pedir (fls. 2715 p.p.).

22. Novamente, a fls. 1939 a 1953 p.p., os AA. habilitados vieram requerer, pela terceira vez, a ampliação do pedido, sustentando agora a existência de uma conta corrente na relação bancária mantida com o R. Millennium BCP, S.A., o que os autorizaria a exigir o saldo credor sem atender às respectivas parcelas, peticionando o pagamento do valor de € 8.898.410,00, novamente indeferida, conforme despacho proferido em 12-11-2015 (fls. 1972 p.p.).

23. O despacho de indeferimento foi objecto de recurso que considerou que a sua apreciação estava prejudicada em face da admissão da ampliação do pedido (fls. 2716 p.p.).

Em virtude da procedência de alguns recursos interlocutórios, a Relação determinou a anulação do julgamento e ordenou o prosseguimento dos autos.

24. Após audiência final foi proferida sentença, em 05-07-2018, (fls. 3161 p.p.) que julgou a acção totalmente improcedente, com a consequente absolvição dos RR. dos pedidos.

25. De novo inconformados, interpuseram os AA. habilitados recurso de apelação, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

26. Por acórdão de 28.03.2019 (fls. 3476 p.p.) o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

27. Vieram os AA. habilitados interpor recurso de revista por via normal e, subsidiariamente, por via excepcional, formulando, após convite a aperfeiçoamento, as seguintes conclusões:

A – Dos termos da admissibilidade do recurso

1) O presente recurso deve ser admitido como comum e normal recurso de revista, uma vez que, apresentando o acórdão recorrido diferente fundamentação relativamente à sentença da 1ª instância, não ocorre dupla conforme, acrescendo que enferma de nulidades que foram devidamente arguidas (nº 1, do artº 671º do CPC)

2) Em todo o caso, atentas as relevantes questões jurídicas, cuja apreciação e decisão se apresentam necessárias a uma melhor aplicação do direito, e atenta, também, a particular relevância social da matéria em causa, sempre o presente recurso deverá ser admitido como recurso excepcional de revista (alíneas a) e b) do nº 1 do artº 672º do CPC - actividade bancária/direitos do consumidor, cegueira do autor – artº 373º nº 3 do CC - limites da livre apreciação da prova, redução a escrito de procedimentos de intermediação financeira e respectivo ónus da prova)

B) – Da incorrecta aplicação das regras da prova e errada avaliação da matéria de facto (censura da competência do STJ).

3) A primeira crítica que não pode deixar de ser feita ao acórdão recorrido é a da opção sistemática adoptada, pois, tendo sido impugnada a matéria de facto, deveria ter partido da análise desta, fixando, em definitivo, a matéria assente e tirando daí a adequada conclusão decisória, tendo em conta o direito aplicável.

4) Ao invés, o douto acórdão recorrido parece ter partido de uma pré-conclusão decisória, adequando a esta, “a posteriori”, as respectivas premissas.

5) Não cabe a este STJ conhecer da matéria de facto, em termos de a poder alterar, uma vez que julga de direito, mas cabe-lhe apreciar e julgar se as instâncias observaram as regras legais e processuais a que estão vinculadas, e entendemos que, no presente caso, tais regras não foram correctamente aplicadas pelas instâncias (artº 679º e nº 2 do artº 684º do CPC).

6) A causa de pedir na presente acção é constituída pelo contrato de abertura de conta celebrado pelo falecido A/CC com o Banco R/Millennium na SFE no ... (nº ...87) e pela transferência de valores nela depositados, para a conta da Serot Finance, em Cayman, que não pertence, nem nunca pertenceu, ao A/CC (doc. 36, fls. 667), e sem a sua autorização ou conhecimento, ou seja, sem observância das regras legais a que o banco R estava vinculado, o que constitui ilícito, pelo qual tem de responder na presente acção.

7) O pedido, por sua vez, estabilizado e fixado, nos autos, traduz-se na reclamação da entrega ao A da quantia de 8.898.409,00 € (e juros), correspondente ao valor dos títulos e fundos depositados na referida conta do A, na SFE do Banco R/Millennium, no ..., à data de 30/06/2005, e que foram objecto da transferência, não autorizada, referida na conclusão anterior.

8) O douto acórdão recorrido, com o devido respeito, não fez o uso adequado dos meios ao seu alcance, para efeitos da avaliação da matéria de facto, como impõe a lei, lançando mão de considerações genéricas e sem indicar (porque não existe), qual a prova testemunhal apresentada pelos RR, para se ter dado como provados factos que, efectivamente, não o foram.

9) O acórdão recorrido, não obstante estarmos perante documentos impugnados, que incorporam factos para os quais a lei exige a forma escrita, deu, como provados, o contrato de prestação de serviços fiduciários de fls. 368 a 379, os contratos de abertura de crédito de fls. 708 a 710, e de fls 405 a 408, os contratos de penhor de fls 403 a 404 e de fls. 409 a 412, o contrato de fiança de fls, 413, o contrato de hotmail de fls. 681, e ainda os documentos constantes do ponto 36 dos factos assentes, referindo que os mesmos teriam sido subscritos por CC, pelo seu próprio punho, sendo que em relação aos documentos de fls. 708 a 710, 405 a 408, 403 a 404, e 409 a 412, o teria feito como procurador e ultimo beneficiário da Serot Finance, o que viola o artº 3º do CPC e artº 393º, nº 1 do CC.

10) Efectivamente, estamos perante prova vinculada e, consequentemente, face a matéria não passível de prova testemunhal e de livre apreciação, ao contrário do entendido pelo acórdão recorrido (nº 5 do artº 607º CPC, in fine).

11) E a Meritíssima Juíza da 1ª instância reconheceu que o meio de prova “sobremaneira idóneo”, para tal efeito, era o exame pericial, que não ocorreu, e, na falta dele, o depoimento convincente de testemunhas que tivessem presenciado a aposição da respectiva assinatura, em determinado ou determinados documentos em concreto.

12) Está reconhecido e adquirido, nos autos, que não houve exame pericial, nem testemunhas que tivessem presenciado a aposição de assinaturas, por parte do A/CC, nos documentos que o A impugnou.

13) Não obstante, a 1ª instância deu como provadas as assinaturas imputadas ao A/CC, com base na circunstância deste ter referido, que, ao longo de duas décadas, assinara vários documentos, mas sem nunca o ter reconhecido relativamente aos documentos concretos em causa, o que, aliás, já lhe era impossível atenta a sua cegueira.

14) Apesar de ser assim, o acórdão recorrido manteve tal entendimento de forma acrítica, em matéria da maior relevância, e com a genérica referência de que a assinatura de CC “foi reconhecida por numerosas testemunhas com mais ou menos segurança” (sem referir em concreto quais essas testemunhas e sem mencionar em concreto os respectivos documentos), como se estivéssemos perante o caso previsto no nº 6 do artº 663º do CPC, e, quanto à prova de matéria tão delicada e relevante, não se pode admitir, “com mais ou menos segurança”, atenta as suas consequências legais e processuais.

15) O acórdão recorrido demitiu-se de exercer as competências que lhe cabiam, no âmbito do artº 662º do CPC, tendo optado por transcrever largos excertos da sentença do tribunal de comarca, inserindo lacónicos “idems” e pouco mais, descontextualizados, com vagas referências a depoimentos de testemunhas, sem os concretizar e de forma absolutamente genérica, com manifesta violação da citada disposição processual.

16) Há manifesto erro ao dar como provado o contrato de prestação de serviços fiduciários com o argumento de que para o mesmo não era exigida forma escrita, uma vez que, tal contrato, tem de revestir a forma dos actos para os quais se destina (nº 2 do artº 262º do CC), sendo que pretendia-se, por via do mesmo, conferir mandato destinado a constituir uma sociedade comercial, o que teria de ser por escritura pública, (artº 7º do CSC na versão ao tempo vigente e alínea e) do artº 80º do CN, então em vigor) e destinava-se ainda à compra e venda de títulos, que obriga ao respectivo registo e depósito, e, em consequência, exige-se, igualmente, forma escrita (artº 30º, 344º, nº 1 CVM e Parecer Prof. Romano Martinez, fls 2638 – 2649, Vol. II).

17) Acresce que a sociedade Serot Finance, Ltd foi constituída por documento escrito, em Belize, em 13/07/2005, sendo que, sempre a voluntária adopção de tal forma obriga a presumir que as partes só por essa via se quiseram vincular (artº 223º, nº 1 CC).

18) E impunha-se, ainda, a observância do disposto no artº 373º, nº 3 CC, exigência indispensável, dada a incapacidade visual do A, que é facto provado nos autos e subtrai a prova dos factos à livre apreciação do julgador (artº 607, nº 5 CPC) – factos provados 16, 17 e 19) A mesma exigência de forma escrita, nos demais contratos – holdmail, de 22/06/2005, fls 681; contrato de abertura de conta da Serot Finance, de 22/07/2005, fls 414 e 420; contratos de abertura de crédito e de penhor de 06/10/2005, fls. 403, e de 28/08/2007, de fls. 405 e 409, e ainda o contrato de fiança, de 30/09/2008, de fls 413, implica, igualmente, a nulidade, atenta a deficiência visual de que padece CC, por violação do disposto no artº 373º, nº 3 CC – CVM, artº 30, 291, al. b)

20) Tal circunstância impede, também, no que diz respeito à prova de tais actos, o recurso à prova testemunhal e ao princípio da livre apreciação, por força do disposto no artº 393º, nº 1 do CC e artº 607º, nº 5 do CPC, pelo que os pontos 28 a 32, 69, 79, 81 a 85, 90, 93, 94, 95, 100, 110, 112, dos factos assentes, não podiam ter sido dados como provados.

21) Impõe-se a necessária clareza e rigor, designadamente, no que diz respeito aos factos dados como provados nos pontos 38 e 40 da matéria considerada assente, e a conta ali referida nada tem a ver com as que estão em causa, nos autos, uma vez que se trata de conta titulada pelo A e pelos filhos (conta nº ...08, sendo certo, que o referido acesso a tais contas não era, nem podia ser, efectuado pelo próprio falecido A/CC, uma vez que a sua comprovada cegueira e a impreparação em matéria informática o impediam totalmente.

22) Relativamente aos pontos, 43, 44, 45 e 48 dos factos dados como provados, não é possível sustentar a sua admissibilidade com base no princípio da livre apreciação da prova (nº 5 do artº 607 do CPC), uma vez que, atenta a cegueira do A/CC, a lei exige formalidade especial (nº 3 do artº 373º do CC), pelo que este STJ não pode deixar de censurar a incorrecta avaliação das instâncias neste particular, com as legais consequências (artº 607º, nº 3 CC).

23) No tocante aos pontos 62 a 68 dos factos provados, trata-se de matérias só passíveis de serem provadas por via de documento, o que não mereceu a censura do acórdão recorrido, que antes o corroborou, circunstância que não pode deixar de merecer a censura e intervenção do STJ, enquanto preterição e errada aplicação das regras da prova e consequente incorrecta avaliação dos factos.

24) Relativamente aos pontos 73 a 76 dos factos provados, tratando-se de transcrições de cláusulas do contrato de prestação de serviços (doc. 1 junto com a contestação a fls. 368) enfermam dos vícios e irregularidades do mesmo contrato, designadamente, a decorrente da inobservância do artº 373º, nº 3 do CC.

C) Das nulidades do acórdão recorrido

25) O acórdão recorrido enferma ainda das nulidades abaixo indicadas, por omissão de pronúncia, artº 615º, nº 1 al d), a propósito de questões suscitadas, e por dever alegatório, em sede de conclusões, se passa a identificar:

a) No ponto 69 da matéria de facto, dada como provada, tendo por base o artº 174º da contestação, e exclusivamente o doc. 1 junto com aquele articulado, a 1ª instância aditou-lhe o inciso “Neste contexto que foi explicado ao CC e por este querido ...”, tendo-se suscitado a questão de que se estava perante facto nuclear, essencial e principal, não alegado e subtraído ao contraditório, em violação do artº 5º, nºs 1 e 2, alínea b) do CPC, e que deveria ser eliminado, e o acórdão recorrido, não se pronunciou.

b) Igualmente, no que respeita ao ponto 72 dos factos assentes, baseado no artº 177º da contestação, o tribunal introduziu um outro inciso não alegado – “por instrução daquele”, que constitui facto nuclear, essencial e principal subtraído ao contraditório, com violação do artº 3º e 5º, nº 1 e 2, alínea b) do CPC, o qual deveria, assim, por tais razões, ser eliminado e sobre o qual o acórdão recorrido não se pronunciou.

c) Igualmente, se suscitou a questão de a referência genérica, a “património financeiro pessoal”, ter natureza conclusiva e objecto indeterminável, e não permitir uma leitura, no sentido de tal implicar uma autorização para transferência de títulos, sem a menor identificação destes, e sem indicação da instituição e conta para onde os mesmos deveriam ser transferidos, não encontrando, assim, tal leitura a menor correspondência verbal no respectivo texto – artº 238º, nº 1, artº 280º, nº 1 CC e artº 607º, nº 4, e artº 5º, nº 1 e 2, alínea b) CPC, sendo certo que a própria sentença da 1ª instância, confirmada e corroborada pelo acórdão recorrido, reconhece não existir ordem escrita para tal transferência, nada tendo o acórdão recorrido dito a este respeito, apesar de suscitado.

d) Relativamente aos pontos 77, 78, 79 e 80, dos factos provados, além dos documentos em que tais factos se filiam estarem impugnados, o tribunal da 1ª instância reconheceu que os bancos RR não provaram a autenticidade das assinaturas, nem a genuinidade dos documentos, em causa, sendo certo que, em qualquer caso, sendo exigida, para tais actos, a forma escrita do negócio a realizar (artº 262º, nº 2 CC), não era admissível o recurso à prova testemunhal e à livre apreciação (artº 393º, nº 1 CC, e artº 607º, nº 5 CPC).

e) A propósito dos pontos 91 e 92 dos factos assentes, e também a respeito dos pontos ww) e xx) dos factos dados como não provados, e no tocante à procuração de fls. 680, datada de 04/01/2006, e relativamente aos contratos de holdmail de 22/06/2005 (fls. 681), contrato de abertura de conta da Serot Finance, de 22/07/2005 (fls. 414 e 420), contrato de abertura de crédito (fls 708), e contrato de penhor (fls. 403), datados de 6/10/2005, além de se ter impugnado tal documento e assinatura, e de não estar demonstrado que o seu subscritor tinha poderes para tal, e não conter quaisquer poderes de ratificação, o certo é que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre estas questões, e suas consequências, relativamente à validade dos documentos.

f) O acórdão recorrido enferma de nulidade de excesso de pronúncia quanto à data da outorga da procuração “04/01/2005” (fls. 680) – uma vez que é facto provado que a procuração foi outorgada por deliberação da Serot Finance, datada de 04/01/2006, e, só tendo sido constituída em 13/07/2005 (ponto 22 da matéria assente), não poderia, assim, a sociedade deliberar antes de existir (docs. fls. 675 – 677 e 678).

g) Relativamente, às questões que se levantaram no tocante ao contrato de fiança, dado como provado no ponto 109, incluindo as consequências da impugnação do mesmo documento e da assinatura, da não prova da sua genuinidade, por parte dos bancos RR, da inadmissibilidade da prova testemunhal e do recurso à livre apreciação, por ser exigida a forma escrita (artº 628º, nº 1 CC) da sua nulidade por ter sido prestado por declaração unilateral, da sua nulidade por ser nulo o contrato de empréstimo, a que a mesma fiança se destinava, e pela falta de intervenção de notário, atenta a cegueira de CC (artº 373º, nº 3 CC), e ainda pelo não cumprimento do dever de informação por parte dos bancos RR, e da indicação como outorgada em ..., quando, no ponto 27 dos factos provados, se dá como adquirido que CC nunca lá se deslocou (artº 30º, 344º, nº 2 e 321 do CVM redacção ao tempo).

h) O acórdão recorrido não se pronunciou, também, sobre as questões que se suscitaram relativamente ao ponto 113 dos factos assentes, por se filiarem no acordo de prestação de serviços fiduciários, que se demonstrou ser nulo, e sem que CC alguma vez soubesse o que estava a assinar, qual o seu conteúdo, a que se destinavam os mesmos documentos, e sem que os pudesse ler, ou sequer tivessem sido lidos e explicados.

i) Relativamente, aos pontos 130 e 135 dos factos dados como provados, levantou-se a questão da falta de prova relativamente ao efectivo envio e recepção das cartas de 07/12/2012, e 17/04/2013, sendo que o acórdão recorrido é totalmente omisso.

j) Relativamente, ao ponto 25 dos factos provados, o mesmo teve por base o artº 85º P.I., importando lembrar que a técnica seguida pela 1ª instância implicou o fraccionamento da confissão, constante daquele articulado inicial, quando, por força do artº 360º do CC, é sabido que a confissão é indivisível.

k) No que diz respeito ao ponto 90 dos factos provados suscitaram-se as questões já referidas, em relação aos demais pontos da matéria de facto dada como assente, e ainda a questão da preterição do artº 373º, nº 3 do CC, sobre as quais o acórdão recorrido não se pronunciou.

l) O acórdão recorrido é totalmente omisso relativamente às questões suscitadas no âmbito da impugnação relativa ao ponto hh) dos factos não provados, e nos pontos ii) e jj), e não se pronunciou, também, sobre a questão suscitada relativa ao ónus da prova.

m) Relativamente, aos pontos oo) a tt), uu), vv), zz), aaa), ddd) – Dec-Lei 446/85 de 25/10 e Lei 24/96 de 31/07, artº 8 - e eee) dos factos dados como não provados, respeitante ao ónus da prova, e à inversão do ónus da prova, o acórdão recorrido afigura-se igualmente omisso.

n) A propósito dos pontos ttt), uuu) e vvv), dos factos dados como não provados, em que se suscitou a questão da inversão do ónus da prova, por se tratar de factos negativos, o acórdão recorrido não se pronunciou.

o) Relativamente às questões suscitadas quanto aos pontos aaaa) bbbb) cccc), dos factos dados como não provados, o Tribunal da Relação também não se pronunciou.

p) Também em relação às questões suscitadas a propósito dos pontos bbbbbb) e cccccc), dos factos dados como não provados, o acórdão recorrido não se pronunciou.

q) Regista-se, ainda, omissão de pronúncia, por parte do acórdão recorrido, relativamente às questões respeitantes aos pontos 11 e 12 dos factos dados como provados, e, mais concretamente, ao contrato de abertura da conta da Serot Finance, Ltd.

r) No tocante ao ponto 25 dos factos dados como provados, não se referindo o fundamento para o dar como assente, tem de se concluir que o mesmo decorre da confissão constante do artº 85º da P.I., sendo que, por força do artº 360º do CC, a mesma é indivisível, pelo que os factos constantes daquele articulado, não podiam ser fraccionados, sendo que, sobre esta questão, ocorre, igualmente, omissão de pronúncia.

s) No tocante aos pontos 8 e 9 dos factos dados como provados, em bom rigor, o acórdão da Relação limita-se a concluir e a referir, de forma vaga, que não assiste razão aos recorrentes e a invocar o depoimento da testemunha GG, prestado no 1º julgamento, que foi anulado, pelo que se regista erro inadmissível e, de qualquer modo, a testemunha não conseguiu concretizar quais os documentos assinados por CC, como a 1ª instância reconheceu.

t) Relativamente aos pontos 14 e 21 dos factos provados e às questões suscitadas, o acórdão recorrido não os apreciou, nem fundamentou a sua posição, uma vez que se refugia num vago “idem”, que não permite conhecer as efectivas razões e a fundamentação da sua posição, violando o legalmente exigido.

D) Das demais questões

26) Os pontos ppp), qqq) e rrr) dos factos não provados, constituem factos notórios do domínio público que deveriam ter sido dados como provados, tanto mais que não foram impugnados, sendo que o acórdão do STJ de 25/03/2004 e o acórdão do STJ de 03/04/2008, admitem que este Venerando Tribunal possa verificar se as instâncias agiram, a este propósito, dentro dos limites legais ou não.

27) Ao contrário do decidido no acórdão recorrido, em manifesto erro, todos os actos imputados ao A, como alegado procurador da Serot Finance, anteriores à data da passagem da procuração (04/01/2006), são totalmente ilegais (nulos), e tanto mais que a procuração não continha poderes de ratificação de actos anteriores, nomeadamente, contrato de holdmail fls. 681, contrato de empréstimo (fls. 708), contrato de penhor (fls. 403) e alegada movimentação da conta da Serot Finance.

28) E os bancos RR não alegaram que os cheques passados pelo banco R/Millennium tinham sido emitidos a solicitação do BCP - Bank & Trust, Cayman, e tratando-se de facto essencial, nuclear e principal, não pode ser oficiosamente introduzido no processo e com a gravidade acrescida da falta do contraditório, como foi (artº 5º, nº 1 e 2 alínea b) do CPC).

29) O acórdão recorrido, na fórmula adoptada, de aderir, praticamente a 100%, à fundamentação da 1ª instância, acabou por cometer nulidade por excesso de pronúncia, ao ocupar-se do ponto 136 da matéria de facto, que os recorrentes não impugnaram.

30) O extracto da conta da Serot Finance de fls. 711, revela que, em Outubro/2005, haviam sido retirados os valores mobiliários (8.898.409,00 €) que haviam sido anteriormente transferidos da conta do A da SFE, do banco R/Millennium, no ..., e não regista o lançamento a crédito de qualquer contrapartida, seja pecuniária, seja em títulos, proveniente da sua eventual alienação, desconhecendo o A o destino que foi dado a tais valores pelos bancos RR, o que constitui acto ilícito, porque sem consentimento do A, independentemente da sorte de tais valores, por violação do contrato de depósito e do artº 280º, nº 2 CC; e artº 331º, nº 1 a) CVM/1999.

31) As instâncias vêm decidindo como se estivesse plenamente provado que o A teria dado autorização verbal para a transferência de valores da sua conta na SFE do banco R/Millennium, no ..., para Cayman, procedimento este absolutamente ilegal, uma vez que, além de todo o mais, se afigura um expediente em fraude à lei, por manifesta inobservância dos nºs 3 e 4 do artº 607º, do CPC, pois, teria de se indicar expressamente os concretos elementos de prova, que permitissem sustentar tal conclusão, e, contraditoriamente, para a prova duma alegada instrução verbal, indica-se um documento escrito, ou seja, o impugnado contrato de prestação de serviços fiduciários (artº 5º, nº 1 e 2 al. b) do CPC).

32) Aliás, contra todas as regras, atenta a relevância do facto em causa, a fundamentação, do ponto 72 da matéria dada como assente, apresenta-se amalgamada, com um conjunto de outros factos, apenas ressaltando a ideia de que se pretende dar, a todo o custo, como provada, a autorização em causa, com base no contrato de prestação de serviços, o que é contraditório, com a circunstância de, simultaneamente, assumir-se que não houve qualquer ordem escrita do A para a transferência em questão.

33) O acórdão recorrido, numa tentativa de suprir a falta de alegação de semelhante facto, por parte dos bancos RR, trata a ordem ou instrução para a transferência dos valores que o A/CC detinha na sua conta no SFE do banco R/Millennium, não como facto essencial, nuclear e principal, como efectivamente é, mas, como mero facto essencial “complementar ou concretizador de facto essencial”, como resultante da discussão da causa, sustentando, ao mesmo tempo, que terá sido assegurado o necessário contraditório, ao A, no tocante a tal matéria, o que é falso, e atropela todas as regras e princípios em matéria de alegação e prova, e respectivo contraditório de facto essencial e nuclear relativo à defesa dos bancos RR (artº 5º, nº 1 CPC).

34) É, aliás, a partir deste errado contraditório e inconsistente procedimento que se constrói a opção decisória das instâncias, no sentido da improcedência da acção, com manifesta violação do artº 3º e artº 607º, nº 3 e 4, e artº 5, nº 1 e 2 alínea b) do CPC.

35) Quer a sentença da 1ª instância, quer o acórdão recorrido, ao admitirem que, ao abrigo da alegada procuração (fls. 680 e 680verso) conferida pela Serot Finance a CC, este poderia proferir ordens verbais, fazem-no totalmente ao arrepio da letra expressa da dita procuração, em cujo texto se consigna:

“…desde que qualquer um desses cheques, minutas, letras de câmbio, livranças, aceites instrumentos negociáveis, ordens, instruções, acordos e indemnizações sejam assinadas pela pessoa supra identificada” (não se assinam ordens verbais)?.

36) As instâncias e, portanto, também o acórdão recorrido, incorreram em grave contradição, ao reconhecerem, por um lado, que não houve ordem escrita para a transferência dos valores reclamados da conta do A da SFE para Cayman, e, ao mesmo tempo, por outro, sustentarem que a genérica e vaga referencia do contrato de prestação de serviços fiduciários, a “património financeiro pessoal” constituiria ordem para a transferência em questão, que, nesse caso, e como por magia, passaria, a ser ordem escrita, que, paradoxalmente, se afirma não existir (e não existe!) (V. ponto 72 dos factos provados.

37) Tal forçada interpretação de um isolado excerto – “património financeiro pessoal” , sem a menor referência à conta de onde se pretendia que saíssem os valores a transferir, e sem qualquer alusão à conta para onde pretendia-se que fossem transferidos, não encontra na letra daquele dito contrato “o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa”, o que viola o artº 238º, nº 1 do CC, sendo que, por se tratar de aplicação dum critério legal normativo, tal interpretação do referido contrato constitui questão de direito que a este Supremo Tribunal de Justiça compete conhecer.

38) Aliás, já a propósito do ponto 86 dos factos provados, a sentença da 1ª instância, corroborada e confirmada, também neste particular, pelo acórdão recorrido, dá como provado que os valores transferidos da conta da SFE, para a conta da Serot Finance, em Cayman, “proveio, por instrução de CC”, considerando tal facto provado, por via de extractos da conta do A e extractos da conta da Serot Finance, obviamente emitidos pelos bancos RR e não por CC.

39) Na verdade, tais extractos só comprovam a existência desses valores, numa e noutra das contas, em momentos diferentes, e não qualquer ordem de transferência dada pelo A, sendo certo que a mesma sentença assume que não existem quaisquer ordens escritas, nesse sentido, e, portanto, documentadas, por parte do A, o que sempre se apresentaria contraditório com o que se pretendeu dar como provado, no ponto 86, em questão, sendo certo que estamos a tratar de questão essencial à correcta decisão da causa.

40) No que diz respeito à alegada ordem de transferência do A dos valores da sua conta da SFE para a conta da Serot Finance, por um lado, não se refere qualquer prova testemunhal a este respeito, como se reconhece não existirem quaisquer ordens escritas, mas, por outro lado, pretende-se transformar os extractos da conta do A e da conta da Serot Finance, como prova de tal ordem, quando o que daí advém é apenas a demonstração de que tais valores foram transferidos pelo banco R, e nada mais do que isso.

41) Acresce que os bancos RR bem conheciam a grave limitação visual do A, através dos seus funcionários envolvidos na prática dos actos, e, não obstante estarem vinculados, aos deveres previstos nos artºs 73º, 74º, 75º, 77º do RGICSF, ignoraram, e fizeram tábua rasa da situação de cegueira do A, e não observaram, nem cumpriram, as obrigações legais discriminadas no acordo de prestação de serviços fiduciários.

42) É manifesto que os bancos RR e os seus funcionários aproveitaram-se e abusaram da grave limitação visual do A, e, não obstante, haver razões acrescidas para cumprirem as obrigações decorrentes do artº 314º, nº 1 e 2 do CVM, não observaram o disposto naquela norma, o que constitui, igualmente, ilícito, e culpa presumida originada por violação dos deveres de informação, o que os obriga a indemnizar os AA pelos danos que lhe foram causados.

43) Acontece que os bancos RR, quanto à subscrição dos documentos que o A impugnou, não alegaram, nem provaram, ter observado as regras exigidas para os contratos em causa, designadamente, as previstas no artºs 5º, nºs 1, 2, e 3, daquele DL 446/85 de 25/10 (Regime das Clausulas Contratuais Gerais), relativas ao dever de comunicação, com a antecedência necessária e na íntegra, bem como a entrega de exemplar de contrato, isto, sem falar, no caso especifico de CC, da patente e sistemática violação do artº 373º, nº 3 CC, o que justifica a anulação da decisão de validar tais documentos.

44) Os bancos RR não alegaram, não provaram, não cumpriram e não reportaram, aos autos, qualquer informação sobre a alegada execução dos contratos em causa, com violação do disposto nos artºs 312º e 323º al. a) do CVM, bem como dos artºs 2º e 8º, da Lei 24/96 de 31/10, sendo certo que CC, como consumidor, estava dispensado do ónus de procurar informação (artº 60º da CRP e artº 8º da Lei 24/96 de 31/07 e AC. STJ de 18/11/1999).

45) A forma como as instâncias vieram a valorar os documentos impugnados, não obstante o determinado pelo acórdão da Relação de Lisboa de 11/05/2017, traduziu-se numa verdadeira violação de caso julgado, pois, à revelia do decidido, lançou-se mão de prova testemunhal e recorreu-se à livre apreciação ambas não consentidas, no presente caso.

46) Foram tomados em consideração, relativamente aos documentos impugnados, depoimentos de testemunhas que não as especificamente arroladas para tal efeito, no incidente de impugnação, designadamente, HH, DD, GG e II, o que viola o artº 445º, nº 2 CPC, que é direito probatório da competência do STJ (V. fls. 1102 e 1103, Vol 6).

47) Ao mesmo tempo, e como consequência, extrapolaram no sentido de concluir pelo conhecimento, adesão e subscrição do conteúdo de tais documentos, por parte do A, e mesmo que tivesse sido provada a autoria da assinatura (e não foi), a lei não admite que lhe seja atribuído o texto (V. parecer Prof. Pedro Romano Martinez, fls. 2629 a 2635, Vol 11), e ficou provada a deficiência visual que afectou CC, o que implica intervenção notarial, que não ocorreu e é formalidade especial para prova da existência dos factos – artº 373º, nº 2 do CC, e artº 607º, nº 5 in fine CPC.

48) Em qualquer caso, sempre os bancos RR teriam incumprido o contrato a que se vincularam, na medida em que nunca transmitiram para o A, nem este adquiriu, as acções representativas do capital da Serot, pelo que, a alegada “Declaration of Trust” está, na realidade, desprovida de suporte factual e jurídico, e, mesmo de objecto, consubstanciando uma falsidade, pela simples razão de que o A jamais teve a titularidade das acções da Serot Finance, Ltd.

49) E não afectaram os valores transferidos a qualquer investimento mobiliário, tendente a valorizar e a acrescentar rendimento, antes, ocorrendo, entre Julho/Agosto/2005 e Outubro do mesmo ano, o inexplicável desaparecimento ou subtracção de tais valores, ou seja, três anos antes da alegada crise de 2008, que é completamente alheia a tal subtração, e que, “a fortiori”, se pretende apresentar como explicação para a perda do rasto dos valores ilegalmente transferidos para Cayman.

50) E tais transferências da conta pessoal do A. para a conta da Serot Finance, Ltd, que não pertence ao A., foram realizadas sem contrapartida e sem causa aquisitiva, pelo que estão feridas de nulidade, porque atentam contra a boa fé e os bons costumes e princípios de ordem pública (artº 280º, nº 2 e artº 762º, nº 2 do C.C.).

51) Na conclusão 18ª das contra alegações de apelação, os bancos RR assumem, abertamente, recusar dar sobre isso qualquer informação e afirmam que não têm a menor obrigação de produzir a mais pequena explicação sobre o destino dado a tais valores, de que o A foi desapossado, e de que está privado, por via duma transferência não autorizada, ilícita e culposa, por parte dos bancos RR, assistindo-lhe, assim, o direito de ser indemnizado pelo valor sucedâneo e equivalente ao dos títulos subtraídos e respectivos juros.

52) Apesar dos bancos RR assumirem que não deram, e recusarem mesmo dar, qualquer explicação sobre o destino dado aos valores transferidos, da conta da SFE para Cayman, espantosamente, as instâncias, e, em especial, o acórdão recorrido, conseguiram encontrar uma explicação, que não consta em parte alguma dos autos - o de que tais valores teriam sido investidos em beneficio do A., ou seja, optaram contra a verdade resultante dos autos, por uma solução favorável aos bancos RR, o que se traduz numa subversão dos mais elementares princípios de equidistância e numa denegação de justiça em relação ao A.

53) As instâncias foram indiferentes e, em especial, o acórdão recorrido, ao corroborar a posição da 1ª instância, no sentido de que os valores entregues ao A, titulados exclusivamente em cheques emitidos pelo banco R/Millennium, proviriam da conta da Serot Finance, em Cayman, valores estes que os próprios bancos RR, no artº 289º da contestação, consideraram, “grosso modo” corresponder às remunerações, juros e rendimentos de títulos que lhe eram regularmente entregues pelo banco R/Millennium e que para ele eram a sua razão de ser.

54) Acresce que, só em 2011, o A. tomou conhecimento das contas da Serot Finance, Ltd, por só então, os bancos RR, as terem disponibilizado (facto provado 42), o que resulta, aliás, do ilegal holdmail que os bancos RR constituíram, para actuarem, como actuaram, de rédea solta, e continuarem a assumir que não deram qualquer explicação, nem têm de dar, relativamente aos valores de que o A foi ilicitamente desapossado, e que reclama nesta acção.

55) Importa enfatizar, que ficou provada a alegada existência e transferência dos valores em causa, que o A reclama, (o que cabia ao A demonstrar, e demonstrou), e não ficou provado que tal tenha ocorrido por instrução ou ordem do A, (o que cabia ao banco R provar, e não provou), ao contrário do decidido pela Relação, sendo que, a demonstrada incorrecção das instâncias e do acórdão recorrido, na apreciação das provas e fixação dos factos materiais da causa, decorre, (atenta a grave limitação visual do falecido A/CC – pontos 16 a 20 dos factos provados – artº 71 da CRP), de manifesta preterição ou ofensa de disposições expressas da lei, designadamente, do disposto no artº 373º, nº 3 do CC, matéria esta que compete ao STJ conhecer, por força do nº 3 do artº 674º do CPC.– (V. Acordão STJ de 16/09/2014, de 18/12/2008, e 31/03/2009).

E) Das inconstitucionalidades

56) A interpretação dada, no acórdão recorrido, no sentido de considerar ocorrer abuso de direito, por parte do A, por, alegadamente se ter conformado, durante anos, com a situação de que vem reclamar nos autos, quando, por força do contrato de holdmail, cuja ilegalidade se suscitou, e não foi admitida, só em 2011 se apercebeu lhe terem sido subtraídos os valores que reivindica, inconstitucionaliza o artº 334º do CC, por excessiva e desproporcionada, redundando numa violação do artº 20º da CRP, e consequente, negação de acesso ao Direito e à Justiça.

57) A interpretação dada, no acórdão recorrido, aos artºs 2º, nº 1 e 8º da Lei 24/96 de 31 de Julho, dissociadamente do disposto no artº 373º, nº 3 do CC, inconstitucionaliza aquelas disposições por preterição e violação do artº 13º (principio da igualdade) e artº 60º da CRP (protecção do consumidor).

58) A mesma inconstitucionalidade se regista na interpretação do artº 373º, nº 3 do CC por violação dos artºs 13º, 18º, nº 1, 37º, 60º e 71º da CRP (Protecção e respeito pelos direitos dos deficientes físico visuais).

59) O mesmo acontecendo relativamente ao nº 5 do artº 607º, do CPC, por violação dos artºs 13º, 18º, 37º, 60º e 71º e artº 5º, nº 1, 2 e 3, DL 446/85 de 25/10.

60) Igualmente inconstitucionalizante do artº 312º e da alínea a) do artº 323º do CVM, é a interpretação que o acórdão recorrido lhes dá, por suprimir as garantias constitucionalmente conferidas e, consequentemente, violar os artºs 37º, 60º e 71º da CRP.”


28. Os Recorridos contra-alegaram (fls. 3749 p.p.), também em resposta às conclusões de recurso aperfeiçoadas (fls. 3823 p.p.), pugnando pela inadmissibilidade do recurso tanto por via normal como por via excepcional e, subsidiariamente, pela manutenção do acórdão recorrido.


29. Por despacho da relatora de 27-01-2020 foi determinada, ao abrigo da primeira parte do n.º 2 do art. 617.º do CPC, a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para apreciação das nulidades do acórdão recorrido invocadas pelos Recorrentes.


30. Por acórdão da conferência de 28-05-2020 a Relação deu como não verificadas as nulidades arguidas, mantendo a decisão do acórdão impugnado.


31. Por decisão da relatora de 02-09-2020 foi admitida a revista por via normal, circunscrita à apreciação da questão da alegada violação, pela Relação, dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto nos termos do artigo 662.º do CPC, questão que foi, no entanto, julgada improcedente, tendo, no mais, sido determinada a remessa dos autos à Formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do CPC para apreciação da admissibilidade da revista por via excepcional, na medida em que, quanto às demais questões suscitadas pelos Recorrentes, se considerou verificada a dupla conforme.


32. Da decisão da relatora de 02-09-2020 impugnaram os Recorrentes para a conferência, suscitando diversas questões relativas à admissibilidade do recurso por via normal e ao conhecimento do objecto do mesmo recurso, e invocando ainda que a decisão impugnada não respeita as competências legais atribuídas ao relator e padece de omissão de pronúncia sobre a questão da nulidade do acórdão da Relação de 28-05-2020 (suscitada por requerimento de 12-06-2020), que se pronunciou pela não verificação das nulidades imputadas, em sede de recurso, ao acórdão recorrido (datado de 28-03-2019).


33. Responderam os Recorridos, pugnando pela manutenção da decisão impugnada e formulando pedido de condenação dos Recorrentes por litigância de má-fé, em multa e indemnização a favor dos Recorridos, a liquidar.

Notificados da resposta, os Recorrentes não se pronunciaram sobre tal pedido.


34. Por acórdão da conferência de 26-11-2020 manteve-se a decisão da relatora de 02-09-2020, assim como a decisão de remessa dos autos à Formação para apreciação da admissibilidade da revista por via excepcional. Quanto ao pedido dos Recorridos de condenação dos Recorrentes por litigância de má-fé, remeteu-se para conhecimento a final, caso o recurso viesse a ser admitido por via excepcional.

35. Por acórdão de 12-01-2021, a Formação admitiu o recurso por via excepcional.


II – Fundamentação de facto


1. CC nasceu no dia .../.../1928.

2. Em 7 de Janeiro de 1988, CC abriu uma conta de depósito particulares, conta conjunta à ordem, junto do Banco Comercial Português, S. A., com o número ...08, co-titulada por CC e BB, domiciliada na sucursal do BCP sita à Rua ..., no ... (artigo 1º da petição inicial e artigos 136º a 138º da contestação).

3. Cerca do ano de 1990, CC abriu uma conta com o número ...87, na Sucursal Financeira Exterior do Millennium – Banco Comercial Português, S. A. situada na ... (artigo 2º da petição inicial e artigo 147º da contestação).

4. CC dispunha, à data, de documento comprovativo de residência nas ... (artigo 2º da petição inicial).

5. Com data de 28 de Junho de 2005, CC efectuou um depósito de valores e numerário na conta n.º ...87, no valor de € 500 000,00 (quinhentos mil euros) (artigo 3º da petição inicial).

6. No âmbito da sua relação bancária com o primeiro réu, CC deslocava-se, por si próprio, às instalações do banco Millennium BCP, S. A. (artigo 5º da petição inicial).

7. Por regra, e ao longo dos anos, CC era atendido no banco pelo funcionário DD (artigo 6º da petição inicial).

8. O Millennium BCP, S. A. (Unidade Operacional Private Banking ...) emitiu, a solicitação do BCP Bank & Trust Company, Ltd., o cheque n.º ...91, com data de 6 de Agosto de 2007, com local de emissão ..., no valor de € 155 853,12, à ordem de CC (artigo 19º da petição inicial).

9. O Millennium BCP, S. A. (Unidade Operacional Private Banking ...) emitiu, a solicitação do BCP Bank & Trust Company, Ltd., o cheque n.º ...95, com data de 22 de Fevereiro de 2007, com local de emissão ..., no valor de € 500 000,00, à ordem de CC (artigo 20º da petição inicial).

10. Em Maio de 2011, CC teve uma reunião com o Dr. EE, à data director geral do Banco Comercial Português, S.A. na ... (artigo 21º da petição inicial).

11. Com data de 22 de Julho de 2005 foi aberta junto do BCP Bank & Trust Company (Cayman) Limited uma conta de depósitos à ordem com o n.º ...97, a que se aplicam as condições gerais vertidas no documento de fs. 414 a 419 p.p. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (artigo 30º da petição inicial).

12. A sociedade Serot Finance Limited era titular da conta referida em 11. (artigo 31º da petição inicial).

13. No período de 22 de Julho de 2005 a 28 de Julho de 2005 figurou na conta titulada pela Serot Finance Ltd. um saldo positivo no valor de € 3 428 332,06 relativo ao valor de mercado nessa data dos valores mobiliários detidos pela sociedade (acções e obrigações) (artigo 33º da petição inicial e artigo 196º da contestação).

14. Os valores existentes na conta n.º ...97 junto do BCP Bank & Trust Company (Cayman) Limited pertenciam a CC (artigo 34º da petição inicial).

15. A conta junto do BCP Bank & Trust Company (Cayman) Limited foi aberta pelos serviços dos bancos réus (artigo 36º da petição inicial).

16. CC sofria de diabetes desde cerca do ano de 1994/1995 e de retinopatia diabética desde cerca de 1996, sendo invisual do olho esquerdo desde 1989, tendo sofrido hemorragias graves do olho direito cerca dos anos de 2004/2005, altura a partir da qual fica com 20% a 30% de visão, sendo considerado deficiente invisual desde meados do ano de 2006 (artigo 45º da petição inicial).

17. A dificuldade de visão de CC era do conhecimento dos funcionários do réu Millennium BCP, S. A., nomeadamente, daqueles que o recebiam no banco (artigo 46º da petição inicial).

18. Quando se deslocava ao Millennium BCP, S. A. o CC era recebido à porta pelo funcionário, por regra, o funcionário DD (artigo 47º da petição inicial).

19. A partir de 2004/2005 o CC não conseguia ler, por falta de visão, documentos como os que constam de fls. 676 e 677, 680 a 682 e outros com um tamanho de letra similar (artigo 49º da petição inicial).

20. Em Dezembro de 2012 os títulos existentes na conta de títulos n.º ...97 registados em nome da sociedade Serot Finance Ltd. apresentavam um valor de mercado global aproximado de € 1 700 000,00, valor meramente indicativo (artigo 51º da petição inicial).

21. Em Dezembro de 2012, encontravam-se registados na conta de títulos n.º ...97 titulada pela sociedade Serot Finance Ltd. os seguintes títulos que pertenciam a CC:

TítuloValor nominal (€)Valor Actual de Mercado (€)
ACHEMA 6 CAL 2012

ISIN: ...

38.00034.200
SAMPO BK/2049

ISIN: ...88

50.00024.500
LANSKBKI ISL PE

ISIN: ...

75.0004
KAUPTHING/PERP

ISIN: ...

2.384.0000
HELEBA 5,75 PERP

ISIN: ...

310.000210.800
ACÇÕES SONAE SGPS

ISIN: ...

2.515.7371.449.065

(artigo 69º da petição inicial).

22. A Serot Finance Ltd. é uma sociedade comercial internacional, de responsabilidade limitada, constituída em 13 de Julho de 2005 e registada sob o número ...45,206, com sede em 60, Market Square, P. O. Box 364, Belize City Belize, com o capital social de $ 50 000 (USD), cujo director é Fiduciary Directors (BVI) Limited, Mill Mall, Suite 6, Wickham`s Cay 1, Road Town, Tortola, Ilhas Virgens Britânicas e a Secretária é Fiduciary Management Limited, 3 Bell Lane, Gibraltar e, de acordo com os seus estatutos, vincula-se com a assinatura de um director ou de um director e da secretária ou de um ou mais advogados nomeados, tendo por objecto principal investimentos incluindo contas bancárias (artigo 70º da petição inicial).

23. O representante oficial da Serot Finance Ltd. é o Belize Bank Limited com domicílio em 60, Market Square PO Box 364, Belize City (artigo 71º da petição inicial).

24. A sociedade Serot Finance Ltd. foi constituída em Belize por uma sociedade designada Belize Incorporation Services, Ltd. que procede à constituição de empresas internacionais de negócios para posterior venda a interessados (artigo 72º da petição inicial).

25. CC apôs o seu nome, com o seu próprio punho, em documentos diversos, nomeadamente a partir de 2004/2005, data em que, por dificuldades de visão, não os conseguia ler, nas instalações do réu Millennium BCP S. A., no ..., conforme lhe era indicado pelos funcionários do banco e no âmbito da relação de confiança que estabeleceu com estes, designadamente, com o funcionário DD (artigo 85º da petição inicial).

26. CC não detinha nenhuma acção representativa do capital da sociedade Serot Finance Ltd. (artigo 88º da petição inicial).

27. CC nunca se deslocou a ... (artigo 110º da petição inicial).

28. Com data de 28 de Agosto de 2007, foi celebrado um “Contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente caucionada” que consta de fls. 405 a 408 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, figurando como primeiro outorgante o BCP Bank & Trust Company Ltd., em cuja representação assinou pelo menos JJ e, como segundo outorgante, Serot Finance Ltd., subscrito por CC, pelo seu próprio punho, como procurador e último beneficiário desta, destinado ao financiamento para aquisição de títulos (PSI 20 e Euronext), mediante o qual o banco abriu a favor da sociedade um crédito até ao montante de € 5 000 000,00 (cinco milhões de euros), como valor máximo de crédito a conceder, a funcionar através de uma conta aberta em nome da segunda outorgante com o n.º ...36, vencendo-se a 28 de Agosto de 2008 mas sendo prorrogado por períodos sucessivos de 30 dias, salvo indicação em contrário que se tornará eficaz mediante comunicação escrita do banco dirigida à segunda outorgante (artigos 219º, 220º e 223º da contestação).

29. Consta da cláusula 9. do documento referido em 28. o seguinte: “Para garantir o presente contrato de abertura de crédito o Segundo Outorgante, constitui a favor do Banco Penhor de Valores Mobiliários com um grau de cobertura de 130%, formalizado em documento anexo que integra o presente contrato, destinado a assegurar o bom pagamento de capital, juros remuneratórios e moratórios, perdas cambiais, encargos e acessórios. Sempre que a relação financiamento garantida se torne inferior a 110%, o Banco poderá exigir o reforço da garantia de modo a repor o valor percentual nos 130%, ou, em alternativa, liquidar o financiamento em curso.”

30. A crise económica islandesa eclodiu no Verão de 2008 após a crise financeira nos Estados Unidos da América, causando a desvalorização das obrigações do Kaupthing Bank, o que colocou a sociedade Serot Finance Ltd. em situação de não poder cumprir e pagar aos bancos réus o empréstimo contraído (artigos 160º e 242º da petição inicial).

31. Com data de 28 de Agosto de 2007, foi celebrado um “Contrato de penhor de valores mobiliários”, que consta de fls. 409 a 412 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, figurando como primeiro outorgante o BCP Bank & Trust Company Ltd. e, como segundo outorgante, Serot Finance Ltd., subscrito por CC, pelo seu próprio punho, como último beneficiário desta, mediante o qual foram dados de penhor os valores mobiliários constantes de relação anexa que consta de fls. 412 p.p. que aqui se dá por reproduzida, de que a segunda outorgante se declarou dona e legítima proprietária, para garantia de bom cumprimento das responsabilidades assumidas perante o banco, até ao montante máximo de € 5 000 000,00 provenientes do contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente caucionada até ao referido limite, incluindo os respectivos juros, acrescida de sobretaxa de 2% em caso de mora e as despesas judiciais e extrajudiciais que o banco tenha de fazer para cobrança dos seus créditos computados em 4% sobre o valor da dívida (artigo 207º da petição inicial e artigos 230º, 231º e 233º da contestação).

32. De acordo com a Cláusula Quinta do contrato referido em 31., sempre que ocorra uma depreciação do valor dos títulos dados como penhor, e desde que essa depreciação não seja inferior a 15%, a segunda outorgante tem o dever de efectuar o reforço do penhor (artigo 208º da petição inicial).

33. A relação bancária que CC manteve com o réu Millennium BCP, S.A. foi estabelecida, de modo directo e habitual, com o funcionário DD, com quem estabeleceu uma relação de confiança, sendo que a gestão dessa relação envolveu ainda outros colaboradores do banco, como o Dr. GG (artigo 271º da petição inicial).

34. O funcionário DD merecia, à data, a confiança da administração do banco Millennium BCP, S.A. tendo sido responsável da Sucursal Financeira Exterior desde a sua criação em 1990 até 2004, data a partir da qual passou a director comercial (artigo 274º da petição inicial).

35. CC era um homem de negócios tendo sido accionista da sociedade Insular de Moinhos, empresa ligada ao ramo alimentar (artigo 14º da contestação).

36. CC apôs a sua assinatura, pelo seu próprio punho, nos seguintes documentos:

a) Com data de 19-04-2007, pedido de emissão de um cheque bancário, passado à ordem do BANIF, no valor de € 178 998,60;

b) Com data de 2-07-2008, 28-07-2008, 29-09-2008, 7-11-2008 e 19-12-2008, talões de levantamento de numerário da sua conta n.º ...08, domiciliada na sucursal do BCP do ...;

c) Em Fevereiro de 2007, pedido de subscrição de Unit Linked no valor de € 500 000,00;

d) Cheques datados de 25-02-2008, 14-03-2008, 04-08-2008, 22-04-2009, 29-06-2009, 24-11-2010 e de 14-06-2011;

e) Com data de 15-06-2011, pedido de transferência da totalidade dos títulos que se encontravam registados na sua carteira de títulos associada à conta n.º ...08 para uma conta por si titulada e domiciliada no Barclays Bank PLC;

f) Com data de 28-09-2012, autorização de transferência dos títulos referentes ao exercício dos direitos “Aumento de Capital BCP” e inerente crédito na conta n.º ...08artigo 91º da contestação).

37. CC dispunha, desde 2004, de um código de acesso multicanal que lhe permitia aceder, através da Internet, a informação sobre a sua conta pessoal n.º ...08, bem como realizar diversas transacções online (artigo 92º da contestação).

38. CC acedeu, regularmente e pelo menos desde 2006, à sua conta pessoal através do referido código multicanal (artigo 94º da contestação).

39. O código de acesso multicanal é pessoal e intransmissível (artigo 96º da contestação).

40. CC realizava as seguintes operações: consulta de histórico de movimentos; pagamento de serviços, compras e de impostos; transferências bancárias (artigo 98º da contestação).

41. Em 15-09-2011, CC enviou ao BCP uma carta, através da qual acusou a recepção dos extractos bancários da conta titulada pela Serot Finance Ltd. que lhe foram enviados, em 01-08-2011, por mensagem de correio electrónico e por carta, pelo Bank & Trust, Ltd. na pessoa do funcionário KK (artigo 116º da contestação).

42. O envio dos extractos da conta da Serot Finance Ltd., que abrangiam o período compreendido entre a data da abertura da conta daquela sociedade e o mês de Junho de 2011, foi feito na sequência da carta de 22-07-2011 que CC enviou ao BCP a solicitar os referidos extractos (artigo 117º da contestação).

43. Na carta de 15-09-2011, CC não fez qualquer referência à sua condição de invisual, tendo apenas referido que não entendia os extractos e que “nunca autorizou o Banco a investir o seu dinheiro em acções e nunca solicitou ao banco qualquer empréstimo bancário”, não tendo enviado o relatório médico subscrito pelo Dr. LL em 07-06-2011 (artigos 118º e 119º da contestação).

44. Na carta que CC enviou ao BCP com data de 14-11-2011, que consta de fls. 455 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em que solicitou o envio “(…) de todos os extractos de todas as minhas contas bancárias que foram abertas e movimentadas desde Outubro de 1989 até Julho de 2005, junto da Sucursal Financeira do vosso banco, na ..., bem como informação detalhada dos créditos, por depósitos ou transferências interbancárias, nelas existentes no ano de 1989, o ano de abertura”, não fez referência à sua deficiência visual nem à sua incapacidade de ler documentos, nem juntou o relatório médico (artigos 120º e 121º da contestação).

45. Em carta com data de 7-03-2012 que o Eng.º MM, em representação de CC, enviou ao BCP, na pessoa da Dra. NN, solicitando esclarecimentos relativos aos juros que aquele alega ter deixado de receber desde Janeiro de 2011 nenhuma referência é feita à cegueira ou à data em que esta se terá verificado, sendo apenas referido que tinha “limitações de saúde” e também não foi junto a tal carta o relatório médico elaborado pelo Dr. LL (artigos 122º a 124º da contestação).

46. Na procuração outorgada por CC a favor do Eng.º MM, anexa à carta de 7-03-2012 não é apontada como causa para tal emissão qualquer limitação física daquele (artigo 125º da contestação).

47. Através de carta com data de 31-07-2012, enviada ao BCP, na pessoa da Dra. NN e do Dr. EE, pelo Eng.º MM, em representação de CC, que consta de fls. 459 a 461 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi feita referência à “falta de vista” deste, sem que fosse junto o relatório médico (artigos 126º e 127º da contestação).

48. A carta de 31-07-2012, referida em 47., foi enviada ao BCP em resposta às cartas com data de 3-07-2012 e de 10-07-2012, enviadas, respectivamente, pelo Bank & Trust e pelo BCP ao Eng.º MM (artigo 128º da contestação).

49. Em 31-03-1998, o património pessoal de CC registado na sua conta à ordem n.º ...08 era composto por um depósito a prazo de 17 000 000$00 (cerca de € 85 000,00), com data de vencimento em 25-04-1998 e uma carteira de títulos avaliada em Esc. 8.025.750$00 (cerca de € 40 000,00) composta por acções do BCP (artigo 139º da contestação).

50. Entre Março de 1998 e Outubro de 1998 foram constituídos, sucessivamente, depósitos a prazo, por períodos de 30 dias, com o produto do vencimento de depósitos anteriores, até que, após o vencimento do último depósito a prazo constituído no valor de 3.000.000$00 (cerca de € 14 963,94), em 06-11-1998, não foi constituído nenhum outro depósito a prazo (artigo 140º da contestação).

51. Em 31-11-1998, o património de CC era composto pelo valor do saldo à ordem da conta n.º ...08Esc. 3 482 967$00, equivalente a cerca de € 17 373,00) e pelos títulos que se encontravam registados na carteira de títulos no valor de Esc. 9 224 012$00 (cerca de € 46 000,00), designadamente, acções do BCP (artigo 141º da contestação).

52. A partir dessa data (31-11-1998) e até 2005 não foi constituído pelo CC nenhum outro depósito a prazo associado à conta n.º ...08 (artigo 142º da contestação).

53. CC passou a aplicar o seu capital em valores mobiliários, designadamente, acções e em seguros de poupança Unit Linked (artigo 143º da contestação).

54. Os Unit Linked são contratos de seguro ligados a fundos de investimento que integram o leque dos chamados “produtos financeiros complexos” a que está associado, designadamente, o risco de reembolso não integral do capital na data do vencimento (artigo 144º da contestação).

55. Em Junho de 2005, CC era titular dos seguintes valores mobiliários registados na conta de títulos n.º ...08, associada à conta à ordem com o mesmo número:

a) acções Cimpor Nom, EDP Nom e BCP no valor total de € 279 800,85;

b) seguro de poupança Unit Linked no valor total de € 24 991,78 (artigo 145º da contestação).

56. A possibilidade de abertura de uma conta na Sucursal Financeira Exterior dependia do preenchimento de determinadas condições de elegibilidade, designadamente, a residência fora do território português, condição preenchida por CC por via do referido em 4. (artigo 149º da contestação).

57. À conta n.º ...87 encontravam-se associadas outras contas bancárias, algumas tendo como moeda base divisas estrangeiras, que se destinavam à realização de operações cambiais à vista, entre elas a conta º ...94, cuja moeda de base era o EUR (artigo 150º da contestação).

58. Uma operação cambial à vista consiste na compra de uma divisa contra a venda de outra divisa numa determinada data em que o risco mais significativo é o risco de a taxa de câmbio se alterar desfavoravelmente para o investidor, ou seja, se for estipulado que numa determinada data o investidor irá comprar uma determinada divisa estrangeira contra o pagamento noutra divisa e a primeira sofrer uma depreciação em relação à segunda (artigos 151º e 152º da contestação).

59. As mais-valias resultantes das operações cambiais à vista permitiram a CC alavancar o investimento em valores mobiliários e entre 1996 e 2005, adquiriu diversos valores mobiliários, tais como acções, algumas relativas a empresas que integram o PSI 20, e obrigações, designadamente, Lloyds Pref Sh, BCP Finance, BCP Nom, Rendimento TOP4, BCP Fin Conv/11, SONAE SGPS, Cimpor Fin/2011 (artigo 154º da contestação).

60. Os referidos títulos encontravam-se registados na carteira de títulos associada à conta n.º ... (artigo 155º da contestação).

61. Nos anos posteriores a 2005, o CC continuou a fazer investimentos através da sua conta pessoal n.º ...08, de que são exemplo os seguintes:

a) aplicações financeiras que realizou a 90 dias denominadas por “depósitos valor duplo” no valor de € 75 600 constituídos em 12-10-2006 e cujo vencimento ocorreu em 13-04-2007, pelo valor total de € 76 095,66;

b) subscrição de Unit Linked no valor de € 500 000,00 em Fevereiro de 2007, cujo reembolso ocorreu em 15-02-2012, pelo valor de € 491 750,00, tendo sido emitido um cheque nesse montante;

c) aquisição, em 13-10-2006, de acções Millennium Dinâmico, Millennium Eurofinanceiras e Fundo Millennium Acções Portugal (artigo 159º da contestação).

62. Em 2005, no intuito de maximizar a rentabilidade do seu património pessoal, CC decidiu, por sua vontade mas sob indicação dos funcionários do réu Millennium BCP, S. A., passar a realizar investimentos através de uma sociedade offshore, que veio a ser a sociedade Serot Finance Ltd. (artigo 160º da contestação).

63. Essa decisão ficou a dever-se à entrada em vigor em Julho de 2005 de diploma legal que consagrou a obrigatoriedade de comunicação dos rendimentos sobre a poupança (juros), auferidos a partir de 1 de Julho de 2005, por todos os clientes particulares residentes no estrangeiro, às autoridades fiscais dos respectivos Estados Membros de residência, a fim de serem sujeitos a tributação, nos termos da legislação aplicável em cada Estado membro (artigos 163º e 165º da contestação).

64. O método eleito pela União Europeia para assegurar a tributação destes rendimentos foi a troca automática de informações entre as entidades bancárias que recebem e remuneram as aplicações financeiras, e as autoridades tributárias dos países onde residem os investidores (artigo 166º da contestação).

65. CC teve conhecimento, pelo menos em Junho de 2005, de tal alteração legislativa, pois, no extracto de Junho referente à conta n.º ...87 consta expressamente o seguinte: “Ao abrigo do Decreto-Lei n.º 62/2005, de 11 de Março, as entidades estabelecidas em Portugal que pagam ou atribuem rendimentos da poupança sob a forma de juros a pessoas singulares não residentes em Portugal e residentes noutros Estados Membros da União Europeia, em ..., nas ..., em ..., em ..., na Ilha de ..., em ..., nas ..., em ..., nas ... e nas ... comunicarão anualmente à Direcção-Geral dos Impostos informação relativa à identidade e residência dos beneficiários daqueles rendimentos e aos respectivos montantes pagos ou atribuídos. Aquela Direcção-Geral enviará esta informação às entidades competentes dos países e territórios de residência dos beneficiários. Em obediência à legislação referida, a informação nela prevista passará a ser enviada à Direcção-Geral dos Impostos a partir da data da respectiva entrada em vigor (1 de Julho de 2005)” (artigo 169º da contestação).

66. É comum, em jurisdições como a das Ilhas Caimão e a de Belize, haver uma lista de sociedades já constituídas e com as respectivas denominações sociais já aprovadas com o propósito de acelerar a constituição de um trust, evitando que o beneficiário económico tenha de sujeitar-se às formalidades e procedimentos inerentes à criação de uma nova sociedade (artigo 171º da contestação).

67. Tais sociedades não têm qualquer actividade até ao momento em que as suas acções são adquiridas (artigo 172º da contestação).

68. A Serot Finance Ltd., sociedade offshore com sede na cidade de Belize, constituída em 13-07-2005, foi criada nesse contexto (artigo 173º da contestação).

69. Neste contexto, que foi explicado ao CC e por este querido, com data de 19-07-2005, foi celebrado entre ele e o BCP Bank & Trust Ltd. o “Acordo de Prestação de Serviços Fiduciários” que consta de fls. 367 a 379 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nos termos do qual o primeiro solicitou ao segundo a prestação de serviços fiduciários com vista à alocação do seu património pessoal a uma sociedade offshore, da qual seria o beneficiário económico (ultimate beneficial owner) (artigo 174º da contestação).

70. A sociedade escolhida para o efeito foi a Serot Finance Limited (artigo 175º da contestação).

71. Ao abrigo da cláusula 11. das condições gerais do referido acordo, que estabelece que “No âmbito dos serviços contratados poderá o BCP Cayman sempre que considere conveniente, recorrer a terceiras entidades, delegando ou transferindo para as mesmas a prestação, total ou parcial, desses serviços ou a sua posição contratual”, o BCP Bank & Trust cometeu à “Servitrust – Trust and Management Services, S.A.”, empresa entretanto extinta, a prestação dos serviços solicitados pelo CC (artigo 176º da contestação).

72. No item constante do acordo referido em 69. com a menção “Origem do património inicial” foi declarado pelo CC como tal o “património financeiro pessoal”, que, de facto, veio a ser transferido da conta n.º ...87 para a conta titulada pela Serot Finance Ltd. por instrução daquele (artigo 177º da contestação).

73. O acordo de prestação de serviços fiduciários visava, entre o mais, a indicação de CC como ultimate beneficial owner da Serot Finance Ltd., conforme consta expressamente do ponto 5. de tal acordo (artigo 178º da contestação).

74. CC indicou também que pretendia a nomeação de sócios fiduciários, ou seja, a nomeação de sócios detentores das acções representativas da Serot Finance Ltd. (artigo 179º da contestação).

75. Foi designada como sócia fiduciária (trustee) a sociedade Welbeck (NZ Limited), com sede na Nova Zelândia, em nome da qual foram registadas as 50 000 acções representativas do capital social da Serot Finance Ltd. (artigo 180º da contestação).

76. CC requereu ainda a nomeação de Directores Fiduciários pelo que foi nomeada para tal cargo a Fiduciary Directors BVI Limited of Mill Mall, conforme referido em 22. (artigo 182º da contestação).

77. Foi requerido pelo CC que lhe fossem conferidos poderes de representação para abertura e movimentação de contas bancárias junto do BCP Bank & Trust Ltd. e para solicitar pedidos de financiamento e/ou prestação de garantias em nome da sociedade (artigo 183º da contestação).

78. De acordo com tal pedido, a Fiduciary Directors (BVI) Limited, administradora única (Sole Director) da Serot Finance Ltd. aprovou uma deliberação, com data de 4 de Janeiro de 2006, através da qual conferiu a CC poderes de actuação em nome e por conta da Serot para a prática, entre outros, dos seguintes actos: a) abrir, movimentar e encerrar contas bancárias em qualquer sucursal ou filial do Banco Comercial Português, S.A., localizadas em Portugal ou em qualquer país, designadamente, no BCP Bank & Trust Company (Cayman), b) assinar, no âmbito das contas tituladas pela sociedade, quaisquer contratos e formulários bancários para abertura de conta (artigo 184º da contestação).

79. Ficando o banco, correspectivamente, obrigado, designadamente, a executar ordens transmitidas por CC relativas a cheques, saques, letras de câmbio, notas promissórias, aceites, instrumentos negociáveis e a cumprir todas as instruções de entrega ou disposição de quaisquer títulos, instruções dadas no âmbito da negociação de empréstimos e de operações de crédito em geral (artigo 185º da contestação).

80. Apesar da deliberação do director único que consta de fls. 680 p.p. e da declaração de confiança terem sido lavradas com data de 4 de Janeiro de 2006 tal não obstou a que as contas tituladas pela Serot Finance Ltd. fossem movimentadas por CC desde a data da celebração do acordo referido em 69. na qualidade de procurador e ultimate beneficial owner (artigo 186º da contestação).

81. Em 22-07-2005 foi aberta a conta bancária n.º ...97, titulada pela Serot Finance Ltd. (artigo 189º da contestação).

82. Com data de 22-07-2005, CC apôs a sua assinatura, pelo seu próprio punho, enquanto procurador e beneficiário da sociedade Serot Finance Ltd., nas condições gerais aplicáveis à conta referida em 81., condições gerais aplicáveis às contas de valores mobiliários que viessem a ser abertas em nome da sociedade e condições gerais de crédito aplicáveis aos contratos de concessão de crédito que viessem a ser celebrados entre o BCP Bank & Trust e a Serot (artigo 190º da contestação).

83. Com a mesma data (22-07-2005) e idêntica qualidade, CC apôs a sua assinatura no documento de fls. 420 p.p. onde constam as condições particulares da conta ...97, designadamente, que a movimentação da conta seria feita de forma individual por aquele, na qualidade de procurador da sociedade Serot Finance Ltd. (artigo 191º da contestação).

84. Com data de 22-07-2005, CC apôs a sua assinatura, pelo seu próprio punho, enquanto procurador e beneficiário da sociedade Serot Finance Ltd., no documento intitulado “Contrato de Holdmail”, que consta de fls. 681 e 682 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nos termos do qual “A pedido do segundo contraente compromete-se o Banco à prestação de um serviço designado por Hold Mail que consiste no não envio da correspondência destinada ao Cliente e onde conste a morada deste, mencionada como sendo domicílio da conta. A correspondência a reter em depósito comporta, nomeadamente, os extractos mensais de posição, os comprovativos, notas ou avisos de lançamento de operações, cartas e notificações e, de uma forma geral, toda a correspondência emitida pelos serviços do Banco, à excepção de mailings, folhetos e demais material relativo a produtos e/ou serviços de carácter meramente informativo, os quais não serão nem expedidos nem retidos em depósito” (artigo 192º da contestação).

85. Quanto ao prazo de duração do Contrato de Hold Mail, prevê a Cláusula Nona que “O contrato agora celebrado é válido pelo período de um ano e renovável automaticamente por iguais períodos, salvo se for denunciado por qualquer das partes, por escrito, com um mínimo de trinta dias de antecedência.” (artigo 193º da contestação).

86. O património transferido para a conta n.º ...97 titulada pela Serot Finance Ltd. proveio, por instrução de CC, da sua conta pessoal domiciliada na Sucursal Financeira Exterior do BCP referida em 3., e integrava exclusivamente valores mobiliários (artigo 105º da contestação).

87. Em 28-07-2005, foi transferido da conta n.º ...87 titulada por CC para a conta n.º ...97 titulada pela Serot, o seguinte património (considerando o valor de mercado indicativo dos vários títulos e a soma do valor dos juros corridos até à data de 29-07-2005):

Conta Título Qt. Valor

(€)

Mov Conta Título Qt.Valor(€)Mov
...87 Bcp Fin Bk Crs

Acções Europeias

Julho/06

2500 303.925 D 452097 Bcp Fin Bk Crs Acções Europeias Julho/06 2500 303.925,50 C
...87 Bcp Fin Bk Us Bullish Eur M2007 2500 261.850 D 452097 Bcp Fin Bk Us Bullish Eur M2007 2500 261.850,35 C
...87 Bcp Fin China Dragon Index Note 571 63.683,63 D 452097 Bcp Fin China Dragon Index Note 571 63.683,63 C
...87 CLN Rendimento Top 4 (EUR) 760 741.000 D 452097 CLN Rendimento Top 4 (EUR) 760 754.606,64 C
...87 Dz Bank Capital 707 705.232,5 D 452097 Dz Bank Capital 707 710.060,72 C
...87 HVB Funding

Trust

8000 215.440 D 452097 HVB Funding

Trust

8000 215.440 C
...87 IKB 6,625% 1407 154.770 D 452097 IKB 6,625% 1407 155.105,61 C
...87 Merryl Lynch Cert Dynam Biotech 20 1240 73.036,00 D 452097 Merryl Lynch Cert Dynam Biotech 20 1240 73.036,00 C
...87 Merryl Lynch

Global Supertech

5990 143.760 D 452097 Merryl Lynch

Global Supertech

5990 143.760 C
...87 Obrigações CG Arco-Iris 2006 1000 49.660 D 452097 Obrigações CG Arco-Iris 2006 1000 49.660,22 C
...87 Obrigações Grandes  Marcas Mundiais II 2006                  7000 697.200 D 452097 Obrigações Grandes  Marcas Mundiais II 2006                  7000 697.202,39 C
TOTAL 31.6753.409.557D 316753.428.332C

(artigo 197º da contestação).

88. Em Agosto de 2008 [erro de escrita do ano corrigido pela Relação] foram ainda transferidos da conta n.º ...87 para a conta da Serot n.º ...97 os seguintes títulos: 842.915 obrigações Capital BCP 2005, 320.891 acções do Banco Comercial Português, 2.500 BCP SFI Global Eq. Build Strategy e 2.550 Global Target Redemption SFE Mai (artigo 200º da contestação).

89. As acções do Banco Comercial Português foram vendidas em Bolsa na sequência do que foi transferido o valor de € 653 000,00 para a conta de CC n.º ...94, domiciliada na SFE ... (artigos 201º e 202º da contestação).

90. Com data de 6 de Outubro de 2005, foi celebrado um “Contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente caucionada” que consta de fls. 708 a 710 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, figurando como primeiro outorgante o BCP Bank & Trust Company Ltd. e, como segundo outorgante, Serot Finance Ltd, no qual CC apôs a sua assinatura, pelo seu próprio punho, como último beneficiário desta, destinado ao financiamento para investimento financeiro, mediante o qual o banco abriu a favor da sociedade um crédito até ao montante de € 3 000 000,00 (três milhões de euros), a funcionar através de uma conta aberta em nome da segunda outorgante com o n.º ...84, vencendo-se a 6 de Outubro de 2006 mas sendo prorrogado por períodos sucessivos de 90 dias, salvo indicação em contrário que se tornará eficaz mediante comunicação escrita do banco dirigida à segunda outorgante (artigos 209º e 210º da contestação).

91. Foi aberta a conta n.º ... (CCC 984) que era movimentada a crédito e a débito por contrapartida da conta à ordem n.º ...97 (artigo 211º da contestação).

92. O montante de € 3 000 000,00 foi creditado na conta à ordem n.º ...97 em 02-12-2005 (artigo 212º da contestação).

93. Como garantia do bom cumprimento do contrato, a Serot Finance Ltd. constituiu, com data de 06-10-2005, a favor do BCP Bank & Trust Ltd. um penhor que tinha por objecto os seguintes valores mobiliários relativamente aos quais declarou ser dona e legítima proprietária:

a) 1000 BCP SFI OB CAP GARANTIDO ARCO-IRIS 2006

b) 760 RENDIMENTO TOP 4 EUR 53 EM/2006

c) 7000 MTN CG GRANDES MAR MUNDIAIS II 02/2006

d) 571 BCP FIN CHINA DRAGON IN NOTE NOV72005

e) 1.407 HYBRID RAISING GMBH 6,625 PERP

f) 2.500 BCP FIN BK CRESC ACÇÕES EUROP JUL/2006

g) 2.500 BCP SFI GLOB EQ INC BUILD STRATEGY 09

h) 2.500 BCP FIN BK –US BULLISH EQ STR EUR MAR 07

i) 2.550 GLOBAL TARGER REDEMPT SFE MAI 2004/09

j) 8.000 HVB FUNDING TRUST (bvbk) 7,000% SERIES

k) 271.129 CAPITAL BCP 2005 (artigo 213º da contestação).

94. O contrato de penhor e a respectiva relação anexa foram assinados por CC, na qualidade de ultimate beneficial owner e procurador da Serot Finance Ltd. (artigo 214º da contestação).

95. O crédito de € 3 000 000,00 foi utilizado, nomeadamente, para a aquisição, durante o mês de Janeiro de 2006, dos seguintes títulos que foram registados na carteira de títulos n.º ...97:

a) 6105 acções Lloyds Pref SH, em 20-01-2006, pelo valor de € 157 203,75;

b) 7.575 acções Lloyds Pref SH, em 30-01-2006, pelo valor de € 194979,00;

c) Rend Top Eur/06, em 20-01-2006, pelo valor de € 977 236,00;

d) 30 EFG Hella 6, Perp, em 17-01-2006 pelo valor de € 30 563,75 (artigo 215º da contestação).

96. Em Outubro de 2006 foram vendidos, pelo valor global de € 2 295 930,39, todos os títulos que se encontravam registados em nome da Serot Finance Ltd. com vista ao reembolso do crédito concedido pelo BCP Bank & Trust (artigo 217º da contestação).

97. A CCC 984 foi encerrada em 16-10-2006 (artigo 218º da contestação).

98. Para efeitos de disponibilização das quantias referidas no contrato de abertura de crédito de 2007 referido em 28. foi aberta a conta n.º ...36CCC 336) (artigo 222º da contestação).

99. Entre o BCP, S. A. e o BCP Bank & Trust Ltd. existe uma relação de «colaboração interbancária», em que o primeiro assegura, através dos seus funcionários, a ligação dos seus clientes, também clientes do Bank & Trust, com este banco, disponibilizando as suas instalações, prestando serviços de encaminhamento de correspondência, como extractos, ou informação proveniente do Bank & Trust, designadamente, sobre saldos bancários e evolução patrimonial, relação essa que era estabelecida, designadamente, através de funcionários/colaboradores do BCP, S. A. que estavam autorizados pela administração do banco a ter acesso às contas tituladas pelos clientes junto do BCP Bank & Trust Ltd. (artigos 227º a 229º da contestação).

100. Os valores mobiliários dados em penhor no âmbito do contrato referido em 31. foram os seguintes, que constam da relação anexa assinada por CC com data de 28-08-2007:

a) 2.100 Kaupthing Bank 6,750 PERPETUAL CALL

b) 310 MAIN CAPITAL FUND II 5 (artigo 234º da contestação).

101. O Bank & Trust Ltd. foi disponibilizando o capital à Serot Finance Ltd. à medida que era necessário para a aquisição de títulos e em Dezembro de 2012 foi transferido para a conta n.º ...97, por débito da conta n.º ...36, o valor de € 1 300 000,00, repartido por duas tranches, uma de € 600 000,00 e outra de € 700 000,00 (artigo 236º da contestação).

102. Entre Janeiro e Fevereiro de 2008 o Bank & Trust creditou a quantia de global de € 2 255 000,00 € (artigo 237º da contestação).

103. E em Março de 2008 foi creditada a quantia de € 1 430 000,00 (artigo 238º da contestação).

104. Através do crédito concedido pelo Bank & Trust no âmbito da CCC 336, a Serot Finance Ltd. foi adquirindo, designadamente, os seguintes títulos que foram registados na conta de títulos n.º ...97:

a) Acções BCP Nom/P. Reg

b) Acções Portucel Nom

c) Acções Cimpor

d) Acções Altri SPGS, S.A.

e) Acções Sonae Ind. SGPS

f) Acções Sonae Cap. SGPS

g) Acções Sonae SGPS

h) Acções Mota Engil SGPS

i) Acções Jerónimo Martins, SGPS (artigo 239º da contestação).

105. Através dos investimentos realizados, o valor da carteira de títulos aumentou de € 2 199 351,49, em Agosto de 2007 para € 5 687 607,88, em Abril de 2008 (artigo 241º da contestação).

106. Em meados de Setembro de 2008, a crise económico-financeira, que teve início nos ..., no final de 2007, conduziu a situações que não eram previsíveis e não foram previstas, como a estatização da Federal National Mortgage Association e a Federal Home Loan Mortgage Corporation e a venda ao Bank of America da corretora Merrill Lynch, ocorrendo ainda a falência do banco de investimentos Lehman Brothers e da agência seguradora AIG (American International Group) (artigos 242º a 244º da contestação).

107. A crise financeira afectou a Islândia vindo a ser nacionalizados, em Outubro de 2008, os três maiores bancos islandeses: Landsbanki, Kaupthing e Glitnir (artigos 246º e 247º da contestação).

108. A falência do Lehman Brothers e a nacionalização dos bancos islandeses e, em geral, a crise dos mercados financeiros nos ... e na Europa foram amplamente divulgadas pela comunicação social em todo o mundo, no final de 2008 e nos anos que se seguiram (artigo 248º da contestação).

109. Dada a desvalorização dos títulos dados em penhor como garantia da CCC 336, por força da crise financeira, foi solicitado a CC que este prestasse, na qualidade de procurador e ultimate beneficial owner da Serot Finance Ltd., uma fiança a favor do BCP Bank & Trust, Ltd. (artigo 254º da contestação).

110. CC acordou na prestação dessa garantia, assumindo a responsabilidade pessoal pelo pagamento da dívida da Serot Finance Ltd. até ao montante de € 4 985 000,00, incluindo juros, e aceitou renunciar ao benefício da excussão prévia, tal como consta do documento de fls. 413 p.p. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, por si subscrito na qualidade referida em 109., com data de 30 de Setembro de 2008, com o seguinte teor: “CC [ ] constitui-se fiador e principal pagador das responsabilidades assumidas ou a assumir por SEROT FINANCE LIMITED, perante o Millennium BCP Bank&Trust, até ao montante máximo de EUR 4,985,000 (quatro milhões, novecentos e oitenta e cinco mil euros), provenientes do Contrato de Abertura de Crédito n.º ...36, até ao limite de EUR 4,985,000 (quatro milhões, novecentos e oitenta e cinco mil euros), incluindo os juros até à taxa de 6,237% ou outra mais elevada que venha a ser fixada legalmente, acrescida de sobretaxa de 2% em caso de mora e das despesas judiciais ou extrajudiciais que o Banco tenha de fazer para cobrança dos seus créditos computados em 4% sobre o capital de EUR 4,985,000(quatro milhões, novecentos e oitenta e cinco mil euros), sem que possa invocar qualquer excepção e renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia.” (artigo 256º da contestação).

111. Em 21-01-2010, a relação anexa ao contrato de penhor referido em 31. foi alterada, passando o penhor de valores mobiliários a ter por objecto, para além dos títulos dados em penhor aquando da sua celebração, os seguintes valores mobiliários:

a) 2384 Kaupthing Bank, ou seja, mais 284 títulos para além dos 2.100 que constavam da relação anexa inicial, adquiridos em 18.02.2008;

b) 310 Main Capital Fund, que já constavam da relação anexa datada de 28.07.2007;

c) 2.515.737 Sonae SGPS, S.A.

d) 38 Eureko BV perpetual Call

e) 50 Sampo Bank PLC Var (12/2049) Call

f) 75 Landsbanki Islands 6,25 Perpetual Call, adquiridos em 16.01.2008 (artigo 263º da contestação).

112. A relação anexa de fls. 421 p.p. foi assinada por CC, na qualidade de procurador da Serot Finance Ltd. (artigo 264º da contestação).

113. Até 2012, CC nunca tinha colocado em causa, perante os réus, a existência da sociedade Serot Finance Ltd., as contas bancárias por esta tituladas, os contratos de abertura de crédito e de penhor por ela celebrados e a fiança por si prestada (artigo 272º da contestação).

114. Desde a abertura da conta da Serot Finance Ltd., em 2005, foram feitas diversas transferências de valores entre a conta n.º ...97 titulada pela referida sociedade e a conta pessoal de CC com o n.º ...08, que ocorreram sob a forma de transferências bancárias e de emissão de cheques bancários (artigos 273º e 274º da contestação).

115. Em Dezembro de 2005 e em Outubro de 2006, foram efectuadas transferências no valor, respectivamente, de € 120 000,00 € e de € 500 000,00 para a conta ...97 titulada pela Serot Finance Ltd., provenientes da conta n.º ...08 titulada por CC (artigo 276º da contestação).

116. Entre 2006 e 2010, CC foi beneficiário de oito cheques bancários no valor total de € 935 553,00, emitidos pelo BCP, S. A. a solicitação do BCP Bank & Trust, Ltd., montante debitado da conta da sociedade Serot Finance Ltd. com o n.º ...97 e creditado na sua conta pessoal n.º ...08artigo 277º da contestação).

117. Em 22-02-2007 foi emitido um cheque bancário no valor de € 500 000,00, do qual era beneficiário CC (artigo 278º da contestação).

118. Em 23-02-2007 foi depositada a quantia de € 500 000,00 na conta n.º ...08 titulada por CC (artigo 279º da contestação).

119. Em 06-08-2007, foi emitido um cheque bancário no valor de € 155 803,12 que foi depositado na conta à ordem n.º ...08, originando, por contrapartida, o correspondente débito na conta n.º ...97 da Serot Finance Ltd. (artigo 281º da contestação).

120. Em 31-07-2008, foi emitido um cheque bancário no valor de € 58 000,00 que foi depositado na conta n.º ...08, originando um débito na conta n.º ...97 (artigo 283º da contestação).

121. Em 12-03-2009, foi emitido um cheque bancário no valor de € 55 000,00 que foi depositado na conta n.º ...08, originando um débito na conta n.º ...97 titulada pela Serot Finance Ltd. (artigo 284º da contestação).

122. Em 28-07-2009 foi emitido um cheque bancário no valor de € 50 000,00 que foi depositado na conta n.º ...08, originando um movimento a débito na conta n.º ...97 titulada pela Serot Finance Ltd. (artigo 285º da contestação).

123. Em 26-02-2010 foi emitido um cheque bancário no valor de € 50 000,00, que foi depositado na conta n.º ...08, originando um débito na conta n.º ...97 titulada pela Serot Finance Ltd. (artigo 286º da contestação).

124. Em 07-04-2010 foi emitido um cheque bancário no valor de € 13 750,00, que originou um débito na conta n.º ...97 da Serot Finance Ltd. e que foi depositado na conta n.º ...08 (artigo 287º da contestação).

125. Em 09-07-2010 foi emitido um cheque bancário no valor de € 53 000,00 que foi depositado na conta à ordem n.º ...08, originando um movimento a débito na conta n.º ...97 da Serot Finance Ltd. (artigo 288º da contestação).

126. Desde o reforço do penhor, em 2010, os efeitos da crise financeira foram provocando a desvalorização dos títulos dados em garantia pela Serot Finance Ltd. no âmbito da CCC 336 e, em Julho de 2011, o valor dos títulos empenhados correspondia a cerca de € 2 000 000,00 (artigos 296º e 297º da contestação).

127. Com data de 31 de Outubro de 2012, o réu BCP Bank & Trust Ltd. dirigiu, por correio, à sociedade Serot Finance Ltd. e a CC uma carta mediante a qual lhes dava conta que, ao abrigo da Cláusula 3 do contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente n.º ...36, procedia à denúncia de tal contrato, obstando à sua renovação no termo do prazo em curso, em 5 de Dezembro de 2012, pelo que termina a sua vigência nessa data (artigos 300º a 303º da contestação).

128. Nessa carta o BCP Bank & Trust referiu que “A cessação do contrato na referida data determinará o vencimento de todas as obrigações contraídas pela Serot no âmbito do mesmo. Assim, a 5 de Dezembro de 2012 a Serot deverá reembolsar todos os montantes em dívida ao abrigo do referido contrato, incluindo capital, juros, despesas, comissões e encargos devidos, procedendo, naquela data, à liquidação de todos os montantes em dívida.” (artigo 305º da contestação).

129. A Serot Finance Ltd. não procedeu, na data de 05-12-2012, ao reembolso do capital que se encontrava em dívida, no montante de € 4 985 000,00, nem ao pagamento dos juros remuneratórios (artigo 306º da contestação).

130. Com data de 07-12-2012, o réu BCP Bank & Trust Ltd. enviou à sociedade Serot Finance Ltd. e a CC, na qualidade de procurador e ultimate beneficial owner daquela, uma carta mediante a qual notificou a sociedade para proceder ao pagamento dos referidos montantes no prazo de dois dias úteis a contar da recepção da carta, tendo informado que sobre o capital em dívida incidiriam ainda, nos termos do disposto na Cláusula 10 do Contrato 336, juros moratórios à taxa de 3,2210, desde 5 de Dezembro de 2012 até integral pagamento e advertiu ainda que, caso a Serot não procedesse ao pagamento do montante em dívida no referido prazo, o Bank & Trust iria, ao abrigo do disposto nas Cláusulas Nona e Décima do Contrato de Penhor de Valores Mobiliários e ao abrigo do disposto na Cláusula 10 das Condições Gerais de Crédito assinadas pela Serot em 22-07-2005, sem necessidade de aviso prévio, e sem prejuízo da adopção de outras medidas, proceder à venda extrajudicial dos títulos que se encontram registados nas contas de valores mobiliários de que a Serot Finance Ltd. é titular junto do Banco, utilizando o produto da venda e da liquidação e quaisquer saldos bancários para compensar o crédito que tem sobre a Serot Finance Ltd. (artigos 307º a 309º da contestação).

131. Nem a Serot Finance Ltd., nem CC regularizaram os montantes em dívida no prazo fixado para o efeito (artigo 310º da contestação).

132. Para reembolso do seu crédito, o réu BCP Bank & Trust Ltd. procedeu à venda extrajudicial dos instrumentos financeiros registados na conta de valores mobiliários n.º ...97 titulada pela Serot Finance Ltd. (artigo 311º da contestação).

133. O réu BCP Bank & Trust Ltd comunicou à sociedade Serot Finance Ltd. e a CC, por cartas com data de 17-04-2013, que havia procedido à venda extrajudicial dos instrumentos financeiros registados na conta de valores mobiliários n.º ...97 titulada pela primeira, efectuada pelo valor global de € 2 087 972,62, que foi creditado na conta à ordem da Serot Finance Ltd. n.º ...97, procedendo de seguida a débitos nesta conta para efeitos de compensação do capital em dívida (artigo 312º da contestação).

134. O valor da venda referida em 132. foi creditado na conta n.º ...97 e depois debitado para efeitos de compensação com o valor em dívida pela Serot Finance Ltd. no âmbito da CCC 336 (artigo 313º da contestação).

135. Na carta de 17-04-2013, o réu BCP Bank & Trust Ltd. declarou que se reservava o direito de proceder à venda dos valores mobiliários que ainda permanecem registados na conta de títulos n.º ...97, a saber: 2.384 KAUPTHING BANK 6,750 PERPETUAL/CALL e 75 LANDSBANKI ISLANDS 6,25 PERPETUAL/CALL e ainda o direito de tomar as demais medidas que considere convenientes à satisfação do seu crédito, designadamente, com recurso à via judicial (artigos 315º e 316º da contestação).

136. No acordo de prestação de serviços fiduciários não foi aposta qualquer menção no ponto 3. relativo às instruções para a correspondência (artigo 341º da réplica).

Factos atinentes à ampliação do pedido admitida

137. Conforme extracto integrado n.º 6/2005, de 30-06-2005, relativo à conta ...87 referida em 3., o património de CC era constituído nessa data pelo seguinte: depósitos à ordem - € 682 629,78; carteira de títulos (acções: BCP Nomin./Port; Merrill Lynch – Global Supertech 20; obrigações: Capital BCP 2005; DZ Bank CAP E+160; IKB 6,625%; acções preferenciais: HVB Funding Trust 7%) - € 6 205 702,89; produtos estruturados (BCP FIN BK CRESC Acções europeias Jul/06; BCP FIN BK-US BULLISH EQ STRAT Eur M2007, BCP SFI Global EQ INC Build Strategy; CLN Rendimento Top 4 (eur); Global Target Redemption SFE MAI; Obrig. CG Grand. Marcas Mundiais II 2006) - € 2 010 076,07; passivo - € 0,00 (artigo 5º do requerimento de fls. 1904 a 1917 p.p.).

138. Conforme extracto integrado n.º 9/2005, de 30-09-2005, relativo à conta ...87 referida em 3., em 2-09-2005 está registado o movimento a crédito com a referência “Venda Bolsa OP 853820 de BCP Nom/P.REG”, no valor de € 693 788,87 e os movimentos a débito com as referências “TRF CC Men ...64, no valor de € 653 000,00 e “débito juros”, no valor de € 16,96 (artigo 10º do requerimento de fls. 1904 a 1917 p.p).

139. Conforme extracto integrado n.º 7/2005, de 29-07-2005, relativo à conta ...87 referida em 3., figurava no património de CC, nessa data, 842915,00 obrigações Capital BCP 2005, com vencimento a 30-09-2005, com o valor nominal de € 5,00, com idêntica cotação, no valor de € 4 214 575,00 (artigo 13º do requerimento de fls. 1904 a 1917 p.p.).

140. Conforme extracto integrado n.º 8/2005, de 31-08-2005, relativo à conta ...87 referida em 3., o total do património líquido de CC, nessa conta e nessa data, era de -€ 40 706,17, estando registados os seguintes movimentos e saldos de títulos: venda em bolsa de BCP Nomin/Port, com o valor de € 693 788,87; transferência para OIC de títulos: BCP SFI Global EQ INC Build Strategy, no valor de € 241 625,00; Capital BCP 2005, no valor de € 4 214 575,00; Global Target Redemption SFE MAI, no valor de € 247 273,50 (artigo 16º do requerimento de fls. 1904 a 1917 p.p.).


***


Factos não provados

a) A conta n.º ...08 foi aberta com o depósito inicial de € 65 841,32 (artigo 1º da petição inicial);

b) Para a conta n.º ...87 foram transferidas as poupanças que CC possuía em numerário, como depositante residente nas ... (artigo 2º da petição inicial);

c) CC deslocava-se ao primeiro banco réu para fazer os seus depósitos em dinheiro e ali receber os juros remuneratórios do seu capital depositado e nunca estabeleceu relações bancárias com o réu BCP Bank & Trust Company Ltd. (artigo 5º da petição inicial);

d) O funcionário DD, em nome do banco, pagava ao autor os juros remuneratórios do capital depositado a prazo relativo ao semestre decorrido e negociava com ele a taxa dos juros para o semestre seguinte (artigo 6º da petição inicial);

e) O funcionário DD informava CC do saldo actualizado das suas contas bancárias e da última informação prestada, em Janeiro de 2011, o saldo global rondava os 3,5 milhões de euros (artigo 7º da petição inicial);

f) O autor, desde 28 de Janeiro de 2005 tem vindo a receber do banco Millennium BCP, S. A., de seis em seis meses, a prestação de € 50 000,00 a € 58 000,00 de juros remuneratórios correspondentes ao capital de 3,5 milhões de euros, com imposto de capitais previamente retido na fonte, à taxa de 21,5% como se esse dinheiro estivesse depositado a prazo nas suas contas, nesse banco (artigo 8º da petição inicial);

g) Os bancos réus, no momento do pagamento dos juros remuneratórios ao autor, sempre fizeram a retenção na fonte do imposto de capitais e entregaram-no à Administração Fiscal (artigo 10º da petição inicial);

h) Em face dos pagamentos de juros remuneratórios, de seis em seis meses, o CC acreditou que o seu dinheiro estava depositado a prazo no réu Millennium BCP, S. A., no ... (artigo 12º da petição inicial);

i) A taxa que CC habitualmente negociava com o DD para os seus depósitos a prazo era de 4% ou 4,5% ao ano (artigo 13º da petição inicial);

j) CC, por diversas vezes, e sem aviso prévio, procedeu a levantamentos do dinheiro depositado no banco Millennium BCP, S.A., no ..., como se o dinheiro estivesse depositado a prazo (artigo 18º da petição inicial);

k) O cheque no valor de € 155 853,12 foi emitido para ser pago com o dinheiro do autor depositado a prazo e o banco pagou o cheque como se o dinheiro estivesse depositado a prazo (artigo 19º da petição inicial);

l) O cheque no valor de € 500 000,00 foi emitido para ser pago e sair da conta do autor e foi pago e saiu da conta deste como se o dinheiro estivesse depositado a prazo (artigo 20º da petição inicial);

m) Foi na reunião de Maio de 2011 que o réu Millennium BCP, S. A. informou CC que o seu dinheiro depositado a prazo tinha sido transferido para um banco estrangeiro das Ilhas Caimão e que este o tinha investido na compra e venda de acções e que iria ser contactado por pessoa desse banco estrangeiro, a fim de ser informado da situação das aplicações realizadas (artigo 21º da petição inicial);

n) O Millennium BCP, S. A., a partir de Junho de 2011 e na sequência da reunião de Maio de 2011, deixou de pagar ao autor os juros remuneratórios do capital depositado (artigo 22º da petição inicial);

o) O Millennium BCP, S. A. sempre prometeu ao autor a segurança que pediu para o seu dinheiro e sempre garantiu que, em caso nenhum, haveria riscos para o seu dinheiro (artigos 24º e 25º da petição inicial);

p) Os bancos réus nunca antes informaram o autor que os seus depósitos se encontravam excluídos de qualquer garantia (artigo 26.º da petição inicial);

q) O réu Millennium BCP, S. A. sempre garantiu ao autor que o seu dinheiro depositado podia ser levantado antes do termo do prazo e sem aviso prévio, apenas com as normais de redução dos juros acordados (artigo 27º da petição inicial);

r) O réu Millenium BCP SA, por sua iniciativa abriu conta em nome em nome da sociedade Serot Finance Ltd para onde transferiu todo o património de CC, sem autorização e conhecimento deste (artigo 30.º da petição inicial);

s) O saldo existente em Julho de 2005 na conta da Serot Finance Ltd. corresponde ao valor que o CC possuía e deixou de possuir na sua conta individual a prazo no réu Millennium BCP S. A., do ... (artigo 33º da petição inicial);

t) A conta da sociedade Serot Finance Ltd. foi aberta pelos réus, que unilateralmente tomaram essa iniciativa, sem consultar o CC e movimentaram-na sem a sua autorização (artigo 36º da petição inicial);

u) O CC nunca foi notificado de que o réu Millennium BCP, S.A. cedeu ou transmitiu a sua posição contratual ao réu BCP Bank & Trust, Ltd. (artigo 37º da petição inicial);

v) O réu Millennium BCP, S.A. era liderado pelo Eng.º FF e a sua liderança honesta, forte, experiente e responsável fascinava os depositantes e os próprios funcionários do banco, que o recomendavam aos familiares (artigo 42º da petição inicial);

w) FF quando vinha ao ... proferia as suas palestras no banco e logo entrava na Sé para rezar, o que, perante funcionários e clientela, conferia à sua liderança um cariz religioso que gerou no autor uma confiança forte no banco quanto à segurança do seu dinheiro e à honestidade do presidente, pelo que sempre apôs o seu nome em documentos sem ler e sem que lhe fossem lidos pelos funcionários, e a pedido destes, pelo que desses documentos nunca tomou conhecimento do respectivo conteúdo (artigo 43º da petição inicial);

x) CC confiou no réu Millennium BCP, S.A. sem reservas, na convicção de que FF e os seus funcionários eram quem melhor sabia gerir e proteger profissionalmente o seu dinheiro, aos quais não faltava inteligência, honestidade e elevada técnica bancária (artigo 44º da petição inicial);

y) Os funcionários do banco solicitavam ao CC que apusesse o seu nome em documentos bancários que este não podia ler e nunca lhos leram (artigo 46º da petição inicial);

z) Desde meados de 2006, o CC deslocava-se ao banco em desequilíbrio, tacteando paredes, tropeçando em móveis e cadeiras (artigo 47º da petição inicial);

aa) O dinheiro depositado pelo autor foi investido pelo réu BCP Bank & Trust Ltd., em nome do autor, na compra de acções e outros títulos (artigo 51º da petição inicial);

bb) CC solicitou ao banco Millennium BCP, S.A. a devolução do dinheiro e este informou que o réu BCP Bank & Trust Ltd. creditara na conta da Serot Finance Ltd. um empréstimo de € 5 000 000,00 destinado ao financiamento para a aquisição de títulos PSI20 e Euronet, que nunca chegou a ser pago (artigo 52º da petição inicial);

cc) Informou também que as acções compradas com o dinheiro do CC e em nome da Serot Finance Ltd. foram dadas de penhor ao BCP Bank & Trust Ltd., como caução e garantia do capital mutuado (artigo 53º da petição inicial);

dd) O Millennium BCP, S. A. não devolveu o dinheiro depositado do CC porque o usou no jogo da compra e venda de acções sem que para tal estivesse autorizado (artigo 57º da petição inicial);

ee) CC, pela idade, pela doença, pela falta de vista e pela confiança cega que depositou no banco e nos funcionários não fez o acompanhamento da evolução do saldo real das suas contas (artigo 60º da petição inicial);

ff) Se os bancos réus tivessem informado CC que tinha acções e outros títulos na sua conta, teria mandado vendê-los porque acções e títulos sempre lhe geraram nervosismo e insegurança pois para ele só o dinheiro depositado gera a segurança que procurou para o seu dinheiro que depositou no banco (artigo 61º da petição inicial);

gg) O banco não informou que CC possuía na sua conta essas acções e títulos (artigo 62º da petição inicial);

hh) Só agora tomou conhecimento dessas situações como a do seu dinheiro estar aplicado em títulos e acções, em nome de uma sociedade com sede no estrangeiro e de ter contraído um empréstimo de € 5 000 000,00, que o BCP Bank & Trust Ltd. usou no jogo da Bolsa de compra e venda de acções, sem autorização do CC e sem o seu conhecimento (artigo 63º da petição inicial);

ii) CC não autorizou, não consentiu, nem deu instruções aos bancos réus para jogar na bolsa com o seu dinheiro depositado nesses bancos, nem com dinheiro por si supostamente mutuado ou em nome de sociedade de sua propriedade ou por si representada (artigo 64º da petição inicial);

jj) O CC não pediu o empréstimo de € 5 000 000,00 aos réus Millennium BCP, S. A. ou BCP Bank & Trust Ltd., nem em nome próprio, nem em nome de sociedade, própria ou representada, nem aqueles lhe emprestaram a si, ou a sociedades suas ou por si representadas tal dinheiro (artigo 65º da petição inicial);

kk) CC não conhecia a sociedade Serot Finance Ltd. nem conhece o Belize Bank Limited e nunca teve relações comerciais com este banco, do qual só agora ouviu falar (artigo 71º da petição inicial);

ll) CC nunca manifestou interesse aos bancos réus na aquisição de uma empresa internacional de negócios offshore, não comprou nem deu instruções para comprar acções dessas empresas ou da Serot Finance Ltd. (artigos 73º e 74º da petição inicial);

mm) Quem possui as acções representativas do capital social da Serot Finance Ltd. é o BCP Bank & Trust Ltd. que as comprou com dinheiro do autor e as possui em nome próprio (artigos 75º, 89º, 92º e 103º da petição inicial);

nn) O autor nunca foi notificado por correio franco registado de poste dirigido ao destinatário (artigo 76º da petição inicial);

oo) CC não nomeou, não conhece e nunca ouviu falar dos directores da sociedade Serot Finance Ltd. (artigo 77º da petição inicial);

pp) Se CC soubesse que os réus tinham comprado essa sociedade teria exigido a entrega de todas as acções representativas do seu capital e ter-se-ia feito eleger único director (artigo 78º da petição inicial);

qq) Não conferiu poderes de representação aos bancos réus nem deu instruções para a prática de actos de administração dessa sociedade (artigo 79º da petição inicial);

rr) Nunca teve negócios com o réu BCP Bank & Trust Ltd., nunca abriu ali contas, em nome próprio ou da sociedade Serot Finance Ltd. (artigo 80º da petição inicial);

ss) Nunca teve negócios com o réu Millennium BCP, S. A. em nome dessa sociedade (artigo 81º da petição inicial);

tt) Nunca foi contactado por sociedades ou bancos estrangeiros, nomeadamente, o BCP Bank & Trust Ltd. relativamente a dinheiro ou depósitos efectuados no ... (artigo 82º da petição inicial);

uu) A sociedade Serot Finance Ltd. foi comprada por iniciativa exclusiva do réu Millennium BCP, S. A. ou da Serot Finance Ltd., sem consentimento e conhecimento de CC para realização de interesses daqueles (artigo 84º da petição inicial);

vv) CC apôs a sua assinatura em documentos que não leu e que não lhe foram lidos, na convicção que a aposição da assinatura se destinava exclusivamente à guarda, conservação, administração e fiscalização do dinheiro depositado a prazo no ... (artigo 85º da petição inicial);

ww) O documento de fls. 680 p.p. (procuração emitida pela Serot Finance Ltd.) nunca foi entregue a CC, que dela nunca ouviu falar (artigo 94º da petição inicial);

xx) O autor nunca usou essa procuração (artigo 97º da petição inicial);

yy) O beneficiário da sociedade Serot Finance Ltd. sempre foi o BCP Bank & Trust Ltd. (artigo 105º da petição inicial);

zz) Os réus nunca fizeram entrega das acções representativas do capital da sociedade e nunca creditaram lucros provenientes do jogo da bolsa nas contas bancárias de CC, como teria sucedido se fosse autorizado por este, creditando apenas juros remuneratórios do capital por ele depositado, como se o dinheiro estivesse depositado a prazo no primeiro réu como efectivamente depositou, assumindo que o jogo da bolsa era negócio deles próprios e não do CC (artigo 107º da petição inicial);

aaa) Nunca prestaram contas a CC desse jogo da bolsa com o seu dinheiro (artigo 108º da petição inicial);

bbb) CC não negociou nenhuma das cláusulas que foram incluídas no “Contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente caucionada”, com data de 27 de Agosto de 2007, celebrado entre o BCP Bank & Trust Company Ltd. e Serot Finance Ltd. que consta de fls. 212 a 214 p.p., cláusulas que nunca lhe foram comunicadas, por qualquer dos réus bancos (artigos 116º e 177º da petição inicial);

ccc) O CC nunca quis contratar qualquer conta de abertura de crédito com os bancos réus (artigo 119º da petição inicial);

ddd) Não lhe foi entregue um exemplar do contrato celebrado em 27 de Agosto de 2007, nem tal documento lhe foi lido pelos funcionários do banco (artigos 120º e 121º da petição inicial);

eee) CC, por si ou em representação da sociedade, nada ordenou quanto à movimentação a crédito e a débito no âmbito da abertura de crédito (artigo 126º da petição inicial);

fff) O contrato de abertura de crédito de 27 de Agosto de 2008 venceu-se a 28 de Agosto de 2008 (artigo 127º da petição inicial);

ggg) O banco réu não comunicou a prorrogação do contrato à sociedade (artigo 128º da petição inicial);

hhh) O dinheiro mutuado pelo banco nunca foi entregue a CC ou à sociedade Serot Finance Ltd., que não o usaram e apenas foi contabilisticamente creditado, de modo formal, na conta da sociedade (artigos 129º e 132º da petição inicial);

iii) O réu BCP Bank & Trust Company Ltd. contabilizou esse empréstimo em seu próprio benefício para aumentar a capacidade financeira do seu Fundo de Investimento em Acções (alavancagem) (artigo 133º da petição inicial);

jjj) A sociedade Serot Finance Ltd. funciona como veículo dos próprios bancos, que se obriga com a assinatura dos administradores ou dos próprios funcionários destes (artigo 134º da petição inicial);

kkk) CC nunca negociou o contrato de penhor de 28 de Agosto de 2007 de fls. 215 e 216 p.p. com os bancos, a assinatura que dele consta não é sua e nunca manifestou vontade de garantir, através de penhor, o cumprimento de responsabilidades assumidas pela sociedade Serot Finance Ltd. perante o BCP Bank & Trust Company Ltd (artigos 138º e 142º da petição inicial);

lll) O contrato de fls. 215 e 216 p.p. não foi lido a CC pelos funcionários do banco e este desconhecia o seu conteúdo, não lhe tendo sido entregue um seu exemplar (artigos 143º, 145º, 147º e 149º da petição inicial);

mmm) Foi ocultada a CC a impossibilidade de cumprir por parte da sociedade, na sequência da crise islandesa do Verão de 2008 (artigo 160º da petição inicial);

nnn) O empréstimo foi usado pelos próprios bancos réus, directamente, no jogo da bolsa islandesa (artigo 166º da petição inicial);

ooo) CC não apôs a sua assinatura no termo de fiança (artigo 167º da petição inicial);

ppp) O réu Millennium BCP S. A. utilizava um serviço especializado de informações privilegiadas sobre a subida e descida de acções na bolsa de valores (artigo 171º da petição inicial);

qqq) Com uma antecipação de horas conseguia obter essas informações e quando era informado que iriam subir de valor retirava, de imediato, montantes dos depósitos de alguns clientes, sem o consentimento e o conhecimento destes e jogava o dinheiro na bolsa de valores, como se fosse dinheiro próprio, comprando de manhã acções e vendendo à tarde (artigos 172º e 173º da petição inicial);

rrr) Parte dos lucros obtidos era destinada ao próprio banco, que cobrava taxas remuneratórias e uma pequena parte era distribuída pelos titulares dos depósitos, a título de juros remuneratórios do capital depositado, como se estivesse depositado a prazo, de modo que os depositantes não se apercebessem do negócio e do respectivo lucro (artigos 174º e 175º da petição inicial);

sss) O réu Millennium BCP S. A. sempre prestou os seus serviços bancários a CC de quem recebia directamente, em numerário, os depósitos efectuados em conta pessoal a prazo e a quem pagava juros remuneratórios do capital depositado (artigo 186º da petição inicial);

ttt) Os réus não informaram o CC de forma clara, leal, objectiva e adequada sobre as características e riscos do jogo da bolsa e compra e venda de acções e do empréstimo de 5 milhões de euros (artigo 189º da petição inicial);

uuu) Se CC tivesse sido informado dos riscos, da abertura do crédito e do empréstimo com a finalidade de jogar na bolsa nunca teria aposto o seu nome em documentos a pedido dos funcionários do réu (artigo 201º da petição inicial);

vvv) Baixou o valor das acções e os bancos não notificaram o CC para o reforço das garantias ou para liquidar o financiamento (artigo 209º da petição inicial);

www) Os bancos dispensaram o estabelecimento de um preço de exercício em valor (preço de stop loss) para se a acção cair abaixo desse preço/valor ser automaticamente vendida (artigo 221º da petição inicial);

xxx) O CC era um investidor sem conhecimentos e experiência no ramo (artigo 223º da petição inicial);

yyy) Os bancos adquiriram acções do Kaupthing Bank da Islândia, em valor superior a € 2 384 000,00 sem darem ao CC a oportunidade de escolher as acções a comprar (artigo 241º da petição inicial);

zzz) O réu Millennium BCP S. A. vem reconhecendo ter jogado na bolsa sem controlo do risco, com o dinheiro dos depositantes e, muitas vezes, sem o consentimento destes, tendo criado uma comissão bancária destinada a apreciar as reclamações destes (artigo 256º da petição inicial);

aaaa) O autor sofreu muito ao pensar que podia perder todo o dinheiro que mantinha depositado a prazo no banco réu (artigo 265º da petição inicial);

bbbb) CC deixou de conseguir dormir e não conseguia controlar a diabetes devido ao desgosto que o primeiro réu lhe causou (artigo 266º da petição inicial);

cccc) A tensão arterial ficou descontrolada (artigo 267º da petição inicial);

dddd) Estavam envolvidos nos negócios das contas do autor a Dr.ª OO, o director regional, Dr. EE e o próprio Eng.º FF (artigo 272º da petição inicial);

eeee) O conselho de administração dos bancos réus envolveu-se directamente na abertura de crédito de 5 milhões de euros (artigo 273º da petição inicial);

ffff) O director regional substabeleceu os seus poderes no funcionário DD (artigo 274º da petição inicial);

gggg) Em momento algum CC informou o BCP e o Bank & Trust Ltd. da sua deficiência visual (artigos 8º e 112º da contestação);

hhhh) CC era emigrante nas C... (artigo 14º da contestação);

iiii) Em 2005 a visão de CC não o impedia de ler documentos (artigo 75º da contestação);

jjjj) Em 28-08-2007, data em que foram reduzidos a escrito o contrato de abertura de crédito em conta corrente e o respectivo contrato de penhor de valores mobiliários e relação anexa, em 30-09-2008, data em CC formalizou, por escrito, o termo de fiança constituído a favor do Bank & Trust como garantia do referido contrato, em 21-01-2010, data em que foi assinada a relação anexa que alterou o objecto do penhor inicialmente constituído, CC não era deficiente visual, não se apresentava como tal e toda a sua conduta indicava, aos olhos de quem com ele contactava, designadamente os funcionários do BCP e do Bank & Trust, que tinha efectivamente capacidade para ler documentos (artigos 83º a 86º da contestação),

kkkk) CC nunca fez qualquer reserva, ressalva ou menção ao facto de não conseguir ler na íntegra ou parcialmente os documentos que assinava (artigo 88º da contestação);

llll) O último acesso à conta ocorreu em 10-10-2012 (artigo 95º da contestação);

mmmm) Os demais co-titulares da conta n.º ...08, BB e CC, não possuem código de acesso multicanal (artigo 96º da contestação);

nnnn) KK era gestor da conta da Serot Finance Ltd. (artigo 116º da contestação);

oooo) Na carta de 31-07-2012 foi feita referência pela primeira vez, desde o início da relação com o BCP e com o Bank & Trust, na qualidade de procurador da Serot, a falta de visão de CC (artigo 126º da contestação);

pppp) À conta n.º ...87 estavam associadas as contas: n.º ...58, cuja moeda de base era o DEM (Marca Alemão), aberta em 23.10.89 e encerrada em 25.10.2004; n.º ...46, cuja moeda de base era JPY (Iene Japonês) aberta em 02.05.1997 e encerrada em 20.12.2005; n.º ...07, cuja moeda de base era a GBP (libra esterlina britânica) aberta em 24.08.1993 e encerrada em 20.12.2005; conta n.º ...86, cuja moeda de base era o USD (dólar americano), aberta em 17.07.1993 e encerrada em 20.12.2005 (artigo 150º da contestação);

qqqq) CC adquiriu valores mobiliários das empresas Morgan Stanley, Up's Iberian Equi Euroequities, Fmred Com/03 Rb, Intesa, Depfa Fun Bbva, Deutsche Bank, Brazcomp One, Alter World Eur, Cln Zuric Mai03, Telec 6m, Montepio Geral, BBV, Rzb Finance Ltd, Eurohypo Perpet, Multibanks 3m, Bsch Finance, Rbs Plc 5,5% (artigo 154º da contestação);

rrrr) Devido a atrasos na recolha e no envio da documentação aos Directores Fiduciários, a Fiduciary Directors (BVI) Limited e à sócia fiduciária, a Welbeck NZ Limited, quer a procuração bancária passada a favor de CC e Declaration of Trust, foram reduzidas a escrito apenas em 04-01-2006 (artigo 186º da contestação);

ssss) CC recebeu, na qualidade de procurador e ultimate beneficial owner da Serot, extractos da conta n.º ... (artigo 194º da contestação);

tttt) A venda das acções do Banco Comercial Português pelo valor de € 696 330,47 € representou uma mais-valia superior a € 375 000,00, dado que as acções foram vendidas pelo dobro do seu valor nominal (artigo 201º da contestação);

uuuu) O contrato referido em 28. foi ainda assinado por PP (artigo 223º da contestação);

vvvv) Os representantes do BCP Bank & Trust, JJ e PP, assinaram os contratos em ... (artigo 226º da contestação);

wwww) A cascata de falências e quebras de instituições financeiras provocou em Setembro de 2008, a maior queda do índice Dow Jones e de bolsas de valores internacionais desde os atentados de 11.09.2001 (artigo 245º da contestação);

xxxx) Na data da subscrição da fiança foi entregue a CC cópia do documento (artigo 259º da contestação);

yyyy) A carta referida em 127. foi enviada para o autor por correio electrónico e DHL (artigo 303º da contestação);

zzzz) Em 05-12-2012 os juros remuneratórios ascendiam a € 11 1258,92 (artigo 306º da contestação);

aaaaa) O réu Bank & Trust vendeu os seguintes títulos nas datas e pelos preços referidos: 38 Achmea 6 Call 2012, ISIN: ...14; 50 Sampo Bk/2049, ISIN: ...88; 310 Main Capital Fund II 5,75% Perp Call, ISIN: ...M4; 10.737 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01; 40 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01; 97 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01; 129 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01; 19 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01, pelo preço de 13.530,67 € em 19.12.2012; 28 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01, pelo preço de 19.912,03 € em 19.12.2012;100 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01, pelo preço de 70.815,59 € em 19.12.2012;100 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01, pelo preço de 70.830,89 € em 19.12.2012; 100 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01, pelo preço de 70.772,43 € em 19.12.2012; 100 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01, pelo preço de 70.716,00 € em 19.12.2012; 200 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01, pelo preço de 141.482,50 € em 19.12.2012;500 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01, pelo preço de 353.547,37€ em 19.12.2012; 500 Sonae SGPS, SA, ISIN: ...01, pelo preço de 353.961,57 € em 19.12.2012; 392 SONAE SGPS, SA, ISIN: ...01, pelo preço de 277.094,22 € em 19.12.2012;100 SONAE SGPS, SA, ISIN: ...01, pelo preço de 71.214,04 € em 20.12.2012 (artigo 311º da contestação).

bbbbb) O montante que resultou da venda extrajudicial dos títulos foi de € 2 087 972,62 (artigo 313º da contestação);

ccccc) Permanece ainda em dívida o valor de € 2 960 306,17 (artigo 314º da contestação);

ddddd) CC nunca recebeu extractos enviados pelos bancos réus da conta n.º ...97 e da conta n.º ...87, nem em nome próprio nem como procurador da sociedade Serot Finance Ltd. (artigo 16º da réplica);

eeeee) O acordo de prestação de serviços fiduciários não foi assinado pelo autor e o banco réu assinou-o em branco, no ... e depois remeteu-o em branco para os serviços do banco em ... (artigo 20º da réplica);

fffff) CC não assinou nenhum dos documentos invocados pelos réus e os que assinou fê-lo na convicção de que se tratava de documentos relacionados com os juros remuneratórios do seu depósito a prazo (artigo 307º da réplica);

ggggg) As assinaturas dos documentos n.ºs 1 a 14, 16 a 18, 21, 27 a 83, 85, 87 a 90 juntos com a contestação, que lhe são atribuídas, não pertencem a CC (artigo 309º da réplica);

hhhhh) Os documentos de declaração de confiança da sociedade Welbeck, declaração do notário público de Gibraltar e da Serot Finance Ltd nunca foram materialmente entregues ao autor (artigo 312º da réplica);

iiiii) As cruzinhas do documento de fls. 367 a 379 foram apostas nos quadradinhos depois de assinado e sem o conhecimento dos signatários (artigo 327º da réplica);

jjjjj) Os bancos comerciais carecem de, pelo menos, duas assinaturas para se vincularem (artigos 354º, 380º, 401º e 450º da réplica);

kkkkk) O documento de fls. 367 a 379 é um inquérito preliminar destinado a preparar, pelos bancos réus, um futuro contrato bilateral que não chegou a ser apresentado ao autor e não concluído, nem assinado pelas partes (artigo 355º da réplica);

llll) O documento de fls. 367 a 379 foi assinado em branco pelo representante do BCP – Bank & Trust Ltd, no ..., que o remeteu para a sede deste, onde foi preenchido com estipulações não ajustadas com o autor (artigo 356º da réplica);

mmmmm) Até Maio de 2011, os réus não entregaram ao autor os documentos de fls. 405 a 408 e 708 a 710 p.p. e a assinatura deles constante não lhe pertence (artigos 357º e 362º da réplica);

nnnnn) Os réus só fizeram entrega a CC dos documentos relativos aos contratos de penhor e relações anexas, termo de fiança e contrato de hold mail, com a apresentação da contestação (artigos 381º, 402º e 416º da réplica);

ooooo) Os bancos só forneceram fotocópia dos documentos, como as condições gerais da abertura de conta junto do segundo réu, em Agosto de 2011 (artigo 383º da réplica);

ppppp) A assinatura atribuída a CC constante dos documentos de fls. 403 e 404, 409 a 412 e 421 p.p. não lhe pertence (artigo 386º da réplica);

qqqqq) A assinatura constante do documento com data de 30 de Setembro de 2008 (fls. 413 p.p.) não pertence a CC (artigo 406º da réplica);

rrrrr) O autor nunca negociou o termo de fiança com os bancos réus, quer em ..., quer no ... (artigo 410º da réplica);

sssss) A assinatura atribuída a CC constante do documento de fls. 681 e 682 p.p. não lhe pertence (artigo 430º da réplica);

ttttt) O documento de fls. 680 p.p. é documento preliminar e prévio a um documento posterior de procuração futura, que os réus nunca elaboraram e nunca foi constituído a favor do autor (artigo 481º da réplica);

uuuuu) A assinatura que consta do documento de fls. 414 a 419 p.p. não pertence a CC (artigos 520º da réplica);

vvvvv) A assinatura atribuída a CC constante do documento de fs. 420 p.p. não lhe pertence e, a ter sido por ele aposta, foi na convicção de que se tratava de assinatura destinada ao banco Millennium, balcão do ... (artigos 534º e 536º da réplica);

wwwww) A assinatura atribuída a CC constante do documento de fs. 446 p.p. não lhe pertence (artigo 556º da réplica);

xxxxx) A assinatura atribuída a CC constante do documento de fs. 447 p.p. não lhe pertence (artigo 558º da réplica);

yyyyy) As consultas efectuadas através do Multicanal (Internet) foram feitas por familiares porque CC era incapaz de sozinho aceder à internet e consultar a conta, de modo pessoal e directo (artigo 561º da réplica);

Factos atinentes à ampliação do pedido

zzzzz) O banco réu Millennium vendeu em bolsa acções do BCP pertencentes ao falecido sem o consentimento e o conhecimento deste e transferiu € 653 000,00 para a conta da Serot Finance Ltd (artigo 10º do requerimento de fls. 1904 a 1917 p.p.);

aaaaaa) As obrigações no capital do BCP 2005 venciam juros à taxa fixa de cupão de 9% ao ano (artigo 13º do requerimento de fls. 1904 a 1917 p.p.);

bbbbbb) Em 30-09-2005, o réu deveria ter reembolsado o valor de € 4 214 575,00, acrescido dos juros à taxa anual de 9%, no valor de € 379 311,75 (artigo 14º do requerimento de fls. 1904 a 1917 p.p.);

cccccc) O banco réu transferiu as obrigações da conta do autor ...87 para a conta da Serot Finance Ltd, sem o consentimento e o conhecimento daquele (artigo 15º do requerimento de fls. 1904 a 1917 p.p.);

dddddd) O saldo credor que estava depositado em 30-06-2005, na conta externa ...87 e que o banco transferiu para a conta da Serot Finance Ltd era no valor de € 8 989 410,78 (artigo 20º do requerimento de fls. 1904 a 1917 p.p.);

eeeeee) As obrigações capital BCP/2005, no valor de € 4 214 575,00 geraram juros anuais de € 379 311,75, a partir de 30-09-2005, à taxa anual de cupão fixa e garantida de 9%, que não varia ao longo do tempo, que o falecido autor nunca recebeu do banco réu, no montante já vencido de € 3 413 989,75 (30-09-2005 a 30-05-2015) (artigo 35º do requerimento de fls. 1904 a 1917 p.p.);

ffffff) A quantia de € 4 683 835,00 existente na conta ...87 foi transferida pelo réu Millennium do ... para a conta bancária da Serot Finance Ltd, que vence juros, pelo menos, desde 30-09-2005, à taxa de 4% ao ano (€ 187 353,40/ano), no montante já vencido de € 1 873 534,00 (€ 187 353,40 x 10 anos) (artigo 36º do requerimento de fls. 1904 a 1917 p.p.);

gggggg) Aas obrigações e do restante património depositado na conta do autor ...87, com referência a 30-06-2005 e 30-09-2005, o autor tem direito, em cada ano, a juros no montante global de € 566 651,50, a contar, pelo menos, de 30-09-2005, primeira data do vencimento dos juros, no montante já vencido de € 5 666 651,50 (€ 566 651,50 x 10 anos) (artigo 37º do requerimento de fls. 1904 a 1917 p.p.).



III – Objecto do recurso

Tendo em conta o disposto no n.º 4 do artigo 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Analisando as conclusões das alegações recursórias, que, não obstante aperfeiçoamento, se mantêm confusas e prolixas, identificam-se as seguintes questões, por ordem de precedência da sua apreciação:

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão e por excesso de pronúncia (conclusões 25. e 29., respectivamente sob os títulos C e D);

- Violação de regras de direito probatório e erro na apreciação da matéria de facto (conclusões 9. a 14. e 16. a 24., 26., 28., 32., 33., 38. a 40. e 46., respectivamente sob os títulos B e D);

- Erro na aplicação do direito (conclusões 27., 30., 35., 36., 37., 41. a 45. e 47. a 55. sob o título D);

- Inconstitucionalidades (conclusões 56. a 60. sob o título E).



IV – Fundamentação de direito


1. Está em causa uma acção declarativa fundada no facto de os RR. terem aplicado os saldos de contas bancárias tituladas pelo falecido A., no Millennium – BCP, S.A., em títulos, acções e obrigações, transferindo-os para um banco, situado em ..., tudo sem o seu consentimento, autorização, ordem ou instrução, o que lhe causou danos, pretendendo o A., no essencial, a restituição dessas quantias e dos juros remuneratórios que vinha recebendo semestralmente, bem como a declaração de nulidade ou anulação do acordo de prestação de serviços fiduciários celebrado com o BCP – Bank & Trust Company, Ltd. e a declaração de nulidade do termo de fiança junto aos autos e ainda uma indemnização por danos não patrimoniais. Subsidiariamente, pretende o A. a condenação solidária dos RR., fundada em responsabilidade civil, no pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

O tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a acção, com a consequente absolvição dos RR. do pedido: por um lado, com base no facto de não ter ficado provada a existência de um depósito a prazo, titulado pelo A., seja no valor alegado por este, seja em diferente valor; e, por outro lado, com base na circunstância de não ter ficado demonstrada uma actuação ilícita por parte dos RR. e de, como tal, não haver obrigação de indemnizarem o A., quer a título de danos patrimoniais, quer de danos não patrimoniais (cfr. sentença de 05-07-2018).

De tal decisão apelaram os herdeiros habilitados do A., sendo que, por acórdão de 28-03-2019, a Relação julgou improcedente a apelação e, consequentemente, confirmou a sentença recorrida.

Para tanto, relevou a circunstância de a Relação ter mantido inalterada a matéria de facto (com excepção da rectificação da data constante do ponto 88. dos factos provados) e de, por conseguinte, ter entendido que não há fundamento para condenar os RR. na quantia peticionada, seja em cumprimento de obrigação de restituição, seja com base em responsabilidade civil.

Com efeito, não tendo ficado provada a versão dos factos alegada pelo A., concluiu a Relação, por um lado e na senda da 1.ª instância, que a falta de prova da existência de um depósito a prazo titulado pelo falecido A. determinava, inelutavelmente, a improcedência do pedido principal de restituição das quantias alegadamente depositadas com o pagamento dos respectivos juros; e, por outro lado, que, não decorrendo da factualidade provada a prática de qualquer acto ilícito por parte dos RR., o pedido fundado em responsabilidade civil também não podia proceder, além de que, mesmo que tivesse havido incumprimento pelos RR. de algum dever inerente ao exercício da actividade de intermediação financeira, sempre a sua responsabilidade dependeria do estabelecimento de um nexo de causalidade entre o acto ilícito e o prejuízo, prova essa que não foi feita.


2. Comecemos por apreciar a questão da invocada nulidade do acórdão recorrido (conclusões 25. e 29.).

Alegam os Recorrentes que o acórdão recorrido é nulo, por omissão e por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC:

(i) Por omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre as “questões” que enunciaram na apelação, todas relacionadas com a impugnação da decisão da matéria de facto, em concreto, sobre os pontos 8., 9., 11., 12., 14., 21., 25., 69., 72., 77. a 80., 90., 91., 92., 109., 113., 130. e 135. dos factos provados e sobre as alíneas hh), ii), jj), oo) a tt), uu), vv), ww), xx) zz), aaa), ddd), eee), ttt), uuu), vvv), aaaa), bbbb), cccc), bbbbbb), cccccc) dos factos não provados; e

(ii) Por excesso de pronúncia ao ter dado como provada a data de 04-01-2005 como sendo a data da outorga da procuração de fls. 680, quando está provado que tal procuração foi outorgada por deliberação da sociedade Serot Finance, Ltd. e esta só foi constituída em 13-07-2005 (cfr. ponto 22 da matéria assente), bem como ao ter-se ocupado do ponto 136. da matéria de facto, que não foi impugnado.

Na sequência da baixa do processo ao tribunal recorrido – determinada por despacho da relatora de 27-01-2020 – a Relação pronunciou-se, por acórdão de 28-05-2020, no sentido de não se verificarem as arguidas nulidades do acórdão impugnado, quer por os Recorrentes confundirem os errores in procedendo com a diferente valoração dos elementos probatórios que, quando muito, poderia constituir erro de julgamento, mas não omissão, quer por o juiz não estar obrigado a avaliar analiticamente todas as vicissitudes processuais, nem a refutar especificamente a argumentação desenvolvida pelas partes, sendo suficiente que, depois de ter apreciado as provas, indique os elementos sobre os quais entendeu fundar a sua decisão, desatendendo aqueles logicamente incompatíveis com a decisão adoptada.

E, de facto, trata-se de conclusão acertada, como passamos a explicar.

Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, do CPC:

«É nula a sentença quando:

(…)

 d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

A omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, de que aqui se cuida, está em correspondência directa com o dever imposto ao juiz no sentido de o mesmo ter de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra questão (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).

Tal não significa, porém, que o juiz se tenha de ocupar de todas as considerações feitas pelas partes, havendo que distinguir entre deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte.

Conforme resulta dos ensinamentos de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3.ª ed., 1952, reimpressão por Coimbra Editora, Coimbra, 2007, págs. 142-143):

«Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista”; contudo, “o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

E tal é assim porque os conceitos de motivação (ou de argumentação fáctico-jurídica) e de questões – enquanto pontos essenciais de facto ou de direito em que as partes centralizam o litígio – não se confundem, sendo que a norma em análise apenas a estas últimas se refere.

Em consequência, a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verificará nos casos em que a omissão de conhecimento, relativamente a cada questão, é absoluta e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes. Vejam-se, neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 22-01-2015 (proc. n.º 24/09.2TBMDA.C2.S1), de 28-04-2016 (proc. n.º 1723/06.6TVPRT.P3.S1), de 15-02-2017 (proc. n.º 3254/13.9TBVCT.G1.S1), de 09-01-2019 (proc. n.º 4175/12.8TBVFR.P1.S1), de 14-01-2020 (proc. n.º 383/17.3T8LSA.C1.S1), de 30-06-2020 (proc. n.º 274/09.1TBLRA.C1.S1) e de 08-10-2020 (proc. n.º 1886/19.0T8LLE.E1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt e www.stj.pt.

Por seu turno, a nulidade por excesso de pronúncia – que vem prevista na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e que está igualmente relacionada com o dever previsto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC – verificar-se-á quando o juiz se ocupe de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, ressalvadas naturalmente as que sejam de conhecimento oficioso.

Decorre, pois, do mencionado dever que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e só essas.

Todavia, e à semelhança do que ocorre com as demais causas de nulidade da decisão, a violação de tal dever, que consubstancia excesso de pronúncia, não se confunde com o erro de julgamento. Trata-se de jurisprudência pacífica, conforme ilustram, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30-09-2010 (proc. n.º 341/08.9TCGMR.G1.S2), de 19-09-2019 (proc. n.º 1046/15.0T8PNF.P1.S1) e de 06-01-2020 (proc. n.º 189/18.2T8GRD.C1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt e www.stj.pt.

Ora, os vícios que os Recorrentes imputam ao acórdão recorrido prendem-se com a impugnação da matéria de facto e com a forma como a Relação, em sede de apelação, reapreciou a prova produzida e não com verdadeiras questões cuja apreciação o tribunal tenha omitido ou das quais se tenha ocupado sem que tal lhe tenha sido pedido.

Em bom rigor, o que revelam, neste particular, as conclusões das alegações recursórias é a não conformação dos Recorrentes quanto ao facto de a Relação não ter atendido aos seus argumentos no que diz respeito à impugnação da decisão de facto, bem como a sua discordância quanto à apreciação que a Relação fez da prova produzida e à convicção que, com base nela, formou, mantendo (com excepção da rectificação de um erro de escrita no ponto 88.) a matéria de facto fixada pela 1.ª instância.

Sucede, porém, que constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal que a nulidade da decisão por omissão ou por excesso de pronúncia se reporta, tão só e apenas, à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar ou à apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, não relevando, para este efeito, as argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos por aquelas em abono da sua posição.

E daí que, destinando-se as nulidades da decisão a remover aspectos de ordem formal que, eventualmente, inquinem a decisão, não seja a arguição das mesmas adequada para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido, designadamente no que concerne aos factos provados e não provados.

Conforme se pode ler no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-03-2017 (proc. n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1)[1], disponível em www.dgsi.pt:

«I - O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC.

II - Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.

III - O mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito».

No mesmo sentido se pronunciou este Supremo Tribunal, no acórdão de 10-12-2020 (proc. n.º 4390/17.8T8VIS.C1.S1), in www.dgsi.pt, afirmando:

 «Muito embora o atual Código de Processo Civil tenha concentrado, na sentença final, o julgamento da matéria de facto, há que distinguir os vícios de que possa enfermar a decisão de facto dos que possam afetar a decisão sobre o mérito, uma vez que as patologias ocorridas no plano da decisão de facto (cf. art. 607.º, n.ºs 1 a 4, do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por força do estatuído no art. 663.º, n.º 2, do mesmo Código) não configuram as nulidades previstas no art. 615.º do CPC que enuncia – com caráter taxativo – as causas de nulidade da sentença». [negrito nosso]


Em consequência, não se verificando a invocada omissão, nem o invocado excesso de pronúncia, têm as arguidas nulidades de improceder.


3. Passemos a apreciar a questão da violação de regras de direito probatório / erro na apreciação da matéria de facto (conclusões 9. a 14. e 16. a 24., 26., 28., 32., 33., 38. a 40. e 46., respectivamente sob os títulos B e D).

3.1. Sustentam os Recorrentes, a este respeito, que, não obstante se estar perante documentos impugnados, que incorporam factos para os quais a lei exige a forma escrita – como sucede com o contrato de prestação de serviços fiduciários de fls. 368 a 379, com os contratos de abertura de crédito de fls. 708 a 710 e de fls. 405 a 408, com os contratos de penhor de fls. 403 a 404 e de fls. 409 a 412, com o contrato de fiança de fls. 413, com o contrato de holdmail de fls. 681, e ainda com os documentos constantes do ponto 36. dos factos assentes – o tribunal de 1.ª instância deu como provados esses contratos, bem como que os mesmos foram subscritos pelo falecido A., pelo seu próprio punho, sem que tenha havido exame pericial. Pelo que, ao ter mantido o referido entendimento, – baseando-se, para tanto, na referência genérica de que a assinatura do A. foi reconhecida por numerosas testemunhas, quando, alegam os Recorrentes, estaria em causa prova vinculada pelo que, por conseguinte, tal factualidade não é passível de prova testemunhal, nem de livre apreciação – a Relação violou o disposto no artigo 3.º do CPC e no artigo 393.º, n.º 1, do Código Civil.

Vejamos.

Dispõe o artigo 682.º, n.º 1, do CPC:

«Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado».

Acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito legal:

«A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674.º»

Preceitua, por sua vez, esta última norma que:

«O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova»

Conforme decorre destas regras legais, o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito, não lhe cabendo sindicar a matéria de facto apurada pelas instâncias, a não ser que se verifique algum dos casos excepcionais expressamente previstos na lei.

Tal como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, pág. 398), a actividade do Supremo:

«Não se preocupa com as possíveis alternativas sobre o julgamento dos factos relevantes, mas exclusivamente com a determinação da solução jurídica adequada para os factos apurados pelas instâncias, já que na função atribuída ao Supremo prevalecem os interesses gerais de harmonização na aplicação do direito sobre a averiguação dos factos relativos ao caso concreto e a concentração dos seus esforços na determinação da norma aplicável e no controlo da sua interpretação e aplicação pelas instâncias».

Também Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, pág. 270), afirma, em sentido coincidente:

«Em regra, o Supremo não se pronuncia sobre a verdade dos factos em que se baseia a invocada infracção à lei. Compete-lhe antes apurar se foi exacta a aplicação da lei, no pressuposto de que os factos aos quais a aplicou o tribunal a quo são verdadeiros tal como ele os considerou provados».

O mesmo é dizer que, face ao disposto no artigo 674.º, n.º 3, do CPC, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no que concerne ao controlo da decisão da matéria de facto se circunscreve a aspectos em que se tenha verificado a violação de normas de direito probatório material (por, nessa hipótese, estarem em causa verdadeiros erros de direito), já não abrangendo, porém, questões inerentes à decisão da matéria de facto quando esta foi precedida da formulação de um juízo assente na livre apreciação da prova formulado pela 1.ª instância ou pela Relação.

No caso vertente, defendem os Recorrentes que o facto de estarem em causa documentos que foram impugnados e que, em seu entender, estariam sujeitos à forma escrita, impediria o tribunal de dar como provado que os mesmos foram subscritos pelo falecido A. CC, pelo seu próprio punho, sem que tenha havido exame pericial.

Concluem, por isso, que, ao ter assim procedido, mantendo o entendimento do tribunal de 1.ª instância – quando, estando em causa prova vinculada, a questão da assinatura do A. não era passível de prova testemunhal, nem de livre apreciação – violou a Relação, no acórdão recorrido, o disposto nos artigos 3.º do CPC e 393.º, n.º 1, do Código Civil.

Não lhes assiste razão.

É que, não obstante os Recorrentes terem invocado o disposto no artigo 393.º do Código Civil para, dessa forma, procurarem demonstrar que está em causa prova vinculada e que, por isso, se trataria de matéria que caberia nos poderes de apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, a verdade é que tal norma não se aplica aos casos de prova da assinatura.

Dispõe o artigo 393.º, n.º 1, do CC:

«Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito, não é admitida prova testemunhal».

Compreende-se que assim seja, posto que, se a declaração deve ser reduzida a escrito e não o foi, o acto será nulo e daí que seja irrelevante qualquer espécie de prova, seja ela testemunhal ou outra diferente da documental. Se a lei exige que a declaração apenas se prove por documento, fica, naturalmente, afastada a prova testemunhal (cfr. artigos 220.º, 364.º, e 393.º, n.º 1, do CC). Cfr., neste sentido, Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 342.

É, pois, este o campo de aplicação da dita norma legal que não vale para os casos da prova da assinatura.

Repare-se que a alegação dos Recorrentes é até contraditória nos seus próprios termos, já que, se está em discussão saber se determinada assinatura foi ou não aposta, pelo falecido A., pelo seu próprio punho, nos documentos juntos aos autos, que vêm descritos na factualidade provada, é porque as declarações negociais foram reduzidas a escrito.

3.2. Questão diversa – que é a que, verdadeiramente, está em causa e com cuja resolução os Recorrentes não se conformam – será a de saber se, tendo sido impugnada a assinatura constante dos ditos documentos, o tribunal pode socorrer-se, para formar a sua convicção a esse propósito, de qualquer meio de prova.

Conforme resulta dos ensinamentos de Vaz Serra («Provas (Direito Probatório Material)» in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 111, Dezembro 1961, págs. 160-161):

A «assinatura é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste, o acto, portanto, com que lhe confere a sua autoria e que justifica a força probatória do mesmo documento. (…)»

 «Relativamente à força probatória dos documentos particulares» – como os que estão em causa nos autos e que são apontados pelos Recorrentes –, «há que assinalar, antes de mais, que, ao contrário dos documentos autênticos (…), os documentos particulares não provam por si mesmos a sua autenticidade ou genuinidade, quer dizer, a pessoa de quem provêm. Não é, pois, suficiente a apresentação deles para se considerar apurado que o seu autor é aquele que neles figura como tal. (…) não pode (…) presumir-se que a assinatura e a letra são efectivamente daquele a quem são atribuídas: há que apurar se tal assinatura é autêntica ou genuína (…).

No nosso direito, esta averiguação faz-se mediante reconhecimento, expresso ou tácito, da parte contrária à que produz o documento ou mediante outra prova (Código de Processo Civil, art.os 538.º e 539.º)» (ob. cit., pág. 181 e, ainda, pág. 191).

Neste mesmo sentido se pronunciava Alberto dos Reis (em anotação aos artigos 538.º e segs. do Código de Processo Civil Anotado, então vigente, e no qual a matéria em questão se encontrava regulada, Volume III, 3.ª ed., 1950, reimpressão por Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 401 e segs.), sublinhando que a autenticidade do documento particular, tomando a palavra “autenticidade” no sentido de genuinidade ou veracidade da sua autoria, não emerge do próprio documento, este não a impõe, tendo, antes, de ser estabelecida por meios estranhos a ele:

«Nos documentos particulares assinados é a assinatura que indica a proveniência, a paternidade ou a autoria do documento. Indica-a, mas não a certifica nem a impõe (…) há que verificar se a indicação corresponde à verdade, se o documento emana realmente da pessoa que figura como autor» (ob. cit., p. 402).

Sendo que a veracidade da autoria do documento – já então, como agora – poderia ser obtida através de três formas:

«a) Por meio de legalização;

b) Pelo reconhecimento, expresso ou tácito, da parte contra quem o documento é produzido;

c) Por meio de exame judicial ou de outros meios de prova» (ob. cit., pág. 404).

Estes ensinamentos mantêm inteira actualidade perante o que dispõe o artigo 374.º do Código Civil, do qual decorre que, contrariamente ao que sucede com os documentos autênticos, os documentos particulares não provam, por si só, a genuinidade da sua (aparente) proveniência.

«A letra e assinatura, ou a assinatura, só se consideram, neste caso, como verdadeiras, se forem expressas ou tacitamente reconhecidas pela parte contra quem o documento é exibido ou se legal ou judicialmente forem havidas como tais» (Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 331).

Pelo que, havendo impugnação da assinatura, será ao apresentante do documento que incumbe provar a autoria contestada. Para esse efeito, e na falta de disposição legal que o proíba, não está o apresentante do documento impedido de lançar mão de qualquer meio de prova, da mesma forma que, para formar a sua convicção acerca da dita autoria, não está o tribunal impedido de se socorrer de qualquer meio de prova, designadamente a prova testemunhal.

Com efeito, e contrariamente ao sustentado pelos Recorrentes, a lei não impõe qualquer espécie de prova – designadamente a pericial – para o mencionado efeito.

Pelo que, não havendo, neste particular, prova vinculada, forçoso é concluir que ao ter mantido, no acórdão recorrido, os factos dados como provados, concernentes à circunstância de a assinatura constante dos documentos aí mencionados ter sido feita pelo falecido A., pelo seu próprio punho, ancorando-se, para tanto, na prova testemunhal, que conjugou com a demais prova que foi produzida, não violou a Relação qualquer norma de direito probatório material.

Refira-se, de resto, que, se os Recorrentes entendiam que a prova pericial era importante para a posição que assumiram no processo, podiam tê-la requerido, e não o fizeram, sendo que o tribunal julgou que era suficiente e bastante, para formar a sua convicção, a demais prova produzida, sendo livre de o fazer e não estando obrigado a ordenar a realização de perícia. Cfr. neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 25-05-2017, proc. n.º 23/09.4TBSSB.E1.P1[2], cujo sumário pode ser consultado in www.stj.pt.

Tal como afirmou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 20-06-2013 (proc. n.º 1043/10.1TVLSB.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt:

«Recaindo sobre o apresentante do documento particular impugnado o ónus da prova da veracidade do seu texto e da sua assinatura, poderá o mesmo fazê-lo, quer por exame, quer por qualquer outro meio de prova.

Inclusive, também por prova testemunhal.

Não se tratando de substituir a força probatória do documento em si mesmo, mas antes e apenas de provar ou não provar a sua veracidade (do texto e da assinatura»).

O que decorre, na realidade, das alegações e, bem assim, das conclusões da revista é que, também aqui, os Recorrentes não se conformam com a apreciação crítica que o tribunal fez da prova testemunhal produzida nem com a circunstância de, com base nessa prova, se ter convencido que as assinaturas constantes dos escritos juntos aos autos foram feitas pelo falecido A., pelo seu próprio punho.

Sucede, porém, que, encontrando-nos no domínio da prova testemunhal, sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (artigos 396.º do CC e 607.º, n.º 5, do CPC), assim como da convicção que, com base em tal prova, o tribunal formou, e não vigorando, quanto à questão da proveniência da assinatura, qualquer prova vinculada, forçoso é concluir que a discordância dos Recorrentes acerca da referida apreciação crítica para dar como provada a dita matéria não se enquadra em nenhuma das excepções previstas na parte final do art. 674.º, n.º 3, do CPC, estando, como tal, o Supremo Tribunal impedido de sindicar a decisão da matéria de facto que resultou da apreciação desse meio probatório.

É esta a orientação que tem sido pacificamente adoptada na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tal como ilustram os seguintes acórdãos:

- Acórdão de 19-01-2017 (proc. n.º 841/12.6TBMGR.C1.S1), disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se afirma:

 «(…)

II - Na fixação da matéria factual relevante para a solução do litígio a Relação tem a derradeira palavra, através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 662.º do Cód. de Proc. Civil, acrescendo que da decisão proferida nesse particular pela Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art.º 662º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil).

III - É residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da factualidade relevante da causa, restringindo-se, afinal, a fiscalizar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes)».

- Acórdão de 22-01-2015 (proc. n.º 24/09.2TBMDA.C2.S1), disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:

«I - A lei portuguesa prevê apenas um grau de recurso no julgamento da matéria de facto, razão pela qual a intervenção do STJ nesta matéria apenas se justifica sempre que o tribunal recorrido tenha ofendido uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova; mas já não nas circunstâncias em que apenas se pretende reanalisar a apreciação que as instâncias fizeram de prova testemunhal, pericial ou qualquer outra sujeita ao princípio da livre apreciação da prova. (…)».

No mesmo sentido, entre muitos outros, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-06-2018 (proc. n.º 2721/06.5TBMTJ.L1.S1), de 08-11-2018 (proc. n.º 248015/09.2YIPRT.S1), de 04-07-2019 (proc. n.º 113/17.0T8CNF.C1.S1), de 17-12-2019 (proc. n.º 2224/17.2T8BRG.G1.S1), de 15-01-2020 (proc. n.º 1350/14.4TBBRR.L2.S1) e de 04-02-2020 (proc. n.º 3932/17.3T8BRG.G1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt e www.stj.pt.

3.3. Ainda a respeito da matéria de facto dada como provada, alegam os Recorrentes que, contrariamente ao afirmado pelo tribunal, o contrato de prestação de serviços fiduciários tem de revestir a forma dos actos para os quais o dito contrato se destina e daí que, no caso, pretendendo-se, por via do mesmo, conferir mandato para a constituição de uma sociedade comercial e comprar e vender títulos (o que obriga ao respectivo depósito e registo), estava tal contrato sujeito a escritura pública no que respeita ao primeiro acto (cfr. o artigo 7.º do Código das Sociedades Comerciais e o artigo 80.º, alínea e), do Código do Notariado, nas versões vigentes à data dos actos) e à forma escrita no que toca ao segundo (cfr. os artigos 30.º e 344.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários).

Defendem, para além disso, que, dada a incapacidade visual do falecido A., que está provada nos autos, a falta de observância da exigência prevista no artigo 373.º, n.º 3, do Código Civil, subtrai a prova dos factos à livre apreciação do julgador e determina a nulidade de todos os supra referidos contratos, impedindo a prova testemunhal.

Terminam afirmando que, assim sendo, e por força do disposto nos artigos 393.º, n.º 1, do CC e 607.º, n.º 5, do CPC, não podiam os factos constantes dos pontos 28. a 32., 69., 73. a 76., 79., 81. a 85., 90., 93., 94., 95., 100., 110., 112. ter sido dados como provados.

Vejamos.

Dispõe o artigo 373.º do CC:

«1. Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor (…).

(...)

3. Se o documento for subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler, a subscrição só obriga quando feita ou confirmada perante notário, depois de lido o documento ao subscritor».

Considerando que a assinatura, tal como supra se referiu, é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste – ou, dito de outra forma, o acto com que lhe confere a sua autoria e que justifica a sua força probatória – entendeu o legislador que, nos casos em que a pessoa não saiba ou não possa ler e em que, por isso e em princípio, se encontrará mais fragilizada em termos negociais, há que rodear a subscrição do documento de acrescidas cautelas por forma a garantir que o subscritor está a assinar uma declaração que pretende efectivamente emitir.

Todavia, a questão de saber se foi, ou não, observado o requisito legalmente exigido – realização da assinatura ou sua confirmação perante notário, depois de lido o documento ao subscritor e quais as consequências jurídicas em caso de inobservância – não se confunde com a questão de saber se a assinatura foi, ou não, feita pelo próprio punho da pessoa a quem a mesma é atribuída.

Com efeito, o que decorre do artigo 366.º do CC é que «a força probatória do documento escrito a que falte algum dos requisitos exigidos na lei é apreciada livremente pelo tribunal», ao invés de lhe ser conferida a força probatória plena prescrita pelo artigo 376.º do CC, caso os ditos requisitos tivessem sido observados.

Conforme ensinam, a este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit., págs. 324-325):

«Os documentos escritos a que falte algum dos requisitos legais não são destituídos de todo o valor probatório (…). O tribunal não está inibido (…) de lhes atribuir algum valor. O que estes documentos não podem é satisfazer a exigência legal de forma (cfr. art. 364.º)».

No mesmo sentido, se vem pronunciando o Supremo Tribunal de Justiça, conforme se extrai, por exemplo, do acórdão de 26-02-2015 (proc. n.º 3194/08.3TBPTM.E1.S1), disponível em www.dgsi.pt., no qual se afirma que a falta de assinatura de um documento não provoca a nulidade de declaração dele constante, já que há que distinguir, em qualquer documento, o documento em si, enquanto suporte, da declaração nele contida:

«O nº 1 do artigo 373º exige a assinatura do documento como condição da força probatória especial que se prescreve nos artigos seguintes, reconhecendo que assinar um documento significa assumir o respectivo conteúdo. A falta de assinatura apenas significa que o documento fica sujeito à regra da livre apreciação pelo tribunal (artigo 366º do Código Civil)».

No caso sub judice, está provado que o falecido A. era invisual do olho esquerdo desde 1989 (por sofrer de retinopatia diabética) e que, a partir de 2004/2005, ficou com cerca de 20% a 30% de visão no olho direito (por ter sofridos hemorragias graves) – não conseguindo ler documentos como os que constam de fls. 676, 677, 680 a 682, e outros com letra de tamanho similar – até que, em meados de 2006, passou a ser considerado deficiente invisual (cfr. factos provados sob os pontos 16. e 19.).

Mais se provou que, não obstante a falta de visão, o falecido A. apôs a assinatura, pelo seu próprio punho, em diversos documentos, quando já não os conseguia ler (cfr. factos provados sob os pontos 19. e 25.). Pelo que, não constando em nenhum desses documentos que a sua assinatura tenha sido feita ou confirmada perante o notário nos termos exigidos pelo artigo 373.º, n.º 3, do CC, está igualmente assente a falta de observância desse requisito legal.

É, assim, certo que os documentos em causa, assinados entre 2005 e 2010, não podem valer como documentos particulares com a força probatória plena formal – quanto às declarações dos mesmos constantes – que lhes seria conferida caso tivessem sido assinados com o cumprimento da dita formalidade (artigos 373.º, n.º 3, e 376.º do CC). Porém, não é menos certo que tais escritos, na falta do dito requisito, não deixam de poder ser livremente apreciados pelo tribunal nos termos previstos no artigo 366.º do CC.

O mesmo é dizer que a circunstância de os mencionados documentos estarem desprovidos de força probatória plena, por a sua outorga não ter sido feita nos termos do artigo 373.º, n.os 1 e 3, do CC (não podendo valer, por si só, para atribuir ao falecido A. as declarações negociais que integram os contratos em causa), não significa que esses documentos, sujeitos à livre apreciação do tribunal, conjugados com outras provas, não possam servir para demonstrar os factos susceptíveis de relevar na perspectiva da inexistência ou da invalidade desses contratos (que foi invocada), bem como para demonstrar os factos referentes ao circunstancialismo e ao contexto em que foram produzidos e ainda os concernentes ao abuso do direito (que foi igualmente invocado pela contraparte).

É, pois, no sentido exposto que se tem orientado a jurisprudência dos tribunais superiores, de que é exemplo o acórdão da Relação de Lisboa de 31-05-2011 (proc. n.º 133567/09.1YIPRT.L1-7) [3], disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:

 «(…)

2. Estando provado que o R. não sabe ler, embora saiba assinar, a sua assinatura só obriga se tiver sido feita ou confirmada perante o notário, depois de lido o documento ao subscritor, como exige o n.º 3 do artigo 373.º do CC.

3. A inobservância de tal formalidade, implica que o documento não seja provido de eficácia probatória plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 376.º com referência ao n.º 3 do artigo 373.º do CC, podendo tal escrito, quando muito, na falta daquele requisito legal, ser apreciado, segundo a livre convicção do julgador, nos termos do art.º 366.º do CC».

Ora, no caso vertente, a Relação limitou-se a aplicar, na reapreciação da matéria de facto impugnada, o dito princípio da livre apreciação da prova, sem que tenha valorado, por si sós, os documentos em questão e sem que lhes tenha atribuído um qualquer especial valor probatório, limitando-se a apreciá-los e a valorá-los livremente no contexto da demais prova produzida.

Na verdade, não se afigura que o não preenchimento do requisito previsto no artigo  373.º, n.º 3, do CC tenha ou possa ter reflexo na convicção formada pelo tribunal, em face da prova produzida, no sentido de determinada assinatura ter sido feita, pelo próprio punho, da pessoa a quem a autoria do documento é imputada, podendo, quando muito, a dita inobservância reflectir-se, num momento posterior, na questão de saber se essa assinatura, ainda que atribuída a essa pessoa, a vincula ao conteúdo do documento.

Trata-se, contudo, de questões que se situam em planos diferentes:

(i) Por um lado, no plano da fixação dos factos concernentes a saber se as assinaturas constantes dos documentos descritos na factualidade provada tinham ou não sido feitas pelo falecido A., pelo seu próprio punho;

(ii) Por outro lado, e uma vez dada como provada essa factualidade, no plano das consequências jurídicas resultantes da inobservância do requisito a que a aposição dessas assinaturas estaria sujeita.

 Neste segundo plano, importa apurar se, faltando aos documentos em questão um dos requisitos exigidos pela lei – como o que se prevê no artigo 373.º, n.º 3, do CC – os mesmos satisfazem ou não a exigência legal de forma, a que alude o artigo 364.º do CC.

Todavia, deve ter-se presente que as restrições probatórias do artigo 364.º do CC relevam apenas e tão só para efeitos de prova de celebração válida do contrato que esteja sujeito a forma, mas não impedem que o tribunal se socorra de documento com menor força probatória, de prova testemunhal ou até mesmo de prova por presunções judiciais para demonstração de que o contrato foi celebrado sem forma – i.e, para fazer prova da sua existência e da correspondente materialidade –, tanto mais que, apenas por essa via, ficará o tribunal em condições de fazer operar os efeitos decorrentes da nulidade que, eventualmente, se verifique (artigos 364.º, n.º 1, e 220.º do CC). Vejam-se, neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-09-2007 (proc. n.º 1963/07) e de 16-05-2019 (proc. n.º 2966/16.0T8PTM.E1.S2)[4], disponíveis em www.dgsi.pt.

Ora, in casu, ao ter reapreciado a matéria de facto impugnada e ao ter concluído que a mesma se devia manter inalterada (nos termos decididos pela 1.ª instância), a Relação não deu como provado que as assinaturas apostas pelo falecido A. nos escritos em causa nos autos, que consubstanciam os contratos descritos no acervo factual provado, foram feitas ou confirmadas perante o notário, mas antes, tão só e apenas, que tais assinaturas foram aí apostas pelo A., pelo seu próprio punho e que algumas delas o foram numa altura em que o falecido A. já não conseguia ler os documentos – o que, como se referiu, lhe era permitido, reflectindo a versão dos factos de que o tribunal se convenceu.

Considera-se, pois, que a inobservância do requisito previsto no artigo 373.º, n.º 3, do CC não impede o tribunal de dar como provada a materialidade subjacente à aposição na assinatura nos documentos sem o cumprimento dessa formalidade (já que a sua força probatória é apreciada livremente pelo tribunal – artigo 366.º do CC); quando muito, tal inobservância terá como consequência a nulidade ou ineficácia dos contratos em causa, não vinculando o falecido A. às declarações deles constantes.

Assim, e independentemente de saber se os contratos em questão estavam efectivamente sujeitos a forma legal – questão que se apreciará em sede do alegado erro na aplicação do direito –, o certo é que não se vê que a Relação, ao ter mantido a matéria de facto dada como provada, concernente à assinatura aposta pelo falecido A. nos contratos a que os Recorrentes fazem referência – tenha infringido quaisquer normas de direito probatório material, designadamente as normas constantes dos artigos 364.º e 393.º, n.º 1, do CC, estando, em consequência, o Supremo Tribunal de Justiça impedido de sindicar o juízo probatório, assente na livre apreciação, em que a Relação se alicerçou para manter a referida matéria como provada (artigo 674.º, n.º 3, do CPC a contrario).

De igual modo e no que se refere à factualidade relativa às comunicações trocadas entre as partes (cfr. pontos 43. a 45. e 48.) e ao circunstancialismo que determinou a “aquisição” da sociedade Serot Finance Ltd. pelo falecido A. (cfr. pontos 62. a 68.) se dirá que não se vislumbra que a Relação tenha infringido qualquer norma de direito probatório material ao ter mantido essa factualidade como provada com base na prova testemunhal e nos documentos que foram juntos aos autos, meios esses sujeitos à livre apreciação do tribunal, sendo que os Recorrentes também não justificam, nem fundamentam a alegação em contrário (artigos 366.º, e 396.º, do CC, e 607.º, n.º 5, do CPC).


3.4. Sustentam, por outro lado, os Recorrentes que a conta que é referida nos factos dados como provados sob os pontos 38. e 40. nada tem a ver com as que estão em causa nos autos, uma vez que se trata de conta titulada pelo falecido A. e pelos filhos, sendo certo que o acesso não podia ser efectuado pelo próprio falecido já que a sua cegueira e a sua impreparação em matéria informática o impediam de o fazer.

Ora, o que evidencia, mais uma vez e neste particular, a alegação dos Recorrentes é que os mesmos não se conformam com a apreciação crítica que o tribunal fez da prova produzida, nem com a convicção que, com base nela, formou.

Contudo e conforme já se referiu, encontrando-nos no domínio de prova sujeita à livre apreciação do tribunal e não perante qualquer prova vinculada, o juízo feito pela Relação, a esse propósito, é definitivo, sem que o Supremo Tribunal possa nele interferir (cfr. artigos 396.º e 674.º, n.º 3, in fine, do CPC).


3.5. Alegam, ademais, os Recorrentes que os factos dados como não provados sob os pontos ppp), qqq) e rrr) – e assim mantidos pela Relação –, sendo factos notórios, do domínio público, deveriam ter sido dados como provados, tanto mais que não foram impugnados, cabendo nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça sindicar esta matéria.

Vejamos.

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do CPC:

«Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral».

Conforme se colhe dos ensinamentos de Alberto dos Reis, que mantêm plena actualidade:

«Facto notório é, por definição, facto conhecido. Mas não basta qualquer conhecimento; é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau de difusão que o facto apareça, por assim dizer, revestido de carácter de certeza.»

Tal significa que não pode «qualificar-se de notório um facto conhecido unicamente do juiz ou de um círculo restrito ou particular de pessoas», mas também não é exigível «que seja conhecido pela totalidade absoluta dos cidadãos dum país ou duma região: há-de ser um facto conhecido pela grande generalidade, ou, dito de outro modo, que seja conhecido por parte da massa de portugueses que possam considerar-se regularmente informados, isto é, acessíveis aos meios normais de informação» (ob. cit., Volume III, 3.ª ed., 1950, reimpressão por Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 259-261).

No mesmo sentido se pronunciam Abrantes Geraldes / Luís Pires de Sousa / Paulo Pimenta, afirmando que «o facto notório tem de constar como certo ou falso para a generalidade de pessoas de cultura média, entre as quais se encontra o juiz», não devendo integrar apenas um saber especializado (Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 413).

Não tem sido pacífica a questão de saber se o Supremo Tribunal de Justiça pode ou não, atentos os limitados poderes de que dispõe em sede de conhecimento da matéria de facto, sindicar se determinado facto é ou não notório. Com efeito, a par dos que defendem que a circunstância de, em regra, o Supremo Tribunal não conhecer da matéria de facto, não obsta a que atenda aos factos notórios que não tenham sido considerados pelas instâncias, mesmo que ex novo (artigos 607.º, n.º 4, 663.º, n.º 2 e 679.º do CPC) (cfr. neste sentido, os acórdãos do STJ de 23-01-2014, proc. n.º 237/07.1TBMAC.E1.S1, de 01-04-2014, proc. n.º 330/09.6TVLSB.L1.S1, de 29-06-2017, proc. n.º 4503/14.1TCLRS.L1.S1, de 23-01-2020, proc. n.º 12/15.0TNLSB.L1.S1, de 11-03-2021, proc. n.º 2889/15.0T8OVR-A.P1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt e em www.stj.pt; e na doutrina, Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, cit., pág. 427 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2.ª ed., cit., pág. 234), outros entendem que decidir se certo facto é ou não facto notório constitui ainda matéria de facto, do exclusivo julgamento pelas instâncias, por não se reconduzir a nenhum dos casos especialmente previstos no artigo 674.º, n.º 3, do CPC, que facultam o conhecimento e modificação da matéria de facto pelo Supremo Tribunal. Neste sentido, ver os acórdãos do STJ de 17-11-1998, proc. n.º 1049/98, e de 10-09-2019, proc. n.º 20714/13.4YYLSB-B.L1.S1, disponíveis em www.stj.pt e www.dgsi.pt.

No caso sub judice, os factos que foram dados como não provados, e que os Recorrentes alegam que deviam ter sido considerados provados por serem notórios, são os seguintes:

ppp) O réu Millennium BCP S. A. utilizava um serviço especializado de informações privilegiadas sobre a subida e descida de acções na bolsa de valores (artigo 171º da petição inicial).

qqq) Com uma antecipação de horas conseguia obter essas informações e quando era informado que iriam subir de valor retirava, de imediato, montantes dos depósitos de alguns clientes, sem o consentimento e o conhecimento destes e jogava o dinheiro na bolsa de valores, como se fosse dinheiro próprio, comprando de manhã acções e vendendo à tarde (artigos 172º e 173º da petição inicial).

rrr) Parte dos lucros obtidos era destinada ao próprio banco, que cobrava taxas remuneratórias e uma pequena parte era distribuída pelos titulares dos depósitos, a título de juros remuneratórios do capital depositado, como se estivesse depositado a prazo, de modo que os depositantes não se apercebessem do negócio e do respectivo lucro (artigos 174º e 175º da petição inicial).

Ora, mesmo que se admita que o Supremo Tribunal pode, no plano dos factos, sindicar a decisão das instâncias quanto à desconsideração de factos notórios – posição que, em face da circunstância de não carecerem de alegação e de prova, se tem por mais correcta (cfr. artigos 412.º, n.º 1, 607º, n.º 4, 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC) –, o certo é que, in casu, se afigura ser evidente que os factos em causa não são subsumíveis à noção de factos notórios que acima se explanou.

Com efeito, os ditos factos respeitantes a um determinado comportamento que os Recorrentes imputam ao Banco 1.º R., relacionado com supostas informações privilegiadas usadas para levar a cabo operações em bolsa em seu benefício e em detrimento dos seus clientes, está longe de assumir a notoriedade geral pressuposta pelo artigo 412.º, n.º 1, do CPC que dispensaria a sua alegação e prova. Não pode sequer afirmar-se que os aludidos factos sejam verdadeiros e, assim sendo, não se vê como poderia a grande maioria dos cidadãos do nosso país, mesmo regularmente informados, deles ter conhecimento.

Deste modo, é forçoso concluir-se que, ao ter mantido os factos acima enunciados como não provados por os mesmos, contrariamente ao que os Recorrentes pretendem fazer crer, terem sido impugnados (cfr. o artigo 335.º da contestação, no qual se impugna expressamente os factos alegados nos artigos 171.º a 175.º da petição inicial) e não terem sido objecto de prova adicional, a Relação agiu dentro dos parâmetros legais, sem que tenha violado o disposto nos artigos 412.º, n.º 1, e 607.º, n.º 4, do CPC.


3.6. Por último, sempre se dirá que as invocadas contradições que os Recorrentes imputam à matéria de facto – concernentes às ordens e instruções que o falecido A. deu no sentido de o seu património ser transferido para a sociedade Serot Finance Ltd. – se reconduzem, na realidade, à manifestação de discordância quanto à convicção que o tribunal formou com base na prova produzida e no âmbito da sua livre apreciação, tal como evidenciam as conclusões da sua alegação recursória, não se traduzindo, portanto, em verdadeiras contradições que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, únicas que este Supremo Tribunal pode sindicar (artigo 682.º, n.º 3, do CPC).

Por todas as razões aduzidas, não existindo erro susceptível de ser sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça, terá, forçosamente, de se manter inalterada a factualidade dada como assente pela Relação (artigos 662.º, n.º 4, e 607.º, n.º 5, do CPC, este último aplicável ex vi artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma legal).


4. Passemos a apreciar a questão do alegado erro na aplicação do direito (conclusões 27., 30., 35., 36., 37., 41. a 45. e 47. a 55. sob o título D).


4.1. Considerando que a pretensão dos Recorrentes a respeito do erro na aplicação do direito assenta, por inteiro, na pretendida alteração da matéria de facto (designadamente quanto à aposição da assinatura de CC nos documentos juntos aos autos e quanto ao facto de o tribunal se ter convencido de que o mesmo concordou e pretendeu levar a cabo o procedimento respeitante à transferência do seu património para uma sociedade offshore para, dessa forma, continuar a ter benefícios fiscais e obter o melhor rendimento possível), tendo-se concluído pela improcedência da pretensão de alteração da decisão de facto, forçoso é também concluir-se pela improcedência do invocado erro de julgamento.

Com efeito, não tendo ficado demonstrada a existência de um depósito a prazo, seja no valor invocado pelos Recorrentes, seja noutro diverso, nem, consequentemente, a transferência ou a aplicação desse suposto valor sem autorização do falecido A., não pode senão entender-se – tal como entendeu a Relação, em conformidade com o juízo da 1.ª instância – que o pedido de restituição do alegado capital acrescido de juros, deduzido a título principal, tem necessariamente de improceder. Vejam-se, neste particular, os factos dados como provados sob os pontos 2., 3., 5., 49. a 55., dos quais decorre que, depois do vencimento do último depósito a prazo, ocorrido em 06-11-1998, o falecido A. não voltou a constituir outro depósito com essa natureza.

De igual modo, e no que concerne ao pedido indemnizatório, deduzido a título subsidiário, se afigura que, mantendo-se inalterada a factualidade fixada pelas instâncias, a solução de direito adoptada no acórdão recorrido não é merecedora de qualquer censura.

Repare-se que o A. alicerçou tal pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais na alegada conduta dos bancos réus de transferência do seu património para uma sociedade offshore – a Serot Finance Ltd. – à sua revelia, sem o seu conhecimento e sem que tivesse tido consciência de estar a subscrever os documentos que formalizaram a dita operação, os quais, por isso, invocou não lhe serem oponíveis, além do mais, em face da sua comprovada limitação visual.

Sucede, porém, que a factualidade dada como provada revela uma versão dos factos diametralmente oposta àquela que o falecido A. apresentou ao tribunal, designadamente no que concerne ao seu conhecimento, à sua vontade, ao seu acordo, ao seu consentimento e à sua autorização quanto à dita operação de transferência do património para a referida sociedade, ocorrida num circunstancialismo verificado na sequência de uma alteração legislativa que o impedia de continuar a ter os benefícios fiscais que até então tinha e que não queria perder.

É, pois, essa outra versão que se extrai, com grande clareza e em termos que não deixam dúvidas, do acervo factual dado como provado.

Donde, não decorrendo desse acervo, definitivamente fixado, a prática de qualquer acto ilícito por parte dos RR., e sendo os pressupostos da responsabilidade civil cumulativos (artigo 483.º do CC), tal é quanto basta para que a pretensão dos Recorrentes tenha igualmente, nesta parte, de improceder.


4.2. De igual modo e no que se refere à questão da invocada invalidade/ineficácia dos negócios consubstanciados nos documentos subscritos pelo falecido se dirá que se trata de pretensão que não pode proceder pelas razões que em seguida se apresentam.

4.2.1. A este propósito importa começar por recordar que, tendo o A. desistido do pedido de invalidade da maior parte dos contratos, que havia formulado ab initio – desistência essa que foi homologada por sentença –, apenas subsistiu para apreciação o pedido de declaração de invalidade e ineficácia do contrato de prestação de serviços fiduciários de 19-07-2005 e do termo de fiança de 30-09-2008.

Com relevância para a apreciação desta questão, está provado que, não obstante a limitada capacidade visão do falecido A. – que se foi agravando ao longo do tempo e que, a partir de 2004/2005, o impedia de ler documentos como os que constam de fls. 676, 677, 680 a 682, e outros com letra de tamanho similar, até que, em meados de 2006, foi considerado deficiente invisual –, o mesmo apôs a assinatura, pelo seu próprio punho, em diversos documentos, numa altura em que já não os conseguia ler (cfr. factos provados sob os pontos 16., 19. e 25.).

Ora, não constando de qualquer desses documentos, conforme resulta dos factos provados, que a assinatura do falecido A., CC, tenha sido feita ou confirmada perante o notário nos termos exigidos pelo artigo 373.º, n.º 3, do CC, está igualmente assente que não foi cumprido esse requisito legal.

Todavia, a inobservância da formalidade prevista no artigo 373.º, n.º 3, do CC não tem, in casu, as consequências que os Recorrentes invocam.

É certo que um documento a que falte a assinatura não pode satisfazer a exigência legal de forma a que se refere o artigo 364.º do CC (ainda que, em termos probatórios, a sua força seja livremente apreciada pelo tribunal – cfr. artigo 366.º do CC), mas tal apenas se verifica quando uma determinada forma seja, efectivamente, imposta por lei, caso em que a sua preterição importará a nulidade do correspondente negócio (artigo 220.º do CC).

Já se estiver em causa um negócio que não está sujeito a forma, nenhuma consequência se poderá retirar do facto de não ter sido cumprida a formalidade prevista no artigo 373.º, n.º 3, do CC, já, que subjacente ao princípio da liberdade de forma (artigo 219.º do CC), está o facto de não existirem particulares razões – seja de ponderação, segurança e prova, seja de interesse público – que imponham a sujeição à forma escrita. E se não é exigível a forma escrita, podendo o acordo ser verbal, é evidente que a inobservância da dita formalidade nenhuma repercussão pode ter na validade do acordado.

Vejamos, então, tendo presentes as breves considerações expendidas, se o contrato de prestação de serviços fiduciários e o termo de fiança a que os Recorrentes aludem, e cuja invalidade pretendem ver declarada, estavam ou não sujeitos à forma escrita.


4.2.2. No que se refere ao contrato de prestação de serviços fiduciários, invocam os Recorrentes que, devendo o mesmo revestir a forma dos actos para os quais se destina (artigo 262.º, n.º 2, do CC) e pretendendo-se conferir mandato para a constituição de uma sociedade comercial e para comprar e vender títulos (o que obriga ao respectivo depósito e registo), estava tal contrato sujeito a escritura pública, no que toca ao primeiro acto (artigos 7.º do CSC, e 80.º, alínea e), do Cód. Notariado, nas versões vigentes à data); e à forma escrita, no que toca ao segundo (artigos 30.º, e 344.º, n.º 1, do CVM).

Assinale-se, antes de mais, que, no que se refere à constituição da sociedade Serot Finance Ltd., não sendo esta uma sociedade de direito português (cfr. ponto 22. dos factos provados), eventuais exigências de forma sempre teriam de ser aferidas em função do direito aplicável à sua constituição e não em função do direito nacional.

A resolução da questão da determinação do direito estrangeiro aplicável, que não foi considerada ao longo do processado, mas que é de conhecimento oficioso, fica, porém, prejudicada porque o referido contrato, diversamente do que alegam os Recorrentes, não se destinou à constituição da dita sociedade comercial (Serot Finance Ltd.). Com efeito, o que se extrai da análise conjugada da factualidade dada como provada é que a sociedade em causa – ainda que, até à aquisição das acções, não tivesse actividade – já estava constituída e tinha a sua denominação social aprovada, para venda a possíveis interessados (cfr. pontos 22. a 24., 62., 63., 66. a 69. dos factos provados).

Também no que concerne à compra e venda de títulos (acções e obrigações) a que os Recorrentes aludem – e aqui sem que existam elementos factuais que conduzam a afastar a aplicação do direito português – se dirá que, à data em que o acordo de prestação de serviços fiduciários foi celebrado (19-07-2005), a lei não exigia para tal forma escrita, podendo as ordens para realização de operações sobre instrumentos financeiros ser dadas verbalmente, sendo que a falta de observância de nota escrita por parte do receptor apenas poderia determinar a aplicação de sanção ao intermediário, sem que se reflectisse na validade da ordem, sob pena de se desvirtuar o sentido da norma que permitia que a ordem fosse dada verbalmente (cfr. artigos 327.º, 67.º, n.º 1, e 397.º, n.º 2, alínea e), do CVM, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro).

Na realidade, na referida data, nem mesmo o contrato de intermediação financeira estava sujeito a forma escrita, uma vez que tal exigência de forma apenas passou a estar prevista por força da alteração introduzida ao artigo 321.º do CVM pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, que só entrou em vigor em 01-11-2007 (cfr. artigo 21.º). Até então, o contrato de intermediação financeira era um contrato consensual. Ver neste sentido o acórdão do STJ de 30-04-2019, proc. n.º 2632/16.6T8LRA.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.

Por estas razões, não estando o contrato de prestação de serviços fiduciários sujeito a forma escrita, forçoso é concluir que o facto de não ter sido cumprido, no que toca à assinatura do falecido A., o requisito previsto no artigo 373.º, n.º 3, do CC, não pode, tal como concluiu a Relação, afectar a validade daquele.


4.2.3. Por sua vez, e no que se refere ao termo de fiança de 30-09-2008, importa ter em consideração que a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal (cfr. artigo 628.º, n.º 1, do CC).

Ora, atendendo a que, no caso sub judice, a fiança se destinou a garantir o cumprimento do “contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente caucionada”, datado de 28-08-2007 (cfr. factos provados sob os pontos 28., 29., 98., 109. e 110.), a resposta à questão de saber se a fiança estava sujeita a forma implica a resposta prévia à questão de saber se o contrato que a mesma se destinou a garantir estava, ou não, sujeito a forma.

Trata-se de questão cuja resolução não tem sido pacífica, tanto na doutrina como na jurisprudência deste Supremo Tribunal:

(i) Para alguns autores (cfr. José Pinto Coelho, Operações de Banco: II Abertura de Crédito, Fasc. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1950, pág. 221, e António Braz Teixeira, “Sobre a natureza jurídica do contrato de abertura de crédito” in Ciência e Técnica Fiscal, 125.º, pág. 117), o contrato de abertura de crédito, não obstante vir referido no artigo 362.º do Código Comercial como sendo uma operação bancária de natureza comercial, não está expressamente regulado, pelo que, sendo um tipo autónomo, distinto do mútuo bancário, não está sujeito a forma legal, podendo até ser celebrado verbalmente (artigo 219.º do CC). Neste sentido, cfr. os acórdãos do STJ de 03-10-2002 (proc. n.º 2610/02) e de 20-03-2003 (proc. n.º 4698/02) e de 16-03-2011 (proc. n.º 4918/03.0TVLSB-A.L1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt e www.stj.pt;

(ii) Para outros autores (cfr. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, pág. 640, e Sofia Gouveia Pereira, O Contrato de Abertura de Crédito Bancário: Prática Bancária em Portugal, Regime e Natureza Jurídica, Princípia, Cascais, 2009, pág. 67), tal contrato é de reconduzir ao mútuo bancário, estando sujeito a escrito particular nos termos do artigo único do Decreto-Lei n.º 32.765, de 29-04-1943. Neste sentido, cfr. o acórdão do STJ de 10.04.2018 (proc. n.º 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2), consultável em www.dgsi.pt.

Assinale-se não terem as instâncias tomado posição nesta controvérsia, uma vez que entenderam que a alegação pelo A. da invalidade dos negócios dos autos, por falta de cumprimento de exigências de forma, configura, de forma ostensiva, uma situação de exercício abusivo do direito a invocar um (eventual) vício formal. Vejamos os termos em que, aderindo à fundamentação da sentença, se pronuncia o acórdão recorrido:

«Do Direito

Os recorrentes pretendem a condenação dos bancos no pagamento da importância de € 9 551 410,00 que CC mantinha depositada a prazo no “Millennium – Banco Comercial Português, S. A.” e que este transferiu, ilicitamente, sem o conhecimento, autorização ou consentimento do primitivo autor, para o BCP Bank & Trust Ltd., em ..., em dinheiro ou instrumentos financeiros e que ulteriormente foi dissipado.

Ora, como vimos em pormenor, não foi esta a versão que prevaleceu, mas sim que CC, para fugir ao pagamento de impostos e porventura ter acesso a produtos financeiros de que estava excluído se mantivesse as suas contas na ..., abriu uma conta off shore em ..., servindo-se para tal de uma empresa, Serot Ltd., para o efeito constituída e de que ele era de facto o dono. Tal conta foi aberta e movimentada com o conhecimento, consentimento e autorização de CC.

(...)

Os recorrentes edificam todas as suas alegações de direito no pressuposto da alteração da decisão de facto.

Como o recurso, neste capítulo, não procede, prejudicada fica a sua pretensão recursiva no capítulo do direito.

Para tal conclusão importa remeter para os factos elencados pela decisão impugnada de fls. 3193 a 3196 de que ressalta “que CC quis e consentiu na constituição da sociedade offshore, na transferência do seu património para a conta titulada pela Serot Finance Ltd, na celebração de contratos de abertura de crédito em conta corrente caucionada para aquisição de títulos, na celebração de penhores e, mais tarde, na prestação de fiança, o que tudo fez sempre no pressuposto de obter o melhor rendimento possível do seu capital, rendimentos que obteve pelo menos até 2011’’; “Por outro lado, aquando da transferência do seu património, CC estava ciente do circunstancialismo que determinou essa necessidade, tal como lhe foi explicado e comunicado, como se retira dos pontos 62. a 65. e 69. da matéria de facto. Não se demonstrou que tenha ocorrido qualquer falta de informação cabal sobre o destino do seu património ou sobre a estrutura criada para o prosseguimento dos seus investimentos, sendo evidente que a ela o CC aderiu e com ela se conformou (ainda que pudesse não estar integralmente consciente de todos os trâmites processuais para o efeito).

Nenhuma prova foi efectuada de que o autor se convenceu que os rendimentos que recebia regularmente advinham de depósitos a prazo, nem ninguém lhe assegurou tal facto.

E se a partir de determinada altura o rendimento esperado deixou de se verificar, tal se deveu à desvalorização dos títulos adquiridos em consequência da crise financeira mundial que se verificou a partir de 2008 (que não era previsível nem foi prevista por nenhuma das agências de notação internacionais) e não a uma ausência de informação clara por parte do banco réu ou do seu funcionário, em termos tais que lhes seja imputável a título de culpa.

(...)

Finalmente, secundamos inteiramente o entendimento de que é atentatório  dos princípios éticos, sociais e económicos “consentir que, decorridos quatro anos sobre a prestação da fiança e sete sobre o início dos investimentos através da sociedade offshore, no decurso dos quais foram sendo subscritos todos os documentos necessários para a constituição da sociedade, nomeação de sócios fiduciários e director fiduciário, mútuos para aquisição de títulos e prestação de garantias, com a obtenção dos dividendos esperados e que até 2011 foram sendo recebidos, possa agora CC prevalecer-se da invocação do vício de forma dos contratos celebrados, beneficiando da nulidade que advém de tal vício». [negritos nossos]

Contra esta decisão insurgem-se os Recorrentes.

Quid iuris?

Convém esclarecer, mais uma vez, que, como se referiu supra, no ponto 4.1.1 do presente acórdão, a apreciação da (eventual) falta de cumprimento de exigências formais na celebração dos negócios dos autos tem um alcance bem mais circunscrito do que aquilo que, ao menos aparentemente, parece estar em causa na fundamentação do acórdão recorrido, a saber: caso se entenda que o “contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente caucionada”, datado de 28-08-2007, se encontra sujeito à forma escrita exigida para o contrato de mútuo (questão que, como se viu, não tem uma resposta uniforme na jurisprudência deste Supremo Tribunal), então a prestação de fiança pelo A., mediante termo de fiança datado de 30-09-2008 – tendo de respeitar a forma exigida para a obrigação principal (cfr. artigo 628.º, n.º 1, do CC) – estaria sujeito à formalidade prevista no artigo 373.º, n.º 3, do CC («Se o documento for subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler, a subscrição só obriga quando feita ou confirmada perante notário, depois de lido o documento ao subscritor»).

Feitos estes esclarecimentos, a tomada de posição sobre tal questão fica inteiramente prejudicada uma vez que se considera de acolher a posição das instâncias no que concerne à verificação de um exercício abusivo do direito, já que, à luz da factualidade dada como provada, se tem por certo que a invocação pelo falecido A. de um (eventual) invalidade formal do termo de fiança de 30-09-2008, assim como o comportamento dos Recorrentes, ao pretenderem prevalecer-se dos efeitos desse (eventual) vício formal, afronta, em termos intoleráveis, o princípio da tutela da confiança.

Vejamos.

Conforme se extrai da jurisprudência deste Supremo Tribunal, tem sido admitido que, em situações excepcionais, se afirme a inalegabilidade de vício formal de um acto jurídico decorrente da preterição das normas imperativas que, à data da respectiva celebração, com base em razões de interesse público ou outras, regiam a forma/formalidade do acto, sublinhando-se, porém, que tal solução tem de ser aplicada com particulares cautelas, não podendo generalizar-se ou banalizar-se de modo a desconsiderar, de modo sistemático, o conteúdo da norma imperativa que prescreve tal exigência. Acompanhamos aqui, de perto, a fundamentação do acórdão do STJ de 17-03-2016[5] (proc. n.º 2234/11.3TBFAF.G1.S1), disponível em www.dgsi.pt. Cfr., no mesmo sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 11-09-2012 (proc. n.º 3843/07.0TCLRS.L1.S1), de 04-06-2013 (proc. n.º 2246/08.4TBVCT.G1.S1), de 04-07-2013 (proc. n.º 2050/11.2TBVFR.P1.S1), de 29-01-2014 (proc. n.º 415/10.6TBGMR.G1.S1), de 09-07-2015 (proc. n.º 796/08.1TVPRT.P1.S1), de 07-03-2019 (proc. n.º 499/14.8T8EVR.E1.S1) e de 19-09-2019 (proc. n.º 3493/16.0T8LRA.C1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt e www.stj.pt.

A inalegabilidade de vícios formais por via do abuso do direito, consagrado no artigo 334.º do Código Civil, tem sido afirmada nas seguintes situações:

(i) Quando seja claramente imputável à parte que quer prevalecer-se da nulidade a culpa pelo desrespeito das regras legais que impunham a celebração do negócio por determinada forma qualificada ou a adopção de determinada formalidade, obstando a que possa vir invocar um vício que ela própria causou com o seu comportamento no momento da celebração do negócio, agindo de modo preterintencional ou, pelo menos, com culpa grave;

(ii) Quando a conduta das partes, sedimentada ao longo de período temporal alargado, se traduz num escrupuloso cumprimento do contrato, sem quaisquer pontos ou focos de litigiosidade relevante, assumindo as mesmas, por inteiro, os direitos e obrigações dele emergentes, criando, com tal estabilidade e permanência da relação contratual, assumida prolongadamente ao longo do tempo, a fundada e legítima confiança na contraparte em que não se invocaria o vício formal, verificado aquando da celebração do acto (cfr. a fundamentação do referido acórdão do STJ de 17-03-2016,  que aqui se vem seguindo de perto).

Este tema foi também abordado, de forma aprofundada, no acórdão de 30-10-2003[6] (proc. n.º 3125/03), disponível em www.dgsi.pt, no qual se deixou dito que, da expressão “manifestamente”, ínsita no artigo 334.º do CC, se infere que:

«[O] exercício de um direito só poderá taxar-se de abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou, o mesmo é dizer, quando esse direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.

Prevê aquele artº. 334º, sobremaneira, a boa fé objectiva: não versa sobre factores atinentes, directamente, ao sujeito, mas antes elementos que, enquadrando o seu comportamento, se lhe contrapõem. (…)

E assenta, essencialmente, no princípio (cláusula geral) de que "as pessoas devem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros” .

Princípio esse - vulgarmente denominado de princípio da confiança - que reside no pressuposto ético-jurídico fundamental de que "a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Assim tem de ser, pois poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens. (…)

Tal acontece, designadamente, com aquelas condutas que denunciam a posição do agente perante certo assunto e que, com base na coerência esperada de quem se auto-apresenta com certa identidade pessoal, igualmente geram expectativas nos outros.

É aqui que entronca a proibição do venire contra factum proprium, isto é, do exercício do direito por alguém "em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado".

"A proibição da chamada conduta contraditória exige a conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança. Esta variante do abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprobabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé. A proibição de comportamentos contraditórios é de aceitar quando o venire contra factum proprium atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzido em chocante contradição com o comportamento anteriormente adoptado pelo titular do direito".

Haverá, por isso, para a concretização do abuso e determinação dos limites da boa fé, "que atender de modo especial às condenações ético-jurídicas dominantes na colectividade. (…).

Constata-se, por exemplo, uma situação de venire contra factum proprium quando uma pessoa, em termos que, especificamente, a não vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado acto e depois o pratique, ou quando uma pessoa, de modo a não ficar especificamente adstrita, declare avançar com certa actuação e depois se negue. O venire contra factum proprium é, assim, o assumir de comportamentos contraditórios que violam a regra da boa fé e é dotado de carga ética, psicológica e sociológica negativa».

Ora, no caso vertente, resulta com evidência do quadro fáctico provado que a relação contratual subsistiu entre as partes ao longo de considerável período de tempo, sem quaisquer pontos de conflitualidade e, sobretudo, sem que o falecido A. tenha alguma vez invocado perante os RR. (até, pelo menos, 31-07-2012) que não conseguia ler os documentos que lhe eram apresentados, nos quais apôs a sua assinatura.

O que, na realidade, resulta da factualidade dada como provada é que CC tinha perfeita consciência e conhecimento do procedimento levado a cabo pelos RR. – procedimento esse por ele desejado – no sentido de transferir o seu património para uma conta titulada pela sociedade Serot Finance Ltd. com vista à obtenção do melhor rendimento possível do seu capital com o menor encargo em termos fiscais, objectivo esse que, efectivamente, alcançou durante vários anos, conforme mostram as transferências que foram sendo feitas da conta da dita sociedade para a sua conta bancária interna e a valorização da sua carteira de títulos.

Acresce que a relação de confiança, permanente e estável, que se estabeleceu entre o falecido A. e o Banco 1.º R. (ou, mais rigorosamente, entre aquele e os seus funcionários deste), aliada à circunstância de CC, até 2012, nunca ter colocado em causa, perante os RR., a existência da sociedade offshore, as contas bancárias por esta tituladas, os contratos de abertura de crédito, o penhor de valores mobiliários e nem sequer as fianças por si prestadas (nem faria sentido que o tivesse feito já que a estrutura financeira assim criada, na sequência da alteração legislativa ocorrida em 2005, foi conforme com a sua vontade) constitui um circunstancialismo apto a criar na contraparte a fundada convicção de que o mesmo não iria invocar a sua limitada capacidade de visão (que se foi agravando ao longo dos anos, até ser considerado deficiente invisual) para se prevalecer de uma (eventual) invalidade dos negócios celebrados. Vejam-se, sobretudo, os factos dados como provados sob os pontos 6., 7., 18., 25. e 33. (demonstrativos da relação de confiança que se estabeleceu entre as partes desde 1988), 30., 104. a 109. e 126. (relativos à crise financeira de 2008 e à consequente desvalorização dos títulos, sendo que, até aí, o valor da sua carteira tinha aumentado consideravelmente), 35., 53. a 55., 57. a 61., 86. a 88. e 137. a 140. (demonstrativos de que o falecido A. era um homem de negócios que, ao longo dos anos, foi investindo em aplicações financeiras que comportavam o risco de não reembolso integral do capital), 41. a 48. e 113. a 125. (dos quais resulta que, na correspondência trocada entre as partes em 2011, nenhuma referência foi feita à cegueira de CC ou à data em que a mesma se teria verificado, nem sequer à sua incapacidade de ler documentos e que, até 2012, nunca o mesmo colocara em causa, perante os RR., a existência da sociedade Serot Finance Ltd., as contas bancárias por esta tituladas, os contratos de abertura de crédito e de penhor por ela celebrados e a fiança por si prestada, tendo inclusive sido feitas várias transferências de valores entre as contas tituladas por essa sociedade e a conta pessoal do falecido A., e sendo que apenas na sua carta de 31-07-2012 se faz referência “à falta de vista”), 56. e 62. a 79. (demonstrativos do conhecimento e vontade do falecido A. de que o Banco 1.º R. diligenciasse pela transferência do seu património para uma conta titulada por uma sociedade no exterior, através da qual realizaria os seus investimentos, com o intuito de obter a maior rentabilidade possível, com a menor tributação, na sequência da alteração legislativa ocorrida).

Assim sendo, os contornos fácticos do caso são enquadráveis, sem margem para dúvidas, num censurável venire contra factum proprium, posto que apenas quando, na sequência da crise económica e financeira mundial, os títulos se desvalorizaram e o falecido A. deixou de obter o retorno financeiro que até aí alcançara (com a estrutura financeira criada para o efeito) e passou a ter prejuízo, é que veio invocar a (eventual) invalidade dos negócios celebrados, assumindo, dessa forma, um comportamento manifestamente contraditório com a fundada expectativa de cumprimento desses negócios que a sua conduta anterior gerou na contraparte.

E daí que, sendo tal comportamento violador do princípio da confiança, seja atentatório dos princípios éticos, sociais e económicos «consentir – tal como se diz no acórdão recorrido (secundando o entendimento da 1.ª instância ) – que, decorridos quatro anos sobre a prestação da fiança e sete sobre o início dos investimentos através da sociedade offshore, no decurso dos quais foram sendo subscritos todos os documentos necessários para a constituição da sociedade, nomeação de sócios fiduciários e director fiduciário, mútuos para aquisição de títulos e prestação de garantias, com a obtenção dos dividendos esperados e que até 2011 foram sendo recebidos, possa agora CC prevalecer-se da invocação do vício de forma dos contratos celebrados, beneficiando da nulidade que advém de tal vício».

As considerações expendidas valem, mutatis mutandis, para todos os negócios invocados pelos Recorrentes, ainda que – recorde-se – no que toca à declaração de invalidade, apenas cumprisse apreciar a concernente ao “contrato de prestação de serviços fiduciários” e ao “termo de fiança”, já que, conforme se referiu, o falecido A. desistiu dos demais e a desistência foi homologada por sentença. E ainda que, como se viu supra, a dúvida acerca do cumprimento das exigências legais de forma subsista apenas a respeito do segundo destes negócios (o “termo de fiança” de 30-09-2008).

Tudo para concluir que, mostrando-se preenchida a figura do abuso do direito e ficando, consequentemente, paralisada a alegabilidade formal da (eventual) invalidade do negócio, não podem os Recorrentes prevalecer-se dos efeitos decorrentes do (eventual) vício do dito “termo de fiança”.


5. Consideremos, por fim, a questão das invocadas inconstitucionalidades das normas aplicadas pelo acórdão recorrido e/ou da decisão pelo mesmo proferida (conclusões 56. a 60. sob o título E).

Sustentam os Recorrentes que a interpretação feita no acórdão recorrido no sentido de se verificar abuso de direito, por parte do A., por, alegadamente, se ter conformado, durante anos, com a situação de que vem reclamar nos autos, quando, por força do contrato de holdmail – cuja ilegalidade suscitou e não foi admitida – só em 2011 se apercebeu que lhe tinham sido subtraídos os valores que reivindica, «inconstitucionaliza o artº 334º do CC, por excessiva e desproporcionada, redundando numa violação do artº 20 da CRP e consequente negação do acesso ao Direito e à Justiça».

Da mesma forma que é inconstitucional, no entender dos Recorrentes, a interpretação dada, no acórdão recorrido, aos artigos 2.º, n.º 1, e 8.º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31 de Julho), ao artigo 607.º, n.º 5, do CPC, ao artigo 5.º, n. os 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, e aos artigos 312.º e 323.º, alínea a), do CVM, o que “inconstitucionaliza” essas disposições por violação dos princípios da igualdade, da protecção do consumidor e da protecção e respeito pelos direitos dos deficientes físico-invisuais, por suprimir garantias constitucionalmente conferidas (cfr. artigos 13.º, 18.º, n.º 1, 37.º, 60.º, e 71.º da Constituição).

Assinale-se que, não obstante a indicação pelos Recorrentes de todas estas normas legais, certo é que a invocada inconstitucionalidade se circunscreve à interpretação e aplicação do instituto do abuso do direito.

Vejamos pois.

Dispõe o artigo 334.º do Código Civil:

 «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

Conforme se colhe dos ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit., págs. 298-299):

«[O]s tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais e económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações. Manuel de Andrade refere-se aos direitos exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça (Teoria Geral das Obrigações, pág. 63) e às «hipóteses em que a invocação e aplicação de um preceito de lei resultaria, no caso concreto, intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico, embora lealmente se aceitando como boa e valiosa para o comum dos casos a sua estatuição» (Sobre a validade das cláusulas de liquidação de partes sociais pelo último balanço, na Rev. de Leg. e de Jur., ano 87.º, pág. 307).

Daqui se retira, com meridiana clareza, que o preenchimento da cláusula geral que constitui o abuso do direito depende da ponderação casuística feita pelo tribunal em função do circunstancialismo fáctico dado como provado no caso concreto.

Dito de outro modo, e parafraseando Manuel de Andrade, temos que, ainda que a solução que dimana da aplicação das exigências de forma ou formalidade em causa se apresente como correcta para o comum dos casos abrangidos pela sua estatuição, certo é que, no caso sub judice, considerado o acervo factual dado como provado (e não aquele que os Recorrentes alegaram e pretendiam que tivesse sido dado como provado, mas não foi), tal solução se apresenta intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico da comunidade, bem como do princípio da confiança.

E daí que, nesse específico circunstancialismo de conduta contraditória e de violação das fundadas expectativas da contraparte, se tenha entendido no acórdão recorrido – em termos que, como se viu, não são merecedores de censura – que o caso se insere nas situações excepcionais e bem delimitadas em que se justifica paralisar os efeitos decorrentes de (eventual) vício formal resultante da aplicação da norma em causa, ínsita no artigo 373.º, n.º 3 do CC.

Assinale-se que, se é certo que o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) impõe, numa das suas dimensões, a igualdade na aplicação do direito, fundamentalmente assegurada pela tendencial universalidade da lei e pela proibição de diferenciação de cidadãos, não é menos certo que tal princípio cede perante a existência de diferenças que sejam justificativas de um tratamento distinto.

Ora, sendo a situação dos autos particular e justificando a solução da inalegabilidade em face desse específico circunstancialismo, é evidente que nenhuma violação ocorre dos princípios e das garantias constitucionais que os Recorrentes invocam, maxime dos princípios da igualdade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, posto que o que a Lei Fundamental proíbe é que se trate de modo desigual o que é igual e é a própria lei infra-constitucional que estabelece que em casos “desiguais” o exercício do direito possa ser paralisado.

Acresce que, em bom rigor, não é a interpretação das supra referidas normas que os Recorrentes questionam, mas antes o facto de o tribunal ter considerado preenchida a cláusula geral consagrada no artigo 334.º do CC ou, dito de outro modo, o que os Recorrentes põem em causa é a forma como as instâncias aplicaram o direito infra-constitucional, culminando numa decisão que lhes é desfavorável e com a qual não se conformam. Porém, para que fosse outro o desfecho, teriam os mesmos Recorrente de ter feito prova dos factos por si alegados, o que não sucedeu.

Não se vislumbra, por isso, que, por força da “interpretação” normativa realizada no acórdão recorrido, os Recorrentes tenham ficado impedidos de aceder ao direito e aos tribunais (artigo 20.º da CRP), tanto mais que exerceram judicialmente o seu alegado direito, invocando as suas razões de facto e de direito e puderam oferecer provas e controlar as provas da outra parte, através do direito ao contraditório que lhes foi amplamente facultado ao longo do processo, ainda que, ao não terem conseguido provar a versão dos factos em que fundaram a sua pretensão, se tenham visto confrontados com a sua improcedência.

Todavia, esse desfecho não equivale, de modo algum, à negação da tutela jurisdicional efectiva.

Na verdade, a ser como os Recorrentes invocam, haveria violação de princípios constitucionais em todos os casos em que o tribunal considerasse existir abuso do direito na medida em que a sua verificação paralisa, efectivamente, os efeitos decorrentes da aplicação de normas que, na maioria dos casos, se afigura como válida e correcta – conclusão que, como é evidente, carece de sentido.

Refira-se, de resto, que o Tribunal Constitucional já se pronunciou, mais do que uma vez (cfr., entre outros, os acórdãos n.º 655/99 e n.º 532/04, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), a propósito da cláusula geral do abuso do direito, nos seguintes termos:

«Trata-se, pois, de uma cláusula geral a que apenas se recorre, numa clara atitude valorativa e constitutiva, em face da hipótese concreta, recebendo, de acordo com o padrão valorativo a seguir, concretizações diversas no caso, mediante a decisão do juiz.

(…) o que se defende na melhor doutrina é que esse juízo sobre a existência de abuso do direito nem sequer se coloca no plano da legalidade – veja-se Castanheira Neves, Questão-de-facto/Questão-de-Direito ou o problema metodológico da juridicidade (ensaio de uma reposição crítica) I- A Crise, Coimbra, 1967, pág. 528: «sendo deste modo o problema do ‘abuso do direito’ um problema metodológico-normativo de realização (ou de ‘aplicação’) concreta do direito, e não um problema dogmático da determinação do conteúdo jurídico positum (na lei)», chegando a afirmar a «necessária independência do problema (e da solução) do ‘abuso do direito’ relativamente às determinações legais que o visem» (págs. 528-529), uma vez que um tal problema se põe da mesma forma quer existam, quer não existam normas como as do artigo 334º do nosso Código Civil.

(…)

Em suma: «o abuso é um modo de ser jurídico que se coloca no trajecto [...] entre a norma e a solução concreta: como tal não depende da lei», para o dizer como Menezes Cordeiro (ob. cit.[Da boa fé no direito civil, vol. I, Coimbra, 1984], pág. 872) o diz da concepção de Castanheira Neves – sobre o abuso do direito, veja-se ainda Adriano Vaz Serra, «Abuso do direito (em matéria de responsabilidade civil)», Boletim do Ministério da Justiça, nº 85. Ou, como prefere aquele civilista de Lisboa, o abuso do direito é o produto de uma «aspiração cultural de integração sistemática», «quando ela actue no espaço não-funcional interno dos direitos subjectivos» (A. Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 885). E mesmo defendendo-se uma concepção do abuso de direito segundo a qual o que está nele em causa é – não o controlo de uma actuação contra legem (contra o direito objectivo, portanto), ainda que por um critério valorativo, mas antes – a relação entre as imagens estrutural e funcional do direito subjectivo (no sentido em que a actuação do direito subjectivo não corresponde ao poder de autodeterminação que lhe serve de fundamento – assim, Orlando de Carvalho, Teoria geral do direito civil – Sumários, cit., págs. 54-77; cfr. também as referências de António Pinto Monteiro, Cláusula penal e indemnização, Coimbra, 1990, pág. 733-4, n. 1648), não deixará o juízo sobre tal relação de remeter para a singular decisão do caso concreto.

Seja como for, é certo que o juízo aplicativo do critério sindicante do abuso do direito, concretizado numa decisão judicial em face de um particular conjunto concreto de circunstâncias (e, para a concepção dominante, segundo um determinado critério valorativo), é destituído do sentido normativo, com independência da sua decisão concretizadora, necessário a poder constituir objecto de sindicância por parte deste Tribunal – confinado que está este, em sede de recurso de constitucionalidade, às funções de controlo de constitucionalidade normativa. (…)». [negrito nosso]

Tal como sucedeu nos casos visados nos acórdãos do Tribunal Constitucional, o que revelam as conclusões da alegação dos Recorrentes é que os mesmos discordam da qualificação da conduta do falecido A. como constituindo abuso de direito, opondo-se, consequentemente, à aplicação do artigo 334.º do CC ao caso concreto e não à interpretação, supostamente desconforme com a Constituição e com os princípios nela plasmados, que, aliás, se limitam a enunciar em termos genéricos, sem sequer fundamentar.

Pelo que, estando o acórdão impugnando alicerçado, neste particular, na excepcionalidade da situação e na ponderação casuística que o preenchimento da cláusula geral a que se vem fazendo referência sempre impõe, não se vê que tenha existido, nessa interpretação e ponderação e nas conclusões a que as mesmas conduziram, qualquer violação dos artigos 13.º, 18.º, n.º 1, 20.º, 37.º, 60.º, e 71.º da Constituição.


V – Litigância de má-fé

1. Em sede de resposta ao requerimento dos Recorrentes, de 14-09-2020, no qual impugnaram para a conferência da decisão da relatora que conheceu da revista por via normal, formularam os Recorridos (cfr. ponto 33. do relatório supra) pedido de condenação dos Recorrentes por litigância de má-fé, em multa e indemnização, a liquidar, a favor dos Recorridos, alegando o seguinte:

«Na presente reclamação, é patente a má fé com que os Recorrentes litigam desde que assumiram a posição de habilitados no processo, com o que vêm obrigando os Recorridos a leituras extenuantes de peças repetitivas, no sentido de esquadrinharem cada pormenor que nelas tenha sido incluído com o objectivo de iludir os leitores, e sempre na tentativa de obterem o maior locupletamento de que há memória à custa de um banco por parte dos herdeiros de um investidor que soube bem gerir os seus investimentos, realizados primordialmente através de financiamentos, ora a título pessoal ora, depois, através de uma sociedade offshore, em nome de quem realizou operações que durante anos lhe foram proveitosos e que não sofreu sequer os efeitos da crise, uma vez que a garantia pessoal que prestou, em 2008, não foi executada.

Continuam os Recorrentes, na presente Reclamação a fazer um aproveitamento indigno da deficiência visual de CC, pretendendo fazer dele um incapaz para gerir o seu património, quando este inteligentemente o ocultou de toda a gente (é, no mínimo, caricata a alegação dos Recorrentes de que o Autor deveria ter ido ao notário assinar documentos referentes a operações cuja lógica era a da opacidade) e sobretudo daqueles, seus próximos, a quem não queria beneficiar e que durante anos “não viram nada”, tendo sempre sido arredados dos negócios e investimentos do Autor e do destino do seu dinheiro.

Concretamente, a acrescer a afirmações anteriormente feitas e ora repetidas, os Recorrentes assumem nesta Reclamação o patamar máximo da falta de pejo e de pudor, ao referirem (extensamente) que “os autos patenteiam” que os documentos datados do ano de 2005 foram assinados em 2008 (facto não provado e nem sequer alegado por CC) , com base num suposto depoimento da testemunha GG (que nunca o referiu), depoimento esse que nem sequer foi utilizado na impugnação da matéria de facto feita no recurso de apelação;

Chegam os Recorrentes a afirmar que “é a Sra Juíza da 1ª instância a reconhecer que a única testemunha que poderia ter eventualmente presenciado o CC a apor a sua assinatura no acordo de prestação de serviços fiduciários seria a testemunha GG”, o que jamais sucedeu, sendo que consta da sentença que “No que concerne à convicção do Tribunal no sentido de que todos os documentos juntos aos autos que contêm assinaturas que lhe são imputadas foram, efectivamente, subscritos por CC louvou-se nos depoimentos das testemunhas DD; GG; QQ; EE; HH”.

Mas os Recorrentes vão mais longe ao afirmar que “Como se reconhece nos autos (V. Acord. Relação recorrido), CC era cauteloso, e, por isso, preferiu a solução de pagar os impostos que houvesse lugar do que transferir os valores que tinha depositados na SFE do banco R para qualquer conta de entidade terceira de Cayman”, o que, de facto, brada aos céus, tendo em conta que no douto acórdão se refere que “Tudo indica que CC [CC] quis “tão-só” fugir a um dever fundamental de cidadania qual seja o de pagar impostos e continuar a investir no mercado de acções e obrigações. Todavia, homem sério, amigo de pessoas respeitáveis, inclusive do próprio administrador do Banco, FF, não queria que o seu nome aparecesse envolvido em tão problemática operação”»


2. Os Recorrentes não se pronunciaram sobre tal pedido e o acórdão da conferência deste Supremo Tribunal de 26-11-2020 relegou expressamente a apreciação de tal pedido para final.


3. Por se considerar existirem fundamentos para a condenação dos Recorrentes por litigância de má-fé e por se entender ser necessário e conveniente explicitar mais claramente tais fundamentos que se admitem irem para além do alegado pelos Recorridos, a fim de dar oportunidade a que as partes se pronunciassem, foi proferido, em 04-08-2021, despacho da relatora com o seguinte teor:

«Notifique as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de os Recorrentes virem a ser condenados por litigância de má fé por terem feito do recurso de revista um uso manifestamente reprovável (cfr. art. 542.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil), designadamente:

- Ao, mesmo após aperfeiçoamento, formularem prolixas e confusas conclusões nas quais, utilizando diversos expedientes na apresentação e qualificação das questões, mais não pretendem do que a alteração, quase por inteiro, da matéria de facto dada como provada pelas instâncias, sem que, na larga maioria dos casos, se verifiquem as hipóteses em que excepcionalmente o Supremo Tribunal pode sindicar a decisão de facto;

- Ao fundarem a admissibilidade da revista por via excepcional na alegada relevância jurídica e social da problemática da responsabilidade bancária e da actividade de intermediação financeira, quando, efectivamente, as questões recursórias se reconduzem essencialmente à pretendida alteração da matéria de facto;

- Ao, em sede de impugnação para a conferência da decisão da relatora proferida em 2 de Setembro de 2020, terem vindo pôr em causa, em termos inteiramente infundados, as competências atribuídas pela lei ao relator, contribuindo, também assim, para entorpecer a acção da justiça».


4. Vieram os Recorrentes pronunciar-se, de forma extensa e prolixa (em oitenta e dois pontos, distribuídos por dezanove páginas), invocando, em síntese, o seguinte:

- A possibilidade de condenação por litigância de má-fé apresenta-se como inesperada e inopinada;

- O teor do despacho de 04-08-2021 faz equivaler o exercício do direito de recurso de revista a comportamento processual de má-fé;

- Tendo os Recorrentes interposto recurso de revista por via normal e, subsidiariamente, por via excepcional, a decisão proferida em singular, que conheceu do recurso por aquela primeira via, assim como o acórdão da conferência que a confirmou, nada identificaram de censurável na conduta dos Recorrentes;

- Deste modo, a sindicância de tal conduta não apenas ficou precludida, como se encontra abrangida pelo efeito de caso julgado formal;

- Assim, não apenas a conduta processual dos Recorrentes antes da prolação do acórdão da conferência de 26-11-2020, que manteve a decisão da relatora que conheceu do objecto da revista admitida por via normal, não é merecedora de qualquer censura, como a sua conduta posterior a esse acórdão também não justifica qualquer censura;

- Tendo o acórdão de 26-11-2021 mantido a decisão da relatora de remessa dos autos à Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do CPC para apreciação da admissibilidade da revista por via excepcional, e tendo a dita Formação, por acórdão de 12-01-2021, admitido o recurso sem assinalar qualquer sinal de má-fé dos Recorrentes, não pode senão considerar-se surpreendente o teor do despacho da relatora de 04-08-2021;

- O conteúdo desse despacho encontra-se em contradição com a decisão do acórdão da Formação de admissão do recurso por via excepcional, com o qual se formou caso julgado, uma vez que o recurso não teria sido admitido se acaso os Recorrentes tivessem feito do recurso um uso manifestamente reprovável;

- Os três fundamentos constantes do despacho de 04-08-2021 para a possibilidade de condenação dos Recorrentes por litigância de má-fé são inteiramente injustificados;

- Ao interpor recurso de revista nos termos em que o fez, o mandatário dos Recorrentes limitou-se a respeitar os deveres estatutários a que se encontra adstrito, constituindo o acórdão da Formação que admitiu o recurso, transitado em julgado, o reconhecimento de que os Recorrentes não litigam de má-fé;

- As questões nas quais os AA. vêm insistindo ao longo do processado são de molde a justificar plenamente o recurso de revista;

- Por fim, deve entender-se que o elevado nível de exigência que a jurisprudência e a doutrina colocam na apreciação dos requisitos da litigância de má-fé não permite dar como preenchidos tais requisitos no caso dos autos.


5. Os Recorridos pronunciaram-se, no que ora importa, nos termos seguintes:

- «Não obstante a “dupla conforme”, os Recorrentes interpuseram recurso de revista, invocando não só a violação por parte da Relação do disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil, mas, ao mesmo tempo, de “regras fundamentais do direito probatório” com o propósito de obter do próprio Supremo Tribunal de Justiça a alteração da matéria de facto»;

- «É manifesto que a formulação por parte dos Recorrentes de conclusões prolixas e confusas no recurso de revista, não se deveu a uma falta de poder de síntese ou a qualquer dificuldade de expressão, antes traduzindo o seu propósito consciente de dissimular a aludida pretensão, não ignorando eles a falta de fundamento da mesma»;

- «No que respeita à interposição subsidiária de recurso de revista excepcional, a invocação pelos Recorrentes de uma alegada “relevância jurídica e social da problemática da responsabilidade bancária e da actividade de intermediação financeira”, choca com a própria posição por eles adoptada de não pôr em causa o investimento de CC em aplicações financeiras»;

- «Ao alegarem que o que está em causa nos autos não tem relação com qualquer actividade de intermediação financeira [conclusões 6.ª e 49.ª] e ao mesmo tempo pretenderem a admissão da revista excepcional com base no relevo das questões atinentes a essa actividade, os Recorrentes fizeram também um uso manifestamente reprovável desse meio processual»;

- «No que respeita à impugnação da Decisão Sumária, os Recorridos dão por reproduzido o que alegaram na respectiva resposta, salientando que, na reclamação para a conferência que apresentaram, os Recorrentes chegaram ao ponto de insistir na anulação do acórdão por violação do artigo 662.º do Código de Processo Civil, quando os autos haviam já baixado à Relação e esta, no acórdão então proferido sobre as “nulidades”, tinha já sustentado a apreciação que anteriormente fizera da impugnação da decisão da matéria de facto levada a cabo pelos Recorrentes no recurso de apelação»;

- «Com a interposição do presente recurso de revista visaram os Recorrente protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, em violação do dever geral de probidade, consagrado no artigo 8º do Código de Processo Civil, o que constitui conduta ilícita, praticada de forma dolosa, que muito prejudica os Recorridos, que, como instituições bancárias, vêem a sua actividade prejudicada nomeadamente no plano das suas relações com as respectivas autoridades reguladoras, pela pendência do presente litígio».

Terminam afirmando:

«Caso o Tribunal entenda que estão verificados os pressupostos da litigância de má fé, os Recorridos declaram, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 542.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que pretendem ser indemnizados por todos os prejuízos por ambos sofridos como consequência directa ou indirecta da interposição do recurso de revista por parte dos Recorrentes, sendo que tais danos correspondem, pelo menos, ao montante total dos encargos com mandatários suportados pelos Recorridos com a sua defesa no recurso de revista». Pelo que «devem os recorridos ser condenados como litigantes de má fé em multa e indemnização a favor dos recorridos, a liquidar».


6. Entretanto, na mesma data (13-09-2021) em que responderem ao despacho da relatora de 04-08-2021, vieram os Recorrentes apresentar requerimento no qual, ao abrigo do regime do artigo 686.º do CPC, solicitaram ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que a revista admitida por via excepcional fosse apreciada em julgamento ampliado de revista.

Submetido tal requerimento, em 11-10-2021, ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi o mesmo rejeitado por despacho de 16-11-2021. Tendo este despacho sido objecto de reclamação dos Recorrentes, foi a mesma indeferida por despacho do Senhor Presidente de 14-01-2022.


7. Cumpre, assim, apreciar a questão da possibilidade de condenação dos Recorrentes por litigância de má-fé, sendo que, perante a posição assumida pelos Recorrentes (cfr. supra, ponto V-4. do presente acórdão) ao alegarem surpresa pelo teor do despacho da relatora de 04-08-2021, assim como ao invocarem ter-se formado caso julgado, a respeito da matéria em causa, com o acórdão da conferência de 26-11-2020, que conheceu da revista por via normal, e com o acórdão da Formação de 12-01-2021, que admitiu a revista por via excepcional, convém esclarecer, desde já, o seguinte:

- Como resulta do ponto 33. do relatório supra (e do ponto V-1. do presente acórdão), os Recorridos peticionaram a condenação dos Recorrentes por litigância de má-fé;

- Como resulta do ponto 34. do relatório supra (e do ponto V-2. do presente acórdão), o acórdão da conferência de 26-11-2020 remeteu para final o conhecimento de tal pedido;

- O acórdão da Formação apenas decidiu da admissibilidade do recurso por via excepcional, não se tendo pronunciado sobre o pedido de condenação por litigância de má-fé.

Assim sendo, não apenas a possibilidade de condenação por litigância de má-fé não podia ser desconhecida dos Recorrentes, como não se formou a tal respeito caso julgado formal. Destinou-se o despacho da relatora de 04-08-2021, apenas e tão-só, a permitir às partes e, em particular, aos Recorrentes, pronunciarem-se sobre fundamentos alargados da sua possível condenação por litigância de má-fé.

Vejamos pois.

Está em causa a aplicação da previsão do artigo 542.º, n.º 2, alínea d), do CPC, na qual se prescreve o seguinte:

«2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

(...)

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

Apreciada atentamente a conduta dos Recorrentes ao longo de todo o processado em sede de recurso de revista, entende este Tribunal que, com dolo ou negligência grave, os mesmos fizeram dos meios processuais ao seu dispor um uso manifestamente reprovável com a finalidade de entorpecer a acção da justiça e de protelar injustificadamente a prolação da decisão final e, consequentemente, o seu trânsito em julgado, pelas seguintes razões:

- Tal como alegado pelos Recorridos (cfr. supra, ponto V-1.), sucessivos, extensos e prolixos requerimentos dos Recorrentes obrigaram tanto os Recorridos como o Tribunal «a leituras extenuantes de peças repetitivas, no sentido de esquadrinharem cada pormenor que nelas tenha sido incluído com o objectivo de iludir» os destinatários de tais requerimentos;

- Tal como enunciado no despacho da relatora de 04-08-2021, nas alegações do recurso de revista utilizaram os Recorrentes diversos expedientes na apresentação e qualificação das questões, no intuito de obterem a alteração, quase por inteiro, da matéria de facto dada como provada pelas instâncias, sem que, na larga maioria dos casos, estivessem em causa as hipóteses em que excepcionalmente o Supremo Tribunal pode sindicar a decisão de facto;

- Tais expedientes traduziram-se, como os Recorrentes não podem ignorar, uma vez que são autores dos mesmos, na alegação como pretensas nulidades do acórdão recorrido (designadamente de pretensas nulidade por excesso ou por omissão de pronúncia) de múltiplas questões que mais não são do que impugnação da matéria de facto numa sede em que a mesma não é já possível admitida;

- Tal como enunciado no despacho da relatora de 04-08-2021, os Recorrentes actuaram de forma censurável ao fundarem a admissibilidade da revista por via excepcional na alegada relevância jurídica e social da problemática da responsabilidade bancária e da actividade de intermediação financeira, quando, efectivamente, as verdadeiras questões recursórias por si suscitadas se reconduzem à pretendida alteração da matéria de facto ou dependem da procedência de tal alteração;

- Posto por outras palavras, considera-se que, pela forma habilidosa como envolveram e qualificaram as questões recursórias apresentadas, os Recorrentes lograram alcançar de forma plena – por via da admissibilidade da revista por via excepcional – um grau de recurso que, se se tivessem atido àquilo que verdadeiramente pretendiam obter (a alteração da matéria de facto) não teriam logrado alcançar;

- A conduta processual dos Recorrentes, tal como descrita nos pontos anteriores, seria, em si mesma, censurável o bastante para a sua condenação por litigância de má-fé;

- Acresce, porém, que, ao longo do processado na própria pendência do recurso de revista, os Recorrentes continuaram a fazer um uso reprovável dos meios processuais ao seu dispor, contribuindo para entorpecer a acção da justiça e para protelar injustificadamente a prolação da decisão e, consequentemente, o trânsito em julgado da mesma: seja, tal como se enunciou no despacho de 04-08-2021, ao virem pôr em causa de forma inteiramente infundada – em sede de impugnação para a conferência da decisão da relatora proferida em 02-09-2020 – as competências atribuídas por lei ao relator; seja ao virem requerer, intempestivamente, que o recurso fosse apreciado em julgamento ampliado de revista, obrigando à intervenção do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça; seja por fim, ao não se conformarem com a decisão do Senhor Presidente Supremo Tribunal de Justiça que a lei expressamente declara ser definitiva (artigo 686.º, n.º 4, do CPC), vindo não apenas pedir a sua reforma e arguir nulidades, mas requerer a reunião do Pleno das Secções Cíveis para reapreciar a decisão do Presidente, meio processual destituído de qualquer base legal. Tudo isto, obrigando a mais uma intervenção do Senhor Presidente e protelando ainda mais a prolação da decisão final.

Deste modo, não oferece dúvida alguma de que, em todo o processado em sede de recurso de revista, a conduta processual dos Recorrentes se insere na litigância de má-fé processual prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC.

Consequentemente, devem os mesmos Recorrentes ser condenados por litigância de má-fé, no pagamento de multa e de indemnização a favor dos Recorridos: (i) sendo de fixar a respectiva multa em 10 Unidades de Conta, em razão da gravidade da conduta (cfr. n.º 2 do art. 27.º do Regulamento das Custas Processuais) e feita a ponderação dos «reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa», tal como previsto no n.º 4 do mesmo artigo 27.º; (ii) e remetendo-se a fixação da indemnização a favor dos Recorridos para liquidação.


VI – Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido;

b) Condenar os Recorrentes por litigância de má-fé, no pagamento de multa fixada em 10 UCs, e de indemnização a favor dos Recorridos, a liquidar.


Custas pelos Recorrentes. Afigurando-se respeitada a proporcionalidade entre o montante da taxa de justiça resultante das tabelas anexas ao Regulamento de Custas Processuais em função do valor atribuído à acção, da alocação de recursos e complexidade resultantes do decorrer da lide e da capacidade contributiva evidenciada nos autos, considera-se não haver fundamento para decretar qualquer dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (cfr. artigo 6.º, n.º 7, do RCP).


Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022


Maria da Graça Trigo (relatora)

Maria Rosa Tching

Catarina Serra

________

[1] Relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes e tendo a aqui relatora como 1.ª Adjunta.
[2] Relatado pela relatora do presente acórdão.
[3] Relatado pelo então Desembargador Tomé Gomes.
[4] Relatado pela Conselheira Rosa Tching, 1.ª Adjunta no presente acórdão.
[5] Relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego.
[6] Relatado pelo Conselheiro Araújo de Barros.