Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1203/12.0TMPRT-B.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE REVISTA
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
ADOPÇÃO
ADOÇÃO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
PODERES DO TRIBUNAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 03/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA / PROCESSOS DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DO INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA E DO JOVEM / RECURSOS / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA / PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO / ADOPÇÃO ( ADOÇÃO ).
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1978.º, N.ºS 1, ALS. D) E E), 2 E 4, 1978.º-A.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPCV): - ARTIGOS 662.º, N.º 4, 674.º, N.º 3, 682.º, N.º 2 986.º, N.º 2, 987.º, 988.º, N.ºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 69.º, N.º2.
LEI N.º 147/99, DE 01 DE SETEMBRO - LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO (LPCJP): - ARTIGOS 4.º, 62.º-A, N.ºS 3 E 6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 30 DE NOVEMBRO DE 2004, PROC. N.º 04A3795, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 10 DE ABRIL DE 2008;
-DE 20 DE JANEIRO DE 2010, WWW.DGSI.PT ;
-DE 15 DE ABRIL DE 2015, PROC. N.º 1248/07.2TBLGS.E1.S1, EM WWW.DGSI.PT , E JURISPRUDÊNCIA NELE CITADA.
Sumário :
I - Ao incluir na competência dos tribunais o julgamento dos processos de jurisdição voluntária ou graciosa, cujas regras gerais se encontram nos arts. 986.º a 988.º do CPC, o legislador pretendeu que a prossecução de determinados interesses, em si mesmos de natureza privada, mas cuja tutela é de interesse público, fosse fiscalizada por entidades cujas características são garantia de uma protecção adequada à sua natureza.

II - Com essa finalidade, conferiu aos tribunais os poderes necessários para o efeito – v.g. o poder para investigar livremente os factos necessários à decisão e de recolher as provas que entendam pertinentes, rejeitando as demais (art. 986.º, n.º 2, do CPC), o poder de decidir segundo critérios de conveniência e de oportunidade (art. 987.º do CPC) e, na generalidade dos casos, o poder de adaptar a solução definida à eventual evolução da situação de facto (art. 988.º, n.º 1, do CPC) – afastando, quando conveniente, certos princípios, conformadores do processo civil em geral, que disciplinam a sua intervenção enquanto órgãos incumbidos de resolver litígios que se desenrolam entre partes iguais, perante os quais têm de adoptar uma posição de rigorosa imparcialidade.

III - Dotado destes meios, o tribunal deve assumir (nesse sentido, parcialmente) a defesa do interesse que a lei lhe confia – no caso dos processos de promoção e protecção, o “interesse superior da criança e do jovem”, como expressamente afirma a al. a) do art. 4.º da LPCJP – ainda que essa defesa implique fazê-lo prevalecer sobre outros interesses que eventualmente estejam envolvidos ou mesmo em oposição.

IV - A limitação que decorre do art. 988.º, n.º 2, do CPC no âmbito dos processos de jurisdição voluntária não implica a total exclusão da intervenção do Supremo nestes recursos, apenas a confina à apreciação das decisões enquanto aplicam lei estrita; é, nomeadamente, o que sucede, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído.

V - Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida – como seja a existência de uma situação de perigo tal como é definida no art. 4.º da LPCJP ou de perigo graveou manifesto desinteresseconforme previsto nas als. d) e e) do n.º 1 do art. 1978.º do CC – cabe no âmbito dos poderes do STJ a apreciação da respectiva verificação, pelo que é admissível o recurso de revista com o âmbito assim delimitado.

VI - Resultando da matéria de facto provada, nomeadamente, que: (i) a menor nasceu em 14-07-2014 e, com cinco meses de idade, foi posta fora de casa pelo avô paterno, juntamente com a mãe; (ii) desde essa idade que a situação da menor foi sinalizada à CPCJ competente; (iii) a progenitora desconhece aspectos fundamentais para o desenvolvimento da menor e não estabelece horários adequados à sua alimentação e descanso, antes a levando para ambientes nocturnos desadequados à sua idade; (iv) a progenitora não se mostra capaz de proporcionar estabilidade, segurança e rotinas à filha; (v) a progenitora apresenta um défice cognitivo e um comportamento infantil e autocentrado, sendo incapaz de percepcionar os motivos que levaram à institucionalização da menor e de priorizar as necessidades desta em detrimento das suas; (vi) sucederam-se diversas medidas de protecção (apoio junto de outro familiar, acolhimento residencial), demonstrativas de séria incapacidade dos progenitores e de outros familiares para dela se encarregarem, ainda que com ajuda; e (vii) mantendo-se a situação de risco quando a medida foi decretada, conclui-se não ter o acórdão recorrido violado os pressupostos imperativamente fixados por lei para que possa ser determinada a medida de confiança com vista a futura adopção.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. Por acórdão do Tribunal de Família e de Menores do Porto, de 6 de Novembro de 2015, de fls. ­­­600, proferido no âmbito de um processo judicial de promoção e protecção desencadeado por iniciativa do Ministério Público, “ao abrigo do disposto nos artigos 121°, 34°, 35°, n°1, al. g) e 38°-A da Lei n°147/99, de 1 de Setembro, foi decidido “aplicar à menor AA”, nascida em 14 de Julho de 2011, “a medida de promoção e protecção de confiança à instituição onde se encontra acolhida” desde 22 de Janeiro de 2015, o CAT "BB”, “com vista à sua futura adopção”. Foi nomeado seu curador provisório o respectivo Director.

Em breve síntese, entendeu-se o seguinte:

– que os factos provados demonstram “a total falta de competências parentais revelada pelos progenitores – sobretudo pela progenitora –, que puseram em perigo grave a segurança, saúde e desenvolvimento da menor, comprometendo assim seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos parentais”, estando pois preenchido “o circunstancialismo previsto no (…) artigo 1978°, n°1, als. d) e e) do Código Civil”;

– que o pai, que, aliás, nunca “formulou nos autos” a correspondente pretensão, não apresenta “as condições mínimas para poder acolher a filha”;

– que “no âmbito da família alargada também não foi encontrado nenhum elemento com disponibilidade e condições para acolher a menor”, tendo sido especificamente analisada a situação da avó materna, do avô paterno e dos tios paternos, concluindo-se que “esta menina tem 4 anos de idade e encontra-se institucionalizada há quase um ano, sem que se revele, por parte dos pais ou de qualquer outro familiar, a existência de condições mínimas para acolher esta criança e para lhe proporcionar os cuidados básicos de que a mesma necessita”.

Os pais recorreram, em recursos separados. Mas o Tribunal da Relação do Porto, apesar de introduzir algumas alterações na decisão de facto, confirmou a decisão da 1ª Instância, por ser “a confiança para futura adopção (…) a medida proporcional e adequada para, no superior interesse da criança, obstar à situação de perigo em que se encontra a AA, quando além do mais não se provaram factos reveladores de que a criança não seja adoptável”.

A mãe interpôs recurso de revista excepcional, assim admitido pela formação prevista no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil.


2. Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as conclusões seguintes:

«i) Por douto acórdão datado de 6 de Novembro de 2015, foi decidido nos presentes autos aplicar, no superior interesse da menor AA, a medida de promoção e protecção de "confiança à instituição onde se encontra acolhida com vista à sua futura adopção, nos termos do art°. 121°, 34°, 35°, n.° 1, ai. g) e 38°-A da Lei 147/99 de 1 de Setembro.";

ii) Embora com algumas nuances, o TRP decidiu, no geral, manter a decisão recorrida;

iii) A Apelante discorda da mesma pelos motivos que infra se expõem;

iv) Foi validado e dado por provado factos que resultam de depoimentos indirectos plasmados nos autos, sem ter curado de aferir da sua validade, consonância e até veracidade, isto é, sem nunca ter questionado os proferentes a quem tais afirmações são imputadas, violando assim o disposto no art.° 645°, 1;

v) Não se coloca em questão a existência e eventual necessidade da instauração de um processo de promoção e protecção no caso em apreço. Discute-se e discorda-se, isso sim, da legitimidade e legalidade da medida adoptada;

vi) A situação de risco da menor não é actual ou efectiva ou, ainda que o fosse - o que apenas se concebe por mero dever de raciocínio - é hoje diversa da que ditou a instauração do p.p.p. Contudo, todo o Acórdão recorrido olvida esta realidade, centrando-se a decisão no reporte a factos e situações ocorridas há mais de 3 (três) anos. Não se relevam nem as diferentes necessidades inerentes ao natural crescimento da menor, nem a evolução das competências parentais relativamente a tais diferenças. Considerar que as necessidades actuais da menor e as competências parentais dos progenitores são as mesmas que ditaram a instauração do processo, constitui um manifesto erro de avaliação da situação de facto;

vii) As afirmações do TRP: "os factos em causa que se reportam a um período temporal compreendido entre Janeiro de 2012 e Novembro de 2015, reflectem uma situação de perigo na medida em que a criança não recebia os cuidados ou afeição adequados à sua idade e situação pessoal, estando sujeita de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectavam gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional', e "As circunstâncias que determinaram a intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens foi sinalizada em Janeiro de 2012 e manteve-se até à presente data", são contraditadas pelo relatório pericial de 02 de Abril de 2015, assinado pela médica Catarina Ribeiro, a fls. 339 e ss., com especial destaque para as informações constantes de fls. 341,342 e 343;

viii) Toda a argumentação expendida pelo TRP quanto à actualidade da situação de perigo em que se encontra a menor e à manutenção da conduta da progenitora após a institucionalização da menor, são contraditadas pelos relatórios de fls. 7 e 16, pelo e-mail de 01/12/2012 e pelo relatório de fls. 164;

ix) Há, pois, quanto a estes pontos um manifesto erro quanto à valoração da prova;

x) A preterição da família, nomeadamente progenitores, avó materna, avô e tia paternos na intenção de acolher a menor em função de terceiros desconhecidos, é violadora do principio da prevalência da família e, assim, em manifesta violação de lei (art.° 4o da LPJCP);

xi) A matéria de facto sob os pontos XXVI, XXVIII, XXXII, XL, XLI, XLH e LII é relevante para a determinação da medida de promoção e protecção adequada, pelo que deveria ser considerada em sede de ampliação;

xii) Também os factos constantes dos pontos XXVII, XXIX, XXXIII, XXXVI, XXXVII e XXXIX foram alegados e encontram sustentação probatória, pelo que também constituem matéria a ampliar;

xiii) Os factos XXX, XXXI e XLVIII reflectem informação clínica relevante, respeitante à menor, pelo que também teriam que constituir matéria de facto a ser ampliada;

xiv) Também a ampliar os factos constantes em XLIX, LI e LII, por constituírem matéria relevante, directamente relacionada com a capacidade de exercício das responsabilidades parentais;

xv) A ampliação do ponto L também se justifica porque decorrente da ampliação do ponto XLIX, aceite pelo TRP;

xvi) A falta de capacidade dos progenitores em exercerem, de forma autónoma, as responsabilidades parentais, não é permanente, nem definitiva, não podendo o TRP pressupor uma imutabilidade comportamental e incapacidade de aprendizagem, razão pela qual se impunha a realização de exames actuais para verificar a capacidade parental dos progenitores face às necessidades e estado evolutivo da própria criança. É patente e manifesto o erro de julgamento quanto a questão e a violação do princípio da actualidade;

xvii) O facto 8 não deveria conter a expressão "o que a progenitora não conseguia ultrapassar", já que tal dificuldade é transversal a várias pessoas, como o próprio TRP dá por provado. Impunha-se, assim, a reformulação de tal facto, retirando-se a citada expressão;

xviii) Foi valorada prova indirecta, nomeadamente ao nível de depoimentos. Tal "prova" não foi corroborada por nenhum outro elemento probatório, apenas pelas técnicas que reiteraram o que haviam escrito em sede de relatórios sociais. Estando tais pessoas vivas e devidamente identificadas, sendo conhecido o seu paradeiro, deveria o Tribunal ter ordenado a sua inquirição. Ao não o fazer violou o art.° 645°, 1 do CPC, o que, in casu, e atendendo à relação conflituosa entre a progenitora e a proferente de tais afirmações, mais do que um direito, constituía um dever do Tribunal. O mesmo para os factos imputados à avó materna da menor;

xix) O juízo quanto à motivação da progenitora relativamente às queixas que apresenta contra o seu cunhado, é manifestamente subjectivo, temerário e não encontra sustentação em qualquer elemento dos autos;

xx) Os exames psiquiátrico e psicológico a que a progenitora foi submetida são serôdios, datando de há mais de dois anos. Não dispõe o Tribunal de elementos que permitam aferir e determinar se a avaliação efectuada se encontra actual, nomeadamente se se mantém o défice de competências parentais e o comportamento infantil e imatura da progenitora;

xxi) O Acórdão recorrido encerra violação de lei, encontrando-se ferido de ilegalidade já que:

Dele não resulta provado que, actualmente, a menor se encontre numa situação de risco, tal qual ela é definida nos termos da Lei 147/99, de 01 de Setembro, nomeadamente no art.° 3o. A ausência de fundamentação e omissão de determinação da situação de risco, identificando, em concreto, o circunstancialismo em que tal situação se traduz hoje, não legitimam, justificam ou validam a existência de um processo de p. e p., nem a decisão judicial que daí resulte. Com efeito, a situação de perigo tem que ser actual ou iminente (art.° 5o, al. d) do referido diploma), sendo que as medidas se destinam a a) Afastar o perigo em que estes se encontram; b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (art.° 34°). Do relatório de fls. 339 e ss. resulta claro que actualmente tal situação de perigo não se mantém. Cessando tal situação, imperativamente, existirá revisão da medida (arts.º 62º e 63º), com vista à sua extinção. Ao fundamentar, como fundamenta, a decisão na violação do disposto no art.° 1978º, 1 -als. d) e e) do CC, o Tribunal a quo incorre em dois erros de julgamento:

- o primeiro porquanto, dos relatórios sociais, resulta uma melhoria significativa das competências parentais e adequação dos seus comportamentos à idade, maturidade e necessidades da menor. De igual forma, da perícia psicológica realizada à menor, verifica-se, de forma inequívoca e inextrincável, que esta não apresenta qualquer situação de risco, de perigo ou de insegurança, sendo que em todos os parâmetros analisados respondeu de forma adequada e expectável a uma criança da sua idade;

- o segundo, porque nunca existiu desinteresse parental pela filha, bem pelo contrário. A conduta dos pais, nesse capítulo, tem sido irrepreensível, visitando a AA sempre que lhes é permitido. Tal interesse, esforço, dedicação e evolução não passaram despercebidos aos técnicos da instituição na qual a menor se encontra acolhida, relatando estes, a fls. 383 que: O CAT verifica uma melhoria ao nível das interacções destes (progenitores) com a criança, considerando que actualmente estes se procuram ajustar à sua idade, havendo troca de afectos entre os pais e filha e satisfação mútua com os momentos de visita". Esta informação/avaliação, que é tão só a mais recente constante dos autos, é manifestamente contraditória face à conclusão que o Tribunal colheu.

Dito de outro modo, os factos constantes dos autos, não permitem, nem legitimam as conclusões de que os pais puseram a menor em perigo e/ou que demonstraram manifesto desinteresse por esta. Ao decidir como decidiu, em patente, manifesta e inaceitável contradição e oposição com os elementos probatórios constantes dos autos, relevando factualidade truncada, não fundamentada, conclusiva e até falseada nos seus pressupostos, bem como ao omitir e desconsiderar factualidade relevante, o Tribunal a quo incorreu em violação de lei, de forma grave e séria, nomeadamente no dever de imparcialidade, dos princípios orientadores do instituto de promoção e protecção e da própria constituição; Mas, a decisão é ainda violadora de lei, porquanto não é actual no que se refere à aferição das capacidades e competências dos progenitores. Impunha-se uma avaliação destas em data próxima da decisão, já que as que constam do processo, em manifesto desfavor do sentimento de segurança e de bem estar material e moral que deve ser proporcionado à menor, são têmporas e desactualizadas, datando de há mais de dois anos. Face aos elementos constantes dos autos, não assiste ao Tribunal matéria para que possa aferir se o défice parental se mantém ou se foi, de todo, dirimido. E tal avaliação seria tão mais necessária, porquanto os relatórios sociais mais recentes e actuais, apontam para melhorias significativas de tais competências, justificando decisão diversa da prolatada. Ao decidir como decidiu, sem curar de aferir as competências actuais dos progenitores, o Tribunal violou o disposto no art.° 4°, al. e);

Mas viola o mesmo art.° e alínea, no que respeita à proporcionalidade da medida, já que, face aos elementos colhidos nos autos, esta é excessiva, desadequada e desproporcional. Com efeito, a decisão de institucionalização com vista à adopção, tem que surgir como recurso único e último, depois de esgotadas todas as hipóteses previstas no art.° 35°. Não demonstra a decisão que o tenham sido – bem pelo contrário! Atalhou-se caminho, atropelaram-se factos e, sobretudo, obviaram-se alternativas válidas e eficazes, ao decidir-se pela institucionalização da menor com vista à adopção. A decisão prolatada não é proporcional ao risco (tanto mais que o mesmo não se encontra efectivado), nem se encontra demonstrado ser último e único recurso;

E é, igualmente, violadora de lei, quando não respeita os princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família. Da responsabilidade parental porque, face a tudo quanto coube exposto, não se encontra demonstrado que os mesmos são, actualmente, incapazes ou ineptos para prover aos cuidados básicos da filha, seja de forma autónoma ou com intervenção e ajuda de terceiros. Do princípio da prevalência da família, porquanto quer a avó materna, quer os tios e avô paterno demonstraram ter vontade e condições para acolher a menor. Não pode o Tribunal, com base em considerações vãs e obsoletas, não sustentadas factual ou documentalmente e que mais não representam do que juízos de prognose falseados na sua génese e motivação, concluir, sem mais, pela ineptidão desses familiares para acolherem a menor. Tal asserção careceria de fundamentação muito mais densa e de prova irrefutável – o que não se verificou. A justificação, em sede de fundamentação de Direito, que entre a avó materna e a criança, ou entre esta e o avô e tios paternos, "não foi estabelecido um vínculo minimamente seguro e estável, carece de todo e qualquer sentido, já que, seguindo-se este caminho, a criança virá a ser adoptada por quem não terá com ela qualquer vínculo. Ou seja, o Tribunal a quo consagra expressamente que o nada é maior e melhor do que o pouco, no que respeita aos vínculos estabelecidos entre a menor e a sua família natural. Tal decisão, para além de altamente censurável, contraria os princípios orientadores nesta matéria e o espírito legislativo e constitucional; E, por último, é manifestamente violadora de lei, porquanto, face a tudo quanto coube exposto, esta não é, seguramente, a decisão que melhor defende o superior interesse da AA.

Nestes termos e nos melhores de Direito, Julgando o presente recurso provado e procedente e, consequentemente, ordenando a revogação do Acórdão recorrido, aplicando à menor medida que melhor salvaguarde o seu superior interesse, seja a integração e acolhimento junto da sua família natural, seja o acolhimento e apoio junto de um dos familiares que nele manifestaram interesse e disponibilidade».


O Ministério Público contra-alegou, começando por sustentar a inadmissibilidade do recurso e concluindo deste modo:

«l ª - O acórdão não viola o disposto nos artigos 4.° al e) e h) , 35.° al g) ambos da PP, nem o disposto no artigo 1978.° al d) e e) do CC.

2.ª - A prova material é global e suficiente, abrange o período desde que a criança beneficiou da medida de protecção em 2012, não carece de aumentos de matéria de prova, a responsabilidade parental dos familiares têm de ser visto no conjunto e não são minimamente suficientes para garantir o bem-estar e segurança da criança.

3.ª - Não existe contradição da matéria de fato dada como provada, parcialidade do tribunal, omissão da valoração de fatos mais recentes da vida da família biológica.

4.a - A medida de confiança judicial com vista a adopção está bem fundamentada e desde 2012 que os laços afectivos desta criança com sua família foram afectados de forma irreversível e, sobretudo não lhe dão a garantia de protecção que ela tem direito.

Entendemos, assim, que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido por ter proferido decisão Justa.»


A fls. 951, a recorrente apresentou uma resposta, da qual só será considerado o que corresponde a resposta à não admissibilidade de recurso, sustentada pelo Ministério Público, por nada mais ser admissível.


3. Cumpre, antes do mais, determinar se é admissível o recurso de revista e, em caso afirmativo, se foi interposto em tempo.

Como se escreveu no despacho de fls. 936, “No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Junho de 2016, ora acórdão recorrido, o Tribunal da Relação do Porto confirma a verificação dos pressupostos da decisão de decretar “a confiança para futura adopção”, enunciados nas alíneas d) e e) do Código Civil, tal como decidira a 1ª instância.

No recurso de revista que interpõe, CC, por entre o mais, põe em causa essa verificação.

Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça e, portanto, deste recurso, a apreciação da respectiva verificação (nº 2 do artigo 988º do Código de Processo Civil).

Esta observação é independente de saber se estão preenchidos os demais requisitos de admissibilidade da revista – em particular, a sua tempestividade e a alegação de justo impedimento –, e ainda de saber se cabem no âmbito dos poderes de apreciação do Supremo Tribunal de Justiça outras questões suscitadas no recurso, problema a decidir quando se delimitar o respectivo objecto, se a revista excepcional vier a ser admitida.”

Pelo acórdão de fls. 985, a formação prevista no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil admitiu a revista excepcional, no que às questões de legalidade respeita.

Cumpre, portanto, conhecer do recurso, na parte em que a recorrente não questiona “resoluções proferidas segundo critérios de conveniência e oportunidade” (nº 2 do artigo 988º do Código de Processo Civil), mas sim segundo critérios de legalidade, susceptíveis portanto de controlo pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Quanto à tempestividade do recurso, pela verificação de justo impedimento, aceita-se o que se decidiu no despacho de admissão do recurso no tribunal recorrido, a fls. 959.


4. Como todos sabemos, estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária (cfr. anterior artigo 150º da Organização Tutelar de Menores, Decreto-Lei no 314/78, de 27 de Outubro, revogada pela Lei nº 142/2015, de 8 de Setembro, e artigo 100º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, republicada em anexo à Lei nº 142/2015). Essa qualificação, no que agora releva (transcreve-se ou segue-se de perto o que se observou no acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Fevereiro de 2008, da mesma relatora e disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 07B4681, proferido num processo judicial de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo, em que o Ministério Público requereu a medida de confiança de menor a instituição, com vista à adopção), implica, desde logo, que “das resoluções proferidas [nestes processos] segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” (nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil).

Cumpre recordar que, ao incluir na competência dos tribunais o julgamento dos chamados processos de jurisdição voluntária ou graciosa, cujas regras gerais se encontram nos artigos 986º a 988º do actual Código de Processo Civil, o legislador pretendeu que a prossecução de determinados interesses, em si mesmos de natureza privada, mas cuja tutela é de interesse público, fosse fiscalizada por entidades cujas características são garantia de uma protecção adequada à sua natureza.

Com essa finalidade, conferiu-lhes os poderes necessários para o efeito, afastando, quando conveniente, certos princípios, conformadores do processo civil em geral, que disciplinam a sua intervenção enquanto órgãos incumbidos de resolver litígios que se desenrolam entre partes iguais, perante as quais os tribunais têm de adoptar uma posição de rigorosa imparcialidade.

Assim, no domínio da jurisdição voluntária, os tribunais podem investigar livremente os factos que entendam necessários à decisão (artigo 986º, nº 2), recolher as informações e as provas que entendam pertinentes, rejeitando as demais (mesmo 986º, nº 2), decidir segundo critérios de conveniência e de oportunidade (artigo 987º), e, na generalidade dos casos, adaptar a solução definida à eventual evolução da situação de facto (artigo 988º, nº 1).

Dotado destes meios, o tribunal deve assumir (neste sentido, parcialmente) a defesa do interesse que a lei lhe confia – no caso, o “interesse superior da criança e do jovem”, como expressamente afirma a alínea a) do artigo 4º da Lei de Protecção das Crianças e dos Jovens em Perigo –, ainda que essa defesa implique fazê-lo prevalecer sobre outros interesses que eventualmente estejam envolvidos, ou mesmo em oposição.

Como ali se explicita, a intervenção do tribunal “deve atender prioritariamente aos interesses da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”.

Explica-se desta forma que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva ou adjectiva (cfr. artigo 674º do Código de Processo Civil), não possa, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, ao abrigo do disposto no artigo 987º do Código de Processo Civil. Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (cfr. artigos 674º e 682º do Código de Processo Civil), a lei restringiu a admissibilidade de recurso até à Relação (artigo 988º, nº 2).

A verdade, todavia, é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto aplicam a lei estrita. É, nomeadamente, o que se verifica, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído.

Neste recurso, a recorrente nega que se mantenha “a situação de risco, tal como ela é definida nos termos da Lei 147/99, de 01 de Setembro” e que se verifiquem as situações previstas nas alíneas d) – “perigo grave” para “a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor” – e e) do nº 1 do artigo 1978º do Código Civil – “situação de manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer, seriamente, a qualidade e a continuidades daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança”, sustentando que não ocorre, “actualmente (…) uma situação de risco, tal como ela é definida nos termos da Lei 147/99 (…), nomeadamente no seu artigo 3º”, que a menor “não apresenta qualquer situação de risco, de perigo ou de insegurança” e que “nunca existiu desinteresse parental pela filha, bem pelo contrário”.

Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça e, portanto, deste recurso, a apreciação da respectiva verificação; é, pois, admissível o recurso, mas com o âmbito assim delimitado.


5. Vem definitivamente provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

«1. A menor AA nasceu no dia 14 de Julho de 2011 e é filha de CC e de DD;

2. A menor nasceu na Maternidade …, em Lisboa, e a situação da menor foi sinalizada pela P.S.P. à CPCJ de Lisboa … em 2 de Janeiro de 2012 por a menor, então com cinco meses de idade, ter sido colocada fora de casa, juntamente com a mãe, pelo avô paterno;

3. Nessa ocasião, o Requerido DD havia agredido fisicamente a Requerida CC e, por inexistência de retaguarda familiar, a menor e a sua mãe estiveram acolhidas em Casa-Abrigo da … e de seguida vieram residir para a cidade do …;

4. Por a progenitora apresentar fragilidades sociais e económico-financeiras, défice de competências parentais e necessidade de integração sócio-profissional, foi aplicada à menor pela CPCJ, em 10 de maio de 2012 e prorrogada em 8 de Novembro de 2012, a medida de promoção e protecção de apoio junto da progenitora, sujeita, nomeadamente, a integração da menor em ama da Segurança Social e treino da progenitora nas competências parentais; 

5. No decurso das visitas domiciliárias efectuadas pelos Técnicos da CPCJ, verificou-se que a progenitora nutria afecto pela menor mas desconhecia aspectos fundamentais para o desenvolvimento da mesma, tais como estimulação motora, cognitiva, de linguagem e de alimentação;

6. Para além disso, a progenitora não estabelecia horários adequados à menor, designadamente para alimentação e descanso, e levava a menor para ambientes nocturnos desadequados a uma criança, revelando a progenitora imaturidade e infantilidade no seu comportamento;

7. A progenitora não era capaz de proporcionar estabilidade, segurança e rotinas à filha AA, já que tinha dificuldades em cumprir horários, chegando tarde a casa e levando a filha para ambientes recreativos, como karaoke;

8. A par destes indicadores, a menor apresentava um factor de risco adicional, associado à sua dificuldade em alimentar-se, o que a progenitora não conseguia ultrapassar;

9. Foi ainda percepcionada uma debilidade física na menor que levou ao seu internamento hospitalar, onde se concluiu que a menor apresentava deficiente progressão ponderal, sendo evidentes os erros de alimentação (fórmula láctea preparada de forma incorrecta, início de sopa aos dois meses de idade, entre outros) e falha na administração dos suplementos vitamínicos por parte da progenitora;

10. Durante uma semana de internamento hospitalar a menor ganhou 120 gramas mas, nos 10 dias seguintes à alta hospitalar, a menor perdeu 100 gramas;

11. Em face destes factos, em Dezembro de 2012 foi aplicada à menor pela CPCI a medida de promoção e protecção de apoio junto de outro familiar, tendo a menor e sua mãe ido residir para junto da tia materna da menor, EE, no …;

12. Por conflitos familiares causados pela Requerida CC com a sua irmã EE, aquela saiu de casa da irmã, deixando aí a menor, e foi viver para uma Pensão;

13. Foram então acordadas novas cláusulas da medida de promoção e protecção aplicada, a qual foi revista no sentido de garantir a manutenção dos laços afectivos entre a menor e os seus progenitores e a promoção de comunicação entre todos os familiares;

14. No entanto, a tia materna da menor, EE, queixava-se que a progenitora telefonava a horas impróprias e discutia com ela, sendo que o seu marido não permitia a presença da progenitora da menor em sua casa;

15. Por seu lado, a progenitora da menor queixava-se da irmã EE, designadamente, acusando-a de não ter levado a menor a uma colheita de urina por suspeita de infecção urinária;

16. Na sequência do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor AA efectuada nos autos principais e homologado por sentença proferida em 24 de Setembro de 2012, transitada em julgado, o pai da menor visitava-a regularmente ao fim de semana, dormindo em casa da tia materna da menor e tratando da alimentação e medicação da filha;

17. A CPCJ propôs a revisão da medida de promoção e protecção aplicada à menor, com a intervenção relevante por parte da avó materna da menor, mas o progenitor da menor recusou assinar qualquer acordo e retirou o consentimento para a intervenção da CPCJ, afirmando que a conflitualidade entre as irmãs a propósito da menor não era favorável ao desenvolvimento da mesma;

18. A medida de promoção e protecção de apoio junto da tia materna EE foi aplicada à menor provisoriamente pelo período de dois meses, por decisão proferida nestes autos em 19 de Julho de 2013;

19. Por acordo de promoção e protecção celebrado nestes autos em 21 de Outubro de 2013, foi aplicada à menor AA a medida de promoção e protecção de apoio junto da tia materna, EE;

20. Com o objectivo de reaver a guarda e cuidados da AA, em Setembro de 2013 a progenitora da menor relatou os factos que estiveram na base da participação contra o seu cunhado FF, marido da sua irmã EE, alegando que aquele havia abusado sexualmente da menor AA.

21. Tal queixa-crime deu origem ao Inquérito nº007/13.9JAPRT que correu termos no DIAP do … e que foi arquivada por se ter revelado factualmente infundada, sendo que a Requerida CC foi constituída arguida pela prática de um crime de simulação de crime de abuso sexual;

22. Posteriormente, em Novembro de 2014, a Requerida voltou a apresentar queixa-crime contra o seu cunhado, alegando novamente que aquele havia abusado sexualmente da menor AA;

23. Tal queixa-crime deu origem ao Inquérito nº 23681l4.2JAPRT que corre termos no DIAP do … e ainda se encontra pendente;

24. Nesse seguimento, foi a menor AA submetida a exame físico no INML, o qual apresentou resultado negativo para suspeita de abuso sexual;

25. Tal exame físico causou dores e incómodo à menor, sendo que a mãe, confrontada com a necessidade de realização de tal exame, face à denúncia apresentada, não mostrou qualquer preocupação, respondendo que a menor até gosta de mostrar o “pipi”.

26. Foi-lhe também efectuado exame psicológico, o qual concluiu que "(. . .) No que diz respeito ao conjunto de recursos psicológicos que poderão estar implicados nas capacidades de testemunhar, os dados indicam que a examinada ainda não apresenta um conjunto de recursos cognitivos, narrativos e emocionais que lhe permitam testemunhar experiências de forma consistente e adequada, tendo utilizado uma linguagem apropriada à sua idade e estádio desenvolvimental. Os dados clínicos obtidos indicam que a Leonor evidencia elevada permeabilidade à sugestionabilidade. 5. Salientamos que as características do processo de testemunho não dependem apenas das capacidades da testemunha mas também dos factores externos que poderão afectar/condicionar o testemunho, tais como o intervalo de tempo entre os factos e a narração dos mesmos. 6. Realçamos que o contexto em que surge esta alegação se reveste de alguns contornos problemáticos, nomeadamente no que diz respeito à inconsistência dos relatos da mãe da criança, bem como à discrepância entre a descrição que a progenitora faz do alegado abuso e os dados da avaliação da criança. De salientar que a descrição que a mãe faz da forma como questionou a criança remete para potencial contaminação do discurso da mesma em virtude da utilização de perguntas sugestivas. (.oo)";

27. Esta segunda denúncia surgiu na sequência da comunicação aos Requeridos de que a Segurança Social era do parecer de se proceder à regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor AA, fixando-se a residência desta junto dos tios maternos;  

28. Junto dos Serviços Sociais, a Requerida manifestou por diversas vezes a sua incompatibilidade com a irmã EE, descrevendo a situação das denúncias como uma disputa pessoal contra a sua irmã EE e referindo que, na impossibilidade de ter a filha consigo, preferia que a mesma fosse institucionalizada, mesmo assumindo que a menor era bem tratada pela irmã, e que tudo faria para evitar que a filha ficasse definitivamente com a tia materna;

29. Perante esta nova denúncia, os tios maternos da menor começaram a manifestar indisponibilidade para se manterem como cuidadores da AA, sendo que tal denúncia desencadeou um vincado sentimento de revolta por parte do tio materno da menor, estando ambos os elementos do casal emocionalmente abalados com esta situação;

30. Os tios maternos da menor, EE e FF, mostram-se intransigentes relativamente ao regresso da menor AA ao seu agregado familiar, temendo que no futuro a Requerida faça idênticas denúncias contra o filho do casal;

31. Em entrevista efectuada pela Técnica Social, a Requerida referiu que os tios maternos da AA – sua irmã EE e marido – estavam a desempenhar adequadamente o papel de cuidadores da menor mas, logo de seguida, recusou terminantemente que a filha continuasse aos cuidados daqueles, afirmando que preferia que a menor fosse institucionalizada;

32. Em face da recusa dos tios matemos da AA em continuarem a acolher a menor no seu agregado familiar, por decisão proferida nestes autos em 19 de Janeiro de 2015 foi revista a medida de promoção e protecção de apoio junto da tia materna que lhe havia sido aplicada pela medida de acolhimento institucional, tendo a menor integrado o CAT "BB", sito na …, em 22 de Janeiro de 2015;

32-A. Por indicação das técnicas responsáveis pelo processo, na sequência do episódio ocorrido em Novembro de 2014 e até colocação em residência de acolhimento, a AA ficou entregue aos cuidados dos progenitores.

33. A mãe da menor integra uma fratria de 11 irmãos provenientes de um agregado familiar com historial de violência doméstica e consequente institucionalização da Requerida CC (e de alguns dos seus irmãos) entre os 10 e os 18 anos de idade;

34. A Requerida era descrita como uma Jovem difícil, com historial de toxicodependência (consumo de cocaína e de outras drogas);

35. A Requerida viveu com um companheiro durante cerca de 8 anos, o qual lhe infligia maus-tratos;

36. Terminada aquela relação, a Requerida conheceu o aqui Requerido DD, com quem foi viver para …, em casa de familiares deste (em casa do avô paterno da menor);

37. O progenitor da Requerida era alcoólico e exercia grande violência física contra a mãe da Requerida e contra os filhos, incluindo a Requerida;

38. Por esse motivo, a mãe da Requerida abandonava a habitação com frequência, deixando os filhos entregues aos cuidados da filha Sónia, sendo que numa das vezes fugiu para … e só regressou cerca de 4 anos depois;

39. Na altura em que a mãe foi viver para …, a Requerida, então com 10 anos de idade, foi acolhida numa instituição em …, o mesmo sucedendo com os seus irmãos GG, HH e II, então com 4, 6 e 9 anos de idade, respectivamente;

40. Do exame psiquiátrico a que foi submetida, a progenitora revelou " ... défices intelectuais congénitos que contribuem para as dificuldades que tem tido em sobreviver autonomamente e em adquirir condições de habitação e de subsistência para poder sustentar e educar a sua filha. Apesar de demonstrar sentimentos de afecto e preocupação com o futuro da sua filha, a examinada não possui capacidade nem competências para prover autonomamente às necessidades básicas de cuidados, educação e segurança física e emocional da sua filha";

41. Do exame psicológico a que foi submetida, a progenitora revelou" a presença de um défice cognitivo situado nos parâmetros de debilidade ligeira. (. .. ). Os dados da avaliação psicológica sugerem que a examinada manifesta um conjunto de afectos positivos relativamente à filha. Relativamente às outras áreas envolvidas nas competências para o exercício da parentalidade (que não se reduzem à natureza dos afectos manifestados), a examinada apresenta, no plano do conhecimento, recursos insuficientes, nomeadamente ao nível da conceptualização de condições para o desenvolvimento cognitivo (ajustado, naturalmente à escolaridade e meio de inserção, social e emocional da criança). Apresenta uma perspectiva imatura e infantilizada sobre esta situação. Realçamos que estas características poderão dificultar o exercício da parentalidade de forma ajustada às necessidades e interesses da criança. Face à história do problema e às características do funcionamento psicológico da examinada, é de admitir que a progenitora não reúne competências psicológicas para assegurar a parentalidade de forma autónoma. ";

42. O progenitor da menor não revela capacidade de se autonomizar da relação com a Requerida, sendo frequentemente manipulado por esta no sentido de fazer valer as suas vontades;

43. O Requerido sempre manifestou a sua incapacidade de assumir autonomamente os cuidados da sua filha, referindo que não tinha condições para o efeito;

44. O Requerido assume uma posição de excessiva dependência face à Requerida, faltando-lhe capacidade de juízo crítico para avaliar a situação da filha e mostrando grande dificuldade em tomar decisões, referindo que não consegue viver sozinho, que necessita de alguém com quem falar e que precisa de ajuda em casa;

45. O Requerido DD trabalhou na área da … entre 2004 e 2012;

46. O Requerido não tem tido emprego fixo e esteve desempregado durante longo período de tempo, sendo beneficiário do Rendimento Social de Inserção no valor mensal de € 178,15;

47. A Requerida nunca teve ocupação profissional, sobrevivendo com o Rendimento Social de Inserção no montante de € 231,60 mensais;

48. O Requerido DD visitou com regularidade a filha na instituição onde a mesma se encontra acolhida, apenas tendo deixado de o fazer em agosto último por ter ido viver para …;

49. A Requerida CC continua a visitar a filha regularmente na instituição, embora não sendo pontual com a hora marcada para a visita;

50. Durante as visitas dos progenitores à menor verificou-se que aqueles têm dificuldades na interacção com a filha, não conseguindo adequar as expressões e comportamentos ao grau de desenvolvimento da criança, nem tomar iniciativas na realização de brincadeiras e actividades ou ter brincadeiras adequadas ao estado de desenvolvimento da AA (p. exp. tentar que leia uma história);

51. No primeiro relatório elaborado pelo CAT da …, a respeito da relação dos progenitores com a criança observa-se: “ os progenitores demonstram dificuldades em se concentrarem na filha, ficando a AA a brincar sozinha na sala de visitas enquanto a mãe fala ao telemóvel, e não conseguem elogiar os progressos e comportamentos da filha”.

52. Nas visitas efectuadas pelos progenitores à menor é visível a troca de afectos entre eles e a satisfação sentida por pais e filha nesses encontros;

53. A avó materna da menor, JJ, visitou a menor na instituição, na acompanhada da Requerida, por 4 vezes em Março passado; 2 vezes em Julho passado; uma vez em Setembro e duas vezes em Outubro passado, sendo que nessas visitas a Requerida manipulou toda a visita à AA incitando-a a dizer que gostava da avó, e esta repetiu várias vezes durante a visita que a menor "tinha que gostar da avó";

54. No âmbito da avaliação psicológica a que foi submetida, a Requerida referiu que tinha com a sua mãe uma relação difícil, pois "quando precisei da minha mãe ela disse que não queria saber, a minha mãe só quis sair daquela situação e esteve a borrifar-se para os filhos";

55. Durante todo o tempo em que esteve acolhida em instituição e depois internada em comunidade terapêutica (cerca de 2 anos) por consumo de drogas, a Requerida refere não ter tido uma relação de proximidade com a sua mãe, sentindo-se revoltada e confusa pelo afastamento da mãe e preterida pelo facto de a mãe não a ter levado para …, sendo que quando regressou de … a mãe não tirou a Requerida da instituição;

56. A tia materna da menor, EE, refere que a fuga da mãe para … teve mais propósitos do que o mero afastamento do pai, tendo também como intenção alcançar estabilidade numa relação amorosa que havia iniciado com um indivíduo que fora residir para aquele País;

57. A AA foi visitada uma vez na instituição pela sua tia materna EE, no dia 21 de Fevereiro de 2015, e a tia paterna da menor, KK, visitou-a numa ocasião em que esteve no …, no dia 12 de Fevereiro de 2015, e em 6 de Setembro último, acompanhada do pai da menor;

58. Desde que está institucionalizada, a menor AA não foi contactada ou visitada por quaisquer outros familiares;

59. No âmbito das diligências efectuadas pelos Serviços Sociais não foram identificados quaisquer outros elementos da família alargada com disponibilidade e condições para acolher a AA;

60. Foram contactadas as tias maternas da menor, LL, EE, MM e NN, sendo que nenhuma se mostrou disponível para ser avaliada como potencial candidata a acolher a AA;

61. A menor AA encontra-se bem integrada na instituição que a tem acolhido, sendo uma criança saudável;

62. A Requerida CC apresenta um comportamento infantil e autocentrado, sendo incapaz de se posicionar criticamente face às suas fragilidades como cuidadora da AA, mostrando inabilidade para percepcionar os motivos que levaram à instauração deste processo e à institucionalização da menor, não sendo capaz de priorizar as necessidades da AA em detrimento das suas;

63. A avó materna da menor manifesta vontade de acolher a neta AA;

64. A avó materna da menor, de 67 anos de idade, reside alternadamente entre …, onde tem casa própria, e o …, onde permanece na habitação do seu companheiro de há cerca de 2 anos, OO, de 72 anos de idade;

65. A habitação da avó materna da menor, sita em …, é de construção antiga, tendo sofrido, em tempos, algumas obras de conservação, e é composta por dois quartos, um quarto-de-banho e uma cozinha;

66. Esta habitação não oferece condições de higiene, arrumação e organização, nem privacidade;

 67. A avó materna da menor tem histórico de problemas do foro psiquiátrico.

68. A avó materna da menor tem revelado grande instabilidade afetiva ao longo da sua vida, traduzida em múltiplos relacionamentos amorosos;

69. Relativamente ao actual companheiro, OO, a avó materna da menor não é capaz de indicar dados relevantes, tais como o nome completo, a idade, a data de nascimento ou o dia de aniversário, o mesmo sucedendo em relação aos seus filhos;

70. A avó materna da AA vive com o filho PP, de 47 anos de idade, o qual é alcoólico e encontra-se desempregado;

71. O seu filho QQ reside em … e é casado com a irmã do aqui Requerido, KK; a sua filha MM reside no …; a sua filha NN reside em …, Viseu; os seus filhos RR e II residem em … e os filhos HH e GG encontram-se a cumprir pena de prisão por furtos e tráfico de droga;

72. O agregado familiar dos tios da menor, QQ e KK, é composto pelos próprios, pela sua filha SS, de 2 anos de idade, e pelo avô paterno da menor, TT, de 55 anos de idade, desempregado;

73. Estes tios e o avô paterno da menor reúnem condições humanas, materiais e habitacionais para poderem acolher a AA;

74. Os tios da Leonor, QQ e KK, tiveram conhecimento dos factos que estiveram na base da aplicação à menor da medida de apoio junto de outros familiares (tios matemos, EE e marido) e nunca solicitaram a guarda da criança a fim de se constituírem como elementos protectores da sobrinha;

75. Os tios da Leonor, QQ e KK, tiveram conhecimento da institucionalização da menor e durante todo este período (desde Janeiro do corrente ano até à data) apenas por duas vezes a tia KK visitou a menor na instituição, juntamente com o seu irmão e pai da AA;

76. Na primeira visita foi questionada acerca da possibilidade de vir a acolher a menor AA no seu agregado familiar, tendo a mesma recusado e não tendo indicado qualquer outro familiar paterno da menor para esse efeito;

77. Em Julho de 2015 a tia paterna da menor voltou a reforçar essa indisponibilidade com fundamento no receio de que os conflitos criados pela mãe da menor com a irmã EE e os processos-crime instaurados pela mesma contra o seu cunhado pudessem suceder no seu seio familiar;

78. Neste contexto, a tia paterna da menor demonstrou receio de que a mãe da menor tudo faça para lhe tirar a própria filha caso esta tia se assuma como cuidadora da AA, conforme já a ameaçou;

79. Nessa ocasião (Julho de 2015) a KK indicou o seu pai, avô paterno da menor, para acolher a menor;

80. Os contactos deste avô com a neta AA reduzem-se a momentos ocasionais e curtos períodos de férias, sendo que o mesmo nunca visitou a AA na instituição e mencionou desconhecer por completo todas as vicissitudes que levaram à entrega da menor à tia materna EE e à sua posterior institucionalização;

81. Desde que foi institucionalizada, nenhum familiar da AA pediu para a menor passar consigo algum dia fora da instituição;

82. Só a partir de Agosto último é que a tia KK e o avô TT mostraram vontade e disponibilidade para acolher a menor face à possibilidade de a mesma ser confiada à instituição com vista à sua futura adopção;

83. Os pais da AA estão separados desde agosto último, sendo que o pai foi viver para …, onde reside num quarto, e faz alguns trabalhos de ….»

-

Não ficou provado que

- A progenitora apresentou queixa-crime contra o seu cunhado;

- A menor até gosta de mexer no “pipi”;

- O companheiro da avó materna tem histórico de problemas do foro psiquiátrico;


6. A recorrente suscita diversas questões relacionadas com prova e com a necessidade de ampliar a matéria de facto a considerar.

Ora, relativamente à prova, cumpre ter presente que apenas existe um grau de recurso quanto à decisão sobre a matéria de facto, quando estão em causa meios de prova sujeitos à regra da livre apreciação. Como resulta expressamente dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2 do Código de Processo Civil, e o Supremo Tribunal de Justiça tem reiteradamente recordado, (cfr., por todos, o acórdão de 15 de Abril de 2015, www.dgsi.pt, proc. 1248/07.2TBLGS.E1.S1 e jurisprudência nele citada), «existindo um só grau de recurso em matéria de facto, é vedado ao Supremo Tribunal de Justiça alterar a decisão que vem das instâncias, salvo na medida em que essa alteração se traduza, a final, no controlo da aplicação de disposições legais que exijam “certa espécie de prova para a existência do facto” ou que fixem “a força de determinado meio de prova” ».

A recorrente insurge-se contra o que considera ter sido uma violação da regra do artigo 645º, nº 1, do Código de Processo Civil (actual artigo 526º), sustentando que se deram como provados factos resultantes “de depoimentos indirectos plasmados nos autos” (concl. IV e XVIII), e de ter havido “erro de avaliação da situação de facto” (concls. VI, VII, VIII, IX, XVI, XIX, XX), por constarem dos autos elementos que deveriam ter conduzido a decisão diferente. No entanto, em nenhum dos casos indicados pode o resultado da prova ser questionado neste recurso, como sem qualquer dúvida resulta da lei.

A recorrente sustenta ainda que deveria ter sido ampliada a matéria de facto (concl. XI, XII, XIII, XIV, XV; e que o “facto 8” devia ser corrigido.

Começando por aqui, verifica-se que a própria recorrente mostra como tal correcção é irrelevante, ao reconhecer que o acórdão recorrido dá como provado que “tal dificuldade é transversal a várias pessoas”.

Quanto à ampliação da matéria de facto, já pretendida em 2ª Instância, que a recusou, há que ter presente que não cabe recurso de tais decisões: nº 6 do anterior artigo 712º do anterior Código de Processo Civil e nº 4 do actual artigo 662º.


7. Cumpre então apreciar se o acórdão recorrido violou os pressupostos imperativamente fixados por lei para a possa ser determinada a medida de confiança para adopção.

Antes de assim proceder cabe no entanto reiterar que, contrariamente ao que a recorrente sustenta, verifica-se o perigo que, segundo o artigo 4º da Lei nº 147/99, legitima a intervenção do Estado “para promoção dos direitos e protecção” da menor AA. Naturalmente que essa situação de perigo – que a própria recorrente aceita que legitimou a instauração deste processo (concl. V)) – tem que ser entendida tendo em conta a situação anterior à sua instauração e que a justificou, actualizada à data da decisão em 1ª Instância (salvos os casos em que, em recurso, se puder trazer ao processo factos supervenientes), e a prognose que os factos provados permitem construir se a medida de confiança para adopção não for decretada, que é o que a recorrente pretende (conl. VI).

Como se sabe, trata-se de uma medida da qual vai resultar o “corte” das relações eventualmente existentes com a família biológica da menor. Não pode, por isso, ser determinada se a menor estiver a cargo e a viver com os parentes indicados no nº 4 do artigo 1978º do Código Civil, salvo se for prejudicial tal convivência, provoca a inibição do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1978º-A do Código Civil) e a nomeação de um curador provisório (artigo 62º-A, nº 3, da Lei nº 147/99), e faz cessar o direito a visitas da sua família natural (nº 6 deste artigo 62º-A).

Também por isso, é pressuposto genérico desta medida a inexistência ou o sério comprometimento dos “vínculos afectivos próprios da filiação” (corpo do nº 1 do artigo 1978º), e só pode ser decidida nas situações descritas nas diversas alíneas do mesmo nº 1.

Contrariamente ao que a recorrente sustenta, o acórdão recorrido demonstrou abundantemente que existia e se manteve à data da decisão – em termos de permitir concluir que a medida decretada é a que permite proteger a menor contra tal risco – o risco justificativo da intervenção do tribunal (cfr. fl. 75 e segs.). Salienta-se a sucessão de medidas junto de familiares, cuja insuficiência para alcançar o fim legalmente pretendido – a promoção do superior interesse da criança – foi sendo sucessivamente verificada (cfr. factos provados 3 e 4, 11 a 25).

Nada há a censurar à conclusão que o acórdão recorrido chegou quanto a este ponto.

Assim: vem provado que a menor nasceu em 14 de Julho de 2014 e, com cinco meses de idade, foi posta fora de casa pelo avô paterno, juntamente com a mãe, porque o pai tinha “agredido fisicamente” a mãe; desde essa idade que a situação da menor foi sinalizada à CPCJ competente e que se sucederam diversas medidas de protecção, como consta da lista de factos provados, demonstrativos de séria incapacidade dos progenitores e de outros familiares para dela se encarregarem, ainda que com ajuda.

Tal situação de risco mantinha-se quando a medida de confiança para adopção foi decretada. A leitura atenta da matéria de facto permite acompanhar a evolução da situação da menor deste que nasceu até tal decisão, sendo que o acórdão recorrido realizou cuidadosamente a reponderação do que, em 1ª Instância, havia sido decidido.

A recorrente afirma que “a situação de risco da menor (…) é hoje diversa da que ditou a instauração da p.p.p.”. Mas não apresenta nenhumas razões para se poder pensar que, se a menor não estivesse entregue a uma instituição, o risco em que se encontrou desde tenra idade tivesse cessado.

Mais concretamente, a recorrente indica meios de prova que diz terem sido desconsiderados pelo acórdão recorrido, e que o contradizem, quanto à actualidade da situação de perigo (cfr. em particular os que são indicados nas conclusões VII, VII, XXI):

– O “relatório pericial de 02 de Abril de 2015, assinado pela médica Catarina Ribeiro, a fls. 339 e ss., com especial destaque para as informações constantes de fls. 341, 342 e 343”: Nada dele resulta no sentido dessa contradição. Diferentemente, no último ponto desse relatório – ponto 7, a fls. 344 –, escreve-se: “7. Foram referidas informações acerca do enquadramento familiar da criança (já identificadas no processo de avaliação psicológica forense que foi realizado à mãe da criança no âmbito do Processo de Promoção e Protecção), que poderão configurar situações de potencial risco desenvolvimental pelo que se sugere acompanhamento deste agregado”;

– Diz-se na concl. VIII: “viii) Toda a argumentação expendida pelo TRP quanto à actualidade da situação de perigo em que se encontra a menor e à manutenção da conduta da progenitora após a institucionalização da menor, são contraditadas pelos relatórios de fls. 7 e 16, pelo e-mail de 01/12/2012 e pelo relatório de fls. 164”. Mas a menor apenas foi institucionalizada em 22 de Janeiro de 2015; à data dos relatórios de fls. 6 (28 de Março de 2013), de fls. 7 (17 de Julho de 2013) e de fls. 164 (19 de Outubro de 2013), a menor encontrava-se ao cuidado dos tios maternos, desde Dezembro de 2012;

– E na conclusão XXI que “do relatório de fls. 339 e ss. Resulta claro que actualmente tal situação de perigo não se mantém”. Trata-se todavia de um relatório de 25 de Maio de 2015, no qual se conclui (fls. 383): “Perspectiva da instituição. Da observação da interacção dos progenitores com a AA, o CAT … verifica uma melhoria ao nível das interacções destes com a criança, considerando que actualmente estes se procuram ajustar à sua idade, havendo troca de afectos entre os pais e a filha e satisfação mútua com os momentos de visita. No entanto, e porque o CAT … entende que o exercício da parentalidade não se circunscreve à natureza ou expressão de afectos, da consulta das peças processuais, das reuniões e articulação com a EMAT e das diligências conjuntas com esta Equipa, nomeadamente da reunião com a Associação Qualificar para incluir, Visita domiciliária à tia materna EE e Visita Domiciliária à progenitora (cujos conteúdos avaliativos se espelham no relatório da EMAT), entende-se que o projecto de vida que melhor salvaguarda os interesses da criança é a aplicação de Medida de Confiança a instituição com Vista a Futura Adopção”.

Não pode, assim, aceitar-se o ponto de vista da recorrente.


8. A medida decretada e impugnada pela recorrente assentou na verificação dos pressupostos das alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 1978º do Código Civil. Recorde-se que o pressupostos genérico da medida é a inexistência ou o sério comprometimento dos “vínculos afectivos próprios da filiação” (corpo do nº 1 do artigo 1978º), e só pode ser decidida nas situações descritas nas diversas alíneas do mesmo nº 1, objectivamente avaliadas.

Não temos qualquer dúvida de que se encontra preenchido o pressuposto da al. d): “perigo grave para a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor”, objectivamente causado pelos pais.

Na verdade, da consideração conjunta da matéria de facto definitivamente provada – com o cuidado de a avaliar ao longo do tempo, de modo a que a decisão respeite o princípio da actualidade –, da objectividade com que se deve aferir do preenchimento dos requisitos constantes desta alínea (como diz expressamente o corpo do nº 1) e da regra de que, em qualquer caso, “na verificação das situações previstas” no nº 1 do artigo 1798º, “o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor”, como impõe o respectivo nº 2, decorre que nada há a censurar à decisão recorrida.

Vejam-se os factos nºs 4, 5, 6, 7, 12, 18, 19, 2526, 28 (particularmente significativo, conjuntamente com o facto 31), 32, 40, 41, 42, 43, 44, 50, 51, 53, 62 e tenha-se em conta que

a medida em apreciação não tem como objectivo punir ou censurar os pais por qualquer eventual negligência que tenham relativamente ao filho, como claramente decorre da exigência legal de que a avaliação das situações que a podem justificar seja objectiva e tenha em conta o superior interesse da criança.

A recorrente sustenta que “a incapacidade dos progenitores em exercerem, de forma autónoma, as responsabilidades parentais não é permanente, nem definitiva”, devendo o tribunal recorrido ter entendido que “se impunha a realização de exames actuais”: mas a prova foi realizada na altura própria, não havendo elementos concretos que exigissem e possibilitassem nova prova na Relação, nos limites apertados em que tal seria possível (cfr. artigo 662º, nº 2, b) do Código de Processo Civil).

Reitera-se, assim que se encontra verificado o pressuposto previsto na al. d) do nº 1 do artigo 1978º do Código Civil, de forma a que se encontrem “seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação” (corpo do nº 1 do mesmo artigo 1978º).


 9. Ambas as instâncias consideraram ainda que ocorria o condicionalismo constante da alínea e) do mesmo nº 1: “manifesto desinteresse” pela filha, que se encontra acolhida em instituição, nas condições e pelo tempo ali previstos.

Como se recordou no acórdão de 10 de Abril de 2008, “ao exigir uma situação de desinteresse, que se prolongue pelo menos por três meses, a lei não impõe a inexistência de contactos entre os pais e a criança que se encontra institucionalizada. O que releva é o modo e o significado desses contactos, que tanto pode ser o de criar ou manter laços afectivos com o objectivo de tornar possível a vida em conjunto, como apenas o de tentar evitar uma situação que acabe por levar a um processo tendente à adopção (cfr., por exemplo, Beatriz Marques Borges, Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Comentários e Anotações à Lei nº 147/99 de 1 de Setembro, Coimbra, 2007, págs. 167 e 168) (…). Como se escreveu no acórdão de 30 de Novembro de 2004 deste Supremo Tribunal (proc. nº 04A3795, disponível em www.dgsi.pt), «no conceito de "manifesto desinteresse pelo filho" está essencialmente em causa a qualidade e a continuidade dos vínculos próprios da filiação».

  A recorrente discorda também da verificação deste requisito, salientando o acompanhamento que a recorrente tem feito, desde que a menor se encontra institucionalizada.

   Seja como for, basta a verificação do requisito anterior para que tenha de ser confirmada a decisão recorrida; razão pela qual se não procede a uma análise autónoma deste requisito.


10. A terminar, cumpre dizer ainda o seguinte:

 – A recorrente acusa o acórdão recorrido de ter confirmado uma medida “excessiva, desadequada e desproporcional”, pois não se mostram “esgotadas todas as hipóteses previstas no artº 35º: mas esta observação não corresponde à análise efectuada em ambas as instâncias. Ao que acresce que não se pode questionar na revista os julgamentos de inconveniência ou de desadequação de outras medidas de protecção, pelas razões já apontadas; em particular, quanto às condições em que outros familiares reunissem ou não as condições de adequadamente se encarregarem da guarda e protecção da menor;

– E diz ainda que viola a lei, “quando não respeita os princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família”. Mas esta afirmação apenas se pode interpretar como revelando discordância com a decisão recorrida.

Como este Supremo Tribunal observou, por exemplo, no seu acórdão de 20 de Janeiro de 2010, www.dgsi.pt, em termos transponíveis para este caso, “a verificação dos pressupostos enunciados no art. 1978º, nº1, al. d) , do CC implica, de forma evidente, que a solução do caso não envolveu qualquer violação das disposições atinentes ao poder paternal, citadas pelo recorrente – e que naturalmente em nada obstam a que sejam judicialmente decretadas as medidas adequadas a assegurar o superior interesse do menor, quando os progenitores biológicos não consigam exercer adequada e efectivamente as suas responsabilidades parentais. Tal como se não mostram violados, face aos factos e circunstâncias apurados e aos juízos formulados pelas instâncias a propósito da especificidade do caso, os princípios básicos da proporcionalidade, da prevalência da família e da responsabilidade parental – que têm naturalmente de ser, desde logo, articulados com a regra fundamental do superior interesse da criança”;

– Que, ao determinar a medida em discussão, que implica que “a criança virá a ser adoptada por quem não terá com ela qualquer vínculo”, entendendo assim que “o nada é maior e menor que o pouco” – por confronto com o entendimento de que “não há um vínculo minimamente seguro e estável” com os outros familiares a que se refere, o acórdão recorrido “para além de altamente censurável, contraria os princípios constitucionais nesta matéria e o espírito legislativo e constitucional”; mas esta afirmação não tem sentido no contexto de uma decisão fundada de adopção. A adopção, quando se verificam os respectivos pressupostos, é uma forma constitucionalmente adequada de protecção dos interesses das crianças “privadas de um ambiente familiar normal” (nº 2 do artigo 69º da Constituição).


11. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Sem custas (artigo 4º, nº 2 f), do Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 16 de Março de 2017


Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego