Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1156/12.5TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: CULPA IN CONTRAHENDO
BOA -FÉ
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
LIBERDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / REVISTA EXCEPCIONAL.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / PERFEIÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª Edição, p. 302 e 303.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º E 672.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 227.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 09-02-1999, IN CJASTJ, TOMO I, P. 85;
- DE 11-09-2007, PROCESSO N.º 07A2402, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-07-2010, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-12-2010, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 31-03-2011, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-02-2018, PROCESSO N.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1;
- DE 17-05-2018, PROCESSO N.º 567/11.8TVLSB.L1.S2.
Sumário :
I - O fundamento da responsabilidade pré-contratual reside na culpa na formação do contrato – art. 227.º, n.º 1, do CC – e assenta na violação do dever de boa-fé que também tem de estar presente na fase pré-contratual.

II - Se é certo que a liberdade contratual, princípio basilar do nosso direito, não impõe às partes o “dever pré-contratual de celebrar o contrato final” a verdade é que o mesmo sistema legal afirma que aquele que negoceia o deve fazer observando o dever de boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

III - Tendo sido criada na contraparte uma expectativa, uma confiança tão grande e séria, de que o contrato final seria celebrado, não pode uma das partes recusar, sem mais, a celebração do contrato.

IV - Numa situação de responsabilidade pré-contratual, como a em causa nos autos, a indemnização deverá abranger apenas a indemnização do dano negativo, pois esta visa repor o lesado na situação em que estaria se não tivesse iniciado as negociações para a celebração do contrato.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO

  

l. AA, Lda., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra BB, S.A., CC - Viagens e Turismo, Lda. e DD, alegando:

A A., desde 2003, tem por objecto a actividade de agente de viagens tendo conseguido consolidar uma forte carteira de clientes, o que permitiu que o volume de facturação fosse crescendo ao longo dos anos, sendo a mesma de € 4.781.860,00 em 2009, de € 6.420.280,64 em 2010, e de € 6.025.564,90 em 2011, variando a margem de lucro entre os 8 a 10%.

Por ser uma empresa de sólida reputação, em finais de Junho inícios de Julho de 2011, recebeu uma manifestação de interesse na aquisição do estabelecimento comercial da A por parte da 3ª R., na qualidade de Directora Geral da 1ª R., tendo-se iniciado um longo, e com algumas intermitências, processo negocial, durante o qual foram transmitidas à 3ª R informações vitais e confidenciais da A, na convicção fundada de que o mesmo seria levado a bom porto pelo valor de €300.000,00, a que acresceria a quantia de €43.000,00 a título de indemnização aos funcionários que, de acordo com as indicações da 2ª e 3ª RR. teriam de ser despedidos e indemnizados.

Tais valores não só foram previamente verbalizados e acordados, como foram depois plasmados na proposta de Contrato de Trespasse com Condição Suspensiva que a 2ª R., de que são sócias a 1ª e 3ª RR., apresentou ao sócio gerente da A. em 5.4.2012, e que este aceitou, tendo ficado acordado que o mesmo seria assinado nunca em data posterior a 13.4.2012, uma vez que o montante de €150.000,00 que a A ia receber se destinavam a regularizar o BSP do mês de Abril, condição essencial para que a A aceitasse o contrato que lhe foi proposto, do que as RR. tinham conhecimento.

Na sequência desse acordo, a A. diligenciou no sentido de serem transferidos para a 2ª R. os acordos com os clientes.

No dia 16.4.2012, não obstante os sucessivos adiamentos e indefinições das RR., já havia sido concluído com sucesso a migração de todas as reservas da A., no total de 826, para a Pcc PE2, em estrita conformidade com o que havia sido acordado, bem como a equipa da A. passou a estar integrada na equipa da 2ª R.

Também no cumprimento das negociações, a A. comunicou aos clientes o acordo e foi informada pela ANCP, EPE que foi aprovado em 19.5.2012 o projecto de deliberação de exclusão da A. do acordo quadro de viagens transporte aéreos e alojamentos.

No dia 27.04.2012, a A. recebeu da 3ª R. um novo contrato com alterações, tendo respondido em 30.04.2012 alertando para a responsabilidade pré-contratual das RR., ao que não obteve resposta, tendo os respectivos mandatários tentado ultrapassar a situação, sem sucesso.

As 1ª e 2ªRR. decidiram fazer tábua rasa dos direitos dos trabalhadores que haviam aceite, e, em 16.5.2012, comunicaram-lhes que as negociações não se tinham concretizado e que regressavam à A., ao mesmo tempo que denunciavam o contrato apresentado à A.

As RR actuaram de má-fé, destruíram o estabelecimento comercial da A. e toda a organização de factores produtivos, bem como a reputação comercial da A., e respectivo gerente, conseguindo transferir para si toda a carteira de clientes desta, fizeram com que a A. despedisse um conjunto de trabalhadores, por cujas indemnizações se tornou responsável, que rescindisse o contrato que lhe permitia a utilização das instalações onde sempre desenvolveu a sua actividade, tendo todos os dados informáticos migrado para o sistema informático das RR., e até os elementos corpóreos do estabelecimento foram entregues às RR., inviabilizando o cumprimento das suas obrigações.

As RR aproveitaram-se da boa-fé e lisura negocial do sócio gerente da A. e respectivos funcionários.

O valor mínimo razoável de venda da empresa em condições normais de negociação (que não aquelas em que ocorreram) seria de € 3.000.000,00, sendo esse o valor dos danos causados, a que acrescem danos não patrimoniais causados ao sócio, por ter sido posto em causa o seu bom nome e ter sido atirado para fora do sector de actividade em que estava, e indemnizações aos trabalhadores que, eventualmente, instaurem processos laborais..

Concluiu pedindo a condenação, solidária, das RR a pagarem-lhe a quantia de € 3.000.000,00, a título de indemnização pelos danos causados à A e aos respectivos sócios gerentes, por força da actuação pré-contratual ilícita que acabou por ter como consequência a destruição do estabelecimento comercial da Autora cujos lucros, nos 5 anos que precederam a actuação das RR, foram de montante não inferior à referida quantia.

Caso assim não se entenda, devem as RR ser, solidariamente, condenadas a pagar-lhe, e aos respectivos sócios-gerentes, as seguintes quantias:

a) € 300.000,00, a título de indemnização pela destruição do estabelecimento comercial de que a A era titular e que as RR se propuseram adquirir pelo referido valor, proposta à qual a A deu a sua aceitação;

b) € 43.000,00, a título de indemnização por despedimento aos trabalhadores que as RR consideraram dispensáveis aquando das negociações efectuadas e que não pretenderam integrar no seu universo jurídico empresarial;

c) € 200.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais devidos à A. e ao respectivo sócio-gerente pelos danos reputacionais causados em consequência da destruição do estabelecimento comercial da A e da situação de incumprimento em que a mesma foi colocada e em consequência da actuação concertada de todas as RR;

d) uma quantia a liquidar em execução de sentença correspondente ao valor das indemnizações que vierem a ser devidas aos trabalhadores que foram transferidos da esfera jurídica da A para a esfera jurídica do grupo empresarial constituído pelas RR e que estas arbitrariamente decidiram despedir de forma ilícita e culposa.  


2. As Rés citadas contestaram excepcionando a ilegitimidade da 1ª Ré, impugnando os factos alegados e deduzindo reconvenção, alegando:

Foi a A. que deu causa ao termo das negociações e à não concretização do negócio, tendo-se alterado, ao longo do processo negocial, as condições e pressupostos essenciais que estavam na sua base, e que levaram a 2ª R. (única contratante), a apresentar duas novas propostas, que a A. não aceitou.

Os trabalhadores, carteira de clientes e meios informáticos transitaram para a 2ª R. antes da conclusão do negócio, a pedido da A., e mesmo que este não se concretizasse.

Com a transferência provisória dos trabalhadores e carteira de clientes, a 2ª R. teve diversos prejuízos, a saber: com o valor que despendeu de vencimentos desses trabalhadores; não obteve o pagamento dos serviços que prestou a diversas entidades estatais da referida carteira de clientes porque as mesmas lhe transmitiram que não a aceitavam para subcontratação, e não aceitavam as facturas; com erros cometidos pelos referidos trabalhadores, tudo por culpa da A..

Concluem pedindo a condenação da A. a pagar à 2ª R. uma indemnização no montante de € 69.905,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, a contar da data da citação e até integral pagamento.


3. A A. replicou, propugnando pela improcedência das excepções invocadas, impugnou a factualidade alegada pelas RR. na reconvenção e propugnou pela sua improcedência.

As RR. treplicaram.


4. Realizou-se, em 28.10.2013, a audiência prévia, na qual foi admitida a reconvenção, saneado o processo, julgando parte ilegítima a 3ª R., que foi absolvida da instância, foi fixado o objecto do litígio, elencada a factualidade já assente e indicados os temas da prova.

Em 1.02.2016, as RR. ampliaram o pedido reconvencional, pedindo que a A./Reconvinda seja condenada a pagar à 2ª R. uma indemnização:

a) no montante de € 55.687,79, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, a contar da data de cada um dos pagamentos referidos em 21º a 27º do requerimento efectuado pela 2ª Reconvinte, ou a efectuar, a EE, FF e GG;

b) nos montantes que a 2ª Reconvinte venha eventualmente a ter de pagar a HH, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento (fls. 1122 e ss.).

Respondeu a A. a propugnar pelo indeferimento do requerido (fls. 1145 e ss.).

Foi proferido despacho que admitiu a requerida ampliação do pedido, e aditou factos assentes e temas da prova (fls. 1154 e ss.).

Em 8.06.2016, as RR. ampliaram o pedido reconvencional, pedindo que a A./Reconvinda seja condenada a pagar acrescidamente à 2ª R. uma indemnização no montante de € 38.298,02, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, a contar da data de cada um dos pagamentos referidos em a) a j) do art. 14º do requerimento, até integral pagamento (fls. 1374 e ss.).

A A. respondeu propugnando pela improcedência dos pedidos adicionais formulados no articulado superveniente, e pela sua absolvição (fls. 1407 e ss.).

Foi proferido despacho que admitiu a requerida ampliação do pedido, e aditou factos assentes e temas da prova (fls. 1419).


5. Realizou-se julgamento, vindo, em 19.12.2016, a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, e, consequentemente, condenou as RR. BB, SA e CC - Viagens e Turismo, Lda., solidariamente, no pagamento à A. de uma indemnização no valor de trezentos e quarenta e três mil euros (€ 343.000,00), absolvendo-as dos demais pedidos, e julgou improcedente o pedido reconvencional, absolvendo dele a A./Reconvinda.

 

6. Notificadas da sentença, vieram as RR. requerer a sua rectificação, porquanto no ponto 66 da fundamentação da facto consta que “[n]os anos de 2007 a 2011 a Autora facturou cerca de € 30.000,00”, quando se queria escrever “€ 30.000.000,00”.

Foi proferido despacho a ordenar a rectificação da sentença recorrida nos termos requeridos pelas RR.

E, inconformadas, as Rés interpuseram recurso de apelação, para o Tribunal da Relação de …, que, por Acórdão de 20 de Dezembro de 2017, decidiu «julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida, condenando-se, solidariamente, as RR. BB, S.A. e CC - Viagens e Turismo, Lda. ao pagamento à A. AA, Lda. de uma indemnização no valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), mantendo-se o demais decidido».

 

7. As Rés BB Business, S.A. e CC, Lda. interpuseram Recurso de Revista Excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de … que julgou parcialmente procedente a apelação da Sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, condenando, solidariamente, as Recorrentes no pagamento à Recorrida de uma indemnização no valor de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), mantendo o demais ali decidido (a “Decisão Recorrida”).

B. Requerendo-se, prima facie, à instância de recurso que revogue a decisão que consta do Acórdão Recorrido e a substitua por outra que absolva as Recorrentes de todos os pedidos formulados pela Recorrida, nos presentes autos.

C. A verdade é que, o Tribunal da Relação concluiu, a par do que a primeira instância havia entendido, pela existência de um dever pré-contratual de celebrar o contrato negociado entre as partes, em conformidade com uma minuta circulada em 5 de Abril de 2012, e que a recusa da respectiva celebração pelas RR. consubstanciava uma conduta pré-contratual ilícita.

D. Consequentemente, entenderam as instâncias que sobre as Recorrentes impendia a obrigação de indemnizar pelo interesse contratual positivo (dano de cumprimento).

E. A única diferença entre as decisões das instâncias hierarquicamente inferiores subsiste no facto de o Tribunal da Relação de … ter lançado mão do disposto no artigo 494.º do Código Civil para graduar a indemnização, em abstracto devida, em função do grau de culpa das Recorrentes, que considerou ser moderado, reduzindo-a.

F. Está-se perante um caso de dupla conforme, cfr. o n.º 3 do artigo 671.º do CPC, na medida em que a fundamentação das decisões das instâncias hierarquicamente inferiores é essencialmente idêntica,

G. O que não resulta afastado pelo facto do Tribunal da Relação ter graduado a indemnização em conformidade com o grau de culpa moderado das Recorrentes.

H. A regra é, pois, que, perante uma situação de dupla conforme, não há lugar a recurso de revista, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC.

I. Ainda que assim o seja, a verdade é que – e de acordo com as excepções que se fazem constar das diversas alíneas do n.º 1 do artigo 672.º do CPC – o presente recurso de revista excepcional é processualmente admissível. 

J. Com efeito, não pode deixar de ter intervenção o Supremo Tribunal de Justiça nos presentes auto, a qual é admissível.

K. Em primeiro lugar – cfr. capítulo 2.1 supra para o qual se remete - o presente recurso é admissível ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, porquanto o Acórdão Recorrido se encontra em evidente contradição com várias decisões, tanto proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça como pelos tribunais da Relação.

L. Na verdade, num caso bastante semelhante aos dos presentes autos, o próprio Supremo Tribunal de Justiça decidiu no sentido diametralmente oposto ao entendimento seguido pelo Acórdão Recorrido.

M. Fala-se, aqui, em Acórdão-Fundamento, correspondendo, para o nos autos, ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Março de 2011 (o “Acórdão-Fundamento”).

N. O Acórdão-Fundamento, à semelhança do Acórdão Recorrido, versa sobre a questão do quantum indemnizatório perante uma situação de responsabilidade civil pré-contratual, em que se considerou que apenas faltava formalizar o contrato.

O. No Acórdão-Fundamento discute-se se a indemnização num tal caso, deve ser fixada de acordo com o interesse contratual negativo ou com o interesse contratual positivo. Ambos os Acórdãos incidem, nesta medida, sobre a mesma questão de direito fundamental.

P. Porém, e ao invés do Acórdão Recorrido – que entende que indemnização deve ser aferida segundo o interesse contratual positivo –, o Acórdão-Fundamento responde àquela questão no sentido contrário, ou seja, que, perante uma situação de ruptura injustificada das negociações, há que indemnizar pelo interesse contratual negativo. Evidente se torna, pois, a contradição entre as decisões que, realce-se, se debruçam sobre a mesma questão.  

Q. Certo é que a aludida divergência se verifica no âmbito do mesmo normativo substancialmente idêntico, porquanto está em causa o instituto da responsabilidade civil pré-contratual, ou seja, a interpretação e aplicação do artigo 227.º do CC.

R. Além do mais, inexiste, sobre a questão jurídica em causa, um acórdão de uniformização a que o Acórdão Recorrido tenha aderido para fundamentar e justificar a sua decisão. 

S. Termos em que se encontram demonstrados os requisitos necessários para a aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, sendo de admitir o presente recurso.

T. Em segundo lugar – cfr. capítulo 2.2 supra para o qual se remete -, e sem prescindir sempre se diga que o presente recurso de revista excepcional sempre seria de admitir à luz do preceituado pela alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

U. Na realidade, é manifesta a relevância da questão jurídica sub judice, porquanto estão em causa questões tão importantes como (i) a liberdade contratual e (ii) a responsabilidade pré-contratual.

V. Ademais, existe, de um lado, jurisprudência que confirma o entendimento das Recorrentes – veja-se, neste sentido, os Acórdãos referidos no artigo 72. do presente recurso – e, por outro lado, existe jurisprudência que defende precisamente o contrário – veja-se, neste sentido, os Acórdãos referidos no artigo 73. do presente recurso.

W. E mais: da mesma forma que, na jurisprudência não se alcança um consenso quanto à questão, nem tão pouco este é alcançado pela doutrina. Ou seja, entre nós, há autores que, perante uma situação de ruptura injustificada de negociações, pugnam por uma indemnização aferida por referência ao interesse contratual negativo – a este propósito, cfr. os artigos 75 a 79 do presente recurso – e autores que, ao invés, consideram ser de indemnizar o lesado por referência ao interesse contratual positivo – cfr., para este efeito, os artigos 80 a 82 do presente recurso.

X. Como se tal facto – o de haver opinião tão díspar assim sobre a mesma questão – não fosse bastante, é de sublinhar que o relevo jurídico da questão é indiscutível, visto que o princípio da liberdade contratual configura um dos mais basilares princípios do direito privado português.

Y. Pelo exposto, é absolutamente necessária a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, de modo a clarificar qual o dever violado no caso em que uma das partes decide não celebrar o contrato já na presença de um acordo pré-contratual final, e qual o critério para a respectiva indemnização. 

Z. Termos em que se encontram reunidos os requisitos necessários para a aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, sendo o presente recurso de revista excepcional admissível também com tal fundamento.

AA. Assim, dúvidas não se colocam quanto à admissibilidade do presente recurso de revista excepcional, porquanto é manifesta a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, para tutelar interesses ligados (i) à segurança e estabilidade na interpretação normativa e (ii) à melhor aplicação do direito.

BB. Posto isto, não podem as Recorrentes conformar-se com a condenação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, nem com os fundamentos que lhe deram causa.

CC. O facto é que o Tribunal da Relação, ao decidir como decidiu, violou frontalmente as disposições vertidas nos artigos 227.º, 342.º, 405.º, 570.º e 799.º, todos do Código Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos.

DD. Em primeiro lugar, as Recorrentes entendem que, no caso concreto, não se encontram preenchidos os pressupostos do dever de indemnizar – cfr. capítulo 3.1 supra.

EE. Da factualidade provada não emerge qualquer ruptura injustificada das negociações por parte das Recorrentes, dado que, quem acabou por não querer formalizar o negócio foi a Recorrida – cfr. subcapítulo 3.1.1 supra.

FF. É que, a Recorrente não estava obrigada a contratar nos precisos termos da minuta circulada entre as partes em 5 de Abril de 2012, a qual nem estava totalmente preenchida e, portanto, não estava em condições de ser assinada, mas, ainda assim, procurou fazer vingar as negociações que, de boa-fé, conduziu ao propor sucessivamente alterações ao preço.

GG. Porém, ainda que se considerasse ser ilícita a ruptura das negociações, o facto é que nem por isso se encontrariam preenchidos todos os requisitos de que depende o dever de indemnizar.

HH. Antes de mais não se encontra preenchido o requisito da culpa – cfr. subcapítulo 3.1.2 supra.

II. Andaram mal as instâncias ao decidirem ser de aplicar, ao presente caso, a presunção de culpa vertida no artigo 799.º do CC, na medida em que sempre seria de aplicar o regime da responsabilidade civil extracontratual ao caso dos autos, designadamente no que concerne ao requisito sob análise.

JJ. Neste sentido, sempre cumpriria à Recorrida demonstrar a culpa das Recorrentes, nos termos do disposto no artigo 342.º do CC, tal como decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 23 de Janeiro de 2012 – cfr., para o efeito, o artigo 138.º do presente recurso.

KK. Sem conceder, sempre se diga que a obrigação de indemnização por parte das Recorrentes sempre estaria excluída, por culpa do lesado (da Recorrida), nos termos do artigo 570.º do Código Civil – cfr. subcapítulo 3.1.3 supra.

LL. Isto porque é manifesto que a Recorrida, confrontada com a possibilidade de aceitar as propostas que legitimamente lhe foram sendo apresentadas pela CC, as quais invariavelmente incluíam o pagamento dos ditos € 43.000,00, optou por recusar todas elas, causando o dano (indemnizável) cujo ressarcimento agora pretende.

MM. Termos em que deve a Decisão Recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes dos pedidos formulados pela Recorrida nos autos.

NN. Em segundo lugar, inexiste um qualquer acordo pré-contratual final nos autos, sendo certo que a minuta circulada entre as partes em 5 de Abril de 2012, quando muito, configuraria apenas um acordo pré-contratual intermédio – cfr. capítulo 3.2 supra.

OO. Na verdade, esta minuta não estava sequer completa e reflectia apenas os pontos em que as partes já haviam convergido, sendo, ao mesmo tempo, o reflexo dos termos que ainda se encontravam em discussão, de tal modo que, aquando do envio da minuta as partes não encerraram negociações e nem estavam em condições de o fazer.

PP. Como acima se deixou evidenciado, faltavam questões essenciais como o aviamento e os trabalhadores a transitar. Estes elementos são os mais importantes no tipo de negócio em questão e consubstanciam a base do negócio.

QQ. A referida minuta de 5 de Abril de 2012 não era um documento final, pronto a ser assinado pelas partes, na medida em que as mesmas ainda não tinham sequer, chegado a acordo quanto a pontos relevantes para a celebração do contrato.

RR. Disto isto, evidente é que a minuta em causa nos autos mais não constitui do que um dos sucessivos projectos escritos do contrato que as partes perspectivavam poder vir a ser celebrado, não configurando, portanto, um qualquer acordo pré-contratual final.

SS. Cabe sublinhar que os acordos pré-contratuais são acordos não-contratuais preparatórios da celebração de um contrato e, de entre os verdadeiros e próprios acordos pré-contratuais, há ainda os intermédios e os finais; os primeiros são aqueles que eventualmente se estabelecem em qualquer momento entre o início e o termo das negociações para a celebração de um contrato, ao passo que os segundos são aqueles que surgem no final das negociações.

TT. Dos acordos pré-contratuais resulta apenas uma vinculação preambular com eficácia meramente pré-contratual, donde resulta que, vistas assim as coisas, em última instância, a minuta de contrato apenas poderia ser qualificada como um acordo pré-contratual intermédio. Donde, jamais decorreria para as partes uma qualquer obrigação de contratar, menos ainda nos exactos termos que constavam do aludido documento.

UU. Pelo exposto, andaram mal as instâncias hierarquicamente inferiores ao concluir pela existência de um acordo pré-contratual final, com base no que concluíram erradamente pela existência de um dever pré-contratual de celebrar o contrato de trespasse nos precisos termos vertidos na aludida minuta.

VV. Visto está que, a vencer entendimento diverso, sempre redundaria numa limitação injustificada da autonomia privada e num entrave sério ao comércio jurídico.

WW. Nessa conformidade, deve a Decisão Recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes de todos os pedidos formulados pela Recorrida nos presentes autos

XX. Em terceiro lugar, sempre cumpre referir que, no ordenamento jurídico português, não existe qualquer dever pré-contratual de celebrar o contrato nos termos negociados e, portanto, independentemente do tipo de acordo pré-contratual em causa, o facto é que jamais poderia existir aquele dever – cfr. capítulo 3.3 supra.

YY.  As partes, para além de serem livres de estipular o conteúdo dos seus negócios, são livres, também e sobretudo, de os celebrar, de acordo com o princípio basilar do nosso direito dos contratos – o princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405.º do Código Civil.

ZZ. Excepções a esta regra apenas se configuram nos casos em que, por força da lei ou do próprio contrato, existe um verdadeiro e próprio dever jurídico de contratar, fazendo parte destes casos os seguintes: promessa negocial de contratar, dever de contratar relativo a serviços, profissões de exercício condicionado e venda de bens essenciais à vida das pessoas.

AAA. Repare-se que nestes casos existe um verdadeiro dever de contratar; mas repare-se, também, que o caso sub judice não se enquadra em nenhuma das hipóteses, e, consequentemente, inexiste um dever (pré-contratual) de contratar.

BBB. Posto isto, é certo que, ao decidir como decidiram, as instâncias hierarquicamente inferiores violaram clamorosamente o artigo 405.º do CC.

CCC. Termos em que deve a Decisão Recorrida ser revogada e substituída por outra que conclua pela inexistência de um qualquer dever pré-contratual de celebrar o contrato de trespasse em conformidade com a minuta circulada entre as partes em 5 de Abril de 2012.

DDD. Por fim, e em quarto lugar, a indemnização a apurar em sede de responsabilidade pré-contratual apenas poderá ser aquela que resulta do interesse contratual negativo ou dano pela confiança, porquanto sobre quem negoceia não recai, em regra, qualquer obrigação de celebrar o contrato - cfr. capítulo 3.4 supra.

EEE. Ainda que se considerasse que, por um lado, existe um verdadeiro dever de concluir o contrato – o que jamais se admite – e, por outro lado, o comportamento da Recorrida foi injustificado (ilícito e culposo) – no que, também, não se concede – a indemnização a arbitrar apenas poderia ter em consideração os danos comprovadamente sofridos pela Recorrida e pelo montante que o foram.

FFF. Certo é que, no decurso das negociações não surge qualquer obrigação de contratar e, consequentemente, não existe qualquer direito ao cumprimento, visto que o direito ao cumprimento que nasce de um contrato válido e eficaz é diferente do direito à indemnização com matriz na conduta deficiente adoptada ao longo da relação jurídica pré-contratual.

GGG. Por conseguinte, é peremptório que o dano indemnizável em sede de responsabilidade pré-contratual apenas pode ser – sem conceder – aquele que corresponde ao interesse contratual negativo, equivalente, nos presentes autos, ao montante de € 43.000,00.

HHH. Quando atendemos ao interesse contratual negativo estão em causa os danos específicos em que o lesado apenas incorreu em virtude da expectativa da celebração do contrato. Nada mais.

III. Termos em que, a existir um dever de indemnizar – no que não se concede -, a Decisão Recorrida violaria clamorosamente o disposto no artigo 227.º e no artigo 405.º, ambos do CC, devendo ser revogada e substituída por outra que, quando muito, condenasse as Recorrentes no pagamento de indemnização de € 43.000,00 (correspondente às despesas incorridas pela Recorrida decorrentes do investimento na confiança e, portanto, tuteláveis pelo direito).

JJJ. Sem prescindir, e quanto ao interesse contratual positivo, diga-se que este se refere ao dever de indemnizar o dano de cumprimento, naturalmente, derivado do incumprimento de uma obrigação contratual e não pré-contratual – cfr. subcapítulo 3.4.2 supra.

KKK. Ainda assim, certa doutrina e a jurisprudência, apesar de minoritárias, admitem que nos casos em que as negociações estejam num estágio de evolução tal que apenas falte formalizar o contrato e o processo decisório da negociação esteja concluído, é de considerar a possibilidade de um dever de indemnizar pelo interesse contratual positivo.

LLL.   Mas a verdade é que, em sede de responsabilidade pré-contratual, a indemnização não pode corresponder ou ter por referência o preço em determinado momento negociado entre as partes para a conclusão de um negócio que não chegou a realizar-se.

MMM. Porém, mesmo que se considerasse existir uma violação de um “dever pré-contratual de contratar” – sem nunca conceder – a indemnização não seria nunca calculada como o foi, pois que não pode o dano indemnizável, em sede de responsabilidade pré-contratual, ser equivalente ao ganho que seria obtido com a celebração do contrato.

NNN. Nessa medida, os únicos danos que se comprovam são os € 43.000,00, inexistindo qualquer dano indemnizável por montante superior. Aliás, a prova do dano de cumprimento não se presume, nem sequer, da mera indicação de um preço de aquisição.

OOO. Termos em que – a existir um dever de indemnizar, no que não se concede – sempre deveria a Decisão Recorrida ser revogada e substituída por outra que condenasse as Recorrentes a pagar à Recorrida uma indemnização de apenas € 43.000,00, sob pena de violação do disposto no artigo 227.º e 342.º do CC.

PPP. Sempre se refira que – cfr. subcapítulo 3.4.3 supra –, admitir a posição assumida pelo Acórdão Recorrido, consubstanciaria numa situação de enriquecimento sem causa, porquanto equivaleria a obrigar uma parte a pagar à outra um preço sem a equivalente transferência ou deslocação patrimonial correspectiva, daí gerando uma situação sem qualquer justificação donde a Recorrida sairia claramente enriquecida à custa do empobrecimento da contraparte que ficaria (i) sem negócio e (ii) sem dinheiro.

QQQ. Ora, ainda que se concedesse no apuramento de uma qualquer indemnização com fundamento no interesse contratual positivo ou no dano do cumprimento, em sede de responsabilidade contratual, jamais poder-se-ia ir além daquilo que seriam as efectivas despesas incorridas e o cumprimento das obrigações contratuais ou encargos assumidos pela parte na expectativa da celebração do contrato.

RRR. Termos em que – a existir um dever de indemnizar, no que não se concede – sempre deveria a Decisão Recorrida ser revogada e substituída por outra que condenasse as Recorrentes a pagar à Recorrida uma indemnização correspondente às efectivas despesas incorridas e ao cumprimento das obrigações contratuais ou encargos assumidos pela Recorrida na expectativa da celebração do contrato.

SSS. E diga-se mais: é que, independente do discutido nos presentes autos, certo é que o quantum indemnizatório, perante uma situação de responsabilidade pré-contratual, há-de ser fixado em função – sem conceder – do interesse contratual positivo ou do interesse contratual negativo. Jamais cumulando ambos os critérios – cfr. subcapítulo 3.4.4 supra.

TTT. É evidente que ninguém pode pretender ser colocado, simultaneamente, na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato e na situação em que estaria se esse mesmo contrato tivesse sido cumprido. Ou seja, ainda que fosse de indemnizar pelo interesse contratual positivo – sem nunca conceder –, a esse valor, terá sempre que ser retirado aquele que resultaria de uma indemnização pelo interesse contratual negativo.

UUU. Termos em que, sempre sem conceder, como última rácio, deveria a Decisão Recorrida ser revogada e substituída por outra que reduza significativamente o quantum indemnizatório, em resultado da subtracção dos danos correspondentes ao interesse contratual negativo e da graduação da indemnização por recurso ao disposto no artigo 494.º do CC.

VVV. Pelo exposto, sempre deverá o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por uma outra decisão que absolva integralmente as Recorrentes dos pedidos formulados pela Recorrida, ou que – e sempre sem conceder no que respeita à existência de um dever de indemnizar – condene as Recorrentes, apenas e somente, por violação do dano de confiança, fixando-se, por isso, uma indemnização por responsabilidade civil pré-contratual pelo interesse contratual negativo, correspondente ao montante que a Recorrida despendeu na expectativa de celebrar o contrato, ou seja, € 43.000,00.

WWW. Por fim, caso se entenda que existe um dever de contratar e de indemnizar pelo interesse contratual positivo – no que não se concede, em qualquer dos casos – a indemnização não poderá corresponder a um preço indicativo constante de uma minuta, mas apenas e somente aos danos provados nos autos.

XXX. Em todo o caso – e sempre sem conceder – a indemnização que venha a ser fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça não poderá cumular os danos indemnizáveis segundo os dois critérios / interesses.

YYY. A confirmação da condenação de qualquer das Recorrentes consubstanciaria um erro de julgamento, ou seja, uma errada interpretação e aplicação do Direito à factualidade concreta, violando o disposto nos artigos 227.º, 342.º, 570.º e 799.º, todos do Código Civil.

Concluem pedindo que seja revogado o Acórdão recorrido.

 

8. A Recorrida apresentou contra-alegações não tendo formulado conclusões mas peticionou que seja negado provimento ao recurso e a confirmação do Acórdão recorrido.


9. O Tribunal da Relação de … proferiu despacho a ordenar a subida dos autos ao STJ.

Neste STJ a Formação, a que alude o artigo 672 n.º 3 do Código de Processo Civil, proferiu Acórdão a admitir a Revista Excepcional, uma vez que entendeu verificar-se o pressuposto referido na al. a) do n.º 1 do artigo 672 do Código de Processo Civil, o qual consiste «em saber se perante uma situação de responsabilidade civil pré-contratual deve a indemnização ser aferida segundo o interesse contratual negativo ou segundo o interesse contratual positivo».

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



II – FUNDAMENTAÇÃO


A factualidade com relevo a ponderar é a seguinte:

1. A Autora AA, Lda. é uma sociedade comercial que tem por objecto a actividade de agência de viagens e turismo e a realização de congressos e negócios, exercendo a primeira das referidas actividades desde 2003;

2. II é sócio e gerente da Autora;

3. A Ré CC, Lda. é uma sociedade unipessoal por quotas que tem por objecto a actividade de agência de viagens e turismo e cujo capital social é integralmente detido pela Ré BB, SA;

4. Em 15 de Dezembro de 1982, foi registada a designação de DD para a gerência da Ré CC, Lda.;

5. Em 13 de Janeiro de 1987, foi registada a celebração entre a Ré CC, Lda. e DD de um mandato, nos seguintes termos:

“Poderes Conferidos: de gerência e representação da aludida sociedade, podendo obriga-la em todos os seus actos e contratos, designadamente, abrindo e movimentando contas bancárias, aceitando, sacando e endossando letras e outros efeitos comerciais, negociando e executando contratos, efectuando pagamentos, comprando e vendendo bens imóveis e bens móveis, incluindo veículos automóveis, os poderes ora conferidos deverão ser exercidos sempre em conjunto com um gerente da referida sociedade, não constando da procuração poderes de substabelecimento. DATA DA PROCURAÇÃO: 1986-10-22.”;

6. Em finais de Junho de 2011, na sequência de uma intenção de venda veiculada pelos sócios da Autora, esta recebeu uma manifestação de interesse na aquisição do seu estabelecimento comercial ou de alguns dos seus elementos, iniciando-se, então, um processo de negociações que teve um interregno entre Setembro de 2011 e marco de 2012;

7. O interesse referido supra foi manifestado por DD, na qualidade de directora-geral da Ré BB, SA;

8. Em 8 de Julho de 2011, II enviou o balanço da Autora a DD, a pedido desta (arts. 3.º e 4.º da BI)

9. II recusou a proposta que, então, lhe foi apresentada (art. 7.º da BI)

10. No âmbito do referido processo negocial, no dia 13 de marco de 2012, DD solicitou a II um conjunto de elementos contabilísticos da Autora, nomeadamente, relatórios e contas dos anos de 2010 e 2011 e o quadro de pessoal actualizado, tendo-lhe sido enviado o balancete a 31 de Dezembro de 2011;

11. No dia 16 de marco de 2012, DD solicitou novos elementos, nomeadamente valores de vendas por tipo de clientes, tendo-lhe sido enviado o quadro de fls. 37 verso que aqui se dá por reproduzido;

12. No dia 22 de marco de 2012, DD pediu a II o envio de um mapa preenchido com os dados de todos os funcionários da Autora para serem analisados numa reunião que teria lugar no dia seguinte;

13. No mesmo dia, aquela efectuou novos pedidos de informação relativos à composição da equipa e valores por pessoa;

14. No dia 29 de marco de 2012, após ter obtido a anuência de II a esse contacto, DD pediu mais informações à chefe de agência da Autora e na sequência desse contacto, a referida chefe de agência deu a conhecer a DD a identidade de sete clientes integrados em organismos públicos e os descontos concedidos a cada uma dessas entidades;

15. No dia 2 de Abril de 2012, II dirigiu a DD uma mensagem electrónica na qual, além do mais, afirmou:

“(…) Queria pedir-lhe o favor para o seguinte:

Vou tentar pagar o BSP deste mês, para ficar tudo regularizado.

Para isso precisava de assinar o contrato até ao dia 13 de Abril (6.ª feira). Acha possível?

É a única possibilidade que tenho de regularizar o BSP, o que era muito importante para mim.

Por favor diga-me alguma coisa.

(…).” ;

16. DD respondeu nos seguintes termos:

“Farei todos os possíveis para ter assinado antes ou até essa data.”;

17. No dia 3 de Abril de 2012, DD solicitou à Autora que lhe fosse enviado um balancete dos últimos três anos dos clientes daquela e uma “ageing dos saldos dos clientes”, documentos que lhe foram enviados no mesmo dia e DD voltou a pedir mais documentos, os quais também lhe foram remetidos;

18. No dia 4 de Abril de 2012, DD solicitou à Autora “o envio dos dados de cada colaborador que vem para a CC”, os quais lhe foram enviados;

19. No dia 5 de Abril de 2012, pelas 10.22 horas, a Ré CC, Lda., através do seu advogado, enviou à Autora, que a recebeu a minuta intitulada “Contrato de Trespasse com Condição Suspensiva”, junta sob a forma de cópia de fls. 44-52 que aqui se dá por reproduzida, na qual a Autora é designada como “Primeira Contraente” e a Ré “CC, Lda.” como “Segunda Contraente”;

20. Da referida minuta consta, nomeadamente:

“Considerando que:

a) A Primeira Contraente prossegue actualmente a actividade de agência de viagens e turismo, sendo dona e legítima possuidora do negócio de Agência e Viagens que exerce no seguinte estabelecimento comercial:

i. (...)

b) A Primeira Contraente é arrendatária do Estabelecimento referido no ponto i supra;

c) A Segunda Contraente pretende tomar de trespasse parte do negócio (doravante o Negócio), não abrangendo a posição da Primeira Contraente no aludido contrato de arrendamento;

d) (…).” ;

21. Na cláusula 1.ª da mesma minuta fez-se constar:

“Pelo presente contrato, a Primeira Contraente trespassa à Segunda Contraente, que o aceita, nos termos e condições, nomeadamente suspensivas, do presente contrato, o Negócio.”;

22. Da cláusula 5.ª da mesma minuta ficou a constar:

“1 – O preço do trespasse contratado será de € 300.000,00 (trezentos mil euros), a liquidar nos seguintes termos:

a) € 150.000,00 (….) na data da verificação das condições suspensivas referidas no n.º 1 da Cláusula Sétima;

b) € 150.000,00 (…) no prazo de um ano, a contar da data referida na alínea anterior;

2 – A acrescer à quantia referida no número anterior, na data de assinatura do presente contrato, a Segunda Contraente pagará à primeira Contraente a quantia de € 43.000,00 (…) para efeitos de pagamento de indemnização aos trabalhadores da Primeira Contraente que não transitem para a Segunda Contraente ao abrigo do presente contrato, pela rescisão do respectivo contrato de trabalho (…).

3 – (…)”;

23. Da cláusula 7.ª ficou a constar:

“1. O presente trespasse fica sujeito às seguintes condições suspensivas, só logrando produzir os seus efeitos, desde que a totalidade das mesmas se tenham por verificadas:

(…)

c) Obtenção da aprovação da aquisição do Negócio por parte do Conselho de Administração da BB Viajes (Board of Directors).”

24. Na mensagem electrónica através da qual remeteu essa minuta, o referido advogado afirmou “(…) aqui vai a última versão do contrato e que entendemos como final.”;

25. II comunicou à CC que aceitava essa minuta;

26. No dia 5 de Abril de 2012, pelas 11.30 horas, no cumprimento de uma solicitação do supra referido advogado, foram enviadas à Ré CC, Lda. mensagens electrónicas dando conta das comunicações que a Autora havia remetido a várias entidades estatais com as quais tinha acordos de exclusividade, nos termos das cópias juntas de fls. 59 a 64, que aqui se dão por reproduzidas;

27. Nessas comunicações, a Autora, além do mais, declarava:

“A AA tem o prazer de comunicar que brevemente se irá juntar à CC Viagens e que juntas farão parte de um dos maiores grupos de agências da Península Ibérica: BB B….”;

28. Das mesmas comunicações fazia parte ainda uma carta onde, além do mais, se afirmava:

“A AA, Lda., co-contratante no Acordo Quadro de Viagens, Transportes Aéreos e Alojamentos, vem expor e requerer de V. Exa. o seguinte:

a) No âmbito do Concurso Público em epígrafe, a AA viu ser-lhe adjudicados diversos contratos de fornecimento, entre os quais, o celebrado com V. Exa.. Considerando a dimensão dos concursos que lhe foram adjudicados e de forma a dar uma resposta cabal aos mesmos, sente a AA a necessidade de recorrer à subcontratação de uma outra agência de viagens para prestar os serviços;

b) Nesta conformidade, pretende-se subcontratar a também co-contratante no Acordo Quadro “CC-Viagens e Turismo, Unipessoal, Lda.”.

(…)

Nesse sentido, solicitamos que seja concedida autorização para a subcontratação (…).”;

29. No mesmo dia 5 de Abril de 2012, DD declarou a dois funcionários da Autora que “estamo-nos a organizar para até ao final da semana que vem estarmos minimamente preparados”, referindo-se à formação sobre funcionamento da empresa e sistema informático, do pessoal que iria ser integrado na Ré CC, Lda.;

30. No dia 9 de Abril de 2012, DD, dirigindo-se a uma funcionária da Autora, agradeceu as boas notícias prestadas, referindo-se à informação que aquela lhe havia transmitido, segundo a qual a Proalv teria autorizado a transmissão dos contratos a favor da Ré CC, Lda.;

31. Na mesma comunicação, DD perguntou se os demais clientes “já deram sinal de vida”;

32. No dia 9 de Abril de 2012, DD enviou ao advogado documentos; (art. 10.º da BI)

33. No dia 10 de Abril de 2012, DD pediu à referida funcionária que preenchesse as colunas que lhe enviou e que informasse o valor das compras efectuadas pelos clientes aí identificados durante o ano de 2011; pediu ainda que a informasse sobre qual o valor das taxas acordadas com esses clientes para os diferentes serviços do mapa que lhe enviou;

34. No dia 11 de Abril de 2012, II pediu a DD informação, afirmando que para ele era crucial assinar o contrato até à 6.ª feira seguinte (13.04.2012);

35. No dia 12 de Abril de 2012, um funcionário da Autora enviou a DD a tabela de vendas preenchida;

36. No dia 16 de Abril de 2012, DD, questionada sobre a data da assinatura do acordo de venda, afirmou:

“Até à data não me informaram mais nada.

Mas o Conselho é na 6.ª feira e eu vou estar com o meu director geral na convenção da BB, no sábado.

Com certeza até ao final desta semana está tudo resolvido.”;

37. No dia 16 de Abril de 2012, pelas 10.45 horas, estava concluída a “migração de todas as reservas AA para a PccPE”, num total de 826 reservas de viagens;

38. Na perspectiva da assinatura do contrato, os computadores, telefones e armários de arquivo da Autora foram entregues à Ré CC, Lda. e os dados informatizados da Autora transitaram para o sistema informático da CC, Lda. (arts. 19.º e 20.º da BI)

39. A transferência de funcionários da AA para a CC, Lda. ocorreu no dia 16 de Abril de 2012; (art. 35.º da BI)

40. A Ré CC, SA procedeu ao pagamento dos salários referentes à 2.ª quinzena do mês de Abril de 2012 dos trabalhadores que, nos termos do negócio acordado, transitariam para a mesma – Alterado pela Relação

41. Após a supra referida transferência, a Ré CC tomou conhecimento que um dos funcionários da AA que havia sido transferido para a Ré CC e que estava a prestar serviço junto dela – JJ – estava a negociar a sua ida para outra agência de viagens (art. 37.º da BI)

42. Esse funcionário abandonou o serviço da Ré CC, Lda. cinco dias úteis depois de ali ter iniciado funções (art. 38.º da BI)

43. No dia 20 de Abril de 2012, II solicitou a DD que o acordo de venda fosse assinado no dia 23 de Abril;

44. No dia 23 de Abril de 2012, em mensagem electrónica dirigida à mesma, aquele declarou:

“Preciso com muita urgência resolver a assinatura do contrato, pois tenho situações graves a resolver.

Será possível ainda hoje assinar o contrato?”;

45. DD disse a II que em consequência da saída do funcionário JJ teria que ser renegociado o valor do negócio (art. 44º da BI)

46. No dia 27 de Abril de 2012, DD remeteu a II, através de correio electrónico, a minuta intitulada “Contrato de Trespasse com Condição Suspensiva”, junta sob a forma de cópia de fls. 109 verso a 116, que aqui se dá por reproduzida, na qual a Autora é designada como “Primeira Contraente” e a Ré CC, Lda. como “Segunda Contraente”;

47. Da cláusula 5.ª da mesma ficou a constar:

“1 – O preço do trespasse contratado será de € 200.000,00 (trezentos mil euros), a liquidar nos seguintes termos:

d) € 100.000,00 (….) na data da verificação das condições suspensivas referidas no n.º 1 da Cláusula Sétima;

e) € 100.000,00 (…) no prazo de um ano, a contar da data referida na alínea anterior;

2 – A acrescer à quantia referida no número anterior, na data de assinatura do presente contrato, a Segunda Contraente pagará à primeira Contraente a quantia de € 43.000,00 (…) para efeitos de pagamento de indemnização aos trabalhadores da Primeira Contraente que não transitem para a Segunda Contraente ao abrigo do presente contrato, pela rescisão do respectivo contrato de trabalho (…)”;

48. A Autora reagiu ao envio dessa minuta através da carta datada de 30 de Abril de 2012, junta a fls. 117 e que aqui se dá por reproduzida, que a Ré CC, Lda. recebeu no dia 8 de maio seguinte;

49. Após a saída de JJ saíram mais três trabalhadores da Ré CC, Lda. que foram acompanhar o primeiro; (art. 45.º da BI)

50. Na sequência da saída daqueles três funcionários, foi apresentada à Autora uma nova proposta, com nova redução do preço de aquisição do negócio da Autora de € 200.000,00 para € 100.000,00 (art. 47.º da BI)

51. Em mensagem electrónica de 14 de maio de 2012, a Ré CC, através do seu advogado, declarou à Autora, através do advogado desta, que se a mesma não aceitasse a proposta que lhe enviara na semana anterior se desinteressaria do negócio, ficando a proposta sem efeito;

52. Em resposta a essa mensagem, a Autora, através do seu advogado, declarou não aceitar a proposta;

53. Foram enviadas aos trabalhadores que haviam transitado do serviço da Autora cartas datadas de 16 de maio de 2012, nos termos da cópia junta a fls. 125 e que aqui se dá por reproduzida, onde, além do mais, se afirma:

“Como é do seu conhecimento, correram negociações entre a CC-Viagens e Turismo, SA e a AA, tendo em vista o trespasse da actividade desta entidade para aquela.

Neste âmbito, a sua entidade empregadora AA, no exercício do poder de direcção que lhe assiste, ordenou que V. Exa. prestasse trabalho nas instalações da CC – VIAGENS E TURISMO, SA até ao encerramento das referidas negociações.

Cumpre informar que as negociações que visavam o negócio acima mencionado não se concretizaram.

Desta forma, deverá V. Exa., a partir de amanhã, dia 17 de maio, regressar às funções que ocupa na sua entidade patronal, nas respectivas instalações desta.

Caso, por qualquer motivo, qualquer entidade, publica ou privada, entenda, seja por que fundamento for, que V. Exa. terá celebrado um Contrato de Trabalho com a CC – Viagens e Turismo, SA, o que desde já se refuta, sempre se encontraria a decorrer o período experimental respectivo do alegado contrato de trabalho (…)”;

54. Foi enviada à Autora, que a recebeu, a carta datada de 16 de maio de 2012, junta sob a forma de cópia de fls. 126 a 128, que aqui se dá por reproduzida, assinada por DD, na qual, além do mais, se declara:

“(…)

Nesta conformidade, informamos que:

1) Deverão V. Exas. reassumir a partir da presente data, os trabalhadores acima referidos e que constam da lista anexa;

2) Deverão V. Exas levantar todos os equipamentos da V/ propriedade que se encontram nas nossas instalações e que constam da lista anexa;

3) Oportunamente, ser-vos-á enviada conta de exploração da actividade que teve lugar com os V/ clientes durante o período negocial para efeito de saldo das contas.”;

55. Após 15 de maio de 2012, a Ré CC, Lda. comunicou aos clientes da Autora que o negócio com esta última não se tinha concretizado e que por esse motivo ela deixaria de assegurar os serviços que lhes vinha prestando; (art. 50.º da BI)

56. Desde 19 de Abril a 18 de maio de 2012, a Autora transferiu para a Ré CC, Lda. os seguintes sinais ou depósitos efectuados por clientes com vista à realização de viagens futuras:

1. Em 19.04.2012: € 350.00;

2. Em 26.04.2012: € 1.600,00;

3. Em 02.05.2012: € 700,00;

4. Em 08.05.2012: € 2.300,00;

5. Em 15.05.2012: € 360,00;

6. Em 18.05.3012: € 1.300,00;

57. Em 19 de maio de 2012, a Agência Nacional de Compras Públicas EPE aprovou o projecto de deliberação de exclusão da Autora do Acordo Quadro de Viagens, Transportes Aéreos e Alojamentos;

58. Toda a carteira de clientes da Autora foi transferida para a Ré CC, Lda.; (art. 21.º da BI)

59. A Prolav não autorizou a transmissão dos contratos a favor da Ré CC, Lda.; (art. 36.º da BI)

60. A partir de 28 de maio de 2012, a Ré CC, Lda. recebeu cartas do Instituto das Pescas, da Agência Portuguesa do Ambiente, da Proalv, do Ministério da Agricultura e do Instituto de Vinhos do Douro e do Porto, informando que não tinham autorizado a “subcontratação” que a Autora lhes solicitara; (art. 51.º da BI)

61. Os clientes supra referidos representavam uma facturação de € 38.405,46; (art. 52.º da BI)

62. A Ré CC, Lda. prestou serviços aos mesmos clientes no valor de € 38.405,46; (art. 53.º da BI)

63. A Ré CC, Lda. obteve um lucro de € 5.870,80 durante o período em que trabalhou com os clientes que tinham sido da Autora; (art. 54.º da BI)

64. A Autora teve a seguinte facturação:

- No ano de 2009: € 4.781.806,60;

- No ano de 2010: € 6.420.280,64;

- No ano de 2011: € 6.025.564,90; (art. 1.º BI)

65. Nos mesmos anos, a margem de lucro bruto da Autora situou-se entre os 7% a 10% da sua facturação bruta; (art. 2.º da BI)

66. Nos anos de 2007 a 2011 a Autora facturou cerca de € 30.000.000,00 (art. 22.º da BI) 

67. O volume de facturação da carteira de clientes do conjunto dos quatro funcionários supra referidos era de pelo menos € 2.500.000,00; (arts. 39.º e 46.º da BI)

68. A Autora despediu um conjunto de trabalhadores que as Rés consideraram não ser essenciais; (art. 17.º da BI)

69. A quantia de € 43.000,00 destinar-se-ia a indemnizar os funcionários da Autora que teriam de ser despedidos, e que a Autora veio a despedir, de acordo com as indicações de DD (arts. 9.º e 17.º da BI)

70. A CC, Lda. despendeu a quantia de € 13.229,00 em salários dos funcionários provindos da Autora; (art. 55.º da BI)

71. DD manifestou interesse na aquisição do negócio da Autora, concretamente nos contratos de trabalho de um conjunto de funcionários da Autora e na carteira de clientes da mesma, com base num volume de facturação de seis milhões de euros; (art. 25.º da BI)

72. As Rés estavam informadas que a data limite para proceder ao pagamento dos bilhetes de viagem efectuadas no mês anterior (BSP) era o dia 15 de Abril de 2012; (art. 11.º da BI)

73. A Autora estava convencida de que o contrato, em caso algum, seria assinado depois do dia 15 de Abril de 2012; (art. 13.º da BI)

74. As transferências referidas em SS) foram efectuadas a pedido das pessoas que geriam os processos dos clientes; (art. 14.º da BI)

75. Mediante sentenças já transitadas em julgado, a Ré CC foi condenada a pagar o montante global de € 55.687,79 a EE, FF e GG;

76. HH intentou contra a CC Agência de Viagens e Turismo, Lda. e a AA, Lda. uma acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum, pedindo a condenação das segundas a pagarem-lhe a quantia de € 34.055,36, acção que corre termos sob o n.º 61/13.1TTLSB, na 1.ª secção do 2.º juízo do Tribunal do Trabalho de …, a qual se encontra em fase de recurso;

77. A 2.ª Reconvinte já pagou à trabalhadora FF, em 09.12.2015, o valor de € 9.819,18, sendo € 868,15 a título de retenções, TSU e Segurança Social; (art. 59.º da BI)

78. A 2.ª Reconvinte já pagou à trabalhadora EE, em 09.12.2015, o valor de € 5.496,72, sendo € 5.496,72 a título de retenções, TSU e Segurança Social; (art. 60.º da BI)

79. A 2.ª Reconvinte pagou a FF as quantias de € 1.500,00, € 1.500,00, € 1500,00, € 1.500,00, em 31 de Janeiro de 2016, em 28 de Fevereiro de 2016, em 31.03.2016 e em 30.04.2016, respectivamente;

80. A 2.ª Reconvinte pagou a EE as quantias de € 1.500,00, € 1.500,00, € 1500,00, € 1.500,00, em 31 de Janeiro de 2016, em 28 de Fevereiro de 2016, em 31.03.2016 e em 30.04.2016, respectivamente;

81. A 2.ª Reconvinte pagou a GG as quantia de € 9.985,40, em 30 de maio de 2016.

82. As cartas referidas na al. WW) dos Factos Assentes foram remetidas pela Ré BB; (art. 16.º da BI) – excluído pela Relação



 III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO


Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.


A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Ponderando o decidido no Acórdão da formação a que alude o artigo 672 n.º 3 do CPC, referido supra I-9 e lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pelos Recorrentes as questões concretas de que cumpre conhecer são as seguintes:


1ª- Não se encontram preenchidos os pressupostos do dever de indemnizar?

2ª- Perante uma situação de responsabilidade civil pré-contratual deve a indemnização ser aferida segundo o interesse contratual negativo ou segundo o interesse contratual positivo?


B) Vejamos a primeira questão: Não se encontram preenchidos os pressupostos do dever de indemnizar?

As Recorrentes alegam que não se encontram reunidos os necessários pressupostos do dever de indemnizar uma vez que «não emerge qualquer ruptura injustificada das negociações por parte das recorrentes», não se mostrando preenchido o requisito da culpa, havendo sim culpa da Recorrida (lesado), que não existe «um qualquer acordo pré-contratual final nos autos», que no nosso sistema legal não há qualquer dever pré-contratual de celebrar o contrato final e que a indemnização a apurar em sede de responsabilidade pré-contratual apenas poderá ser aquela que resulta do interesse negativo ou dano pela confiança. 

Dispõe o n.º 1 do art. 227º do Código Civil que «quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte».

Importa referir que as questões que as Recorrentes colocam nesta sua Revista são exactamente as mesmas que mereceram resposta negativa no Acórdão da Relação.

E, diga-se que, no que concerne à verificação dos pressupostos do dever de indemnizar o Acórdão recorrido não merece censura, salvo o que se dirá quanto à questão da determinação da indemnização que será apreciada autonomamente (questão 2ª).

 O fundamento da responsabilidade pré-contratual reside na culpa na formação do contrato – artigo 227 n.º 1 citado – e assenta na violação do dever de boa-fé que também tem de estar presente na fase pré-contratual.

Como se afirma no Acórdão do STJ de 31-03-2011 «A razão de ser deste preceito está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual de um negócio, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé.

Esta obrigação de actuação de boa-fé tanto nos preliminares como na formação do contrato, inculca, sem margem para dúvidas, que a responsabilidade pré-contratual abrange a fase negociatória que decorre desde o início dos contactos e das negociações até à obtenção de acordo sobre todas as condições e termos tidos como relevantes (incluindo, portanto, a aceitação da proposta contratual) e a fase da perfeição e execução do acordo conseguido que inclui a formalização (se não bastar o mero consenso das partes) e cumprimento do contrato.

Isto porque o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato».

 Como se escreveu no Acórdão recorrido e citando Almeida Costa in Direito das Obrigações, 12ª ed. rev. e act., págs. 302 e 303, “Entende-se que, durante as fases anteriores à celebração do contrato – quer dizer, na fase negociatória e na fase decisória – o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade. De modo mais concreto: apontam-se aos negociadores certos deveres recíprocos, como, por exemplo, o de comunicar à outra parte a causa de invalidade do negócio, o de não adoptar uma posição de reticência perante o erro em que esta lavre, o de evitar a divergência entre a vontade e a declaração, o de se abster de propostas de contratos nulos por impossibilidade do objecto, e, ao lado de tais deveres, ainda, em determinados casos, o de contratar ou prosseguir as negociações com vista à celebração de um acto jurídico. Através da responsabilidade pré-contratual tutela-se directamente a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé; e, por conseguinte, as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua futura celebração”.

No mesmo sentido os Acórdãos também aí citados deste STJ de 9.2.1999, in CJASTJ, Tomo I, pág. 85 e de 11.09.2007, P. 07A2402, ambos em www.dgsi.pt.

Em suma, dúvidas não subsistem, nem as Recorrentes isso questionam, de que as partes, mesmo na fase das negociações, devem agir com lealdade, com boa-fé.

E, como afirma o Acórdão recorrido, se em regra, a «ruptura das negociações não se assume como ilícita» essa ruptura «torna-se ilegítima se a parte que rompe as negociações o faz sem um motivo válido, violando, notoriamente, os valores impostos pela boa-fé, à luz das circunstâncias e das especificidades do caso».

Em nosso entendimento – e não obstante o bem fundamentado do Acórdão recorrido no que a este ponto respeita, e que subscrevemos – os factos provados demonstram claramente a culpa das recorrentes na não conclusão do contrato.

Foi por «culpa» delas que o contrato não se celebrou não se podendo imputar à recorrida qualquer acto ou comportamento que contribuísse para a não celebração do contrato, isto é não há qualquer censura no comportamento da Recorrida, havendo sim uma censura clara do comportamento das recorrentes.

A factualidade provada também demonstra claramente que, se não havia uma «minuta» elaborada ao pormenor e em definitivo, havia já uma minuta que as Recorrentes remeteram à recorrida por mail afirmando «aqui vai a última versão e que entendemos como final» (ponto 24 da fundamentação de facto), minuta essa que a A. aceitou (ponto 25).

Isto demonstra claramente que as negociações entre as Recorrentes e a Recorrida já tinham atingido um tal estado de desenvolvimento que a boa-fé, a lisura de comportamentos, enfim, a ética negocial, faziam pressupor que tais negociações culminariam na assinatura do contrato.

O envio da minuta e a afirmação de que era a última versão, que a recorrida aceitou, não pode senão significar que estávamos perante uma situação de eminente finalização das negociações com a consequente assinatura do contrato.

E, se é certo que a liberdade contratual, princípio basilar do nosso direito, não impõe às partes o «dever pré-contratual de celebrar o contrato final» a verdade é que o mesmo sistema legal afirma que aquele que negoceia o deve fazer observando o dever de boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

Ou seja, tendo sido criado na contraparte uma expectativa, uma confiança tão grande e séria de que o contrato final seria celebrado não pode uma das partes – no caso as Recorrentes – recusar, sem mais, a celebração do contrato.

E, não podem restar dúvidas, perante os factos provados, que foram as Rés quem se recusaram – injustificadamente – a celebrar o contrato negociado, pelo que entendemos ser inequívoco estarem verificados os pressupostos do dever de indemnizar.

Está demonstrada a criação de uma razoável confiança na Recorrida na conclusão do contrato, está igualmente demonstrado o carácter injustificado da ruptura das negociações por parte das Recorrentes, está provado que a Recorrida sofreu um dano bem como a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada na Recorrida.

Provados estão claramente todos os pressupostos do dever de indemnizar.

Em suma, impõe-se a improcedência desta questão.


C) Resta decidir a questão fundamental, tal como foi definida no Acórdão da Formação:

Perante uma situação de responsabilidade civil pré-contratual deve a indemnização ser aferida segundo o interesse contratual negativo ou segundo o interesse contratual positivo?

Como se afirma no Acórdão Recorrido bem como nas alegações das Recorrentes quer a Doutrina quer a Jurisprudência encontram-se divididas na resposta a dar à questão colocada.

São conhecidos os termos da questão que se mostram devidamente definidos a fls. 36 e 37 do Acórdão Recorrido, para os quais remetemos (bem como a Doutrina e Jurisprudência aí citada) e nos dispensamos de aqui repetir.

Os termos desta questão não se colocam apenas ao nível da responsabilidade civil pré-contratual pois que também nos casos de resolução do contrato promessa de compra e venda a questão se coloca.

Já tivemos ocasião de nos pronunciarmos sobre esta temática.

Assim, em texto que subscrevemos, afirmamos:

«2. Na responsabilidade contratual, a indemnização pode prosseguir dois objectivos diversos: o de restabelecer a situação que existiria se não se tivesse celebrado o contrato, ou o de colocar a parte lesada em circunstâncias idênticas às que se verificariam se o contrato houvesse sido pontualmente cumprido.

A prossecução daquela primeira finalidade é vulgarmente designada por interesse contratual negativo, ao passo que a prossecução da segunda é denominada por interesse contratual positivo.

Prescrevendo o art. 801º, nº 2 que a resolução do contrato não prejudica o direito à indemnização, cabe averiguar quais as situações abrangidas pela indemnização, caso o credor recorra ou não à resolução.

Perante o incumprimento de uma das partes, num contrato sinalagmático, a função desse normativo – segundo a posição claramente maioritária da doutrina e a jurisprudência praticamente uniforme dos nossos Tribunais Superiores – é a de proporcionar à contraparte uma opção entre duas alternativas:

- ou exige apenas uma indemnização por incumprimento, que naturalmente abrangerá todos os danos suportados em virtude de não realização da prestação pela contraparte ( interesse contratual positivo ), mantendo-se, porém, a sua própria obrigação ;

- ou obtém a resolução do contrato, cuja eficácia retroactiva lhe permite liberar-se da sua obrigação, pedindo, eventualmente, a restituição da sua prestação já realizada, acrescida de uma indemnização, que, neste caso, se limita aos danos derivados da não conclusão do contrato (interesse contratual negativo).

Realmente, destruído retroactivamente o contrato, por força da resolução, seria ilógico que a indemnização continuasse a abranger os danos resultantes da não realização da prestação, sendo certo, por outro lado, que os arts. 898º e 908º estabelecem, no âmbito do contrato de compra e venda, uma clara distinção entre a indemnização atinente ao interesse contratual positivo e a reportada ao interesse contratual negativo.

Antunes Varela pondera, a este propósito : «mesmo para a hipótese de o credor optar pela resolução do contrato se prevê o direito a indemnização». Mas «trata-se da indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato – ou, por outras palavras, do prejuízo que ele não sofreria, se o contrato não tivesse sido celebrado (…), que é a indemnização do chamado interesse contratual negativo ou de confiança. Desde que o credor opte pela resolução do contrato, não faria sentido que pudesse exigir do devedor o ressarcimento do benefício que normalmente lhe traria a execução do negócio. O que ele pretende, com a opção feita, é antes a exoneração da obrigação que, por seu lado, assumiu (ou a restituição da prestação que efectuou) e a reposição do seu património no estado em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido celebrado».

Realce-se que o interesse contratual negativo tanto pode abranger os danos emergentes, como os lucros cessantes, bastando-lhe demonstrar que a sua celebração o impediu de celebrar outro contrato que lhe teria proporcionado benefícios que, assim, deixou de obter.

Também Almeida Costa afirma que «o que se discute é se a indemnização que se cumula com a resolução visa colocar o lesado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato (interesse contratual negativo) ou, antes, na que se encontraria se o contrato fosse cumprido (interesse contratual positivo) », adiantando que a nossa lei «consagrou a primeira solução ».

E remata : «optando o lesado pela resolução do contrato, seria em substância contraditório que, ao mesmo tempo, pedisse a indemnização pelo seu não cumprimento. O que decorre da lógica e coerência dessa opção é colocar o prejudicado na situação em que se encontraria se o contrato não houvesse sido celebrado»  .

Pelo mesmo diapasão afina Galvão Telles, defendendo a exactidão desta solução, «uma vez que o interessado rescinde o contrato e o dá consequentemente sem efeito» e realçando que, se ele pretendia «ser investido na situação emergente da execução do contrato, deveria ter optado por essa execução, que a lei lhe faculta »  .

3. Pode concluir-se, assim, que, exercida a resolução do contrato, a indemnização fica limitada ao interesse contratual negativo, não podendo abranger os danos resultantes da frustração das utilidades proporcionadas pela própria prestação.

De facto, a indemnização fundada no incumprimento definitivo do contrato, cumulável com a resolução do mesmo, respeita apenas ao chamado «interesse negativo ou de confiança», visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Trata-se de indemnizar o dano in contrahendo e não o dano in contractu, ou seja, de indemnizar o prejuízo que o credor não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado.

De outro modo, revelar-se-ia intrinsecamente contraditória a cumulação do exercício do direito resolutivo com o de indemnização de todos os prejuízos resultantes do incumprimento do contrato.

É que, em tal caso, apesar da resolução decretada, o credor acabaria, no fim de contas, por ser ressarcido de todos os prejuízos, como se tivesse optado pelo cumprimento do contrato, passando ao lado de um dos efeitos principais da resolução – a retroactividade.

Pedir a resolução do contrato e pretender ser indemnizado por forma a ser restabelecida a situação que existiria se o contrato tivesse sido cumprido é, assim, uma contradictio in terminis.

Além disso, a resolução implicaria, então, um desequilíbrio na estrutura sinalagmática do contrato, já que o contraente fiel obteria a exoneração da sua obrigação ou a restituição da prestação anteriormente realizada, enquanto o contraente faltoso continuaria a responder integralmente pelo interesse de cumprimento da contraparte.

Nesse enquadramento, a resolução por incumprimento como que transformaria o contrato sinalagmático em contrato unilateral, pois determinaria a sua liquidação num só sentido. O que, seguramente, não é a solução do nosso direito, que estabelece o carácter retroactivo da resolução (arts. 289º, 433º e 434º), consagrando a existência de duas pretensões recíprocas de restituição, no caso de esta ocorrer no âmbito de um contrato sinalagmático.

A resolução impede, assim, que se peça o pagamento de uma indemnização correspondente às vantagens que se obteriam com a celebração do contrato, porquanto não faria sentido que o interessado resolvesse o contrato e, concomitantemente, o fizesse valer, pedindo uma indemnização pelos prejuízos derivados do incumprimento», Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/11/2006, Proc. N.º 06B3822, in www.dgsi.pt em co-autoria com José Pedro Paixão e Bolota Belchior, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

Recentemente o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre esta questão.

Assim, podemos ler no sumário do Ac. do STJ de 15-02-2018, proferido na Revista n.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1 - 2.ª Secção

«I - Encontrando-se definido, por decisão transitada em julgado, que, no âmbito de um contrato-promessa de compra e venda, ali declarado resolvido com fundamento em incumprimento definitivo da promitente-vendedora, não assistia à promitente-compradora o direito a restituição do sinal em dobro, por este não ter sido passado, não é aplicável ao caso a limitação prescrita no art. 442.º, n.º 4, do CC, sendo, por isso, lícito a esta promitente-compradora peticionar o direito a indemnização nos termos gerais, conforme o ressalvado do art. 801.º, n.º 2, do mesmo Código. 

II - No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado. 

III - No atual panorama da jurisprudência sobre tal problemática, afigura-se mais curial prosseguir por via dessa ponderação de caso a caso, sem a condicionar, de forma apriorística, ao critério abstrato de regra-exceção. 

IV - Para tanto, é de considerar, em síntese, que: 

a) - Do preceituado no art. 801.º, n.º 2, do CC, no respeitante à ressalva do direito a indemnização, em caso de resolução de contratos bilaterais, nenhum argumento interpretativo substancialmente decisivo se pode extrair no sentido de excluir o direito de indemnização pelos danos positivos resultantes do incumprimento definitivo desde que não se encontrem cobertos pelo aniquilamento resolutivo das prestações que eram devidas; 

b) - Por isso mesmo, impõe-se equacionar a solução na perspetiva da finalidade e função da resolução, enquadrada no plano mais latitudinário do programa negocial, multidimensional, envolvente e da relação de liquidação em que, por virtude dessa resolução, se transfigura a relação contratual originária; 

c) - Nesse quadro, deve ser reconhecido o primado do princípio geral da obrigação de indemnizar o credor lesado, consagrado no art. 562.º do CC, segundo o método da teoria da diferença acolhido pelo art. 566.º, n.º 2, do mesmo diploma, como escopo fundamental reintegrador dos interesses atingidos pelo incumprimento do contrato; 

d) - Nessa medida, tendo em conta a “diversidade ontológica” da invalidade e da resolução, deve ser relativizada a eficácia retroativa atribuída a esta pelos arts. 433.º e 434.º, n.º 1, por equiparação aos efeitos daquela estatuídos nos arts. 289.º e 290.º do CC, em termos de salvaguardar a vertente da tutela ressarcitória (a par da tutela restituitória ou recuperatória), quanto aos danos positivos resultantes do incumprimento que serviu de fundamento à mesma resolução e não abrangidos pela obliteração resolutiva das prestações que eram devidas, assim se ressalvando a finalidade da resolução (que se tem por restrita) a que se refere a parte final do citado art. 434.º, n.º 1; 

e) - Consequentemente, ao contraente fiel, perante o incumprimento definitivo imputável ao outro contraente, assistirá a faculdade de optar, em simultâneo, pela resolução do contrato de forma a libertar-se do respetivo dever típico de prestar ou a recuperar a prestação já por si efetuada, e pelo direito a indemnização dos danos decorrentes daquele incumprimento não satisfeitos pelo valor económico das prestações atingidas pela resolução; 

f) - Todavia, em caso de resolução, poderá ser ainda assim desatendida a indemnização pelos danos positivos, quando esta revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado, à luz do princípio da boa fé, o concreto contexto dos interesses em jogo, atento o tipo de contrato em causa, sem prejuízo, nessas circunstâncias, do direito a indemnização em sede do interesse contratual negativo nos termos gerais. 

V - No caso em que a conclusão do contrato prometido propiciava à promitente-compradora obter a aquisição da propriedade dos lotes prometidos vender, como fator de investimento imobiliário em construção habitacional, a perda dessa vantagem adicional em virtude do incumprimento do respetivo contrato-promessa imputável, a título de culpa presumida, à promitente-vendedora, constitui dano ressarcível por violação do interesse contratual positivo cumulável com a resolução daquele contrato. 

VI - A não indemnização pela perda dessa vantagem patrimonial mostra-se, no caso concreto, suscetível de causar grave desequilíbrio da relação de liquidação e no quadro do programa negocial em que os lotes prometidos vender se destinavam à sobredita edificação. 

VII - Não se tendo apurado senão valores presumíveis da venda das construções em perspetiva e dos encargos de construção, mas sem se conhecerem, em substância, os projetos a realizar, a indemnização deverá ser arbitrada, segundo a equidade, atendendo somente ao incremento económico proporcional ao preço contratual dos lotes prometidos vender, aquém daqueles valores máximos presumíveis, tendo ainda em conta o tempo decorrido desde a data do incumprimento do contrato».

E, mais recentemente, podemos ler no mesmo sentido, no sumário do Ac. do STJ de 17-05-2018, proferido na Revista n.º 567/11.8TVLSB.L1.S2 - 2.ª Secção

«I - O acordo dos autos, celebrado entre a autora e o Consórcio constituído pela 1.ª ré e por uma outra sociedade, denominado “Contrato Misto de Fornecimento de Equipamentos e Prestação de Serviços” – tendo por objecto a realização do projecto, fornecimento e construção “chave-na-mão” de uma central termoeléctrica de produção de energia eléctrica, mas também a prestação de serviços constante do caderno de encargos (seguros de transporte, montagem e testes, instrução e formação do pessoal de operação e de manutenção e assessoria técnica ao dono da obra) – corresponde a um contrato misto de empreitada e de prestação de serviços. 

II - A natureza das prestações a que o Consórcio se obrigou e o facto de as mesmas se prolongarem no tempo confere ao referido contrato características próximas das relações contratuais duradouras – designadamente as exigências de acrescida confiança recíproca entre as partes – sendo-lhe, portanto, aplicável a doutrina da resolução com fundamento em justa causa. 

III - Os pressupostos da resolução por justa causa não se confundem com os pressupostos do regime da transformação da mora em incumprimento definitivo (art. 808.º do CC), posto que o juízo de verificação da justa causa resolutiva assenta na avaliação da ruptura da relação de confiança entre as partes e não na aferição da subsistência ou não do interesse do credor na prestação. 

IV - Revelando a factualidade provada que, face aos sucessivos e gravosos incumprimentos do Consórcio, a confiança da autora, na competência e na capacidade do devedor para levar a bom termo a tarefa, ficou irremediavelmente afectada, é de concluir que se tornou inexigível a subsistência do vínculo contratual, o que consubstancia justa causa resolutiva, sem necessidade de recurso prévio à interpelação admonitória exigida pelo regime do art. 808.º do CC. 

V - A resolução do contrato é compatível com a indemnização pelo interesse contratual positivo, que só não será admitida quando revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado à luz do princípio da boa fé, hipótese em que se indemnizará antes pelo interesse contratual negativo. 

VI - Contudo, a indemnização pelo interesse contratual positivo não é cumulável com a indemnização pelo interesse contratual negativo: a primeira visa colocar o credor/lesado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido; ao passo que a segunda visa antes colocá-lo na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado. 

VII - Indemnizar pelo interesse contratual positivo, traduz-se, na prática, em reconhecer “o primado do princípio geral da obrigação de indemnizar o credor lesado, consagrado no artigo 562.º do CC, segundo o método da teoria da diferença acolhido pelo artigo 566.º, n.º 2, do mesmo diploma, como escopo fundamental reintegrador dos interesses atingidos pelo incumprimento do contrato”. (cfr. Acórdão do STJ de 15-02-2018, proc. n.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1). 

VIII - A falta de demonstração do nexo causal entre o cumprimento defeituoso/mora do Consórcio devedor e os custos acrescidos de que a autora pretende ser ressarcida determina, à luz da teoria da causalidade adequada consagrada no nosso direito (art. 563.º do CC), a improcedência dessa pretensão indemnizatória. 

IX - Face aos princípios gerais da obrigação de indemnizar – princípio da reparação integral dos danos e princípio da proibição de enriquecimento do lesado – a indemnização pelo interesse contratual positivo não permite duplicar a indemnização por uma mesma categoria de danos, como sucederia se fossem indemnizados os custos de financiamento, de pessoal e administrativos em que a autora incorreu derivados da inactividade da Central e que não tiveram qualquer contrapartida e, simultaneamente, fossem aplicadas as penalidades contratuais pelos atrasos invocados; só assim não seria se a autora tivesse alegado e demonstrado que aquela indemnização e a pena convencional moratória se destinavam a reparar danos distintos. 

X - O regime do art. 458.º do CC dispensa o credor do ónus de provar a causa da dívida, mas não o dispensa do ónus de alegar tal causa, a qual integra os factos constitutivos do direito que invoca». 

Em ambos os bem fundamentados Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça podemos encontrar inúmeras referências à Doutrina bem como à Jurisprudência, num e noutro sentido, para as quais remetemos e, por isso mesmo, nos dispensamos de aqui repetir.

Podemos retirar desses Acórdãos que, para esta corrente (que não é a tradicional) «é de considerar, em tese, admissível a resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo».

No âmbito da responsabilidade pré-contratual, foi esta a solução adoptada pelo Acórdão recorrido, pois que este também entende (ao contrário do pretendido pelas Recorrentes) que «no âmbito da responsabilidade pré-contratual» a indemnização deve «em regra, ressarcir os danos cobertos pelo interesse contratual negativo» podendo, todavia, ocorrer situações «excepcionais, em que o Tribunal poderá fixá-la cobrindo o interesse contratual positivo».

Apesar de reconhecermos que a solução e a resposta a dar à questão não é isenta de dificuldades, o certo é que não nos convencem, em definitivo, os argumentos que vêm sendo usados e, por isso, não vemos razões para abandonarmos (ainda) a tese tradicional, tal como foi exposta no Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça de 31-03-2011 in www.dgsi.pt, podendo ler-se no seu sumário:

«I - Incorre em responsabilidade pré-contratual por culpa in contrahendo quem, depois de negociações com vista à celebração de determinado contrato e durante as quais foram acordadas todas as cláusulas relevantes faltando apenas a formalização, recusa outorgar o contrato.

II – A responsabilidade decorre do facto de uma das partes ter gerado na outra a confiança e a expectativa legítima de que o contrato seria concluído e não da ruptura das negociações, da não conclusão ou da recusa de celebração do do contrato;

III – Logo, o facto que obriga à reparação é a confiança violada por inobservância das regras da boa-fé e não a ruptura das negociações, a não conclusão ou a recusa de celebração do contrato por inexistência de obrigação legal ou contratual de prosseguir negociações, de concluir ou de celebrar o contrato.

IV – A indemnização pelo interesse negativo do contrato (dano de confiança) é medida pela diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a que existiria se não houvesse, por haver confiado, encetado as negociações

V – Por conseguinte, só serão indemnizáveis os prejuízos que consistiram nas despesas efectuadas com as (e nas) negociações por haver confiado na conclusão do contrato (danos emergentes) e não também, por não estar em causa um incumprimento contratual, os lucros cessantes decorrentes da frustração das expectativas de ganho fundadas no contrato não concluído.

Questionando-se sobre quais seriam os danos indemnizáveis numa situação de responsabilidade pré-contratual o Acórdão citado afirma:

«Muito embora a maioria da doutrina e da jurisprudência se pronuncie no sentido de a indemnização, nesses casos, ser limitada ao interesse negativo do contrato, têm surgido posições doutrinárias e decisões jurisprudenciais que, partindo da existência de um dever jurídico de conclusão do contrato no caso de os termos e condições deste já estarem acordados, faltando apenas a sua formalização, consagram a indemnização pela medida do interesse contratual positivo, ou seja, pela medida do incumprimento do contrato não concluído.

E no âmbito do direito comparado, a maioria das legislações - quer no sistema continental, quer no da commom law - restringem a indemnização por não conclusão de contrato ao dano negativo ou de confiança (interesse contratual negativo) (cfr. Paulo Mota Pinto, p. 1325-1340)».

O Supremo Tribunal de Justiça nos seus Acórdãos de 14.07-2010 e de 16-12-2010, ambos in www.dgsi.pt, entendeu que, apesar de, em regra, o dano indemnizável no caso de responsabilidade pré-contratual ser apenas o do interesse contratual negativo, podem ocorrer situações em que a responsabilidade pode tender para a cobertura do interesse positivo.

Em nosso entendimento e, como já deixamos expresso, numa situação de responsabilidade de responsabilidade pré-contratual, como a presente, a indemnização deverá abranger apenas a indemnização do dano negativo, pois esta visa repor o lesado na situação em que estaria se não tivesse iniciado as negociações para a celebração do contrato.

Já, por sua vez, a indemnização do dano positivo visa colocar o lesado na situação em que estaria se o contrato fosse cumprido, ou seja no caso concreto, se o contrato tivesse sido celebrado.

A indemnização pelo dano negativo visa restabelecer a situação que existiria se não tivesse negociado (com vista a celebrar o contrato) e tanto pode abranger os danos emergentes como os lucros cessantes.

Numa situação como a presente, de responsabilidade civil pré-contratual gerada pela violação da confiança, pela violação do dever de boa-fé, «o dano a indemnizar é o dano justificado - isto é, originado, causado - pela violação da confiança na conclusão e na celebração do negócio; assim, não são ressarcíveis, ainda que a ruptura de negociações seja injustificada, os gastos especulativos e os que constituem um risco implícito em todo o negócio como, v.g., os que teriam de ser sempre realizados para iniciar as negociações (cfr. Diez-Picazo, ob cit., p. 279).

Por conseguinte, apenas estarão cobertos pelo interesse negativo do contrato, os danos que não teriam sido sofridos se o lesado não tivesse confiado na conclusão do contrato pelo que se impõe a reconstituição da situação que existiria anteriormente à criação da confiança, designadamente reembolsando o lesado das despesas que efectuou na perspectiva da conclusão do contrato (e que não teria efectuado se não tivesse confiado); por outras palavras, na situação em que ele se encontraria se nunca tivesse havido negociações», Ac. do STJ de 30.03.2011, supra citado.

Voltando ao caso concreto em análise, temos que o acórdão recorrido – aderindo à tese de que apesar de «no âmbito da responsabilidade pré-contratual» a indemnização dever «em regra, ressarcir os danos cobertos pelo interesse contratual negativo» podem ocorrer situações «excepcionais, em que o Tribunal poderá fixá-la cobrindo o interesse contratual positivo» e, por isso, fixou a indemnização numa quantia global de 250.000,00 Euros.

Ora, entendemos que esta decisão não se pode manter, tendo em consideração a factualidade provada, melhor enunciada e descrita supra II.

E, perante tal factualidade (designadamente ponto II-69) os danos efectivamente sofridos pela Autora/recorrida foram de 43.000,00 Euros. Tal quantia, como bem afirmam as Recorrentes, corresponde «às despesas incorridas pela Recorrida decorrentes do investimento na confiança e, portanto tuteláveis pelo direito».

Entendemos que se impõe a procedência da revista impondo-se consequentemente a revogação do Acórdão recorrido, condenando-se «as Recorrentes, apenas e somente, por violação do dano de confiança», numa «indemnização por responsabilidade civil pré-contratual pelo interesse contratual negativo, correspondente ao montante que a Recorrida despendeu na expectativa de celebrar o contrato, ou seja, € 43.000,00», conclusão VVV.

 Em suma, impõe-se a procedência das alegações das recorrentes, pelo que se concede a procedência da presente Revista.


III – DECISÃO

Pelo exposto, e pelos fundamentos enunciados, decide-se conceder a revista e, em consequência revoga-se o Acórdão recorrido, condenando-se as Recorrentes, a pagar à Autora/recorrida uma indemnização no valor de € 43.000,00.

Custas por Recorrentes e Recorrida na proporção do decaimento. 


Lisboa, 22 de Novembro de 2018


José Sousa Lameira (Relator)

Hélder Almeida

Oliveira Abreu