Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11/06.2TBVPA.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
APTIDÃO CONSTRUTIVA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
DECISÃO ARBITRAL
CASO JULGADO
REFORMATIO IN PEJUS
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CONSTITUCIONALIDADE
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Data do Acordão: 03/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA E ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - EXPROPRIAÇÕES POR UTILIDADE PÚBLICA / RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS.
Doutrina:
- Alves Correia, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, 38 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º 1.
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (CEXP) / 1999: - ARTIGOS 25.º, N.º 2, AL. A), 26.º, N.º 12, 58.º E SS., 66.º, N.º 5,
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 2, AL. D), 635.º, N.ºS 2 E 5
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, N.º 1, 62.º, N.º 2.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA PROPOSTA DE LEI Nº 252/VII (DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, II-A, Nº 45, 1250 (22) E SS..
PDM DE RIBEIRA DE PENA, APROVADO PELA RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS Nº 1/95, 12 DE JANEIRO DE 1995.
PREÂMBULO DO DECRETO-LEI Nº 438/91 (QUE APROVOU O CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES DE 1991).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 23 DE ABRIL DE 2009, PROC. N.º 07B2232, WWW.DGSI.PT .
-DE 12 DE OUTUBRO DE 2010, PROC. N.º 4925/07.4TBGMR.G1.S1, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2011, PROC. N.º 1333/06.8TBFLG.G2.S1, AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 11 DE DEZEMBRO DE 2012, WWW.DGSI.PT, PROC. N.º 179/1999.L1.S1.
-DE 26 DE MARÇO DE 2015, PROC. N.º 13729/07.3TBVNG.P2.S1, EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- Nº 194/97 (DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, DE 27 DE JANEIRO DE 1999), NA SEQUÊNCIA DO ACÓRDÃO N.º 131/88 (DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE, DE 29 DE JUNHO DE 1988).
Sumário :
I - No âmbito de processo de expropriação, existe oposição de julgados que torna admissível a revista, nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, entre o acórdão-fundamento que decidiu que o n.º 5 do art. 635.º do CPC não obstava a que, tendo sido objecto de recurso a decisão arbitral, está em causa de novo o valor da indemnização à qual o tribunal tem de chegar “utilizando todos os factos ao seu dispor e aplicando todas as regras do CE, apenas não podendo fixar uma indemnização superior à pedida pelos expropriados nem uma indemnização inferior ao valor não posto em causa pela expropriante”, e o acórdão recorrido que considerou “transitada em julgado a percentagem de 25% aplicada na decisão arbitral a título do n.º 9 do art. 26.º do CExp”.

II - A tramitação do “recurso da arbitragem”, desenhada pelos arts. 58.º e ss. do CExp, revela que se trata de um processamento funcionalmente aproximado de um recurso – pois visa reagir contra a fixação da indemnização constante da decisão arbitral – mas que, simultaneamente, está estruturado como um processo declarativo especial, destinado à determinação final da indemnização a pagar.

III - A introdução, em 1991, no CExp da distinção entre “solo apto para a construção” e “solo para outros fins” teve como objectivo alcançar uma forma mais adequada de fixação do valor dos terrenos expropriados, em obediência aos princípios constitucionais da justa indemnização (art. 62.º, n.º 2, da CRP) e da igualdade (art. 13.º, n.º 1, da CRP), tomando em consideração a jurisprudência do TC a propósito do art. 30.º do CExp então revogado.

IV - Para que um terreno passe a ser qualificado como solo apto para construção ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 25.º do CExp (1999), é exigida a existência cumulativa das infra-estruturas ali enumeradas.

V - A exigência de que o solo esteja dotado de todas as infra-estruturas previstas na al. a) do n.º 2 do art. 25.º do CExp, para os casos em que um solo não pode ser considerado como apto para construção senão ao abrigo desta alínea, é a interpretação que respeita a razão que levou o legislador, em 1991, a alterar os critérios de classificação dos solos que constavam do CExp de 1976.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 



1. No processo de expropriação por utilidade pública, em que figuram como expropriante EP – Estradas de Portugal, SA e como expropriados AA e BB, relativo à parcela nº …. necessária à execução da obra “Concessão Norte (AENOR) – A7/IC5/IC25 – FAFE IP3 – Sublanço … – IP3 (…, identificada anos autos, expropriante e expropriados recorreram para o Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar da decisão arbitral (fls. 96), que fixou o montante de € 145.695,00 para a indemnização devida.

Pela sentença de fls. 847, o montante foi alterado para € 130.423,49, a actualizar e com juros de mora nos termos indicados.

Em síntese, entendeu-se na sentença que ”a área de 4.558,13m² inserida, de acordo com o PDM, na área de Espaços Urbanos e Urbanizáveis de nível 2, deverá ser classificada como ´solo apto para construção’, nos termos do disposto no artigo 25º, nº 2, al. c) do Código das Expropriações”; e que a área restante, de € 5.728,87m², “inserida segundo o Plano Director Municipal de … na área de Espaço Agro Florestal”, “deve ser classificado como ‘para outros fins’ e como tal ser avaliado”.

Considerando, além do valor do terreno, o valor das benfeitorias e a desvalorização da parte sobrante, a sentença fixou a indemnização em € 130.423,49 (€ 92.623,00 + €9.075,00 + € 940,00 + € 27.785,48).

Novamente recorreram ambas as partes, agora para o Tribunal da Relação de Guimarães. Pelo acórdão de fls. 964, foi concedido provimento parcial à apelação dos expropriantes, e a indemnização foi fixada em € 109.958,12, mantendo-se tudo o mais. A apelação dos expropriados não mereceu provimento.

Do acórdão da Relação, de que os expropriados recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, salientam-se agora os seguintes fundamentos:

1º– “É sabido que no processo de expropriação por utilidade pública, o acórdão dos árbitros constitui verdadeira decisão judicial e não um simples arbitramento.

Tendo a decisão dos árbitros, nas expropriações, natureza judicial, o poder de cognição do juiz, em caso de recurso, delimita-se pelas alegações do recorrente.

No caso sub judice, o acórdão arbitral, subscrito pelos três árbitros, fixou o coeficiente de desvalorização do nº 9 do artº 26º do CE, em 25%.

Da decisão arbitral interpuseram recurso os expropriados, que, na sua alegação, não impugnaram nem puseram em causa a percentagem de 25% fixada na arbitragem, o que significa aceitação daquele valor.

A sentença recorrida, sendo a apreciação de um recurso, só pode recair sobre os aspectos da decisão arbitral com que os recorrentes não concordaram e em relação aos quais apresentaram recurso.

Tendo sido aceite o coeficiente de desvalorização de 25% atribuído na decisão arbitral recorrida, ficou definitivamente afastada a possibilidade de, em via de recurso, se alterar o que nesse aspecto foi decidido pelos peritos árbitros.

Cabe notar, a este respeito, que no relatório de 27 de Junho de 2013, os Peritos maioritários, ao ficcionarem a avaliação nos termos do artigo 26º, nº 12 do CE, aplicaram igualmente a percentagem de 25%.

Estava, assim, vedado ao Mmo. Juiz, embora secundando o laudo maioritário dos peritos, acolher o valor de 10%, sendo que ao considerar para o cálculo da indemnização aquele valor de 10%, conheceu de questão posta fora do objecto do recurso, pois como ficou dito, intervindo o tribunal de comarca, em 2ª instância, como tribunal de recurso, o seu poder de cognição delimita-se pelas alegações dos recorrentes, por aplicação das normas dos artigos 684º e 690º, nº 1 do CPC (artigo 635º do NCPC)”;

2º – “Discordam os recorrentes [os expropriados] da sentença recorrida, por esta não ter aplicado à parte da parcela com 5.728,87 m2 o estatuído no nº 12 do artº 26º do CE., devendo todo o solo ser avaliado como apto para construção (…) Pretendem que todo o solo deverá ser avaliado como apto para construção ou pelo critério do nº 12 do artigo 26º, do CE.

(…) Estando, pois, a referida parcela, de acordo com o PDM de …, inserida em área de Espaços Agro-Florestais e, portanto, em área que, de acordo com instrumento de gestão territorial, não está destinada por natureza a adquirir as infra-estruturas mencionadas na alínea do n.º 2 do art.º 25.º do CE. a construção só é permitida com regime de excepção e observadas determinados condicionalismos específicos.

Se a lei ou o regulamento proíbem a edificação, se afectam o espaço a outro fim que não a construção, o solo haverá de ser avaliado como solo apto para outros fins, de acordo com o aproveitamento normal que dele possa ser feito, e não para a construção, potencialidade com que nem o expropriado poderia contar. (…) No caso sub judice, a parcela em causa, para efeitos de fixação da indemnização, deve ser classificada e valorizada como solo para outros fins. Sendo a natureza da parcela de índole florestal, não poderia ser avaliada senão em função dessa utilização.

(…) A integração de um terreno em Espaços Agro-Florestais revela uma falta de aptidão edificativa em resultado das suas características intrínsecas.

(…) Por último, é mister salientar que a Administração Pública não colocou este solo em Espaço Agro-Florestal com a finalidade de manipular o preço da expropriação, visando embaratecer o preço do terreno. A inserção do solo em Espaço Agro-Florestal decorre das suas características e qualidades intrínsecas.

Não se demonstrando que a integração da parcela foi condicionada pela expropriação, não deixa de ser irrelevante a data de aquisição do prédio dos expropriados. À face de todo o exposto não poderia o solo ser avaliado como solo apto para construção, à luz do disposto no artº 26º, nº 12 do Código das Expropriações”;

3º – Sustentam os Expropriados/apelantes que o Tribunal violou o caso julgado quanto ao valor do solo apto para outros fins. A Expropriante aceitou expressamente para este solo o valor de €2,31/m2.

(…) Da análise do Laudo de Arbitragem verificamos que os critérios de avaliação ali fixados partem de um pressuposto que, como mostram os autos, deixou posteriormente de ser considerado. Trata-se da área florestal considerada – 7.380,00 m2 – sobre que fizeram os Árbitros incidir o seu critério de avaliação. (…)

Nos últimos Relatórios de Peritagem, um, subscrito pelos Peritos nomeados pelo Tribunal e pelo Perito indicado pela Expropriante, e outro, subscrito pelo Perito dos Expropriados, na avaliação do solo da parcela classificada como apto para outros fins atendeu-se, em ambos os Laudos Periciais, a uma área de 5.728,87 m2.

Enquanto que na decisão arbitral, para a avaliação do solo da parcela classificada como apto para outros fins, considerou-se uma área florestal de 7.380,00 m2, -  que nada tem a ver com a realidade,  – sobre que fizeram os Árbitros incidir o seu critério de avaliação.

Terá assim, de se atender  ao que, neste capítulo se fixou no Laudo maioritário dos Senhores Peritos, não havendo no processo quaisquer elementos de facto que nos permitam duvidar da isenção e imparcialidade dos Peritos subscritores do Laudo majoritário, ou sequer da razoabilidade da metodologia por eles seguida.

Deste modo, afigura-se-nos não ser de atender a pretensão dos Recorrentes.”

2. O recurso de revista foi interposto para a apreciação de três questões, assim enunciadas no início das alegações:

«1ª (…) O tribunal recorrido considerou transitada em julgado a percentagem de 25% aplicada na decisão arbitral a título do nº 9 do artigo 26º do Código das Expropriações.»

«2ª (…) O valor do solo avaliado como florestal não podia ser pago por valor inferior à quele que tinha sido fixado na decisão arbitral por a entidade expropriante o ter aceitado expressamente [€ 2,31 por m²]»

«3ª. A 3ª tem a ver com a classificação do solo como apto para construção quando estamos, como in casu ocorre, perante solo servido por duas das três infraestruturas previstas na alínea a) do nº 2 do artigo 25º do Código das Expropriações e as construções que lá existem se servem apenas pelas infra-estruturas que existem. Aqui abordaremos também a questão da necessidade ou não de as infra-estruturas que existem terem de estar ou não coladas ao prédio para relevarem para efeitos de classificação do solo.»

Os recorrentes, por referência ao nº 5 do artigo 66º do Código das Expropriações, esclareceram que recorrem com fundamento em contradição com jurisprudência transitada, afirmando: “Os aspectos de identidade entre os acórdãos fundamento e a contradição alegada radicam na violação de caso julgado e na classificação do solo para efeitos da aplicação do nº 12 do artigo 26º”.

Mas formularam as seguintes conclusões:

«1ª Ao ser impugnada o valor unitário do metro/quadrado de solo, por referência a um valor arbitrado colocaram-se em crise todos os parâmetros de cálculo da indemnização que possam depender desse classificação, não transitando em julgado qualquer questão nesse âmbito, nem resultando aceite este valor unitário.

2a Tendo a expropriante aceite o valor de € 2.31 por m2 para o solo florestal não ser fixado valor inferior.

3ª Considerar que a alteração da distribuição das áreas em urbana e florestal afasta o valor aceite para a área florestal e não altera o "aceite para á área urbana" que alterou na exacta medida é tratar as partes desigualmente e constitui nulidade.

4a Constitui nulidade não considerar uma auto-estrada uma infra-estrutura pública sem apoio em qualquer norma (que inexiste) realidade que constitui facto público e notório

5ª Tendo o solo sido abrangido posteriormente à aquisição por PDM restritivo quando expropriado para uma auto-estrada tem de aplicar-se para o cálculo o critério do n° 12 do artigo 26° do CE.

6ª Não é necessária para a classificação do solo como apto para construção nos termos da alínea a) do n°2 que as infra-estruturas estejam coladas á parcela ou ao prédio mãe nem a falta de alguma é impeditiva da classificação se as construções existentes se bastarem, como é o caso, com a que falta[in casu o saneamento].»


A expropriante contra-alegou, sustentando a inadmissibilidade do recurso e, de qualquer forma, a sua improcedência.

Notificados para se pronunciarem, os expropriados mantiveram que a revista é admissível.


3. Antes de mais, cumpre verificar se o recurso é admissível, tendo justamente em conta que, de acordo com o nº 5 do artigo 66º do Código das Expropriações de 1999, só cabe revista “nos casos em que é sempre admissível recurso”. Relevariam, no presente recurso, os fundamentos previstos nas alíneas a) – ofensa de caso julgado – e c) contradição de jurisprudência, nas circunstâncias ali previstas.

Cumpre pois determinar se ocorre ofensa de caso julgado e ou contradição relevante, nos termos da al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil.


4. Assim: os recorrentes sustentam que houve “trânsito em julgado para a expropriante do valor unitário por m² de € 2,31” para o cálculo da indemnização correspondente ao “solo apto para outros fins”, por ter aceitado tal valor, no recurso que interpôs da decisão arbitral.

Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Dezembro de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 179/1999.L1.S1, a propósito do regime constante do anterior Código das Expropriações (de 1991), mas em termos totalmente transponíveis para o regime aqui aplicável (transposição a que agora se procede), a tramitação do “recurso da arbitragem”, desenhada pelos artigos 58º e segs. do Código das Expropriações de 1999, revela que se trata de um processamento funcionalmente aproximado de um recurso, pois visa reagir contra a fixação da indemnização constante da decisão arbitral (no acórdão de 11 de Fevereiro de 2010, www.dsgi.pt, proc. nº 09B0280, observa-se que “fundamentalmente, o requerimento da interposição de recurso é um meio de oposição à decisão arbitral”), mas, simultaneamente, estruturado como um processo declarativo especial, destinado à determinação final da indemnização a pagar. Neste processamento, o requerimento de interposição de recurso desempenha a função de petição inicial, seguindo-se-lhe a resposta, a realização da prova, as alegações e a decisão. Ou seja: trata-se de um processamento declarativo que, como se escreve no acórdão de 11 de Fevereiro de 2010, “partindo da decisão dos árbitros, se desenvolve como uma verdadeira acção declarativa, tendo em vista a discussão e apuramento da justa indemnização, com respeito pelo princípio do contraditório e com recurso a todos os meios de prova”.

Os recorrentes, no fundo, pretendem aplicar ao recurso da decisão arbitral o regime (hoje) constante do nº 5 do artigo 635º do Código de Processo Civil, cuja aplicabilidade teórica agora se não discute, por não haver qualquer utilidade nessa discussão, e antes se assume para o efeito de avaliar a invocação de ofensa de caso julgado.

Sucede, todavia, que, no recurso que interpôs da decisão arbitral (cfr. fls. 152), a expropriante questionou o valor da indemnização a pagar pela parcela no seu todo e por cada uma das suas duas partes (solo apto para construção/ solo para outros fins), às quais o acórdão arbitral efectivamente atribuíra áreas diferentes daquelas que vieram a ser consideradas na sentença de fls. 847.

Ora, a aplicação do nº 5 do artigo 635º – “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso (…)” – pressupõe que se possam identificar “decisões distintas” na decisão recorrida, nos termos previstos no nº 2 do mesmo artigo 635º; o que, no caso, não sucede. O valor por metro quadrado da parte da parcela expropriada que agora interessa foi apenas um dos factores utilizados no cálculo do montante indemnizatório correspondente; não pode ser qualificado como decisão distinta das demais no acórdão arbitral, de forma a considerar-se definitivamente assente quando, em recurso, se fosse reapreciar o referido montante indemnizatório. No contexto da definição daquele montante, é tão somente um dos seus fundamentos. O respectivo cálculo resulta da consideração de diversos elementos; não está “parcialmente” estabilizado quanto a um deles.

No mesmo sentido pronunciaram-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça  de 12 de Outubro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 4925/07.4TBGMR.G1.S1 ou de 30 de Dezembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº1333/06.8TBFLG.G2.S1, citados pelos recorrentes. Neste último, diz-se expressamente que “ainda que, relativamente a algum ponto parcelar, o expropriado [o recorrente, generalizando] não tenha suscitado objecção relativamente ao que foi considerado na decisão arbitral, o Tribunal pode considerá-lo de modo diverso, não se devendo entender haver aqui caso julgado, pois a indemnização a atribuir, agora no plano do recurso interposto da decisão arbitral, não pode deixar de tomar em linha de conta, para ser uma justa indemnização (artigo 23.º do CE99), o correto valor a atribuir a cada um dos elementos que se considera concorrerem para a fixação da indemnização por expropriação sem o que estaria posto em causa a reponderação do critério de avaliação e, consequentemente, a possibilidade de fixação de justa indemnização (artigo 62.º/2 da Constituição da República e artigo 23.º/1 do CExp99).”

Não ocorre, portanto, ofensa de caso julgado.

 

5. Os recorrentes sustentam ainda que o acórdão recorrido, ao considerar “transitada em julgado a percentagem de 25% aplicada na decisão arbitral a título do nº 9 do artigo 26º do Código das Expropriações”, contrariou o que se decidiu, nomeadamente, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Junho de 2016, proferido no processo nº 4698/11.6TBGDM e que se verificou estar transitado em julgado.

Nenhuma dúvida se levanta quanto ao preenchimento dos requisitos exigidos pela al. d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil: nem quanto à identidade das questões apreciadas, fáctica e juridicamente, nem quanto à inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por motivo estranho à alçada (nº 5 do artigo 66º do Código das Expropriações).

No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Junho de 2016, seguindo aliás a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça revelada, nomeadamente, nos já citados acórdãos de 12 de Outubro de 2010 ou de 30 de Dezembro de 2011, entendeu-se expressamente que o nº 5 do artigo 635º do Código de Processo Civil não obstava a que, tendo sido objecto de recurso a decisão arbitral, quanto ao montante da indemnização, “está em causa de novo o valor da indemnização, à qual o tribunal de 1ª instância (e agora este tribunal de recurso) tinha de chegar utilizando todos os factos ao seu dispor e aplicando todas as regras de CE, apenas não podendo fixar uma indemnização superior à pedida pelos expropriantes nem uma indemnização inferir ao valor não posto em causa pela expropriante”.

O recurso é, portanto, admissível; e, quanto a este ponto, reconhece-se desde já razão, aos recorrentes, pelas razões apresentadas no ponto anterior.

Sendo admissível o recurso, não se torna necessário apurar das demais contradições de jurisprudência, apontadas pelos recorrentes.


6. Vem provado o seguinte:

A) Por despacho do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas, datado de 27 de Outubro de 2003 e publicado no DR, 2ª Série, nº 21896, de 27 de Novembro de 2003, foi declarada a expropriação de uma parcela de terreno com a área de 10.287 m2.

B) A parcela expropriada localiza-se no Lugar de …, freguesia de …, concelho de Ribeira de Pena.

C) O prédio, de onde a parcela é destacada, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Salvador sob o artigo … e descrita na Conservatória do Registo Predial de Ribeira de Pena sob o nº ….

D) A propriedade do prédio referido em C) mostra-se registada a favor dos expropriados AA e marido BB, pela Ap. 1 de 24/11/1999, conforme certidão junta aos autos a fls. 56 a 58, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

E) O prédio confronta a Norte com a Estrada Nacional nº …; a Sul com caminho público; a nascente com Junta de Freguesia e caminho público; a poente com caminho público.

F) A parcela expropriada confronta a Norte com a Estrada Nacional nº …; a Sul com caminho público; a nascente com Junta de Freguesia e caminho público e próprio; a poente com caminho público.

G) A área total do prédio é de 13.869,13m2 e parcela expropriada tem a área de 10.287m2.

H) Fruto da expropriação resultaram duas parcelas sobrantes, sendo uma a norte, com a área de 1.483m2 e outra a sul/nascente com a área de 2.099,13m2.

I) Segundo o Plano Diretor Municipal de …, da parcela expropriada a área de 4.558,13m2 insere-se na área de Espaços urbanos e Urbanizáveis de nível 2; já a restante área de 5.728,87 m2 insere-se na área de Espaço Agro Florestal.

J) Por sua vez, a parte sobrante a Norte, com a área de 1.483m2 insere-se na área de Espaços urbanos e Urbanizáveis de nível 2; e parte sobrante sita a sul/nascente com a área de 2.099,13m2 insere-se na área de Espaço Agro Florestal.

K) O prédio em causa tem uma configuração irregular, sendo que antes da expropriação em causa possuía ocupação agrícola, cerca de 40% e ocupação florestal, cerca de 60%.

L) A zona agrícola a sul situa-se a uma quota inferior à EN …, constitui terreno inclinado descendo de norte para sul.

M) À data da vistoria ad perpetuam constituía-se como um solo de maneira geral limpo de pedras, pouco profundo, com vegetação espontânea, algumas árvores de pequeno porte e algumas giestas.

N) O solo florestal a nascente tinha árvores dispersas de um modo geral de pequeno porte.

O) A parcela situa-se à face da EN .., confrontando com esta cerca de 200 metros.

P) A EN … está pavimentada a betuminoso.

Q) A cerca de 100 metros da área da parcela classificada como “Espaços Urbanos e Urbanizáveis” situa-se um aglomerado habitacional, estando a rede de distribuição de energia elétrica a cerca de 30 metros da parcela e a rede de abastecimento de água a cerca de 100 metros.

R) Pelo terreno passa uma linha telefónica.

S) A área envolvente à parcela é de natureza rural, verificando-se quanto ao aglomerado populacional existente a predominância de moradias unifamiliares, compostas por r/c+1, sendo, em alguns casos, o r/c destinado ao comércio.

T) A área envolvente caracteriza-se ainda pela presença de solos maioritariamente afectos à produção florestal, sendo o pinhal e o eucaliptal as culturas predominantes.

S) Na parcela existia, à data da vistoria ad perpetuam, um muro de vedação e suporte a nascente, em alvenaria de pedra seca, feito à mão com 1,20m de altura média e 0,40m de espessura média e com cerca de 28m de comprimento.

7. Cumpre assim conhecer dos demais pontos que integram o objecto do recurso, começando pelas nulidades atribuídas ao acórdão recorrido (conclusões 3ª e 4ª):

– Nulidade por desrespeito do princípio do pedido (pontos 37 e 76 das alegações), em relação com “o trânsito em julgado para a expropriante do valor unitário por m2 de € 2,31”, “para a área afectada a floresta”,

– Nulidade por “ter afirmado sem fundamento e contra a realidade – estamos perante facto notório – que uma auto-estrada não é uma infra-estrutura pública” (ponto 76).

Os recorrentes não esclarecem como reconduzem estas afirmações à verificação de nulidade do acórdão recorrido; indefere-se a respectiva arguição, por não se conseguir estabelece qualquer enquadramento na lista prevista nos artigos 615º e 666º do Código de Processo Civil e por, nem se descortinar qualquer ofensa do princípio do pedido, nem se ver na afirmação relativa à notoriedade referida qualquer possível fundamento de nulidade.

8. Quanto à qualificação como solo apto para construção nos termos da al. a) do nº 2 do artigo 25º do Código das Expropriações: os recorrentes sustentam que, contrariamente ao que foi decidido pelo acórdão recorrido, não é necessário que “as infra-estruturas estejam coladas à parcela ou ao prédio mãe”, “nem a falta de alguma é impeditiva da classificação se as construções existentes se bastarem, como é o caso, com a que falta (in casu, o saneamento)” .

Disse-se no acórdão recorrido: «No caso concreto, como bem se salienta na sentença recorrida, o terreno em causa, «não poderá ser classificado como solo apto para construção nos termos do disposto no artigo 25º, n 2 do Código das Expropriações já que, além de não possuir as infra-estruturas essenciais a tal classificação, concretamente, não possui rede de abastecimento de água (que se situa a cerca de 100 metros), de electricidade (que se situa a cerca de 30 metros) ou de saneamento, não está destinado, de acordo com o instrumento de gestão territorial, em concreto o PDM, a adquirir tais características.»

Segue-se agora de perto o que se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de Abril de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 07B2232, no qual se tratou da mesma questão a propósito da al. a) do nº 2 do então artigo 24º do Código das Expropriações de 91, pois este preceito foi mantido sem alteração no actual artigo 25º, nº 2, a).

Segundo o disposto na al. a) do nº 2 do artigo 25º do Código das Expropriações de 1999, artigo cuja epígrafe é “Classificação de solos”, considera-se solo apto para construção “o que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir”.

Sustentam os recorrentes que não é exigível a disponibilidade simultânea de todas as infra-estruturas enumeradas na al. a) do nº 2 do artigo 25º, para que uma parcela possa ser qualificada como apta para construção ao abrigo desta mesma alínea; e que não é necessário que as infra-estruturas estejam “coladas à parcela ou ao prédio-mãe”.

Entende-se, todavia, que não é esse o significado com que a lei deve ser interpretada.

Se assim fosse, tornar-se-iam incompreensíveis os termos das alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 25º, que só fazem sentido se vierem permitir a classificação como solo apto para construção a terrenos que assim não poderiam ser classificados em aplicação do disposto na alínea a), por lhe faltar alguma ou algumas das infra-estruturas nele referidas. No caso da alínea b), exige-se que o solo, não obstante não dispor de todas as infra-estruturas enumeradas na al. a), se inclua num núcleo urbano, para que possa ser classificado como solo apto para construção; na al. c), para se poder considerar relevante o plano municipal de ordenamento do território, impõe-se que dele resulte que o solo esteja destinado a adquirir ”as características descritas na alínea a)”.

A exigência de que se existam todas as infra-estruturas previstas na alínea a) do nº 2 do artigo 25º, para os casos em que um solo não pode ser considerado como apto para construção senão ao abrigo desta alínea, é, aliás, a interpretação que respeita a razão que levou o legislador, em 1991, a alterar os critérios de classificação dos solos que constavam do Código das Expropriações de 1976, razões essas que continuam a esclarecer o texto de 1999. Na verdade, e como se pode verificar na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 252/VII (Diário da Assembleia da República, II-A, nº 45, pág. 1250(22) e segs.), que veio a ser aprovada como o Código das Expropriações de 1999, o legislador de 1999 pretendeu clarificar “os critérios gerais de cálculo da justa indemnização, de modo a que esta corresponda ao valor real e corrente do bem expropriado”; mas, quanto ao ponto que agora interessa, não alterou os critérios de classificação dos solos, de forma a conduzir a solução diferente no caso de que nos ocupamos.

Continua pois a ser o preâmbulo do Decreto-Lei nº 438/91 (que aprovou o Código das Expropriações de 1991) que permite encontrar o objectivo do legislador neste ponto da classificação dos solos, por confronto com a lei anterior.

Ora, e novamente seguindo o que se escreveu já no citado acórdão de 23 de Abril de 2009, como se pode ler neste preâmbulo, a introdução da distinção entre solos aptos para construção e solos para outros fins teve como objectivo alcançar uma forma mais adequada de fixação do valor dos terrenos expropriados, em obediência aos princípios constitucionais da justa indemnização (nº 2 do artigo 62º da Constituição) e da igualdade (artigo 13º, nº 1, também da Constituição), e tomando em consideração “a jurisprudência do Tribunal Constitucional a propósito do artigo 30º do Código” então “revogado” (cuja análise faz Alves Correia em A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, pág. 38 e segs.).

Pretendeu-se, assim, consagrar na lei a relevância da “potencial aptidão edificativa dos terrenos expropriados e localizados fora dos aglomerados urbanos ou em zona diferenciada de aglomerado urbano”, ressalvando, no entanto, eventuais “restrições ou até mesmo proibições ao direito de construção”, resultantes, por exemplo, de servidões ou de regulamentos.

É essa a explicação da selecção constante da alínea a) do nº 2 do artigo 24º do Código das Expropriações de 91, correspondente à al. a) do nº 2 do artigo 25º do Código das Expropriações de 99, que manteve os requisitos, entendida como demonstrando uma “muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa”, tal como a que resulta dos requisitos exigidos pelas restantes alíneas deste nº 2, para utilizar as expressões que o Acórdão nº 194/97 do Tribunal Constitucional (Diário da República, II Série, de 27 de Janeiro de 1999), na sequência do acórdão nº 131/88 (Diário da República, I Série, de 29 de Junho de 1988), usa:

«O legislador, ao definir solo apto para construção, não adoptou "um critério abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído o integrado em prédios rústicos, é passível de edificação, mas antes um critério concreto de potencialidade edificativa" sublinha Fernando Alves Correia, na Introdução ao Código das Expropriações e outra Legislação Sobre Expropriações por Utilidade Pública, Aequitas, Editorial Notícias, 1992. O legislador, ao proceder à identificação dos solos aptos para a construção, teve, na verdade, em conta como refere o mesmo Autor (loc. cit.) "elementos certos e objectivos, espelhados na dotação do solo com infra-estruturas urbanísticas [artigo 24º, nº 2, alínea a)], na sua inserção em núcleo urbano [artigo 24º, nº 2, alínea b)], na qualificação do solo como área de edificação por um plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz [artigo 24º, nº 2, alínea c)] ou na cobertura do mesmo por alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública [artigo 24º, nº 2, alínea d)]».

Conclui-se, portanto, que se exige a existência cumulativa das infra-estruturas enumeradas na al. a) do nº 2 do artigo 25º do Código das Expropriações de 1999 para que, ao abrigo dessa disposição, um terreno expropriado seja qualificado como solo apto para construção; e que é necessário que o solo esteja dotado das referidas infra-estruturas.

9. Finalmente, as recorrentes entendem que, “tendo o solo sido abrangido posteriormente à aquisição por PDM restritivo quando expropriado para uma auto-estrada, tem de aplicar-se para o cálculo o critério do nº 12 do artigo 26º do C.E.”.

A apreciação desta questão obrigaria a determinar se o nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações de 1999, literalmente aplicável ao cálculo da indemnização pela expropriação de “solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor”, deve ou não aplicar-se a solos inseridos por PDM em área de Espaço Agro Florestal, desde que adquiridos pelos expropriados em data anterior a essa inserção (sendo a causa da perda de capacidade edificativa, nos termos em que a detinham).

Como se recordou no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Março de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 13729/07.3TBVNG.P2.S1, o nº 12 do artigo 26º corresponde, com alterações, ao nº 2 do artigo 26º do Código das Expropriações de 1991: “2. Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde ou de lazer por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300m do limite da parcela expropriada”; e carece ainda de ser confrontado com a eliminação do nº 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991 (“Para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”) e com abundante jurisprudência, nomeadamente deste Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, para se alcançar uma resposta segura quanto ao respectivo âmbito de aplicação.

No caso presente, porém, não se justifica tal confronto, por uma razão que desde logo excluiria a sua aplicação, directa ou não: não está provado que os expropriantes tenham adquirido a propriedade do prédio em data anterior à da entrada em vigor do PDM de Ribeira de Pena, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 1/95, 12 de Janeiro de 1995 (nº 1 do artigo 58º); cfr. ponto D) dos factos provados (“A propriedade do prédio referido em C) mostra-se registada a favor dos expropriados AA e marido BB, pela Ap. 1 de 24/11/1999, conforme certidão junta aos autos a fls. 56 a 58, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido”) ; sendo que lhes cabia o ónus da respectiva prova (nº 1 do artigo 342º do Código Civil).

É certo que alegaram perante a Relação que a aquisição foi anterior, por ter resultado de usucapião; e assim consta do registo (cfr. fls. 57, v.). Mas, na verdade, nada se encontra provado quanto ao ponto que relevaria para o efeito que agora está em causa, e que seria o de a aquisição pelos expropriantes ser facticamente anterior à entrada em vigor do PDM (não tendo, por exemplo, sucedido em posse de outros possuidores anteriores), de forma a justificar a protecção concedida pelo nº 12 do artigo 26º.

Ao que acresce que o não preenchimento dos critérios definidos pelo nº 2 do artigo 25º para a qualificação de solo apto para construção sempre afastaria a aplicação do nº 12 do artigo 26º, que pressupõe que a perda de capacidade edificativa resulta da aplicação do PDM. Por esta razão, aliás, sempre se trataria de um caso diferente daquele que foi apreciado por este acórdão de 26 de Março de 2015, no qual se analisou a possibilidade de aplicação deste nº 12, “seja por interpretação extensiva, seja por interpretação analógica”, a “terrenos integrados na RAN ou na REN que, apesar disso, preencham os requisitos de qualificação de solo apto para construção”, concluindo em sentido negativo.

10. Nestes termos, concede-se provimento parcial à revista e anula-se o acórdão recorrido, determinando que seja reformulado o cálculo da indemnização em conformidade com o que se decidiu no ponto 5. deste acórdão.  

Custas conforme o que vier a ser decidido a final.

Lisboa, 16 de Março de 2017

Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego