Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1329/15.9T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CASO JULGADO FORMAL
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
CONHECIMENTO DO MÉRITO
FUNDAMENTOS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
RESTITUIÇÃO
EXEQUENTE
EXECUTADO
ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
CASO JULGADO MATERIAL
NOVA PETIÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / CASO JULGADO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, 86 e 87.
- Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª ed., 303 a 305.
- Carlos Soares, in Themis, n.º 7, 241 a 259.
- Castro Mendes, Acção Executiva, 54.
- Jorge de Almeida Esteves, in Themis, n.º 18, 47 e seguintes.
- Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4.ª ed., 190 e 191; in Cadernos de Direito Privado, n.º 26, p. 43
- Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 3.ª ed., II volume, 117.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 580.º, 581.º, 619.º, N.º 1, 620.º, 628.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DAS RELAÇÕES:

-DA RP, DE 6 DE FEVEREIRO DE 2007, PROCESSO N.º 0720269, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DA RL, DE 7 DE FEVEREIRO DE 2013, PROCESSO N.º 4279/10.1TBVFX.L1-6, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DA RC, DE 21 DE JANEIRO DE 2014, PROCESSO N.º 1117/09.1T2AVR.C1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DA RP, DE 13 DE MARÇO DE 2014, PROCESSO N.º 2997/11.6TBMTS.P1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 16-02-2012, PROCESSO N.º 286/07.0TVLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 06-12-2016, PROCESSO N.º 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2.
Sumário :
I - Tendo o executado deduzido oportunamente oposição à execução, mas extinguindo-se a oposição por decisão que absolveu o exequente da instância por se ter entendido que havia caso julgado obstativo do conhecimento do mérito da oposição, tal decisão formou apenas caso julgado formal restrito ao processo da oposição.

II - Deste modo, tendo a execução prosseguido, nada impede, seja em termos de preclusão seja em termos de caso julgado, que o executado renove a discussão que visou travar na oposição, através de ação onde visa a restituição do enriquecimento sem causa do exequente.

Decisão Texto Integral:

Processo nº 1329/15.9T8VCT.G1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de ...

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA e BB demandaram, pelo Tribunal Judicial de ... e em autos de ação declarativa com processo na forma comum, CC, peticionando que: a) se declare que a quantia que o Réu emprestou aos Autores através do contrato de mútuo a que aludem foi na verdade de € 75.000,00 e não de € 115.000,00 como consta exarado no respetivo título (escritura pública de mútuo com hipoteca, outorgada em 11 de novembro de 2003); b)se declare que o Réu recebeu dos Autores até 12 de junho de 2007 a quantia de €88.000,00 (capital mutuado e respetivos juros); c) se declare que os Autores nada devem aos Réu relativamente ao dito contrato de mútuo com hipoteca; d) se condene o Réu a pagar ou restituir aos Autores a quantia de €49.764,15, que recebeu no âmbito da execução nº 642/09.9TBEPS, acrescida de juros legais desde a citação; e) se condene o Réu a pagar aos Autores todas as quantias que ainda venha a receber na mesma execução, a liquidar em momento ulterior, e f)se condene o Réu a pagar aos Autores a quantia de €30.000,00 a título de danos morais.

Alegaram para o efeito, em síntese, que, diferentemente do que consta da escritura pública que formalizou o mútuo com hipoteca a que se reportam (escritura onde se refere falsamente um empréstimo no montante de €115.000,00), apenas se visou emprestar e lhes foi efetivamente emprestada pelo Réu a quantia de €75.000,00, quantia esta que os Autores restituíram oportunamente (a restituição da última parte ocorreu em 12 de junho de 2007), e que, com os respetivos juros, totalizou €88.000,00. Ocorre que a despeito disto, o Réu instaurou contra os Autores, em 26 de maio de 2009, com base na dita escritura, uma execução (que tomou o nº 642/09.9TBEPS), alegando que o montante mutuado foi de €115.000,00, de que lhe fora restituído entretanto apenas €77.000,00, reclamando assim a diferença de €38.000,00 e respetivos juros (tudo no total de €45.165,39). Os ora Autores deduziram oposição a essa execução, alegando que nada deviam ao ora Réu referentemente ao dito mútuo, por isso que haviam já restituído a quantia emprestada e pago os seus juros. O Réu contestou a oposição e, para além do mais, suscitou a exceção do caso julgado, sustentando que a existência do crédito exequendo havia já sido reconhecida por decisão proferida no âmbito de uma outra execução (a execução nº 6593/04.6TBBRG) - mais propriamente, a decisão em causa fora a proferida em 24 de outubro de 2006 no âmbito do apenso de separação de bens requerida pelo cônjuge do Executado (ou seja, a ora Autora) na sequência da penhora de bens comuns - que a ali exequente DD, S.A. tinha instaurado contra o ora Autor. Esta exceção do caso julgado veio a ser julgada procedente (por decisão de abril de 2012) na referida oposição à execução nº 642/09.9TBEPS, tendo o aí Exequente (o ora Réu) sido absolvido da instância na oposição. Por isso a tal execução intentada pelo ora Réu prosseguiu, em resultado do que veio a ser vendido um imóvel dos autores, de cujo produto o ali Exequente (e ora Réu) recebeu €49.764,15. Quantia esta com que se locupletou indevidamente, precisamente porque nada lhe era devido pelos Autores, razão pela qual a deve restituir aos Autores.

Contestou o Réu.

Para além de ter apresentado uma versão diferente dos factos, suscitou a exceção do caso julgado formado pelas supra referidas decisões proferidas no processo nº 6593/04.6TBBRG-B (apenso de separação de bens no processo executivo instaurado por DD, S.A.) e no processo nº 642/09.9TBBRG (oposição à execução instaurada pelo ora Réu). Concluiu assim que deveria ser absolvido da instância, não se podendo conhecer do mérito da presente causa.

Seguindo o processo seus termos, veio a ser proferido despacho saneador onde se julgou procedente a exceção do caso julgado, sendo o Réu absolvido da instância.

Inconformados com o assim decidido, apelaram os Autores.

Fizeram-no sem sucesso, pois que a Relação de ... julgou improcedente o recurso e confirmou o dispositivo da decisão recorrida.

De novo inconformados, pedem os Autores revista.

Apresentaram o seu recurso como revista excecional, convocando para o efeito a verificação das hipóteses previstas nas alíneas a) e c) do nº 1 do art. 672º do CPCivil. Porém, a formação de juízes a que alude o nº 3 da mesma norma decidiu que não ocorria uma situação de dupla conformidade decisória das instâncias (entendeu-se que havia diversidade de fundamentação), determinando a distribuição do processo como revista normal para virtual admissão como tal.

Efetuada a distribuição, entendeu o relator que nada obstava ao conhecimento do recurso, entendimento que aqui se reitera.

Da respetiva alegação extraem os Recorrentes as seguintes conclusões (transcrevem-se apenas as que têm interesse para a decisão a tomar, por isso que as conclusões 1ª a 12ª referem-se à admissibilidade da revista excecional, questão que está já ultrapassada):

13- Para além da matéria de facto considerada na decisão recorrida, deve ser considerada, porque provada por documento autêntico e ter interesse para a decisão da causa, a matéria alegada no art. 30 da p.i. e que corresponde aos factos dados como provados na Oposição à Execução 642/09.9TBEPS-A, do Tribunal Judicial da Comarca de ….

14-Entendem os AA que não se verifica a exceção do caso julgado, nem a preclusão, devendo os autos prosseguir os seus termos para julgamento.

15- Não se verifica a exceção do caso julgado, quer relativamente à decisão proferida no Proc. 6593/04.6TBBRG, do 3° Juízo Cível do Tribunal Judicial de …, quer relativamente à decisão proferida no Proc. n° 642/09.9TBEPS-A, do Tribunal de …, porquanto nenhuma das decisões aí proferidas foi decisão de mérito.

16- O Proc. 6593/04.6TBBRG, do 3° Juízo Cível de …, foi declarado extinto por inutilidade superveniente da lide, não se tendo aí proferido qualquer sentença ou decisão judicial.

17- No Proc. 642/09.9TBEPS-A, do Tribunal de …, também não foi proferida qualquer decisão judicial de mérito, pois que aí foi declarado verificar-se a exceção dilatória do caso julgado e, em consequência foi o exequente absolvido da instância.

18- Conforme consta dos documentos juntos aos autos, não foi proferida nenhuma decisão de mérito nem na Execução 6593/04.6TBBRG, do 3° Juízo Cível de ..., nem no Proc. 642/09.9TBEPS-A, do Tribunal de ..., não se tendo em nenhum desses processos apreciada a matéria de facto e de direito aí alegadas e não tendo sido proferida em nenhum dos processos decisão de facto ou de mérito, inexistindo, assim, caso julgado material, não se verificando, pois, a exceção do caso julgado.

19- O raciocínio e argumentos explanados na sentença proferida na Oposição à Execução n° 642/09.9TBEPS-A e que conduziram a que se julgasse verificada a exceção dilatória de caso julgado, não podem colher e baseiam-se em pressupostos e factos falsos e errados, pois que, a decisão proferida na reclamação de créditos apresentada na Execução 6593/04.6TBBRG do 3° Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., não transitou em julgado, tendo sido anulada e dada sem efeito.

20- Por despacho proferido em 16/6/2006 no Proc. 6593/04.6TBBRG¬C, do 3° Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., foi declarada nula a penhora do imóvel descrito na CRP de ... sob o n° 1111, tendo sido ordenado o levantamento e cancelamento do respetivo registo e, face a tal douto despacho, foi declarada, em 10/07/2006, a nulidade dos termos subsequentes à penhora, nomeadamente a convocação de credores, facto que era do conhecimento do R. desde Julho de 2006.

21- E por despacho de 10/7/2006 proferido no apenso da Reclamação de Créditos n° 6593/04.6TBBRG-D, foi declarada extinta a instância de reclamação de créditos por inutilidade superveniente da lide, decisão que transitou em julgado (cfr. doc. 15 da p.i.), facto que era do conhecimento do R.

22- E também por douto despacho de 24/1 /2007, proferido no apenso da Partilha de Bens em Casos Especiais n° 6593/04.6TBBRG-B, foi declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

23- O A. deu conhecimento de tais factos nos autos de Oposição à Execução e nomeadamente da sentença a declarar extinta a instância de reclamação de créditos, o que fez por requerimentos de 1 e 10 de Setembro de 2010.

24- Quando foi proferida (em 10/4/2012) a sentença nos autos de Oposição à Execução (junta como doc. 14 da p.i.) já havia sido declarada extinta a instância de reclamação de créditos na Execução 6593/04.6TBBRG-C, cuja decisão de extinção da instância é de 10/7/2006, bem como havia sido declarada extinta a instância da partilha de bens por inutilidade superveniente da lide.

25- Quando foi proferida a sentença na Oposição n° 642/09.9TBEPS-A, do 1 ° Juízo do Tribunal de ..., já não existia nenhuma reclamação de créditos, nem sentença de graduação de créditos, por ter sido anulada e dada sem efeito cerca de 6 anos antes, facto que era do conhecimento do R. e do Tribunal, pelo que, não se podia dar como verificada a exceção de caso julgado, porque não há nem nunca houve nenhum caso julgado.

26- Conforme se pode constatar dos autos, nenhuma decisão proferida no Proc. 6593/04.6TBBRG e apensos decidiu questão de mérito suscetível de constituir caso julgado material.

27- Os despachos proferidos nos apensos do processo 6593/04.6TBBRG, do 3° Juízo Cível do Tribunal Judicial de ... não entraram na apreciação de qualquer das questões de mérito, limitando-se a julgar extinta a instância com fundamento na inutilidade superveniente da lide, derivada da extinção da execução, circunscrevendo-se à apreciação de questão meramente processual traduzida no facto de, estando a execução extinta, não haver interesse nem utilidade no prosseguimento do processo.

28- Ao contrário do referido na sentença proferida no Proc. 642/09.9TBEPS, não houve sentença que reconheceu o crédito do exequente proferida no âmbito do processo n° 6593/04.6TBBRG, do 3° Juízo Cível do Tribunal Judicial de ....

29- Não havendo apreciação de mérito, não há caso julgado material, não existindo, assim, obstáculo à propositura da presente ação com o fundamento de, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, os A.A. reaverem do exequente o que pagaram indevidamente, nos termos do disposto no art. 476º do Cód. Civil.

30- Entendem os A.A. que, não obstante o sucedido no Proc. 642/09.9TBEPS, lhes assiste o direito de instauração da presente ação, reavendo do R. o que entendem que pagaram indevidamente no processo executivo.

31- Na verdade, face aos factos provados na oposição à Execução 642/09.9TBEPS, de onde resulta que a quantia mutuada foi apenas de 75.000,00 € e não de 115.000,00 €, deve a ação prosseguir com vista ao que foi indevidamente pago na execução, acima da quantia de 75.000,00 €, interessando apurar se houve recebimento indevido e em que montante.

32- Pois que, conforme alegam os AA., quando o R. instaurou a execução 642/09.9TBEPS, em 26/5/2009, os A.A. já nada deviam ao R., tendo este dado à execução o contrato de mútuo valendo-se do facto de no mesmo constar que a quantia mutuada era de 115.000,00 €, quando na verdade foi apenas de 75.000,00 €.

33- Pretendem os A.A. a restituição do que indevidamente o R. recebeu na Execução 642/09.9TBEPS, direito que lhes assiste, face aos factos dados como provados na Oposição à Execução n° 642/09.9TBEPS e ao sucedido quer nesse processo executivo, quer no Processo executivo 6593/04.6TBBRG e seus apensos.

34- O executado pode defender-se em ação declarativa, visando a restituição do indevido prevista no art. 476° do Código Civil, mediante a invocação do que podia ter sido fundamento de oposição.

35- Só as decisões transitadas que incidam sobre o mérito da causa, ou seja, que apreciem a relação material controvertida que se discute na ação adquirem a força de caso julgado material e têm a virtualidade de poder ter força obrigatória fora do processo em que foram proferidas.

36- Sobre a decisão que julga extinta a execução forma-se apenas caso julgado formal, não se estendendo a sua eficácia para além do âmbito do processo em que foi proferida.

37- Se sobre a sentença proferida na oposição à execução não se constituir caso julgado material, o efeito preclusivo não impede que o executado lance mão de ação declarativa com vista à restituição do indevido.

38- A decisão recorrida violou e viola por errada interpretação e aplicação o disposto nos arts. 473, 476 e 479 do Cód. Civil e no art. 596 no NCPC.

Terminam dizendo que deve ser revogado o acórdão recorrido, a ser substituído por outro que julgue improcedente a exceção do caso julgado e do princípio da preclusão, e que ordene o prosseguimento dos autos.

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A parte contrária contra alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões a conhecer:

- A de saber se devem ser considerados novos factos, pois que provados por documento;

- A de saber se se verificam as exceções do caso julgado e da preclusão, obstativos do conhecimento do mérito da presente ação.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto:

O acórdão recorrido assume como provados os factos seguintes:

1. Por escritura pública celebrada em 11.11.2003 (documento de fls. 14 a 17, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido), o réu, como primeiro outorgante e os autores, como segundos outorgantes, declararam o seguinte:

“Que, pela presente escritura, celebram um contrato de mútuo oneroso com hipoteca que obedecerá às condições e cláusulas seguintes:

PRIMEIRO: Os segundos outorgantes constituem-se devedores do primeiro outorgante da quantia de 115.000 €, que aquele lhes empresta e que ao mesmo se obrigam a pagar no prazo de um ano, a contar desta data, renovável em caso de acordo entre as partes.

SEGUNDO: Este empréstimo vence juros à taxa de 4% ao ano, elevável, em caso de mora, em mais 4%.

(…)

Para garantia do pagamento deste empréstimo, respectivos juros e despesas (…) o segundo outorgante marido constitui hipoteca a favor do primeiro outorgante sobre o (…) prédio urbano (…) descrito na matriz predial sob o nº 00964, freguesia de ... (…)

Declarou a segunda outorgante que a seu referido marido dá consentimento para a hipoteca que o mesmo acaba por efectuar”;

2. Em 26.05.2009 o réu instaurou contra os autores a ação executiva 642/09.9TBEPS, que correu os seus termos pelo extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de ..., atualmente pendente no Tribunal de ... com o mesmo nº 642/09.9TBEPS- Instância Central – 2ª Secção Execução – J2, com base na escritura de mútuo com hipoteca aludida em 1, conforme documento de fls. 20 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. No respetivo requerimento executivo, o ali exequente e aqui réu alegou que o montante mutuado foi de 115.000,00 €, dando à execução tal título por tal valor, e alegou ainda ter recebido dos autores a quantia de 77.000,00 €, reclamando, assim, a diferença no montante de 38.000,00 € e respetivos juros, no total de 45.165,39 €, conforme documento de fls. 20 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4. Os ora autores deduziram oposição à execução alegando que a quantia mutuada fora apenas de 75.000,00 € e não de 115.000,00 €, e ainda que pagaram ao réu o montante de 75.000,00 €, acrescido de todos os juros, considerando o valor do empréstimo integralmente liquidado e nada devendo ao réu, conforme documento de fls. 26 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. O ora réu deduziu contestação à oposição, alegando a sua improcedência e alegando ainda a existência de caso julgado pelo facto de o tribunal ter reconhecido o seu crédito no âmbito da Execução nº 6593/04.6TBBRG, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., que a exequente DD intentou contra o autor marido, alegando que a reclamação deduzida no apenso referente à separação de bens não foi objeto de qualquer contestação por parte dos oponentes, tendo sido aceites os valores reclamados e os montantes titulados pela escritura, tendo o crédito sido reconhecido e graduado, tendo transitado sem que tivesse sido interposto recurso por parte dos oponentes, conforme documento de fls. 35 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

6. Realizado o julgamento, foi proferida, em Abril de 2012, sentença que julgando verificada a exceção dilatória de caso julgado absolveu o ali exequente e ora réu da instância, constando da mesma que “a dedução de oposição à execução viola o caso julgado formado com a sentença que reconheceu o crédito do exequente, proferida no âmbito do processo nº 6593/04.6TBBRG, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., atenta a falta de impugnação da reclamação ali apresentada, sendo a revelia dos aqui Opoentes ser ali operante, sendo certo que existe a referida tríplice identidade: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir”, conforme documento de fls. 43 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7. Os autores não interpuseram recurso da decisão proferida no processo n.º 642/09.9TBEPS-A, a qual lhes foi notificada em 10.04.2012.

8. Por despacho proferido em 16.06.2006 no processo nº 6593/04.6TBBRG-C, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., foi declarada nula a penhora do imóvel descrito na CRP de ... sob o nº 1111, tendo sido ordenado o levantamento e cancelamento do respetivo registo, conforme certidão constante de fls. 135 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos.

9. Face a tal despacho, foi declarada, em 10.07.2006, a nulidade dos termos subsequentes à penhora, nomeadamente a convocação de credores, conforme certidão constante de fls. 135 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos.

10. Por despacho de 10.07.2006 proferido no apenso da reclamação de Créditos nº 6593/04.6TBBRG-D, foi declarada extinta a instância de reclamação de créditos por inutilidade superveniente da lide, decisão que transitou em julgado, conforme certidão constante de fls. 135 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos.

11. No âmbito do Processo nº 6593/04.6TBBRG-B, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., referente à separação judicial de bens entre os executados AA e BB, o ora réu CC procedeu à reclamação de crédito no valor de 56.000 €, sem prejuízo dos juros moratórios entretanto vencidos e vincendos, tendo tal reclamação sido julgada procedente por decisão de 24.10.2006, conforme certidão constante de fls. 135 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos.

12. No âmbito da conferência de interessados realizada nesse mesmo processo, pelos ora autores foi dito que “Aprovam o passivo”, constando da respetiva relação de bens o crédito que viria a ser reclamado no processo nº 642/09.9TBEPS, conforme certidão constante de fls. 135 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos.

13. O processo nº 6593/04.6TBBBRG-B foi igualmente declarado extinto por inutilidade superveniente da lide, conforme certidão constante de fls. 135 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos.

De direito:

Quanto à matéria da conclusão 13ª:

Já no seu recurso de apelação os ora Recorrentes haviam pretendido que os factos que descreveram no artigo 30º da petição inicial deviam ser dados como provados. A esta pretensão respondeu o acórdão recorrido da seguinte forma: “ (…) Entendem os apelantes que deveriam ter sido dados como provados os factos que alegou no artº 30º da petição inicial, por se encontrarem provados por documentos. No artigo 30º os apelantes reproduzem os factos dados como provados na sentença proferida no processo 642/09. Ora, encontra-se junta a estes autos cópia da referida sentença e no ponto 6 da sentença recorrida faz-se alusão à mesma, não sendo necessário reproduzir todo o seu teor, não constituindo qualquer erro de julgamento a não inclusão nos factos provados dos factos alegados no artº 30º da oposição dos apelantes, onde os apelantes reproduzem os factos dados como provados na referida sentença.

Mantém-se consequentemente inalterada a matéria de facto que já contempla o reclamado pelos apelantes.”

Este ponto de vista do acórdão recorrido está inteiramente correto, e limitamo-nos a subscrevê-lo.

Acrescentamos apenas o seguinte, isto com o objetivo de desfazer aquilo que parece constituir um pequeno (grande) equívoco dos Recorrentes, que é o de pensarem (v. conclusões 13ª e 31ª) que a prova dos factos no processo nº 642/09 vale sem mais para o caso vertente. Mas não é assim. Sendo embora verdade que os ditos factos estão exarados num documento autêntico (decisão judicial), representam todavia o produto de um julgamento circunscrito ao respetivo processo. A prova desses factos em si mesma não se impõe no presente processo, pelo que a sua transcrição não passaria de um ato puramente descritivo do que aconteceu em outro processo, sem qualquer interesse relevante para o caso vertente. Aliás, é algo anacrónico que os Recorrentes sustentem que o decidido a final nesse processo não é vinculativo (em termos de caso julgado) no processo vertente, e ao mesmo tempo estejam a significar que a decisão da matéria de facto decidida naquele processo já se imporia neste. Em que ficaríamos?

Improcede pois a conclusão em destaque.

Quanto à matéria das demais conclusões:

Sustentam os Recorrentes ao longo destas conclusões que nada impede o conhecimento das pretensões que deduziram na presente ação, por isso que, ao contrário do decidido nas instâncias, inexiste qualquer caso julgado ou qualquer preclusão que a tanto obste.

Vejamos:

Percorrendo a decisão da 1ª instância, vemos que nela se entendeu basicamente que toda a discussão de mérito (neutralizadora da pretensão executiva que o ora Réu contra eles deduziu) que os ora Autores estão agora a suscitar na presente ação só podia ter sido travada em sede de oposição à execução anteriormente instaurada, de sorte que ficou precludida a possibilidade de renovar essa discussão em uma outra ação. Neste particular a sentença defende que estão abrangidas pelo caso julgado não só as questões invocadas e apreciadas na oposição à execução, mas também aquelas que o poderiam ter sido, considerando-se definitivamente exauridos os meios de defesa que poderiam ter sido invocados, mas não o foram. Por outro lado, mais decorre da sentença, o já decidido na oposição a tal execução (absolvição da instância do aí exequente, e aqui Réu) fez caso julgado que releva na presente ação, sendo que a absolvição da instância ali decretada teve por pressuposto a existência de uma anterior decisão de mérito (tratar-se-ia assim, palavras nossas, de uma espécie de caso julgado em cascata). Conclui-se na sentença que “os efeitos preclusivos da decisão proferida na oposição à execução projetam-se neste processo, o que implica a absolvição do réu da instância”.

Por seu turno, do acórdão recorrido retira-se que se entendeu que não procede qualquer exceção do caso julgado (visto que só o caso julgado material relevaria, e o que é certo é que a decisão proferida na oposição à execução não se pronunciou sobre o mérito da causa, antes conheceu de uma exceção dilatória que conduziu à absolvição da instância), mas que, apesar de não ter havido pronúncia sobre o mérito da causa, sempre existe óbice ao conhecimento do mérito da presente causa por força do princípio da preclusão autonomamente considerado. Esclarece a propósito o acórdão que “Se sobre a sentença se constituir caso julgado material, o efeito preclusivo dissolve-se no instituto geral do caso julgado, se não, então assume autonomia. Não é lícito à parte eximir-se ao efeito cominatório ou preclusivo mediante a propositura de ação de enriquecimento sem causa, para ultrapassar a falta de alegação em tempo oportuno (…)”.

Que dizer?

A nosso ver não procede in casu qualquer exceção do caso julgado nem se impõe qualquer efeito preclusivo. O que é dizer, concordamos, no essencial, com os fundamentos do recurso.

Justificando:

Como é sabido e consabido, o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão judicial por efeito do seu trânsito em julgado. E este trânsito em julgado acontece quando a decisão não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (art. 628º do CPCivil). Subjacente ao trânsito em julgado está, a mais da boa administração da justiça e da funcionalidade dos tribunais, a salvaguarda da paz social (garantia da resolução definitiva de um litígio). O caso julgado pode ser formal ou material, assentando o critério da distinção no âmbito da sua eficácia. Assim, o caso julgado formal, que é o que decorre das decisões que recaem unicamente sobre a relação processual, tem apenas um valor intraprocessual, isto é, só vincula no próprio processo em que a decisão é proferida (art. 620º do CPCivil); já o caso julgado material, que é o que decorre das decisões de mérito (as que decidem sobre a relação material controvertida, ou seja, as que apreciam, no todo ou em algum dos seus elementos, a procedência ou improcedência da ação), tem força obrigatória dentro do processo e, dentro dos limites fixados pelos art.s 580º e 581º, fora dele (art. 619º, nº 1 do CPCivil).

Por sua vez - e estamos aqui a transcrever o que se aduz no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2016 (processo nº 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, relator Fonseca Ramos), que, por seu turno, transcreve a doutrina de Miguel Teixeira de Sousa - a preclusão pode ser definida como a inadmissibilidade da prática de um ato processual pela parte depois do prazo perentório para a sua realização, sendo que uma das funções que realiza é a de estabilização: uma vez inobservado o ónus de praticar o ato, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do ato, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico. Quando referida a factos, a preclusão é correlativa não só de um ónus de alegação, mas também de um ónus de concentração: de molde a evitar a preclusão da alegação do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado. A correlatividade entre o ónus de concentração e a preclusão significa que, sempre que seja imposto um ónus de concentração, se verifica a preclusão de um facto não alegado, mas também exprime que a preclusão só pode ocorrer se e quando houver um ónus de concentração. Se não for imposto à parte nenhum ónus de concentração, então a parte pode escolher o facto que pretende alegar para obter um determinado efeito e, caso não o consiga obter, pode alegar posteriormente um facto distinto para procurar conseguir com base nele aquele efeito. Na oposição à execução, o embargante têm o ónus de concentrar na petição todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ele formulado. A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados naquela petição. Após o trânsito em julgado da decisão proferida na oposição à execução, aquela preclusão, em vez de operar per se, atua através da exceção de caso julgado, apesar de não existir entre a primeira e a segunda ação identidade de fundamentos e, portanto, identidade de objetos. A preclusão extraprocessual pode operar num outro processo antes de se constituir qualquer caso julgado nesse processo: portanto, os efeitos da preclusão não estão dependentes do caso julgado. O caso julgado e a exceção de caso julgado não produzem nenhum efeito preclusivo distinto daquele que, quanto aos factos não alegados, se verifica no processo em que é proferida a decisão transitada em julgado. Depois de haver no processo uma decisão transitada em julgado, a preclusão extraprocessual deixa de operar per se, passando a atuar através da exceção de caso julgado. Em suma: pode falar-se de “preclusão e caso julgado”, mas não de “caso julgado e preclusão”.

De acordo com entendimento doutrinário corrente (assim, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª ed., pp. 190 e 191; Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., pp. 303 a 305; e, de certa forma, Castro Mendes, Acção Executiva, p. 54), o executado não está sujeito a qualquer ónus de oposição à execução (aliás, não é citado ou notificado sob qualquer cominação para o caso de não deduzir oposição), e daqui que, não deduzindo oposição, tal não acarreta uma cominação, mas tão só a preclusão, no processo executivo, de um direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso, mas sem que se possa falar de caso julgado a impor-se noutra ação posterior ou de um efeito preclusivo para além do próprio processo executivo. Nesta medida, será de entender (e é o que, no fundo, significam os dois supra citados autores) que deixando o executado de deduzir oposição, nada impedirá que venha depois a invocar em outro processo (isto com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo exequente na execução) os fundamentos (exceções) que podia ter invocado na oposição. É esta também a visão, entre outra vária jurisprudência, do acórdão da RP de 6 de fevereiro de 2007 (processo nº 0720269, relator Vieira e Cunha, disponível em www.dgsi.pt), onde se sustenta que o decurso do prazo para a oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, não existindo fundamento legal para que se possa entender que a respetiva preclusão produz efeitos fora do mesmo, e daqui que a não dedução de oposição à execução não impede o executado de propor ação declarativa que vise a repetição do indevido (no mesmo sentido a doutrina e jurisprudência aí citadas). Este ponto de vista assume toda a lógica desde que, como parece dever ser o caso, se encare a oposição à execução, não como uma contestação ao pedido executivo (e, assim, não se lhe aplica a regra do nº 1 do art. 573º do CPCivil), mas como uma petição de uma ação declarativa autónoma cujo objeto é definido pelo executado (valendo cada um dos fundamentos materiais invocados como verdadeiras causa de pedir).

Diferentes serão as coisas se o executado enveredar pela dedução de oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito. Pois que nos termos do nº 5 do art. 732º do CPCivil atual (que veio consagrar um princípio que já correspondia a uma corrente de opinião bem estabelecida; v. a propósito Jorge de Almeida Esteves, Themis, nº 18, pp. 47 e seguintes), a decisão de mérito proferida na oposição constituirá, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda (esta norma, aliás, confirma a contrario a ideia de que a decisão simplesmente de forma - a que incide sobre a relação processual - não se impõe senão na oposição). Mas se, por qualquer razão, não chega a haver decisão de mérito na oposição à execução que o executado efetivamente apresentou, então nada impedirá que este venha posteriormente (e à semelhança do que sucederia no processo declarativo), em nova ação, renovar a discussão sobre a existência da obrigação exequenda que foi atuada em seu prejuízo na execução, e a extrair daí as pertinentes consequências reintegrativas do seu património (tudo sem prejuízo da eficácia ou validade do processo executivo). Nesta hipótese, não há qualquer caso julgado material a levar em conta, e só este imporia a sua força obstativa na ação subsequente.

Concordantemente, aduz-se no acórdão da Relação de Lisboa de 7 de fevereiro de 2013 (processo nº 4279/10.1TBVFX.L1-6, relatora Fernanda Isabel Perira, disponível em www.dgsi.pt) que o executado pode defender-se em ação declarativa, visando a restituição do indevido, mediante a invocação do que podia ter sido fundamento de oposição, sendo que só as decisões transitadas que incidam sobre o mérito da causa (ou seja, que apreciem a relação material controvertida que se discute na ação) adquirem a força de caso julgado material e têm a virtualidade de poder ter força obrigatória fora do processo em que foram proferidas; Como assim, conclui-se no acórdão, o despacho que põe termo à oposição, julgando extinta a instância, circunscreve-se à apreciação de questão processual, pelo que, por força do caso julgado formal, apenas vincula dentro do respetivo processo. Subscreve-se este ponto de vista.

E no acórdão da Relação de Coimbra de 21 de janeiro de-2014 (processo nº 1117/09.1T2AVR.C1, relator Barateiro Martins, disponível em www.dgsi.pt) aduz-se, e concorda-se também com tal ponto de vista, que o resultado de um processo executivo não goza, via de regra, da irrevogabilidade análoga à do caso julgado material, não obstando, em princípio, à propositura pelo executado de uma ação de restituição do indevido, uma vez que, não representando a oposição à execução uma contestação da ação executiva (e não estando por isso sujeita aos ónus de contestação, de impugnação especificada e de preclusão), esta (a ação de restituição do indevido) se deve ter sempre como admissível e acessível ao executado que, mesmo por negligência, não deduziu qualquer oposição. Só assim não poderá ser, mais se diz no acórdão, se a falta de causa da deslocação patrimonial (produzida na execução) invocada na ação de restituição do indevido tiver a ver com a mesma situação jurídica que foi invocada na oposição deduzida à execução, que aí foi alvo de decisão de mérito (naturalmente, de improcedência) e que por isso fez caso julgado material e que não pode voltar a ser discutida entre as partes.

Dentro desta linha, tem-se entendido que nada impede que o executado que deduziu oposição à execução com determinado fundamento material mas que improcedeu, possa, em ação subsequente, neutralizar o enriquecimento do exequente, mediante a invocação de um outro fundamento material distinto (neste sentido, v., por exemplo, Lebre de Freitas, ob. cit., p. 191; Lebre de Freitas, Cadernos de Direito Privado, nº 26, p. 43; Carlos Soares, Themis, nº 7, pp. 241 a 259; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de fevereiro de 2012, processo nº 286/07.0TVLSB.L1.S1, relator Serra Batista, disponível em www.dgsi.pt; acórdão da Relação do Porto de 13 de março de 2014, processo nº 2997/11.6TBMTS.P1, relator Pedro Martins, disponível em www.dgsi.pt).

No caso vertente não estamos perante uma hipótese em que o executado tenha pura e simplesmente omitido a apresentação de oposição à execução. Pelo contrário, sabemos que os ora Autores deduziram oportuna oposição à execução que contra eles foi instaurada pelo ora Réu. E, inclusivamente, comparando os termos dessa oposição (documento nº 11 junto com a petição inicial) com os termos da presente ação, vemos que o cerne da discussão factual suscitada pelos ora Autores é idêntico: o empréstimo apenas da quantia de €75.000,00 e a sua oportuna restituição ao Réu. A questão que se coloca não é, pois, a de aferir das consequências de uma qualquer omissão de oportuna dedução de oposição à execução, mas sim a de aferir do impacto da dita oposição relativamente à presente ação, mas na certeza de que na oposição não foi produzida qualquer decisão de mérito.

Como se disse acima, o acórdão recorrido, diferentemente da sentença da 1ª instância (que se centrou em parte na ideia de ocorrência de um caso julgado, formado na oposição ao processo executivo nº 642/09.9TBEPS, obstativo da apreciação do mérito da presente causa), assumiu que não havia qualquer caso julgado material a levar em conta. O acórdão direcionou-se, repete-se, para a ocorrência exclusiva de um fenómeno de preclusão, observando, além do mais, que não era lícito à parte eximir-se ao efeito cominatório ou preclusivo gerado na oposição à execução mediante a propositura de ação de enriquecimento sem causa, para ultrapassar a falta de alegação em tempo oportuno.

A verdade é que, como acaba de ser observado, os ora Autores alegaram em tempo oportuno o que entenderam com vista a contrariar a pretensão executiva contra eles apresentada e, nesta medida, não pode dizer-se que a presente ação visa ultrapassar qualquer falta de alegação em tempo oportuno. Mais exatamente, deduziram oposição à execução (processo nº 642/09.9TBEPS) que o ora Réu contra eles instaurou e, entre o mais (vontade viciada) que já não reproduziram na presente ação, alegaram que pelo título dado à execução lhes foi emprestada apenas a quantia de €75.000,00, quantia esta que restituíram oportunamente (bem como que pagaram os respetivos juros), e foi também isto que alegaram na presente ação. O que se passa apenas é que este fundamento da oposição não chegou a ser objeto de qualquer decisão de mérito, por isso que se julgou verificada a exceção do caso julgado e se absolveu o exequente da instância na oposição. Assim sendo, afigura-se que, nos termos sobreditos, não ficaram os ora Autores impedidos de reeditar na presente ação a discussão que visaram travar na oposição, e, como assim, não pode falar-se aqui em preclusão, e muito menos em preclusão na aceção adotada no acórdão recorrido (“propositura de ação de enriquecimento sem causa para ultrapassar a falta de alegação em tempo oportuno”). Deste modo, julgamos que a figura da preclusão não se ajusta ao caso vertente, não sendo por essa razão que o conhecimento do mérito da presente poderá estar prejudicado.

E o que dizer em termos de exceção do caso julgado?

Já vimos que só o caso julgado material relevaria aqui.

O acórdão recorrido, diferentemente do que sucedeu com a decisão da 1ª instância, distancia-se do caso julgado, afirmando que na oposição à execução (processo nº 642/09.9TBEPS) não houve qualquer pronúncia sobre o mérito da causa, condição de um caso julgado material; pelo contrário, o que ali se conheceu foi de uma exceção dilatória (caso julgado) que conduziu à absolvição da instância, e o assim decidido apenas caso julgado formal formou.

E assim é efetivamente.

Pois que em tal oposição não foi produzida qualquer sentença de mérito que tenha apreciado os fundamentos da oposição (ou seja, que tenha conhecido do fundo ou da substância da oposição), antes foi decidido que [a] presente oposição à execução viola o caso julgado formado com a sentença que reconheceu o crédito do exequente, proferida no âmbito do processo nº 6593/04.6TBBRG, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., atenta a falta de impugnação da reclamação ali apresentada, sendo a revelia dos aqui Opoentes ser ali operante, sendo certo que existe a referida tríplice identidade: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir”. Em consequência, mais se decidiu julgar verificada a exceção dilatória do caso julgado, sendo o aí exequente absolvido da instância.

Ora, assim sendo, não se formou senão um caso julgado formal no processo (oposição) nº 642/09.9TBEPS, com eficácia restrita a esse processo. Não se formou qualquer caso julgado material, suscetível de obstaculizar à apreciação da tese factual dos ora Recorrentes (ou seja, de obstaculizar à apreciação de mérito da causa) em ação posterior, como é o caso precisamente da presente.

E que dizer quanto ao decidido no processo executivo nº 6593/04.6TBBRG, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ...? Formou-se aí algum caso julgado que impeça o conhecimento do mérito da presente ação, como pretende o ora Recorrido?

Como resulta do inciso acima transcrito, no processo (oposição) nº 642/09.9TBEPS decidiu-se que se formou caso julgado no referido processo nº 6593/04.6TBBRG, mas o assim decidido não tem aqui qualquer implicação. A força vinculativa dessa decisão vale apenas no figurino do caso julgado formal, não se impondo assim fora do respetivo processo. Observe-se, a propósito, que embora no passado o caso julgado tenha sido perspetivado na lei como exceção perentória por, supostamente, se relacionar indiretamente com o mérito da causa conforme apreciado por anterior decisão (v. a propósito Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, pp. 86 e 87), passou depois a ser opção clara da lei (art. 494º, nº 1, i) do CPCivil anterior e art. 577º, i) do CPCivil atual) considerá-lo como exceção dilatória, a implicar simplesmente a absolvição da instância. O que é dizer, somos livres de indagar no presente processo, independentemente pois do que se decidiu na oposição do processo executivo nº 642/09.9TBEPS, se no dito processo nº 6593/04.6TBBRG se formou algum caso julgado material que obste à apreciação do mérito na presente ação.

E, diferentemente do pressuposto na sentença da 1ª instância proferida nos presentes autos, a resposta não pode deixar de ser negativa.

E não é difícil justificar juridicamente esta asserção.

Vejamos:

Sabe-se que em 16 de junho de 2006 foi nesse processo executivo nº 6593/04.6TBBRG declarada nula a penhora do imóvel aludido nos presentes autos e ordenado o levantamento e cancelamento do respetivo registo, bem como que foi declarada, em 10 de julho de 2006, a nulidade dos termos subsequentes à penhora, nomeadamente a convocação de credores; e que em 10 de julho de 2006 foi declarada extinta a instância na reclamação de créditos (e um dos credores reclamantes era precisamente o ora Réu) por inutilidade superveniente da lide, decisão que transitou em julgado. Não se formou aqui, obviamente, qualquer caso julgado material quanto à existência ou inexistência do crédito do ora Réu sobre os ora Autores. Aliás, o ora Réu, na sua contestação apresentada nos presentes autos (v. os respetivos artigos 14º a 17º), é o primeiro a reconhecer que não se formou no dito processo executivo e no seu apenso de reclamação de créditos qualquer caso julgado. O processo a que o Réu se reporta com toda a clareza como contendo uma decisão que formou caso julgado obstativo da apreciação do mérito na presente ação é o apenso B desse processo executivo nº 6593/04.6TBBRG. Mas não podia estar mais errado.

Efetivamente, sabe-se que o dito apenso B se refere ao processo de separação de bens (nos termos dos art.s 825º, nº 2 e 1406º do CPCivil então em vigor), requerida pela ora Autora no âmbito de execução instaurada por DD, S.A. contra o seu marido, o ora Autor. Na relação do passivo que nesses autos apresentou (em 26 de junho de 2006) o cabeça de casal (o ora Autor), foi relacionada (verba nº 2) a dívida de €50.000,00, de que era credor o ora Réu. Réu este que, tendo sido citado na qualidade de credor, apresentou reclamação (em 13 de julho de 2007) contra a relação, pedindo a retificação do montante do seu crédito, pois que este seria de €56.000,00 (sem prejuízo dos juros moratórios entretanto vencidos e vincendos) e não de €50.000,00. Em 24 de outubro de 2006 foi proferido o seguinte despacho (reproduzido a fls. 219 dos presentes autos): “Considerando o teor da reclamação apresentada pelo credor CC, a fls. 82 e segs., a não oposição do cabeça de casal, notificado da mesma, e o disposto nos artºs 1348º, 1349º, nºs 1 e 5, 1404º, nº 3 e 1406º, nº 1, todos do C.P.C., julgo procedente a reclamação apresentada, ordenando a rectificação da verba nº 2 do passivo relacionado, de forma a que da mesma passe a constar a quantia de €56.000,00. Rectifique e notifique.”

Como se vê, tudo isto se move no âmbito da relacionação do passivo nos termos aplicáveis do processo de inventário (art. 1406º do anterior CPCivil), destinando-se o despacho proferido simplesmente a definir os termos da relação do passivo a submeter depois à aprovação dos interessados em sede de conferência de interessados (v. art. 1353º, nº 3 do anterior CPCivil). E tanto é assim, que foi o que se passou no caso, tendo os interessados (os ora Autores) deliberado, na conferência de interessados (que teve lugar em 5 de janeiro de 2007), aprovar tal passivo. O supra transcrito despacho não conheceu do mérito do que quer que seja, isto é, não definiu (nem tinha que definir) que o crédito reclamado existia ou deixava de existir. Decidiu simplesmente sobre uma questão incidental do processo de inventário (reclamação contra a relação do passivo apresentada pelo cabeça de casal), mandando atender nos termos e para os efeitos do inventário à nova configuração da relação do passivo (relação do passivo esta que, sintomaticamente, o despacho mandou retificar), por isso que o passivo sob reclamação não fora devidamente relacionado pelo cabeça de casal (repete-se que este relacionara um passivo de €50.000,00). Posto que não houve qualquer oposição à dita reclamação, não deixa de valer aqui o que diz Lopes Cardoso (Partilhas Judiciais, 3ª ed., II volume, p. 117): “Neste particular [reclamação do credor], a função do juiz é, por assim dizer, meramente homologatória, por isso que se limita a mandar descrever o crédito depois de verificar que foi reclamado em tempo”. Trata-se assim de uma decisão que formou unicamente caso julgado formal, a valer exclusivamente no âmbito e para os fins do dito processo de separação de bens, e que teve apenas o seguinte significado: da relação do passivo a apresentar à deliberação dos interessados deveria constar a menção à dívida de €56.000,00 (sem prejuízo dos juros) e não a menção à dívida de €50.000,00. A decisão que poderia vir a formar caso julgado material, aqui sim (e dado que o passivo em causa foi aprovado pelos interessados), seria a decisão a proferir nos termos do nº 1 do art. 1354º do CPCivil anterior, ou seja, a sentença que julgasse a partilha e que condenasse no pagamento do dito passivo. Sentença esta que, porém, jamais teve lugar, sabendo-se inclusivamente que o processo nº 6593/04.6TBBBRG-B foi igualmente declarado extinto por inutilidade superveniente da lide.

Donde, também neste processo nº 6593/04.6TBBBRG-B não foi produzida qualquer decisão que tenha formado caso julgado material impeditivo do conhecimento do mérito dos presentes autos.

É certo, entretanto, que parece haver falta de sintonia entre o reconhecimento feito pelos ora Autores, em janeiro de 2007, da existência de uma dívida ao ora Réu no montante de €56.000,00 (acrescendo juros), e aquilo que vieram agora alegar na petição inicial apresentada nos presentes autos (lendo-se os artigos 17º e 21º a 24º da petição, vemos que, na tese dos Autores, o mais que em tal data poderia estar em dívida ao Réu era quantia de €18.000,00). Mas esta estranha falta de sintonia entre uma coisa e outra prende-se com o julgamento dos factos a que se há de proceder e com a decisão de mérito a proferir adrede, nada tendo a ver com a temática prévia do caso julgado (exceção dilatória). E é apenas desta temática que nos compete tratar aqui.

Conclusão: inexiste in casu qualquer caso julgado que obste ao conhecimento do mérito da presente causa. Da mesma forma que não concorre aqui qualquer efeito preclusivo autónomo que obste a esse mesmo conhecimento: não tendo havido até ao momento qualquer decisão de mérito sobre os fundamentos deduzidos pelos ora Autores na oposição à execução que oportunamente apresentaram e que reeditam na presente ação, estamos perante uma questão em aberto. Discordamos assim da absolvição da instância decretada na sentença da 1ª instância e que, embora com fundamentação diferente, foi mantida no acórdão recorrido.

Procede pois a revista.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista, e, revogando o acórdão recorrido, julgam improcedentes as exceções do caso julgado deduzidas pelo Réu, seguindo os presentes autos como ao caso couber.

Regime de custas:

O Réu é condenado nas custas da apelação e nas da presente revista.

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Sumário:

I - Tendo o executado deduzido oportunamente oposição à execução, mas extinguindo-se a oposição por decisão que absolveu o exequente da instância por se ter entendido que havia caso julgado obstativo do conhecimento do mérito da oposição, tal decisão formou apenas caso julgado formal restrito ao processo da oposição.

II - Deste modo, tendo a execução prosseguido, nada impede, seja em termos de preclusão seja em termos de caso julgado, que o executado renove a discussão que visou travar na oposição, através de ação onde visa a restituição do enriquecimento sem causa do exequente.

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Lisboa, 4 de Abril de 2017

José Rainho – Relator

Salreta Pereira

João Camilo