Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
453/06.3TBSLV.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: EMPREITADA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
DENÚNCIA
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
URGÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/19/2012
Votação: MAIORIA COM 2 VOTOS DE VENCIDO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ CONTRATOS
Doutrina: -Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, Contratos Em Especial, 5ª edição, 547.
- Pedro Romano Martinez, in A Garantia contra os vícios da coisa na compra e venda e na empreitada, comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1988, in Tribuna Da Justiça 4/5, 1990, 173/192; Compra e venda e empreitada, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Volume III, Direito das Obrigações, 252; Direito das Obrigações (parte Especial) Contratos, 2000, 464/465; Contrato de Empreitada, 388; Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra E Venda E Na Empreitada, 392/393;
- Pereira de Almeida, Direito Privado II (Contrato de Empreitada), AAFDL, 1983, 97.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, vol. II/868, 892, 893.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 336.º, 408.º, N.º1, 566.º, N.º1, 828.º, 874.º, 875.º, 879.º, ALÍNEA A), 1207.º, 1208.º, 1221.º, 1222.º, 1223.º, 1225.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 30/9/2003;
-DE 30/9/2004;
-DE 25/11/2004;
-DE 12/4/2005;
-DE 12/7/2005;
-DE 7/12/2005;
-DE 13/12/2007;
-DE 5/3/2009;
-DE 13/10/2009;
-DE 7/7/2010;
-DE 14/6/2011; EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I O dono da obra ou terceiro adquirente que se considere lesado pelo empreiteiro com a defeituosa execução daquela, para se ressarcir, terá de respeitar, em princípio, a prioridade dos direitos consagrados nos artigos 1221º e 1222º do CCivil, podendo cumulá-los com um pedido de indemnização nos termos gerais de harmonia com o preceituado no artigo 1223º, caso o empreiteiro se constitua em mora no cumprimento da obrigação dali decorrente quando os defeitos não forem eliminados apesar de ter sido compelido a tal, ou no caso de não ter sido construída obra nova e/ou o preço não tenha sido reduzido, nem resolvido o contrato.

II A situação em que os terceiros adquirentes, se podem legalmente substituir à empreiteira, mandando efectuar as reparações tidas por convenientes, só é admissível num cenário de manifesta urgência, pois esta é a única situação em que a doutrina e a jurisprudência admitem que o credor, directamente e sem o recurso aos Tribunais, proceda à eliminação dos defeitos, vindo posteriormente exigir ao empreiteiro a satisfação do que despendeu.

III É que a acção directa em defesa de um direito só é legalmente admissível, nos termos do artigo 336º do CCivil, quando for indispensável, aferindo-se esta indispensabilidade por uma concomitante situação de impossibilidade de, em tempo útil, o seu titular não poder recorrer aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, devendo, nestas circunstâncias, serem expressamente alegados os elementos factuais justificativos do meio utilizado.

[A.P.B.]

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I C e K intentaram acção declarativa de condenação com processo ordinário contra C CONSTRUTORA, LDA, T CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA, C F e E B, estes dois últimos entretanto absolvidos do pedido, pedindo a condenação:

- de todos os Réus a pagarem-lhes a quantia de €43.741,00 (quarenta e três mil setecentos e quarenta e um euros), a título de indemnização, sendo €38.741,78 para ressarcimento de danos patrimoniais tidos com a reconstrução do muro e €5.000,00 (cinco mil) para compensação de danos não patrimoniais, e juros de mora que se vencerem desde a citação;

- dos Réus T Construção Civil, Lda, C F e E B, a pagarem-lhes a quantia de €1.452,00 (mil quatrocentos e cinquenta e dois euros) a título de indemnização para ressarcimento de danos patrimoniais tidos com o licenciamento do muro, acrescida de juros de mora que se vencerem desde a citação;

- dos Réus T Construção Civil, Lda, C F e E B, a pagarem-lhes as despesas, que os autores suportem, relacionadas com os custos administrativos cobrados pela Câmara Municipal de … no processo de licenciamento do muro e multa que lhes vier a ser aplicada no processo de contra-ordenação.

Alegaram para o efeito e em síntese que são donos da moradia com piscina a que corresponde o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de …. sob o nº…, que foram construídas pela Ré T Construção Civil, Lda, para o Réu C F, que a vendeu aos Autores, sendo o técnico responsável pela obra o Réu E B.

No prédio confinante com o dos Autores, a Ré C Construtora, Lda procede a uma edificação, tendo colocado, junta à estrema do prédio dos Autores, uma vedação em tapumes e depositado vários materiais.

No dia 21/11/2005 o ruiu o muro que delimita o prédio dos Autores, na parte em que confina com o prédio onde a Ré C se encontra a edificar, tendo a referida estrutura de vedação em tapumes desabado para o interior do prédio dos Autores.

A queda do muro deveu-se, tanto ao facto de, devido à sua deficiente construção, não ser apto a suportar as terras do terreno confinante e as águas da chuva, como ainda à sobrecarga proveniente das peças armazenadas pela Ré C, no terreno confinante.

Após a queda do muro, apuraram os Autores que o mesmo não se encontrava licenciado.

Devido ao desabamento do muro, a piscina e zonas envolventes do prédio dos autores ficaram cheias de entulho, provocando mal-estar e desconforto, causado pela poeira e sujidade.

Como as Rés se recusaram a reparar o muro, os Autores procederam à respectiva reparação, com o que despenderam a quantia de €38.941,78.

Para a legalização do muro, os autores despenderam €1.200,00 com os honorários do competente técnico responsável pela elaboração e apresentação, junto da Câmara Municipal, dos projectos e documentos necessários, e as despesas administrativas da Câmara Municipal. E, vai, ainda, ser levantado, pela Câmara, um processo de contra-ordenação aos autores.

Em consequência, ficaram os Autores privados da utilização da piscina e espaços de lazer adjacentes, entre Novembro e Junho de 2006, causando-lhes grande mal-estar, sujidade, desconforto, desgosto e preocupações várias.

A fls. 134/150 foi proferida decisão a julgar improcedente a excepção de ilegitimidade da Ré e foram os Réus E B e C F absolvidos do pedido.

A fls. 191/192, foi indeferido o pedido reconvencional deduzida pela Ré T, seleccionados os factos assentes e elaborada a base instrutória da causa, prosseguindo, assim, os autos para apreciação dos pedidos formulados pelos autores, contra as Rés C e T.

A final foi produzida sentença a julgar parcialmente procedente a acção com a condenação da Ré C CONSTRUTORA, LDA a pagar aos Autores C e K, a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia total de €41.941,78 (quarenta e um mil novecentos e quarenta e um euros e setenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal para obrigações meramente civis, a contar desde a data da citação desta Ré e até integral pagamento, tendo-a absolvido do mais peticionado e a co-Ré T do pedido contra a mesma formulado.

Inconformada com a sentença, recorreu a Ré C Construtora, Lda, tendo sido julgada parcialmente procedente a Apelação e revogada parcialmente a sentença recorrida com a absolvição da Ré de parte do pedido (38.741.78 euros), respeitante à reconstrução efectuada, uma vez que se entendeu que os Autores não observaram o iter reparatório legalmente imposto, tendo partido de imediato para a reconstrução o que não lhes era permitido por se não verificar uma situação  urgente.

Inconformados com este aresto recorreram os Autores, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- A recorrida, depois de, na qualidade de empreiteira, ser notificada pela recorrente da queda do muro, recusou qualquer responsabilidade.

- Esta conduta é reveladora de uma intenção firme e definitiva de não cumprir com a obrigação contratual de proceder à reparação do muro, integrando uma situação de incumprimento definitivo, por interpretação analógica dos artigos 801º e 808º do Código Civil.

- A limpeza dos destroços resultantes da queda do muro dos recorrentes, bem como a sua reparação, são obras ou reparações urgentes e necessárias,

- O que legitimaram a que os recorrentes se substituíssem à recorrida empreiteira, conforme consagram os princípios da acção directa o do estado de necessidade, plasmados nos artigos 336º e 339º do CC.

- O Tribunal da Relação de Évora errou na interpretação efectuada, ao considerar que a reparação do muro dos recorrentes não integra o conceito de "reparação urgente".

- Consequentemente, errou igualmente o Tribunal da Relação de Évora ao determinar que as normas aqui aplicáveis se enquadrariam nos artigos 828º do CC e 936º/1 do CPC.

- Violou desta forma o Tribunal da Relação de Évora a lei substantiva, nos termos do nº 1 do artigo 721º do CPC.

- Aos autos é igualmente aplicável o artigo 1225º do CC, que responsabiliza a recorrida, na qualidade de empreiteira, pelo prejuízo suportado pelos recorrentes com a limpeza do entulho e reparação do muro.

Não foram apresentadas contra alegações.    

II Põem-se como problemas a resolver os de saber: i) da qualificação das relações jurídicas existentes entre os Autores e a Ré Ré C Construtora, Lda; ii) da responsabilidade desta Ré, enquanto empreiteira, pelo desabamento do muro circundante da moradia dos Autores; iii) da responsabilização desta mesma Ré, pelo pagamento da quantia peticionada a titulo de danos patrimoniais da reconstrução do muro levada a cabo pelos Autores (única posta em causa, já que a decisão de condenação da Ré/empreiteira na indemnização a titulo de danos não patrimoniais, transitou em julgado).

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

- Pela apresentação …., C e mulher K registaram, a seu favor, a aquisição por compra a C F, do prédio urbano sito no …., lote n.º2, freguesia de … e concelho de …, inscrito na matriz predial sob o artigo …urbano e descrito na Conservatória do Registo Predial de ….(alínea A) dos factos assentes)

- No descrito prédio foi edificada uma moradia e uma piscina, edificação essa titulada pelo Alvará de Licença de Utilização n.º 294/04, emitido pela Câmara Municipal de … em nome do réu C F. (alínea B) dos factos assentes)

- No processo de licenciamento da moradia e piscina, a ré C foi a empresa que procedeu à sua edificação. (alínea C) dos factos assentes)

- Sendo o réu E B o técnico responsável pela obra. (alínea D) dos factos assentes)

- No dia 21 de Novembro de 2005 o muro que delimita o prédio dos autores ruiu parcialmente. (alínea E) dos factos assentes)

- Junto ao mencionado muro a ré T procedeu ao depósito de vários materiais. (alínea F) dos factos assentes)

- Bem como à colocação de uma estrutura de vedação de obra em tapumes, que desabou para o interior do prédio dos autores, quando da queda do muro. (alínea G) dos factos assentes)

- Por ofício datado de 27.02.2006, a Câmara Municipal de … comunicou aos autores «Assunto: Desabamento de muro (…) Relativamente ao assunto em epígrafe (…) solicito a V. Exa. que no prazo de 90 dias proceda à legalização do muro que levou a efeito, uma vez que o mesmo não se encontra licenciado. Quanto aos danos produzidos pelo desabamento de terras será uma questão entre particulares (…)».(alínea H) dos factos assentes)

- No prédio confinante com o descrito em 1. a ré T pretendia proceder a uma edificação urbana, tendo para o efeito procedido à vedação da obra que ia a efectuar.(resposta ao ponto 1. da base instrutória)

- A parte do muro que ruiu confina, na totalidade, com o prédio onde a ré T ia proceder à edificação urbana. (resposta ao ponto 2. da base instrutória)

- Havia peças armazenadas no terreno confinante que eram da obra da ré T. (respostas aos pontos 3. e 4. da base instrutória)

- Até à recepção do ofício da Câmara Municipal de … os autores desconheciam que o muro não estivesse licenciado. (resposta ao ponto 5. da base instrutória)

- Entre Novembro e Maio de 2006, a piscina e zonas envolventes ficaram cheios de entulho, resultante do desabamento do muro. (resposta ao ponto 6. da base instrutória)

- Os autores mandaram reparar o muro e limpar os destroços para remover a poeira, entulho e sujidade acumulada. (resposta ao ponto 7. da base instrutória)

- O custo desses trabalhos foi suportado pelos autores, no montante total de €38.741,78 (trinta e oito mil setecentos e quarenta e um euros e setenta e oito cêntimos). (resposta ao ponto 8. da base instrutória)

- Entre Novembro de 2005 e Maio de 2006 os autores viram-se privados da utilização da piscina, bem como dos espaços de lazer adjacentes. (resposta ao ponto 12. da base instrutória)

- Durante esse tempo, o entulho e destroços geraram uma poeira constante para o interior da moradia. (resposta ao ponto 13. da base instrutória)

- A sujidade provocou nos autores mal-estar, desconforto, desgosto e preocupação. (resposta ao ponto 14. da base instrutória)

- A piscina e zona adjacentes são um local bastante utilizado pelos autores para lazer. (resposta ao ponto 15. da base instrutória)

- O muro foi edificado pela ré C. (resposta ao ponto 16. da base instrutória)

- C F sabia que o muro não estava licenciado. (resposta ao ponto 18. da base instrutória)

- Entre Julho de 2005 e 20/11/2005 a ré T vedou os terrenos existentes a nascente do prédio dos Autores, em toda a sua extensão. (resposta ao ponto 27. da base instrutória)

- Com tapumes de chapa zincada, com cerca de 1,80 metros de altura, tendo a parte da vedação confinante com a estrema nascente do prédio dos autores sido implantada junto ao muro que delimita desta. (resposta ao ponto 28. da base instrutória)

- A ré T alteou as terras desses terrenos cerca de 60 ou 70 centímetros relativamente à cota que existia. (resposta ao ponto 29. da base instrutória)

- Elevando a cota desses terrenos a um nível superior ao cimo do muro que delimitava a nascente com o prédio dos autores. (resposta ao ponto 30. da base instrutória)

- A ré T colocou e empilhou nos aludidos terrenos, até uma altura de 2,5m tapumes, palas de andaimes, vigas de cofragem, prumos e outros materiais de construção. (resposta ao ponto 32. da base instrutória)

- Cobrindo com esses materiais parte dos terrenos por si vedados. (resposta ao ponto 33. da base instrutória)

- Em meados de Novembro de 2005 ocorreram no lugar onde se situa o prédio dos autores, chuvas intensas e ininterruptas, durante vários dias consecutivos. (resposta ao ponto 34. da base instrutória)

- Ao longo desses dias, as águas das chuvas foram-se infiltrando nos solos dos terrenos, incluindo nos existentes no interior da vedação. (resposta ao ponto 35. da base instrutória)

- A acumulação de águas pluviais provocou pressão das terras e consequente carga sobre o muro. (resposta ao ponto 37. da base instrutória)

- A pressão das águas acumuladas contribuiu para provocar a queda do muro e o deslize das terras, tapumes e alguns materiais de construção para o prédio dos autores. (resposta ao ponto 38. da base instrutória)

- O muro que existia a nascente do prédio dos autores também é de vedação e delimitação de terreno. (resposta ao ponto 39. da base instrutória)

- O muro nunca teve como função ou destino de utilização suportar quaisquer terras. (resposta ao ponto 40. da base instrutória)

- O muro foi construído em blocos aligeirados de betão, tendo no seu topo e na sua base, respectivamente, a cerca de 2,5m de altura e a cerca de 0,60m do pavimento, duas vigas em betão armado, com cerca de 0,40m de altura, apoiado numa sapata de betão de pequenas dimensões. (resposta ao ponto 42. da base instrutória)

- O muro não continha sistema de drenagem. (resposta ao ponto 43. da base instrutória)

- Um muro destinado a suportar cerca de 2,5m de altura de um terreno arenoso deveria ser feito em betão armado. (resposta ao ponto 44. da base instrutória)

- As características de construção do muro contribuíram para a sua queda. (resposta ao ponto 45. da base instrutória)

1.Do contrato de compra e venda e de empreitada.

Conforme deflui da matéria dada como provada (alíneas A) e B) da matéria assente), os Autores/Recorrentes, adquiriram a C F o prédio urbano sito no …, lote n.º2, freguesia de …e concelho de …, inscrito na matriz predial sob o artigo…urbano e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º…, no qual o identificado vendedor havia feito edificar uma moradia e uma piscina, edificação essa titulada pelo Alvará de Licença de Utilização n.º 294/04, emitido pela Câmara Municipal de ….

Estamos desta sorte face a um contrato de compra e venda de um imóvel, contrato real quoad effectum, cujos efeitos translativos da propriedade se operaram por via daquele, artigos 874º, 875º, 879º, alínea a) e 408º, nº1, do CCivil.

A moradia que os Autores adquiriram a C F, foi edificada pela Ré/Recorrida C Construtora, Lda, edificação essa titulada pelo Alvará de Licença de Utilização n.º 294/04, emitido pela Câmara Municipal de … no prédio urbano sito no …, lote n.º2, freguesia de … (alínea C) da matéria assente), sendo certo que igualmente se apurou que esta Ré, delimitou o prédio com um muro, teor da matéria dada como provada na alínea E) e no ponto 16. da base instrutória.

Daqui decorre a existência de um contrato de empreitada havido entre o anterior dono do prédio, C F e a Ré C Construtora, Lda, tal como o mesmo nos é definido pelo normativo inserto no artigo 1207º do CCivil e cujo objecto consistiu, além do mais, na construção da moradia e muro destinado à vedação e delimitação do perímetro do prédio, alíneas C) e E) da matéria assente e ponto 39. da base instrutória .

Tal muro, no entanto, veio a desabar, tendo contribuído para tal as características da sua construção, alínea E) da matéria assente e respostas aos pontos 40., 42., 43. e 45. da base instrutória.

Sendo os Autores/Recorrentes terceiros em relação ao contrato de empreitada e sendo a moradia, como é, pela sua própria natureza, um imóvel destinado a longa duração, o caso sujeito terá de ser subsumido ao regime aludido no artigo 1225º, do CCivil, de onde deflui com mediana clareza a responsabilidade do empreiteiro para com o terceiro adquirente, tendo em especial atenção o segmento normativo a que alude o nº4 daquele preceito.

Este é o regime que se convoca, como ponto de partida, para a resolução da questão posta em sede recursiva.

1.1.Da responsabilidade da Ré C Construtora, Lda.

Insurgem-se os Autores/Recorrentes contra o Acórdão produzido (que absolveu a Ré empreiteira de parte do pedido (38.741.78 euros), respeitante à reconstrução efectuada, uma vez que se entendeu que não tinha sido observado o iter reparatório legalmente imposto, tendo partido de imediato para a reconstrução o que não lhes era permitido por se não verificar uma situação urgente), uma vez que no seu entender a Recorrida, depois de, na qualidade de empreiteira, ser notificada pelos Recorrentes da queda do muro, recusou qualquer responsabilidade, sendo tal conduta é reveladora de uma intenção firme e definitiva de não cumprir com a obrigação contratual de proceder à reparação do muro, integrando uma situação de incumprimento definitivo, por interpretação analógica dos artigos 801º e 808º do Código Civil. Acrescentaram ainda que a limpeza dos destroços resultantes da queda do muro dos recorrentes, bem como a sua reparação, são obras ou reparações urgentes e necessárias, que legitimaram a substituição à Recorrida empreiteira, conforme consagram os princípios da acção directa e o do estado de necessidade, plasmados nos artigos 336º e 339º do CC.

Quid inde?

Dispõe o artigo 1225º, nº1 do CCivil que «Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.».

O princípio a ter em conta no contrato de empreitada é que o de que a obra a executar pelo empreiteiro deverá sê-lo em conformidade com o contratado e sem quaisquer vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o que foi convencionado, artigo 1208º do CCivil: quer dizer, o empreiteiro no cumprimento da sua obrigação deverá proceder de boa fé e segundo as regras da arte, «(…) Se existirem vícios, sujeita-se às sanções dos artigos 1221.º e seguintes, sem ser admitido a provar que não teve culpa, pois como escreve Vaz Serra «o empreiteiro obrigando-se a executar a obra sem defeitos deve executá-la isenta deles e responde, portanto, mesmo que o defeito não resulte de culpa sua. Ele é que é técnico da arte e deve, por conseguinte, saber, quando se obriga, se lhe é ou não possível fazer a obra sem vícios», cfr Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, vol II/868, 892.

O apanágio deste princípio é a responsabilidade do empreiteiro, traduzida nos deveres decorrentes do contrato, de eliminar os defeitos e de satisfazer todas as obrigações correlativas, Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem, 893.

O regime estabelecido no normativo inserto no artigo 1225º, é um regime especial  de responsabilidade – não é um regime excepcional – o qual só poderá ter aplicação nos casos taxativamente enumerados no seu nº1, tido em conta no caso em análise por se ter tratado da queda do muro circundante da propriedade, construído pela Ré/empreiteira, por vicío de construção como se apurou, não exclui os direitos do terceiro adquirente aludidos nos artigos 1219º e seguintes, nem subverte a hierarquia do respectivo petitório neles consagrada, desde que se verifiquem os respectivos pressupostos, cfr Pereira de Almeida, Direito Privado II (Contrato de Empreitada), AAFDL, 1983, 97, Pedro Romano Martinez, Compra e venda e vmpreitada, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Volume III, Direito das Obrigações, 252  

Pareceria numa primeira leitura do aludido normativo que o mesmo ao especificar a responsabilidade do empreiteiro pelos prejuízos causados ao dono da obra ou a terceiro adquirente, parte final do seu nº1, pretenderia neste caso específico consagrar apenas o direito destes a serem indemnizados «tout court», mas assim não se poderá concluir sem mais, até porque o dever de indemnizar, por si só, remete-nos desde logo para as regras gerais da obrigação de indemnizar, a qual contem um princípio basilar a partir do qual se tem de ter em atenção a fixação da mesma, qual é o consagrado no artigo 566º, nº1 do CCivil, onde se estipula que «A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.», sendo que todos estes items legais seriam alcançados no caso sub judice, com o cumprimento pelos Autores, aqui Recorrentes, dos meios aludidos nos artigos 1221º e 1222º do CCivil, cfr Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (parte Especial) Contratos, 2000, 464/465 e Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra E Venda E Na Empreitada, 392/393.

Veja-se que foi essa interpretação estrita que a primeira instância efectuou para concluir, não só pela admissibilidade do pedido de indemnização pelos danos materiais formulado pelos Autores decorrentes da sua substituição na reparação do muro, bem como pela condenação da Ré/empreiteira no montante indicado por aqueles, como despendido para o efeito, o que entretanto, foi corrigido pelo Acórdão impugnado em sede de recurso de Apelação.

Queremos nós dizer que, o dono da obra ou terceiro adquirente que se considere lesado pelo empreiteiro com a defeituosa execução daquela, para se ressarcir, terá de respeitar, em princípio, a prioridade dos direitos consagrados nos artigos 1221º e 1222º do CCivil, podendo cumulá-los com um pedido de indemnização nos termos gerais de harmonia com o preceituado naquele artigo 1223º, caso o empreiteiro se constitua em mora no cumprimento da obrigação dali decorrente quando os defeitos não forem eliminados apesar de ter sido compelido a tal, ou no caso de não ter sido construída obra nova e/ou o preço não tenha sido reduzido, nem resolvido o contrato, cfr inter alia Ac STJ de 12 de Abril de 2005 (Relator Azevedo Ramos), 13 de Dezembro de 2007 (Relator Alves Velho), 5 de Março de 2009 (Relator Oliveira Rocha) e 13 de Outubro de 2009 (Relator Moreira Alves), in dgsi.pt.

A situação dos autos, em que os Apelantes, terceiros adquirentes, se substituíram à Apelada, mandando reparar o muro e limpar os destroços para remover a poeira, entulho e sujidade acumulada, tendo despendido o montante total de €38.741,78 (trinta e oito mil setecentos e quarenta e um euros e setenta e oito cêntimos), como decorre da factualidade dada como provada nos pontos 7. e 8. da base probatória só seria admissível num cenário de manifesta urgência, pois esta é a única situação em que a doutrina e a jurisprudência admitem que o credor, directamente e sem o recurso aos Tribunais, proceda à eliminação dos defeitos, vindo posteriormente exigir ao empreiteiro a satisfação do que despendeu, Pedro Romano Martinez, Contrato de Empreitada., 388, Ac STJ de 30 de Setembro de 2003 (Relator Pinto Monteiro), 30 de Setembro de 2004 (Relator Faria Antunes), 25 de Novembro de 2004 (Relator Oliveira Barros), in www.dgsi.pt.

 Diferente seria se o Autor, aqui Apelado, tivesse cumulado um pedido de indemnização pelos danos causados, nos termos dos artigos 1223º e 1225º do CCivil, neste caso aplicar-se-íam as regras gerais da responsabilidade civil e não as regras específicas relativas ao (in)cumprimento do contrato de empreitada (pedido de ressarcimento de outros prejuízos que não fossem os derivados da eliminação de defeitos da obra, v.g, os causados na própria obra ou noutros bens jurídicos pertencentes ao dono da mesma, cfr Ac STJ de 12 de Julho de 2005 (Relator Araújo de Barros) e de 7 de Dezembro de 2005 (Relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra E Venda E Na Empreitada, 392/393).

Todavia, no caso sujeito, os Apelantes não seguiram o iter aludido nos artigos 1221º e 1222º do CCivil, no seu dizer, por um lado por ter havido uma postura de recusa por banda da Ré /empreiteira e por outro lado, por as reparações revestirem um carácter urgente, que impunha medidas de auto-tutela do direito, com base no normativo inserto no artigo 336º do CCivil.

Prima facie, refere-se que no âmbito das várias alternativas, sequenciais, que se põem ao terceiro adquirente, nos termos dos artigos 1221º e 1222º, do CCivil, irrelevante se torna qualquer postura «particular» de recusa, posto que o terceiro adquirente, numa situação deste jaez, deveria obter a condenação do empreiteiro a reconstruir o muro podendo depois, em execução, requerer que a reparação fosse efectuada por outrem à custa daquele, nos termos do artigo 828º do mesmo diploma legal, cfr Menezes leitão, Direito das Obrigações, Volume III, Contratos Em Especial, 5ª edição, 547 e Pedro Romano Martinez, in A Garantia contra os vicíos da coisa na compra e venda e na empreitada, comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1988, in Tribuna Da Justiça 4/5, 1990, 173/192.

Secundum, os elementos factuais constantes dos autos susceptíveis de reconduzir a uma situação de urgência na feitura das obras por iniciativa dos Recorrentes, são manifestamente insuficientes.

Neste conspectu, apenas se apurou que «Entre Novembro e Maio de 2006, a piscina e zonas envolventes ficaram cheios de entulho, resultante do desabamento do muro.» e que «Os autores mandaram reparar o muro e limpar os destroços para remover a poeira, entulho e sujidade acumulada.», pontos 6. e 7. da base probatória.

Ora, esta materialidade não é suficiente para integrar o conceito de urgência imposto pela norma, por forma a admitir, numa situação destas, que os Apelantes pudessem ter prescindido da via legal imperativa com vista à reconstrução do muro por parte da Ré/empreiteira, substituindo-se a esta na produção do resultado e vindo agora, através da presente acção judicial, pedir o reembolso das despesas efectuadas com a apontada reconstrução.

É que a acção directa em defesa de um direito só é legalmente admissível, nos termos do artigo 336º do CCivil, quando for indispensável, aferindo-se esta indispensabilidade por uma concomitante situação de impossibilidade de, em tempo útil, o seu titular não poder recorrer aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, o que de modo algum deflui da matéria alegada e provada nos autos para os Autores /Recorrentes justificarem o meio utilizado, cfr neste sentido e quanto à necessidade de expressa alegação e prova daqueles elementos factuais os Ac STJ de 7 de Julho de 2010 (Relator Ferreira de Almeida) e de 14 de Junho de 2011 (Relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.

Ao procederem assim, perderam o direito ao ressarcimento peticionado, tal como se decidiu no Acórdão impugnado, improcedendo as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão recorrido.

Custas na Revista pelos Apelantes e nas instâncias por Autores e Ré C Construtora, Lda, na proporção do respectivo decaimento, tendo-se em atenção as condenações interlocutórias decorrentes das decisões de fls 134 a 148 e 191 e 192.

Lisboa, 19 de Abril de 2012

(Ana Paula Boularot)

(Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, vencida pelas razões da declaração de voto do Senhor Conselheiro Lopes do Rego)

(Lopes do Rego, com dispensa de visto, vencido nos termos da declaração que junto)

(Orlando Afonso)

(Távora Victor, nos termos do artigo 711º, nº2 do CPCivil)

Discordo da solução que fez vencimento por três razões fundamentais, que de seguida se enunciam sinteticamente.

Desde logo, entende-se que, sendo os AA. terceiros adquirentes do imóvel em que se verificaram os danos - totalmente estranhos à relação contratual de empreitada celebrada entre os seus antecessores e a R. ­não estavam vinculados a seguir obrigatoriamente o iter estabelecido no art . 1221 ° do CC, que só deverá aplicar-se aos litígios que intercorram entre as partes num contrato de empreitada, não se aplicando automaticamente, nem vinculando, os terceiros que venham a adquirir por compra e venda a propriedade do prédio, num momento em que, aliás, tal empreitada estava há muito exaurida, beneficiando da garantia acrescida prevista no art. 1225°.

Acresce que, no caso dos autos, o objecto da pretensão deduzida em juízo pelos AA. não se circunscreve à reparação dos defeitos da obra - muro de vedação deficientemente construído assumindo também e decisivamente uma dimensão ou vertente de efectivação da responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados no imóvel de que eram proprietários com a ruína do muro em questão - não se vislumbrando qualquer razão válida para restringir ou coarctar o direito de imediata efectivação de tal obrigação de indemnização contra o lesante.

Finalmente, considera-se que, na especificidade do caso dos autos, assumia-se como urgente a efectivação da obra de remoção dos destroços resultantes da ruína do muro e da indispensável consolidação deste: note-se que - como decorre da matéria de facto - os AA já estiveram privados durante 6 meses da possibilidade de usufruírem da piscina e espaços de fazer adjacentes, suportando a poluição e sujidade resultante do entulho e destroços gerados pela ruína do muro de vedação ; não se tem, por isso, como razoável a conclusão de que - sendo irrelevante qualquer postura particular do empreiteiro de recusa na reparação da obra e ressarcimento dos danos causados no direito de fruição plena da propriedade - tivessem obrigatoriamente os AA. de aguardar pela definitiva condenação em juizo do empreiteiro a reconstruir o muro só podendo depois, em execução, requerer que a reparação fosse efectuada por outrem à custa daquele, nos termos do art. 8280 do Cc.

Concederia, pois, pelas razões apontadas, provimento à revista.

Lopes do Rego