Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1087/14.4T8CHV.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ASSUNÇÃO RAIMUNDO
Descritores: CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / INDEMNIZAÇÃO EM DINHEIRO.
Doutrina:
- Almeida Costa, Reflexões sobre a Obrigação de Indemnização, RLJ 134.º, p. 299;
- Ana Prata, Dicionário Jurídico, Volume I, 5.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2008, p. 600;
- Antunes Varela, Código Civil Anotado, I vol. 3ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora;
- Castanheira Neves, Questão de Facto, Questão de Direito, p. 351;
- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, p. 736 e 737;
- Magdi Sami Zaki, “Définir l’équité”, in Archives de philosophie du droit - Vocabulaire Fondamental, T. 35, Paris, 1990, p. 87;
- Oliveira Ascensão, O Direito: Introdução e Teoria Geral, 4ª Edição, Lisboa: Almedina, 1987, p. 283;
- Vaz Serra, RLJ 114.º, p. 310.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 566.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24-10-2006, PROCESSO N.º 06A1858;
- DE 17-06-2008, PROCESSO N.º 08A1700;
- DE 27-05-2010, PROCESSO N.º 408/2002.P1.S1;
- DE 21-01-2016, PROCESSO N.º 1021/11.3TBABT.E1.S1;
- DE 05-09-2018, PROCESSO N.º 64/13.7T2SNS.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-09-2018, PROCESSO N.º 2172/14.8TBBR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A equidade traduz, no nosso sistema jurídico, um método facultativo que o julgador tem ao seu dispor para que possa decidir sem aplicação de regras formais, ainda que essa decisão tenha de ser tomada “à luz de diretrizes jurídicas dimanadas pelas normas positivas estritas”.
II - A necessidade de fazermos apelo aos critérios da equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º da lei civil, segundo a qual, “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, surge quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório:

Na Instância Central de ....., Juízo de Execução, Juiz 1, da Comarca de-------, corre termos a presente ação de execução para a prestação de facto que AA e mulher, BB, instauraram contra o Estado Português e contra a sociedade comercial “CC, S.A.”[1], com vista a obter destes o cumprimento da transação que celebraram na Acão Especial de Restituição de Posse n.º ...., nomeadamente, das cláusulas com o seguinte teor:  

“4º O Estado Português vincula-se a repor o tubo de 2” devidamente funcional no tanque e estábulo referidos na cláusula 2ª que antecede e, por ele, fornecer 2” de água aos AA, permanentemente, ou seja, enquanto na barragem houver água.”.

“6º Esse tubo de 2” sairá da parte de baixo do tubo de saída da água da barragem para rega e sempre de forma a que os AA. sejam dos últimos ou os últimos a ficar sem água no caso de haver escassez da mesma.”.  

Alegaram os Exequentes que, não obstante as interpelações feitas, os Executados não cumpriram a prestação a que se obrigaram, mantendo-se eles, Exequentes, privados da água a que têm direito, o que lhes causa prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, que, até à data da instauração da execução, liquidam pela quantia de PTE: 5.585.000$00, cujo ressarcimento igualmente peticionam. 

Por despacho de fls. 17 foi indeferido liminarmente o pedido de indemnização, seguindo os autos para a prestação de facto. 

Desse despacho agravaram os Exequentes, vindo a ser decidido pelo Tribunal da Relação do Porto que o recurso subiria a final.

Os Executados deduziram Embargos que foram julgados improcedentes, por decisões do Tribunal da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça, transitadas em julgado. 

Entretanto e não tendo os Executados cumprido a prestação, foi ordenada a nomeação de perito para avaliar o custo da prestação a realizar por terceiro - cfr. despacho de fls. 96. 

Em 19/01/2009, por requerimento de fls. 220 e sgs., os Exequentes vieram requerer a conversão da execução da prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa, alegando que perderam definitivamente o interesse que tinham na realização da prestação.

No mesmo requerimento deduziram o incidente de liquidação das indemnizações compensatória e moratória.  

Notificados deste requerimento, os Executados vieram opor-se.

O Estado Português contestou e, impugnando os factos invocados pelos Exequentes, concluiu, a final, pela improcedência do pedido de indemnização moratória e pela desadequação do pedido de indemnização compensatória - cfr. 239 e sgs..

A executada “CC, S.A.” contestou (cfr. fls. 246 e sgs.) e, opondo-se à conversão, defendeu que a única indemnização compensatória a que os Exequentes tinham direito seria a estabelecida na transação a título de cláusula penal, contrariando que os exequentes tenham sofrido quaisquer prejuízos. Refere ainda que tendo os Exequentes optado pela prestação de facto por outrem, não podem agora vir pedir a indemnização por danos.

O Estado Português veio ainda aos autos (cfr. fls. 277 e sgs.)dizer que o pedido de conversão da execução é inoportuno e extemporâneo já que as obrigações foram, entretanto, cumpridas, com a realização das obras pela DRAPN até finais de dezembro de 2008. Mais alegou que em finais de janeiro de 2009 foi tentada a ligação da nova conduta, mas esta foi recusada pelos Exequentes sem qualquer motivo; que em 6/04/2009 expediram um ofício a solicitar a sua presença na Junta de Freguesia para que se procedesse à ligação e fosse assinado o auto de entrega, mas os Exequentes persistiram na sua recusa. Termina pedindo a realização de vistoria para verificar o cumprimento do acordado.

Os Exequentes responderam impugnando o alegado.

Foi proferido despacho decidindo-se que a prestação apenas poderia ser prestada pelo Estado e não por terceiro e que o supramencionado requerimento do executado Estado Português era extemporâneo. -  cfr. fls. 309.

Interposto recurso desta decisão, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 14/04/2011 (cfr. fls. 588 e sgs. – III vol.), transitado em julgado, decidiu:

1 – revogar o despacho liminar que não admitiu o pedido da indemnização moratória;

2 – determinar o prosseguimento dos autos para produção de prova dos fundamentos invocados para a conversão da execução;

3 - confirmar a extemporaneidade do requerimento apresentado pelo executado Estado Português.”

Os autos prosseguiram termos com a realização de uma perícia com vista à determinação do valor da água e, frustradas as expectativas de obtenção de um consenso, procedeu-se ao julgamento, tendo a sentença proferida julgado a requerida conversão da execução de prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa e fixado:

a) em € 15.000 (quinze mil euros) a indemnização moratória; e

b) em € 840.476,79 (oitocentos e quarenta mil, quatrocentos e setenta e seis euros e setenta e nove cêntimos) a indemnização compensatória

Inconformada, a executada “CC” recorreu de facto e de direito para o Tribunal da Relação de Guimarães, concluindo pela revogação da decisão supratranscrita e a sua absolvição dos pedidos indemnizatórios, mais pugnando para que o valor da água seja reduzido para € 11.440,00 ou, se assim não se entender, para os € 23.460,00. 

O Estado Português também recorreu e pugnou pela revogação da referida decisão.

Contra-alegaram os Exequentes, concluindo pela improcedência de ambos os recursos. 

O Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão com a seguinte decisão:

i) julgar totalmente improcedente o recurso de apelação da apelante “CC”;

ii) julgar parcialmente procedente o recurso de apelação do apelante Estado Português, fixando a indemnização compensatória na importância de € 500.000 (quinhentos mil euros).

iii) No mais, confirmar e manter a decisão impugnada.

A referida “CC” suportará as custas do seu recurso de apelação.

Os Apelados/Exequentes suportarão, na proporção do vencido, as custas da apelação do “Estado Português”, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhes foi concedido.”  

Desta decisão interpôs revista para o Supremo Tribunal de Justiça a executada “CC, SA”, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões que se transcrevem:

Ia. Sendo certo que a CC se obrigou d colocar um ramal de ligação de água, extraída da Barragem de M...., de modo a abastecer os prédios dos Autores, na transacção judicial que titula a presente execução, a verdade é que essa obrigação teria de ser cumprida nos termos e a expensas do Estado Português (.......), como foi, e não se obrigou também a fornecer aos Autores a água para rega dos campos e alimentação do gado, sendo esta última obrigação exclusiva do Estado Português, como se lê do texto da transacção.

 2a. Ao desistir do abastecimento de água através do ramal atrás referido, optando por receber a indemnização pelo valor da água, os Autores não podem exigir à CC o preço da água, que é um bem público e que não está na disponibilidade da CC.

3a. A intervenção da CC na realização do ramal de abastecimento de água aos Autores foi meramente instrumental e sob a direcção do Estado Português, pelo que não tem culpa na escolha do modelo adoptado e que os Autores não aceitaram, com o beneplácito do Tribunal,

4a. Por isso, deve considerar-se único responsável pela indemnização o Estado Português, como dono da obra, como dono da Barragem de M.... e do sistema de rega e como autor do modelo de captação da água que a CC executou para abastecer os Autores,

5a. Ao não entender assim, o douto acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 483° do Código Civil, aplicável ao caso, por não ter a CC praticado nenhuma ilicitude e não ter culpa no facto danoso.

6a. Existe efectiva contradição entre o fundamento da decisão quanto ao valor, reduzindo-o para 500.000$00, e a decisão final considerando total improcedente o recurso da CC.

7a. Sendo o objecto da execução uma obrigação única e com o regime de solidariedade, mostra-se violado o disposto no artigo 412o n° 1 e 497° do Código Civil, que pressupõe que a obrigação tem a mesma dimensão, porque é exactamente a mesma,

8a. Por outro lado, ao estabelecer-se a redução do valor da indemnização e, mesmo assim, julgar-se totalmente improcedente o recurso da CC, onde esta defendia a diminuição daquele valor, está-se a cometer nulidade prevista no artigo 615° n° 1 alínea c) do CPC, criando-se uma contradição entre os fundamentos e a decisão.

9a. Além disso, existe duplicidade de critérios: a CC impugnou o valor indemnizatório, entendendo-o excessivo, e foi julgado totalmente improcedente o recurso; ao mesmo tempo, o Estado Português também impugnou o valor indemnizatório, entendendo-o excessivo, e foi julgado parcialmente procedente o seu recurso,

10a. E a exclusão das conclusões IX, X, XI e XII das alegações da apelação não se mostra devidamente fundamentada, verificando-se a nulidade do artigo 615° n° 1 alínea d) do CPC.

11a. Mostrou-se também violado o disposto nos artigos 10°, 1236° e 1237° do Código Civil e o disposto na Portaria 291/2003 de 8 de Abril, porquanto, o cálculo de indemnização por perda do valor ou rendimento anual da água deveria guiar-se pelo regime da remissão da renda perpétua, com perfeita analogia ao caso em apreço.

12a. E, em consequência, admitindo a quantidade anual de água disponível fixada pelo Venerando Tribunal a quo em 82.049,72 m3eo preço unitário de 0,0143/m3 também assente, o valor da indemnização deveria ser de 29.325,00 €.

13a. O critério alternativo da fixação da indemnização pelo valor patrimonial fiscal, também invocado pela CC, daria um valor indemnizatório de 23.460,00 € de acordo com o artigo 2o n° 1, artigo 3o n° 3 alínea b) e artigo 17° do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis, mas também não foi analisado pelo Venerando Tribunal a quo, o que constitui omissão de pronúncia.

14a. Esse critério, previsto expressamente na Lei para a avaliação de prédios rústicos, deve ser adoptado, caso se não aceite o critério da remissão de renda perpétua.

Nestes termos e nos mais de direito, deve dar-se provimento à revista, anulando-se o douto acórdão recorrido e mandando baixar os autos para que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães aprecie o alegado pela aqui recorrente em todos os aspectos acima focados, elaborando novo acórdão; se, entretanto, se entender melhor, deve ser julgada procedendo a revista na parte do mérito, considerando-se que a ora Recorrente não está obrigada a indemnizar os Recorridos; e, se tal se não entender deve ser alterada a decisão quanto ao valor indemnizatório nos termos propostos nas conclusões acima.

Os exequentes apresentaram também revista do acórdão proferido e concluíram nos termos seguintes:

I. As partes acordaram em aceitar o valor da água que viesse a ser fixado pela perícia, por isso, pôr em causa os valores por ela fixados constitui uma violação de tal acordo.

II. Assim, desde logo por esta razão, o valor económico atribuído à água e consequentemente arbitrado, e bem, pelo tribunal de 1.ª instância a título de indemnização compensatória, no montante de 820.476,19 €, não podia ser reduzido.

No entanto, sem prescindir sempre, se diga que,

III. Tirante a taxa de juro anual, todos os fatores usados pelos Senhores Peritos para o apuramento do valor económico atualizado da água, de 820.476,19 €, foram aprovados unanimemente.

IV. Sendo certo que a taxa de juro anual de 2,21% foi aprovada pela maioria dos Senhores Peritos.

V. O valor de uma perpetuidade deve ser aferido com base numa taxa de desconto. Vejamos o que, nesta matéria, está vertido no relatório Pericial a fls. 794 e ss.:

A taxa de desconto obtém-se adicionando um prémio de risco à taxa de juro real sem risco. No caso de um investimento sem risco, o prémio do risco é, obviamente, nulo.

Na zona euro, considera-se que a taxa de juro sem risco é a taxa de juro das obrigações alemãs.

Neste momento, a taxa de juro nominal das obrigações alemãs a 30 anos é 2,21% (…)

Para obter a taxa de juro real a partir da taxa de juro nominal, é necessário subtrair a taxa de inflação esperada. Na zona euro, no longo prazo, é de 2% (objectivo declarado e credível do BCE).

Assim sendo, a taxa de juro real sem risco é de 0,21%”.

VI. O laudo dos Senhores Peritos não é suscetível de qualquer censura, até porque, o seu objeto apresenta uma natureza extremamente técnica que não permite grandes divagações.

VII. No Acórdão agora sindicado, é feita alusão aos critérios da equidade, para reduzir a indemnização compensatória fixada pela 1.ª instância em 340.476,79 €.

VIII. No entanto, tais critérios só podem valer no caso de não ser possível averiguar o valor exato dos danos (art. 566.º, n.º 3, do CC).

IX. É indubitável que a situação jurídica em causa nos autos não se enquadra no citado art. 566.º, n.º 3, do CC, dado que não só foi possível calcular o valor dos danos, como tal foi feito através de elementos apurados tecnicamente por Perícia Colegial de rigor, isenção e probidade indiscutíveis.

X. Mais uma vez sem prescindir, sempre se diga, que a equidade, a ser aplicável, deveria ter servido não para reduzir a condenação de lª instância (no montante de 840.476,79 €), mas para, pelo menos, mantê-la. Senão vejamos,

XI. O caso sub iudice mostra uma situação de profunda injustiça para com os recorrentes, os quais estão irreversivelmente desolados, desgastados e desesperados com um processo que se arrasta há 24 anos.

XII. Um dos executados é precisamente o Estado Português, cujo comportamento demonstrado ao longo das fases extrajudicial e judicial foi (e é) lamentável.

XIII. Se há situação submetida aos nossos tribunais que merece um especial esforço do julgador em inverter a entorse jurídico em que a mesma se tornou, é a do caso sub iudice.

XIV. Assim, a única forma de minimizar o efeito destruidor que este processo teve para os recorrentes é, fazendo uso da equidade, assegurar que a condenação dos recorridos, no montante de 840.476,79 €, decretada pelo tribunal de 1.a instância, seja mantida.

XV. Pelo exposto, o tribunal a quo, reduzindo o montante da indemnização compensatória de 840.476,79 €, para 500.000,00 €, violou, designadamente, o disposto no art. 566º nº 3, do CC.

XVI. Preceito que devia ter sido interpretado e aplicado no sentido de manter o montante da indemnização compensatória de 840.476,79 €, fixado pelo tribunal de 1.ª instância.

Termos em que e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, o acórdão recorrido, na parte em que fixou a indemnização compensatória na importância de 500.000,00 (quinhentos mil euros), ser substituído por outro que fixe tal indemnização no montante 840.476,79 € (oitocentos e quarenta mil, quatrocentos e setenta e seis euros e setenta e nove cêntimos).

O Ministério Publico, junto do Tribunal da Relação de Guimarães e em representação do Estado Português, veio responder aos recursos supra, concluindo quanto ao recurso da executada “CC”:

Iª- A questão da vinculação ao cumprimento da transacção pela executada, já se encontra resolvida por decisão transitada em julgado;

2ª- O valor da indemnização compensatória, correspondente ao valor da água, acha-se correctamente calculado, tendo em conta a apreciação crítica do laudo maioritário, temperada por critério de equidade, nos termos do art. 566°, n"3, do CC, haja em vista a impossibilidade da sua exacta quantificação, aparar dos factos provados;

3ª- Inexiste nulidade no Acórdão recorrido, por contradição entre a fundamentação e a decisão ou falta de fundamentação;

4ª-Assim, a revista deverá improceder.

E quanto ao recurso dos exequentes, formulou as seguintes conclusões:

1ª- O quantitativo de indemnização compensatória, mostra-se correctamente fixado,

2ª -por a matéria de facto provada não permitir a sua exacta quantificação,

3ª -haja em vista que a perícia constitui meio de prova, sujeito à livre apreciação pelo julgador,

4a -sendo acertado o recurso à equidade para afixação do valor do dano, nos termos do art. 566°, n°3, do CC, pelo que a revista deverá improceder.

A executada “CC” e os exequentes, AA e BB, contralegram, respetivamente, concluindo pela improcedência da revista da outra e pela procedência da sua revista.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II – Factos:

O acórdão recorrido, após ter conhecido a matéria de facto, deu como assentes os seguintes factos:

-A-

1) O título executivo dado à execução é uma sentença, homologatória de uma transação na qual acordaram os ora exequentes e os executados que:

“ (…) l° Reconhece o Estado Português e a R. CC que os AA. são donos do prédio rústico constituído por terra de cultivo, lameiro e pasto, sito em ......, inscrito sob o art. 1654 da matriz rústica da freguesia de M...., confrontando a norte e nascente estrada municipal sul DD e poente caminho de consortes e que neste prédio procederam à exploração de água.

2°. Reconhecem também que os AA. são donos de outros prédios rústicos sitos a cerca de 3000 metros a jusante da albufeira de M.... e que num desses prédios construíram um estábulo para vacas leiteiras e um tanque para onde conduziram aquela dita água por um tubo de 2" para irrigação desses outros prédios e para consumo no estábulo.

3° Reconhecem ainda que, na construção da barragem de M...., cortaram e inutilizaram o tubo de 2" referido na cláusula 2ª que antecede e que a dita exploração a que procederam os AA. fica dentro do perímetro da albufeira da barragem de M.... e, assim submersa.

4° O Estado Português vincula-se a repor o tubo de 2", devidamente funcional no tanque e estábulo referidos na cláusula 2ª que antecede e, por ele, fornecer 2" de água aos AA., permanentemente, ou seja, enquanto na barragem houver água.

5° Este fornecimento é gratuito, pelo que os AA. não terão de contribuir com qualquer importância para o regadio ou manutenção da barragem, condutas e seus acessórios.

6° Esse tubo de 2" sairá da parte de baixo do tubo de saída da água da barragem para rega e sempre de forma a que os AA. sejam dos últimos ou os últimos a ficar sem água no caso de haver escassez da mesma.

7° Esse abastecimento e, por consequência, a colocação desse tubo serão feitos pelo Estado Português e ré CC até ao dia 30 de junho de 1997.” -  conforme certidão junta a fls. 64 e 65, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzida.

8º - As obras de conservação desse tubo de 2” são da responsabilidade dos AA.

9º - Os AA. transferem, por este ato, para o Estado Português todos os direitos que têm sobre o prédio rústico identificado na cláusula nº 1 considerando assim o Estado Português único e exclusivo dono desse prédio rústico.

10º - O Estado Português e a ré CC obrigam-se a pagar aos AA., no prazo de 15 dias, a título de indemnização pelos danos sofridos com o corte de água e pela transferência dos seus direitos sobre o dito prédio rústico a importância de sete milhões e quinhentos mil escudos (7.500.000$00), pagando o Estado Português cinco milhões de escudos (5.000.000$00) e CC ......., S.A. dois milhões e quinhentos mil escudos (2.500.000$00).

11º - Na hipótese de incumprimento de qualquer das cláusulas antecedentes, ficará esta transação sem efeito para além de a parte remissa ter de pagar à outra a importância de um milhão de escudos (1.000.000$00) a título de cláusula penal.   

12º - As custas, na sua totalidade, prescindindo-se de procuradoria e custas de parte, são da responsabilidade de AA., Estado Português e CC na proporção de um terço para cada um.”

-B-

- Do requerimento executivo:

2) O empreendimento agrícola dos exequentes, referido na cláusula 2ª do acordo, atenta a falta de água, passou a ficar inativo, não produzindo qualquer rendimento.

3) E foi-se desvalorizando e deteriorando com o passar do tempo.

4) Os exequentes produziam quantidade não determinada de batata e deixaram de produzir na sequência da falta de água.

5) Os exequentes tinham ainda vacas turinas, que produziam 33.000 litros de leite.

6) Devido ao corte de água e por não terem água para o estábulo e produção de forragens, deixaram de produzir leite e tiveram de vender todo o seu efetivo.

  - Do requerimento para conversão da execução, de fls. 220 e seguintes:

7) Desde data que não foi possível apurar, mas pelo menos desde 2005 que vem sendo captada água de dentro da bacia hidrográfica da barragem de M.....

8) Para a realização dessa obra foi rompido o talude da barragem.

9) Essa obra foi realizada com consentimento do Estado Português.

10) A barragem de M.... não tem qualquer tipo de manutenção, nem têm qualquer tipo de manutenção as suas condutas.

11) A barragem está sujeita à intervenção de qualquer pessoa que queira fazer uso da água.

12) Rebentando, para o efeito, as suas condutas ou o próprio talude e fazendo a ligação de tubos de captação de água.

13) O que acontece com o consentimento do Estado Português.

14) É hoje impossível aos exequentes a obtenção da água, nos termos acordados em 1.

15) Em virtude da privação de água os exequentes viram degradada a exploração agrícola que tinham.

16) E não conseguiram mais recupera-la.

17) Os exequentes estão já aposentados e auferem uma pensão de reforma de montante não concretamente apurado.

18) Os exequentes, atentas as suas idades já avançadas, não dispõem de força física, psíquica ou social que lhes permita levar a cabo a recuperação da exploração agrícola que tinham, quer por si, quer por terceiros.

19) Os exequentes tinham antes 2 polegadas de água, permanentemente, 24 horas por dia.

20) O que lhes garantia, pelo menos, 82.049,76 m3 de água por ano, num valor de € 0,0143 o m3.

21) ELIMINADO[2]

-C-

- Do requerimento do Estado Português de 29/4/2009:

22) Por ofício de 6/4/2009, da Divisão Geral de Infraestruturas do Ministério da Agricultura, foram os exequentes notificados para comparecerem na Junta de Freguesia de M.... a fim de se proceder à entrada da conduta instalada.

23) Os autores não compareceram à diligência referida em 22.

24) O requerimento executivo deu entrada em juízo em 6 de dezembro de 2000, conforme data aposta no requerimento executivo junto aos autos a fls. 2, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

25) Por requerimento de 18/10/2005, os exequentes dão conhecimento de que haviam tomado conhecimento da execução de obras na barragem em causa, concretamente da colocação de um tubo de 2” a debitar água da bacia hidrográfica da barragem, obras essas determinadas pelo Estado Português ou, pelo menos, com o consentimento do Estado Português e peticionam “seja possível utilizar a vala já efetuada e colocar um tubo de 2” para servir os exequentes e, assim, com custos reduzidos, por fim ao incumprimento”, conforme requerimento junto aos autos a fls. 184 a 201, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

26) O requerimento de conversão da execução em pagamento de quantia certa deu entrada em juízo em 19/1/2009, conforme requerimento junto aos autos a fls. 219 e seguintes, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

27)  Os executados foram notificados de tal requerimento e o executado Estado Português respondeu ao mesmo a 5/3/2009, conforme requerimento junto aos autos a fls. 239 e seguintes, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

28)   Por requerimento de 29/4/2009, veio o executado Estado Português invocar o cumprimento da obrigação, conforme requerimento junto aos autos a fls. 277 e seguintes, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.

-D-

Acrescentados pelo Tribunal da Relação de Guimarães

35. A barragem acima referida, com a designação de “Aproveitamento ....... de M....” foi construída pelo executado Estado Português para recolha e armazenamento de água destinada a fins agrícolas, integrando-a no Plano de Gestão da Região Hidrográfica do ........  

36. – A água é fornecida aos agricultores daquela zona de M.... sem qualquer contrapartida.

37.- Os ora Apelantes deduziram Embargos de Executado pedindo a declaração de extinção da presente execução, alegando terem cumprido as obrigações decorrentes da transação que celebraram com os Exequentes.

Ambos os referidos Embargos foram julgados improcedentes por os factos provados demonstrarem que aqueles não cumpriram a prestação a que se obrigaram pela transação.

38.- Nos referidos embargos ficaram provados, dentre outros, os seguintes factos:

“4. – A CC, a mando da ....... e por conta desta efetuou a ligação da água da conduta da Barragem de M.... aos prédios dos exequentes.

6.- Esse trabalho foi executado antes de 30 de junho de 1997.

8.- Desde que a barragem entrou em funcionamento, no ano de 1999, os embargados beneficiam do abastecimento de água, mas apenas nos termos em que isso acontece com toda a população, ou seja, quando a barragem está aberta, o que só ocorre durante dois ou três meses no período de rega, no Verão, e só durante determinado período do dia, pelo que o abastecimento de água aos embargados, não é contínuo nem permanente.”.

III - O Direito:

Nos termos do preceituado nos arts. 608º nº 2, 635º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

I - Revista da executada CC, SA.
a) Nulidade do acórdão
i) por existir contradição entre a decisão e a fundamentação;
ii) por dualidade de citérios na finalização da decisão da apelação da recorrente e da apelação do Estado Português;
iii) e ainda por falta de fundamentação das conclusões IX a XII da apelação;
b) Irresponsabilidade da recorrente na quantia exequenda;
c) Violação dos artigos 10°, 1236° e 1237° do Código Civil e do disposto na Portaria 291/2003 de 8 de Abril, porquanto, o cálculo de indemnização por perda do valor ou rendimento anual da água deveria guiar-se pelo regime da remissão da renda perpétua, com perfeita analogia ao caso em apreço.

II - Revista dos exequentes AA e mulher, BB   

     
a) O tribunal a quo, reduzindo o montante da indemnização compensatória de 840.476,79 €, para 500.000,00 €, segundo critérios de equidade, violou o disposto no art. 566º nº 3, do Código Civil (preceito que devia ter sido interpretado e aplicado no sentido de manter o montante da indemnização compensatória de 840.476,79 €, fixado pelo tribunal de 1.ª instância).

Apreciemos:

I - Revista da executada CC, SA.

a)          Nulidade do acórdão

A executada CC veio arguir a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação alegando, no essencial, o seguinte:

 “A CC, como se vê das suas alegações, pugnou pela redução do valor da indemnização substitutiva do fornecimento de água, alegando diferentes valores nas suas conclusões e pedindo a redução do valor fixado na douta sentença para 11.440,00 € ou 23.460,00 €, como expressamente se lê a pág., 6 do douto acórdão recorrido.

Acontece que o valor da indemnização foi efectivamente reduzido não para a proposta pela CC, mas para um montante substancialmente inferior ao fixado na 1ª instância. Porém, enquanto a injunção final julga parcialmente procedente o recurso do Estado Português, face à redução de valor da indemnização, considera totalmente improcedente a apelação da CC.

Existe óbvia contradição entre os fundamentos e a decisão nesse aspecto: ao fundo da página 38 do douto acórdão recorrido, aparece declarado que a justa indemnização é de 500.000$00, o que tem de significar que houve procedência parcial da apelação da CC, no tocante ao valor, não se percebendo como aparece a decisão de improcedência total. A melhoria duma decisão em caso de solidariedade entre os Réus, como no presente, vale para todos os Réus, independentemente de saber qual foi aquele que deu fundamento à decisão mais favorável. Existe assim a nulidade prevista no artigo 615° n° 1 alínea c) do CPC, porquanto tendo sido fixado um valor inferior ao da douta sentença de 1ª instância esse facto deve ser tomado em consideração na injunção final, como procedência parcial do pretendido pela CC”.

A resposta à questão suscitada não merece qualquer desenvolvimento e sobre a mesma só nos assiste dizer o seguinte: porque a decisão do Tribunal da Relação, no recurso da ora recorrente, não se contém no pedido que ela apelou junto daquele tribunal, mas exorbita-o em larga medida, o seu recurso tem de ser julgado totalmente improcedente; porque a decisão do Tribunal da Relação se contém dentro do pedido do executado Estado Português junto daquele tribunal, mas não logrando obter vencimento na totalidade do pedido que fez, o respetivo recurso foi parcialmente procedente.

Como se retira do acórdão proferido no Tribunal da Relação, a “CC” pugnou “pela revogação da decisão supra transcrita e a sua absolvição dos pedidos indemnizatórios, mais pugnando para que o valor da água seja reduzido para € 11.440,00 ou, se assim não se entender, que se reduza para os € 23.460,00”, enquanto o Estado Português pugnou, “tout court” pela “pela revogação da decisão”. 

E concluindo o acórdão da Relação nestes termos:

i) julgar totalmente improcedente o recurso de apelação da apelante “CC”; ii) julgar parcialmente procedente o recurso de apelação do apelante Estado Português, fixando a indemnização compensatória na importância de € 500.000 (quinhentos mil euros);iii) No mais, confirmar e manter a decisão impugnada”, quis significar que o recurso do executado Estado Português, apenas foi parcialmente procedente em relação à indemnização fixada, que pretendendo que fosse de  840.476,79 € para 0€, viu a redução da mesma ficar em 500.000€; já a recorrente CC pretendendo que a indemnização ficasse, no máximo, em 23.460€, viu o seu pedido totalmente improcedente.

Assim sendo, não assiste qualquer razão à recorrente quando afirma que houve uma dualidade de citérios na finalização da decisão da apelação da recorrente e da apelação do Estado Português.

Igualmente não lhe assiste razão quando afirma que houve contradição entre a decisão e a fundamentação.

Com efeito a nulidade da sentença, por a decisão estar em oposição com os seus fundamentos, não decorre da situação aventada pela recorrente.

O recorrente integra a alegada nulidade na norma do  art. 615º nº 1, al. c) do Código de Processo Civil, segundo o qual ocorre nulidade da sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou seja quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou o acórdão expressa.

O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que tal nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154º e 607º nºs. 3 e 4 do Código de Processo Civil, de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).

Ou seja “… entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta; quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se” – cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, volume 2º, 3ª Edição Almedina, págs. 736 e 737.

Sendo assim, o acórdão ora posto em crise não enferma da apontada nulidade. Com efeito, aquele discorrendo sobre a indemnização dos danos que sofreram os Apelados/Exequentes, resultantes do incumprimento dos Apelantes/Executados, a conclusão/decisão do acórdão mostra-se extraída em conformidade com o juízo jurídico-subsuntivo da fundamentação.

Improcede, nesta parte a revista da executada.

Alega ainda a executada a nulidade do acórdão por falta de apreciação das conclusões IX a XII da apelação.

Tendo tais conclusões uma alegação inexpressiva, depreendemos que será essa a razão por que o acórdão não se terá pronunciado em concreto sobre as mesmas.

Estas conclusões têm a seguinte redação:

IX. À quantidade teórica anual de débito de água por um tubo de 2”, calculado em 82.049,76 m3, deve ser subtraído um valor entre 15% a 20% para perdas, considerar-se a existência de secas no Verão e (ou) noutras estações do ano, atender-se ao uso normal, prudente e económico pelos Autores e ter em mente a necessidade de manter na albufeira a cota de manutenção, o que leva ao saldo de cerca de 40.000 m3 por ano o total da água dos Autores.

X. Com base no volume de 40.000 m3/ano, e considerando o preço unitário de 0,0143 €/m3, o valor anual dá 572,00 € o que, à base de capitalização pelo método da remição de renda perpétua, atinge o valor global de 14.300,00 €.

XI. Admitindo, por hipótese, o valor teórico de 82.049,72 m3/ano, o valor anual será de 1.173,00 € e o valor de capitalização será de 29.325,00 €. 

XII. Admitindo a adopção de critério do valor da água, quando economicamente autónoma do terreno onde nasce, estabelecido pelo Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis, o valor global será 20 vezes o valor-rendimento anual – o que dá para 40.000 m3, o montante de 11.440,00 € e para 82.049,72 m3, o montante de 23.460,00 .”

A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objeto do recurso, em direta conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do Código de Processo Civil, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. Quer isto dizer que face ao disposto no nº1 al. d) do art. 615º do Código de Processo Civil,  se o tribunal conhece das questões que deve apreciar, não ocorre nulidade do acórdão/sentença por omissão de pronúncia

Nos termos da citada norma, “É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (sublinhado nosso), sendo que a expressão “questões” prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e não se podem confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.

Como decidiu recentemente o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 5-9-2018, Proc. 64/13.7T2SNS.E1.S1, in www.dgsi.pt, “I - Tendo o acórdão recorrido consignado os elementos suficientes para fundamentar a decisão proferida e não sendo omitida pronúncia sobre qualquer das questões que haviam sido submetidas pela recorrente à sua apreciação, embora sem apreciar todos os argumentos apresentados, não enferma das nulidades previstas no art. 615º, nº 1, als. b) e d) do CPC.”

Ora o acórdão recorrido pronunciou-se sobre “a questão do apuramento do valor indemnizatório devido aos exequentes”. Fê-lo, como se conclui, de forma não alinhada com a alegação da recorrente, mas tal realidade não gera a nulidade apontada, como deixámos explicitado.

 Assim sendo, sem necessidade de mais considerações, improcede também nesta parte a revista da recorrente.


b) A irresponsabilidade da recorrente na quantia exequenda

Sobre a aludida questão, o acórdão sob revista fez a seguinte apreciação:

XIII.- (…) Relativamente à Apelante/Executada vem esta defender que se não podia obrigar a “dar a água aos Autores”, por se tratar de um bem pertencente ao domínio público, alegando ainda que, embora na qualidade de empreiteira se tenha obrigado a executar os trabalhos de ligação da água, fá-lo-ia “sempre seguindo projecto e licenciamento do Estado Português e à custa deste”, não sendo, pois, “admissível” exigir-lhe “o pagamento do preço da água, em substituição de concreto benefício da água, porquanto apenas o Estado Português se obrigou a dar a água”.

Relativamente à indemnização pela mora, alega a Apelante/Executada que “a sua posição em relação ao caso é meramente instrumental – empreiteiro – e não de parte na relação jurídica em causa”.

A Apelante/Executada levou até ao S.T.J. a discussão sobre a sua legitimidade passiva para a acção executiva, tendo nas três Instâncias sido considerada parte legítima - e, de facto, recuando um pouco às origens, o presente conflito terá surgido porque a Apelante/Executada, quando executava os trabalhos de construção da barragem, inadvertida ou intencionalmente, cortou e inutilizou o tubo pertencente aos Apelados/Exequentes, sendo ainda certo que ela foi também contraente no contrato de transacção e vinculou-se a “colocar o tubo”.

A sua relação contratual com o Apelante/Executado não foi objecto de discussão nos presentes autos.  

Quanto aos demais argumentos esgrimidos, como já deixou referido o acórdão da Relação do Porto de 11/06/2007, a fls. 333 (II volume) dos autos de Embargo de Executado, eles não se integram nos fundamentos de “embargos à sentença”, taxativamente enumerados no n.º 1 do art.º 814.º do C.P.C.V., visto não constituírem causa de nulidade ou anulabilidade da transacção – cfr. alínea h).

Improcede, pois, a sua pretensão.”

Como se vê, a decisão sobre a legitimidade da recorrente CC para a execução já foi decidida, por decisão transitada em julgado, nos autos de Embargos de Executado, que correram por apenso à presente execução, único meio processual que a lei coloca à disposição do executado para discutir a sua legitimidade na ação executiva – cfr. art. 729º, al. c) do Código de Processo Civil.

Nesta conformidade, mantém-se nesta parte a decisão do acórdão sob revista.


c) Cálculo da indemnização devida aos exequentes
Nesta apreciação integramos igualmente a revista deduzida pelos exequentes AA e mulher, BB (II), única questão que suscitaram.
Vejamos:
O acórdão do Tribunal da Relação, apoiando-se no laudo dos Srs. Peritos, junto a fls. 902 e seg., alterou o valor indemnizatório para 500.000€, com base o instituto da equidade.
O Código Civil português, na sua redação atual, não define propriamente a equidade, mas refere-a a propósito de variadas matérias.[3]
Um juízo de equidade será aquele “que o julgador formula para resolver o litígio de acordo com um critério de justiça, sem recorrer a uma norma pré-estabelecida. Julgar segundo a equidade significa, pois, dar a um conflito a solução que se entende ser a mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à norma jurídica eventualmente aplicável.[4]
A propósito da equidade Antunes Varela, em anotação ao art. 4º do Código Civil[5] refere que “quando se considera a equidade como fonte (mediata) de direito não se quer com isso atribuir força vinculativa à decisão (equitativa) concreta, como faz por exemplo o sistema anglo saxonico  que confere binding authority a determinadas decisões judiciais. O que passa a ter força especial são as razões de conveniência, de oportunidade, principalmente de justiça concreta em que a equidade se funda”. E, abordando ainda a equidade no BMJ, 158, 21,  diz o seguinte: “… Se difere da justiça, e não se confunde com a moral, a equidade também se não identifica com os juízos de oportunidade que em larga medida intervêm na actividade política, nem sequer coincide com os critérios de conveniência, a que a lei adjectiva manda atender nos chamados processos de jurisdição voluntária. (…) A equidade começa por basear-se em considerações de justiça. No processo da sua formação interferem os mesmos ingredientes que alimentam a substância da justiça, como sejam os princípios da igualdade ou da simples proporcionalidade e, com mais frequência ainda, os juízos de razoabilidade na solução das pendências entre os homens.”.
O Prof. Castanheira Neves[6] refere que, "quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. ... A equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da juridicidade. ... A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto".
O Código Civil português, na sua redação atual, a primeira norma com que nos deparamos é a que coloca a equidade enquanto fonte de direito, constante do art. 4.º, que, sob a epígrafe “Valor da equidade”, refere o seguinte:
Os tribunais só podem resolver segundo a equidade:
a) Quando haja disposição legal que o permita;
b) Quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível;
c) Quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória”.
Trata-se aqui de admitir que os tribunais possam julgar ex aequo et bono, isto é, segundo a equidade.
Com efeito, considerar a equidade como fonte do direito, de per si, não é tecnicamente rigoroso. É que, e ainda que não se saiba com exatidão o que seja a equidade, é certo que ela não necessita de elevar-se à formulação de regras[7], ela não dita um critério material a aplicar na solução de questões jurídicas.
Ela traduz, no nosso sistema jurídico, um método facultativo que o julgador tem ao seu dispor para que possa decidir sem aplicação de regras formais, ainda que essa decisão tenha de ser tomada “à luz de directrizes jurídicas dimanadas pelas normas positivas estritas[8].
No caso das alíneas b) e c) do art. 4º do Código Civil, levanta-se a questão de saber quais as “balizas” da decisão tomada por equidade, quando esta faculdade resulta de acordo das partes, revelando uma expressa intenção de renunciar, pelo menos em parte, ao direito positivo como critério válido na resolução de algum litígio que as oponha. Entendemos que a decisão tomada por equidade, quando autorizada por acordo das partes, não poderá deixar de se reportar, ultima ratio, ao direito positivo pois a este cabe a última palavra na orientação da decisão equitativa uma vez que é “expressão máxima da justiça em cada sociedade organizada[9].
A equidade será, em primeira linha, a correção, mais ou menos intensa, da Lei. Conforme é dito, de forma bastante expressiva e sintética, por MAGDI SAMI ZAKI, “Si les hommes étaient parfaits, ils n’auraient pas besoin de «lois». Si les «lois» étaient parfaites, elles ne s’opposeraient pas à l’équité. Les lois corrigent les hommes. L’équité corrige les lois, les seconde, supplée à leur défaillance selon le mot de Papinien”.[10]
Esta correção da Lei pode operar, como se disse, de forma mais ou menos intensa. O Prof. Menezes Cordeiro[11], indica as duas aceções fundamentais de equidade:
– Uma noção mais «fraca», que, partindo da lei positiva, permitiria corrigir injustiças ocasionadas pela natureza rígida das normas abstratas, aquando da aplicação concreta;
- Uma noção mais «forte», que prescinde do Direito estrito e procura, para os problemas, soluções baseadas na denominada justiça do caso concreto”.
Em ambas as aceções, “o julgador, ao decidir, terá de se preocupar apenas com o problema que lhe é posto, sem ter de ponderar a necessidade de, mais tarde, vir ter de decidir outras questões do mesmo modo”.
Num registo mais globalizado[12] encontramos a equidade descrita da seguinte forma:
Equidade consiste na adaptação da regra existente à situação concreta, observando-se os critérios de justiça e igualdade. Pode-se dizer, então, que a equidade adapta a regra a um caso específico, a fim de deixá-la mais justa. Ela é uma forma de se aplicar o Direito, mas sendo o mais próximo possível do justo para as duas partes.
Essa adaptação, contudo, não pode ser de livre-arbítrio e nem pode ser contrária ao conteúdo expresso da norma. Ela deve levar em conta a moral social vigente, o regime político Estatal e os princípios gerais do Direito. Além disso, a mesma "não corrige o que é justo na lei, mas completa o que a justiça não alcança. Sem a presença da equidade no ordenamento jurídico, a aplicação das leis criadas pelos legisladores e outorgadas pelo chefe do Executivo acabariam por se tornar muito rígidas, o que beneficiaria grande parte da população; mas ao mesmo tempo, prejudicaria alguns casos específicos aos quais a lei não teria como alcançar. Esta afirmação pode ser verificada na seguinte fala contida na obra "Estudios sobre el processo civil" de Piero Calamandrei: [...] o legislador permite ao juiz aplicar a norma com equidade, ou seja, temperar seu rigor naqueles casos em que a aplicação da mesma (no caso, "a mesma" seria "a lei") levaria ao sacrifício de interesses individuais que o legislador não pôde explicitamente proteger em sua norma.
É, portanto, uma aptidão presumida do magistrado.”
O que acaba de referir-se revela bem a dificuldade de que se reveste um julgamento segundo a figura da equidade.
Também a jurisprudência tem tratado a equidade com parcimónia e quando apenas se mostre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante devido.
Assim pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-5-2010, Proc. 408/2002.P1.S1, “IV - O juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade”; no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/01/2016, Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1 “Não poderá deixar se ter-se em consideração que tal juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade”; e no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-6-2008, Proc. 08A1700 “VII - Assente a existência de valores a apurar, mas não se tendo determinado, com precisão, o seu montante, deve condenar-se no que se liquidar em execução de sentença, se tal liquidação se afigurar possível, designadamente por recurso a meios de prova na fase de liquidação.
VIII - Tal significa a oportunidade para provar os montantes que não se lograram demonstrar na fase declarativa mas, e apenas, com os limites do pedido que nunca podem ser ultrapassados.
IX - O julgamento de equidade, designadamente nos termos do n.º 3 do art. 566.º do CC, só ocorre quando se mostre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante devido. O recurso à equidade constitui um critério residual que só será aplicável desde que dos factos provados se tenha como demonstrada a existência de danos e estiverem esgotadas as possibilidades de determinação do valor desses danos.”         
Será, pois, esta a linha de orientação a seguir aqui no tratamento da questão que nos foi colocada.
O acórdão recorrido fez a seguinte ponderação:
“o Tribunal a quo adoptou, acolhendo o laudo dos Peritos do Tribunal e dos Apelados/Exequentes (cfr. fls. 795 a 800) (rejeitando, por isso, o laudo do Perito da Apelante/Executada).
Justificou esta decisão deixando referido que: «quanto à indemnização compensatória, cabe realçar desde já, não ter o Tribunal qualquer dúvida de que a posição do agricultor que tem acesso irrestrito a água não é definitivamente a mesma daquele que não tem, sobretudo numa área específica como a aqui em causa, em que os exequentes além da produção agrícola se dedicam à exploração pecuária. Assim, quanto à compensação devida pelos dos danos sofridos por ter ficado sem a prestação a que tinha direito, entende o Tribunal que deverá ter em consideração o valor do bem de que estão privados os exequentes da água» indemnização que fixou no valor de € 840.476,79, partindo do preço de € 0,021/m3, da disponibilidade anual de 82.049,76 m3 por ano, sendo o primeiro o valor económico de uma renda perpétua a que se chegou considerando, para além dos referidos dois factores, também: uma taxa de juro de 2,21%; uma taxa de inflação de 2,0%, o que dá uma taxa de juro sem risco de 0,21%, que, multiplicada pelos metros cúbicos de água, deu o valor anual de € 1.723,00/ano, e por via da actualização atingiu o valor fixado.
O valor obtido pelo Perito da ora Apelante/Executada é inferior, porquanto parte da taxa de juro anual de 4%, (juros civis, fixada pela Portaria n.º 291/2003) e considera um período de rega/utilização da água, de cinco meses/ano, descontando, assim, 50% ao valor da disponibilidade desta para os Apelados/ Exequentes.
É certo que o dono de uma coisa não pode ser privado, contra a sua vontade, dos rendimentos e utilidades que ela proporciona.
Mau grado a indemnização ter sido determinada seguindo o método de cálculo de uma renda perpétua, na fixação do montante da indemnização não poderão deixar de concorrer também os critérios da equidade.
Se aos Apelados/Exequentes foi reconhecido o direito aos calculados 82.049,76 m3 de água por ano, sendo a água um bem com valor económico, prima facie o valor da indemnização deveria tender para o valor da água, independentemente da utilidade que aqueles lhe dessem.
Contudo, não podemos olvidar que a água é um bem escasso e o jus abutendi, próprio do liberalismo, já não é mais tolerado nas sociedades modernas.
Como é da sua natureza, a água que não é utilizada não pode ser armazenada durante um grande espaço de tempo, porque a capacidade de armazenamento não é infinita, sendo inevitável que parte dela prossiga o seu ciclo normal sem ter tido qualquer utilização.
Uma utilização racional de um bem que é reconhecidamente escasso, nas especiais condições da situação sub judicio, passaria por, mantendo, embora, teoricamente disponíveis aos Apelados/Exequentes, durante todo o ano, a quantidade de água equivalente à capacidade de condução do tubo de duas polegadas, a parte do caudal que não fosse utilizada por eles permanecesse na barragem para que, continuando aí armazenada, pudesse ser utilizada pelos demais agricultores.
Ora, ficou provada a utilização que os Apelados/Exequentes davam à água – para rega, quer no cultivo da batata, quer nas forragens para o gado, e na “vacaria”, não só para dessedentar os animais como também para a limpeza das instalações.
No laudo de esclarecimentos constante de fls. 902 e sgs., os Peritos apresentam os cálculos da quantidade de água que, em termos normais, tomando como pontos de referência os valores fornecidos pelas publicações do Ministério da Agricultura, Mar e Ambiente, seriam gastos nas supramencionadas actividades, e concluíram que os Apelados/Exequentes consumiriam entre os 33.329m3 e os 49.994m3 de água, segundo o laudo maioritário.
Aceitam-se estes cálculos por se afigurarem consistentes, atentos os elementos objectos em que assentam.
Ter-se-ão, pois, em consideração os cálculos constantes do laudo maioritário. Com efeito, como referem os referidos dois Peritos, sendo Portugal um dos países da União Europeia, e abrangendo os cálculos um período tão longo, há-de ter-se por justificado o recurso à taxa de inflação esperada pelo BCE, que é de 2%, e se adopte, como taxa de juros nominal, o valor das obrigações alemãs, por ser a economia de referência e a mais estável. 
Refeitos os cálculos para o valor mais elevado de consumo da água, considera-se justa a indemnização no valor de € 500.000 (quinhentos mil euros).” (sublinhado nosso)

               Apreciando, constatamos que a decisão sob recurso em vez de considerar para calculo da indemnização devida aos exequentes a disponibilidade anual de água a que aqueles tinham acesso - 82.049,76 m3 -, considerou os gastos que as atividades desenvolvidas pelos Exequentes consumiriam anualmente e que, segundo o laudo maioritário do Srs. Peritos de fls. 902 e segs, seria entre os 33.329m3 e os 49.994m3 de água por ano.

O acórdão aceitou como boa a justificação do laudo, de que os cálculos daquela quantidade de água, em termos normais, tiveram como pontos de referência os valores fornecidos pelas publicações do Ministério da Agricultura, Mar e Ambiente.

Ora compulsado o referido Laudo de fls. 902 (págs. 904 a 906), dele se retira que “A água debitada pelo tubo de 2 polegadas existente na propriedade dos exequentes, embora pudesse ser consumida totalmente, estava disponibilizada, podendo dela fazer o que entendesse. Atendendo ao solicitado, efetua-se de seguida o cálculo aproximado do consumo de água anual para a atividade agrícola desenvolvida pelos exequentes ou suscetível de o ser, num aproveitamento economicamente normal das propriedades, usando para tal os valores médios nacionais de água consumida por hectare de terreno, em função das respetivas culturas.

O cálculo é baseado no documento publicado no INE com o título”Uso da água na agricultura 2011” – Doc. 5 anexo II.

(…) Para o consumo de água pelos animais usou-se o documento “Agua de qualidade adequada para a alimentação animal” publicado pelo Ministério da Agricultura, Mar e Ambiente e Direção Geral de Veteinária em 28-12-2011 – Doc. 6 anexo II – onde se indica as seguintes necessidades de água para o gado bovino. (…)

(…) O volume de água consumido/necessário pelos exequentes, tendo por base valores médios, é a soma do consumo na vacaria mais o consumo nas explorações agrícolas, tal que: Vtotal = V agric +V vacaria = 33 329, 4 m3

Se atendermos ao que é dito na publicação do INE «Ouso da água na agricultura», sobre a eficiência do uso da água na «rega lima», que é de 50% - doc. 8 anexoII – pode dizer-se que o consumo de água pelos exequentes estaria entre os valores de 33 329,4 m3 e 49 994,1 m3.”

Efetivamente, na situação em apreço, o que está em causa é a água que os exequentes deixaram de ter na sua exploração agrícola, desde o momento em que os executados cortaram e inutilizaram o tubo de 2", que lhes permitia ter acesso à água da barragem para essa exploração.

 Certo que tendo em atenção a dimensão do referido tubo – 2” – deixaram de ter a possibilidade de usufruir, anualmente, de 82.049,76 m3. Ou seja, se a água corresse pelo referido tubo, ininterruptamente, durante um ano, a água disponibilizada seria aquela quantidade.

Mas é notório e resulta do Laudo dos Srs. Peritos, que sendo aquela, a capacidade de água que os exequentes podiam dispor para a exploração que então desenvolviam, tal exploração, em concreto, não necessitaria de todo aquele caudal de agua, mas tão só do caudal situado entre os 33.329m3 e os 49.994m3 de água por ano.

É sabido que a privação do “uso da coisa” constituiu um ilícito, gerador da obrigação de indemnizar, por impedir o proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, uso, fruição e disposição, nos termos do artigo 1305.º do Código Civil.

Sendo essencial, para efeitos de indemnização, a alegação e demonstração, pelo dono, da frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização, não fora a ação levada a efeito pelo lesante.

Ora estes danos, terão de ser calculados tendo em conta a efetiva “perda” do lesado e, como resulta do laudo, os exequentes para a efetiva exploração dos seus prédios, não necessitariam de toda a agua que o tubo de 2” poderia levar para aqueles, durante 24 horas, durante um ano, mas tão só da necessária para a exploração e essa foi apurada com uma variação entre os 33.329m3 e os 49.994m3 por ano.

A equidade (aqui, nos termos da alínea a) do artigo 4.º do Código Civil) destina-se a encontrar a solução mais justa para o caso. Pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa.

Como se referiu, citando o Prof. Castanheira Neves, “… a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real, a justiça ajustada às circunstâncias, em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da juridicidade. (...) A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto".

Sabemos que a fase incidental executiva se destina a uma mera quantificação e esta, dependente dos casos concretos, pode não ser uma quantificação exata.

A propósito da liquidação em fase executiva, reportada à indemnização, disse-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 24 de Outubro de 2006 – 06 A1858: “Tal situação, acontece não como consequência de fracasso da prova na acção declarativa, mas sim como a consequência de ainda se não conhecerem, com exactidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda se não terem revelado ou estarem em evolução alguma ou todas as consequências do facto ilícito, no momento da propositura da acção declarativa.”

No caso sub judice, esta liquidação dos danos, surgiu após a constatação da incapacidade dos executados na prestação de facto e do desinteresse dos exequentes pelo decurso do tempo na concretização da prestação de facto.

A liquidação efetuada pelo Laudo dos Srs. Peritos, não conseguiu, com rigor, calcular a efetiva quantidade de água que os exequentes poderiam gastar durante mais de 12 anos. Mas, conforme transcrevemos, forneceu-nos dados importantes para, com apelo à equidade, conseguirmos atingir uma reparação do dano o mais próximo possível do real.

Surge assim, a necessidade de fazermos apelo aos critérios da equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º da lei civil, segundo a qual, “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, ou seja, quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos - Prof. Almeida Costa, em “Reflexões sobre a Obrigação de Indemnização”, RLJ 134.º-299; Prof. Vaz Serra, RLJ 114.º-310 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1980 – BMJ 295-369 – e de 25 de Março de 2003 – CJ/STJ XXVII – 1.ª, 140-111.

Ora a decisão do Tribunal da Relação considerando os elementos fornecidos pelo Laudo, maioritário, dos Srs. Peritos, restringiu a indemnização à quantidade da água, que os exequentes gastariam nos seus prédios, usando os seguintes argumentos:

Ora, ficou provada a utilização que os Apelados/Exequentes davam à água – para rega, quer no cultivo da batata, quer nas forragens para o gado, e na “vacaria”, não só para dessedentar os animais como também para a limpeza das instalações.

No laudo de esclarecimentos constante de fls. 902 e sgs., os Peritos apresentam os cálculos da quantidade de água que, em termos normais, tomando como pontos de referência os valores fornecidos pelas publicações do Ministério da Agricultura, Mar e Ambiente, seriam gastos nas supramencionadas actividades, e concluíram que os Apelados/Exequentes consumiriam entre os 33.329m3 e os 49.994m3 de água, segundo o laudo maioritário.

Aceitam-se estes cálculos por se afigurarem consistentes, atentos os elementos objectos em que assentam.

Ter-se-ão, pois, em consideração os cálculos constantes do laudo maioritário. Com efeito, como referem os referidos dois Peritos, sendo Portugal um dos países da União Europeia, e abrangendo os cálculos um período tão longo, há-de ter-se por justificado o recurso à taxa de inflação esperada pelo BCE, que é de 2%, e se adopte, como taxa de juros nominal, o valor das obrigações alemãs, por ser a economia de referência e a mais estável.”

Não vemos como não concordar com tal apreciação.

No caso em apreço, encontrando-se esgotada a possibilidade de determinar com precisão o exato “quantum” indemnizatório, os Srs. Peritos, maioritariamente, balizaram, num menos e num mais, os valores de gasto de água que a atividade dos exequentes poderia despender e determinaram o valor do m3 dessa água com critérios macroeconómicos sólidos. O Tribunal da Relação, com recurso à equidade, aceitou os cálculos efetuados e considerou o valor mais elevado de consumo de água, atingindo a indemnização de 500 000€.

Como se referiu no supra citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/1/16, «… o juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade …”. Ora essa constatação levará este tribunal de revista sindicar os limites de discricionariedade das instâncias no recurso à equidade, designadamente na busca de uniformização dos critérios jurisprudenciais, por forma a garantir o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei - cfr. o art.13º, nº1, da Constituição da República Portuguesa, e o art. 8º, nº3, do Código Civil e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-9-2018, Proc. 2172/14.8TBBR.G1.S1, em www.dgsi.pt.

Assim sendo, perante o circunstancialismo apontado, consideramos que o valor fixado pelo acórdão recorrido não se afasta, por defeito, substancialmente e sem justificação adequada, dos critérios jurisprudenciais que vêm sendo adotados, pelo que deverá ser mantido.

IV – Decisão:

A – julga-se improcedente a revista da executada, “CC, S.A.”, condenando-se a mesma nas respetivas custas.

B - julga-se improcedente a revista dos exequentes, AA e mulher, BB, condenando-se os mesmos nas respetivas custas.

Lisboa, 10-12-2019

Assunção Raimundo    (Relatora)

Ana Paula Boularot

Cons. Fernando Pinto de Almeida

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[1] Inicialmente, “CC – ......., SA.” – cfr. requerimento de fls. 1083 vº.
[2] Na sentença recorrida tinha a seguinte formulação: “As 2 polegadas de água, atenta a distância e a diferença de cotas de 50 metros entre a barragem e o local onde deveriam ser reposta a água, permitiam aos exequentes a produção de energia elétrica, por força da gravidade.” Este facto foi acrescentado aos “Factos não provados”
[3] Cfr. arts. 4.º, 72.º/2, 283.º/1, 339.º/2, 400.º/1, 437.º/1, 462.º, 494.º, 496.º/3, 566.º/3, 812.º/1, 883.º/1, 992.º/3, 1142.º/2, 1158.º/2, 1215.º/2 e 1407.º/2.
[4] ANA PRATA, Dicionário Jurídico, Volume I, 5.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2008, p. 600.
[5]Cfr. Código Civil Anotado, I vol. 3ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora.
[6] Cfr. Questão de Facto - Questão de Direito, p. 351.
[7] OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito: Introdução e Teoria Geral, 4ª Edição, Lisboa: Almedina, 1987, p. 283.
[8] MENEZES CORDEIRO, “A decisão…, p. 271 e 272.
[9] MENEZES CORDEIRO, ob. Cit. p. 280.
[10] MAGDI SAMI ZAKI, “Définir l’équité”, in Archives de philosophie du droit - Vocabulaire Fondamental, T. 35, Paris, 1990., p. 87
[11] Ob. Cit. P. 267.
[12]https://pt.wikipedia.org/wiki/Equidade.