Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
73/18.0YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: MOVIMENTO JUDICIAL
CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO
TRANSFERÊNCIA
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
BOA FÉ
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
INAMOVIBILIDADE DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS
INDEPENDÊNCIA DOS TRIBUNAIS
SANÇÃO DISCIPLINAR
CONSTITUCIONALIDADE
IMPARCIALIDADE
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DO PODER POLITICO / ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA / COMPETÊNCIA / RESERVA ABSOLUTA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA / TRIBUNAIS / ESTATUTOS DOS JUÍZES / MAGISTRATURA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS.
Legislação Nacional:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 164.º, ALÍNEA M) E 215.º.;
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGO 93.º;
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ): - ARTIGO 183.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional:

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 15-03-2012, PROCESSO N.º 92/11.7YFLSB;
- DE 07-07-2009, PROCESSO N.º 418/09.3YFLSB;
- DE 22-08-2018, PROCESSO N.º 40/18.3YFLSB;
- DE 28-06-2018, PROCESSO N.º 42/17.7YFLSB;
- DE 28-02-2018, PROCESSO N.º 78/17.8YFLSB;
- DE 23-01-2018, PROCESSO N.º 47/17.8YFLSB;
- DE 23-01-2018, PROCESSO N.º 47/17.8YFLSB.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- DE 20-12-2007, ACÓRDÃO N.º 620/2007.
Sumário :

I - Sob pena de não se garantir a igualdade de tratamento de todos os juízes com requisitos idênticos, face aos dados relevantes disponíveis e actualizados na mesma data, deve ser considerada na respectiva movimentação a notação mais recente e passível de o ser, tal como sucedeu com a deliberação ora questionada (de 11-07-2018), ao atender a todas as classificações que no precedente dia 12-06-2018 foram fixadas, a par das já então vigentes.

II - Quando, em 12-06-2018, foi atribuída ao autor a notação que determinou a perda dos requisitos exigidos pelo art. 183.º da LOSJ para o lugar em que se encontrava colocado, estava em curso a recepção pela secretaria dos requerimentos apresentados pelos candidatos para o concurso que viria a ser decidido no posterior dia 11-07-2018, pelo que, sob esse prisma, aquela perda produziu efeitos «no movimento judicial seguinte» e os princípios da tutela da confiança, da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé permaneceram incólumes.

III - A inamovibilidade do juiz, constitucionalmente imposta para assegurar a independência e esta para garantir a imparcialidade, não é um princípio absoluto e daí que se compreenda que o legislador adopte medidas adequadas a garantir que a prestação do juiz em determinados lugares mantenha o nível de qualidade conciliável com a classificação que a afectação ao seu desempenho pressupôs, nomeadamente que, para tanto, consagre a regra estatutária da perda do lugar como efeito da perda dos requisitos que já se encontrassem positivados no ordenamento jurídico para a nomeação, medida que, não deixando ao CSM qualquer margem de discricionariedade ou subjectividade, não derroga, desproporcionadamente, princípios fundamentais aplicáveis aos juízes, como é o da inamovibilidade.

IV - Do princípio da unicidade estatutária, plasmado no art. 215.º da CRP, decorre que a todos os juízes que formam o corpo único dos titulares dos tribunais judiciais se aplica um só estatuto próprio – com o valor reforçado imposto ao legislador ordinário pelo art. 164.º, al. m), da CRP –, mas não, necessariamente, que as normas que o compõem constem de um único diploma, ou que no mesmo não possa ser feita remissão para normas estatutárias extravagantes, quer expressa quer implicitamente, como é de considerar a feita para a norma do art. 183.º n.º 5 da LOSJ.

V - A sujeição a movimentação obrigatória de um juiz que tenha perdido os requisitos exigidos para o lugar em que está colocado, visando o objectivo de assegurar uma administração da justiça qualitativamente superior, não pode ser encarada como uma sanção disciplinar de transferência, aplicada sem processo, por não lhe corresponderem o estigma e as consequências para a carreira do juiz inerentes a essa sanção, que necessariamente decorre da comprovação do cometimento de grave infracção que implique a quebra do prestígio exigível ao magistrado para que possa manter-se no meio em que exerce funções (art. 93.º do EMJ).

VI - Sabendo-se que no nosso ordenamento jurídico há muito se estabelece o requisito da classificação mínima de serviço para acesso e promoção a tribunais e sendo a compressão do princípio da inamovibilidade desencadeada pela mencionada movimentação obrigatória proporcionada à finalidade prosseguida pelo legislador, pela mesma ordem de razões, não se vê como reputar de merecedora de tutela ou, até, que seja razoável a expectativa que um juiz acalente de poder permanecer num tribunal/juízo para o qual deixou de ter a classificação exigida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (Secção do Contencioso):

AA, Juíz ..., intentou esta acção administrativa de impugnação contra o Conselho Superior da Magistratura (CSM), pedindo que seja declarada nula ou, pelo menos, anulada a sua deliberação – que disse ser de 3‑07‑2018 –, respeitante à aprovação do “Movimento Judicial Ordinário de 2018”, com que o desafectou do ... e ... (da Comarca de ...) e o colocou no “Quadro Complementar de Juízes de ...”.

Sustenta, em suma, que a deliberação violou o artigo 183º nº 5 da LOSJ e os princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da boa-fé, da unicidade estatutária dos juízes, das suas inamovibilidade e independência e da tutela da confiança.

O R contestou, invocando a inexistência do objecto da impugnação porque na data referida pelo A (3-07-2018) apenas foi publicitado um projecto de “Movimento Judicial Ordinário”, sendo a aprovação deste tomada por deliberação de 11‑07‑2018, e concluindo, à cautela, pela improcedência da pretensão formulada pelo A.

 Foram produzidas alegações pelo A, pelo R e pelo Ministério Público.


*

Cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pelo A.

Previamente, porque se alcança da substância da matéria alegada na petição que a deliberação cuja impugnação o A visa foi realmente tomada em 11‑07‑2018, defere‑se a sua pretensão rectificativa, consignando-se ser essa a data da mesma, com a consequente improcedência da excepção deduzida pelo R, sem que se imponham mais considerandos sobre o assunto.


*

Relevam os seguintes elementos fácticos extraídos do autos:
a) Conforme aviso publicado no Diário da República, 2ª série, de 15-05-2018, o CSM deliberou realizar o “Movimento Judicial Ordinário” na subsequente sessão do seu Plenário de 11-07-2018, subordinado, nomeadamente, aos seguintes termos e critérios:
«(...) 19) As notações a considerar no âmbito do processamento do presente movimento judicial, são as que estiverem em vigor, forem deliberadas ou homologadas, sem reclamação ou impugnação dos interessados, à data da sessão do Conselho Plenário e Permanente Ordinário de 12 de junho de 2018, sendo igualmente esta a data a considerar nos termos e para os efeitos previstos no artigo 183º da LOSJ, designadamente para contabilização da antiguidade e da aferição da perda de requisitos a que alude o nº 5 deste artigo.
20) Os juízes que se encontrem na situação a que alude o nº 5 do artigo 183º da LOSJ deverão apresentar requerimento ao presente movimento judicial.
(...) 23) Não são, todavia, renovados, os destacamentos de juízes auxiliares colocados há 2 ou mais anos em Instâncias Centrais (atuais juízos de competência especializada Central Cível, Central Criminal, de Instrução Criminal, de Trabalho, de Família e Menores, de Execução, de Comércio), em Tribunais de Competência Territorial Alargada e em Juízos Locais especializados, que não reúnam os requisitos de tempo de serviço e notação previstos no nº 1 e 2 do artigo 183º da LOSJ.
33) O prazo para o envio dos requerimentos eletrónicos inicia-se na data de publicação do presente aviso no Diário da República e termina no dia 31 de maio de 2018».
b) Em 30-05-2018, o despacho do Vice-Presidente do CSM de 29-05-2018 foi submetido à divulgação do seguinte teor (extracto):
«1. A aprovação da notação, independentemente da proximidade do movimento judicial, obedece sempre à tramitação prevista no Regulamento dos Serviços de Inspeção do CSM (…) aqui se prevendo – art. 17.º, n.º 8 – a possibilidade do inspecionado se pronunciar quanto ao seu relatório inspetivo, sendo que, caso se preveja alteração da notação proposta no relatório inspetivo, é sempre cumprida a audição prévia do inspecionado, a qual tem lugar no processo tendente à aprovação da notação, inexistindo qualquer audição adicional quanto aos efeitos da notação que resultem da lei.
2. A aprovação da notação e a perda do lugar nunca ocorrem em simultâneo, porquanto a última notação a considerar será a que estiver em vigor, for deliberada ou homologada, sem reclamação ou impugnação dos interessados, até à data de 12-06-2018, enquanto a aprovação do projeto do movimento judicial (incluindo perdas de lugar) só ocorrerá em 11-07-2018;
3. Contudo, porque da sequência de datas (termo do prazo para apresentação de requerimento para movimento – 31-05-2018 – e termo do prazo para envio de requerimento de desistência – 11-06-2018) poderá resultar um obstáculo para os magistrados que se vejam colocados na situação a que alude o art 183.º, n.º 5, da LOSJ, (…), atenta a urgência do prazo em curso, foi autorizada a admissão de requerimentos de desistência do MJO 2018, que sejam apresentados pela via prevista, até às 23.59 h. do dia 14-06-2018.
4. Mais se informa que, em qualquer caso, serão admitidos requerimentos condicionais, nas situações passíveis de verificação da perda de requisitos a que alude o artigo 183.º, n.º 5, da LOSJ devendo, para o efeito, os Magistrados interessados apresentar requerimento genérico, através do JUDEX, no prazo para apresentação de requerimento ao Movimento Judicial, manifestando o carácter condicional do respetivo requerimento ao Movimento.»
c) Por deliberação do Plenário do CSM de 12-06-2018, a prestação de serviço do A entre 1-01-2017 e 12-12-2017 foi classificada de “suficiente", sendo a sua notação, até então, de “muito bom”, que lhe tinha sido atribuída por deliberação de 19-09-2017.
d) Mediante a deliberação impugnada (de 11-07-2018), o A foi obrigatoriamente movimentado e colocado no “Quadro Complementar de Juízes de Lisboa”.

*

O direito.

1. a 3. O “ponto 19 do Aviso” e os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé.

O A impugna a sua colocação – por perda de requisitos (notação) – no “Quadro Complementar de Juízes de Lisboa”, por considerar: «os critérios fixados no ponto 19 do Aviso quanto ao facto de que as notações a considerar para efeitos do MJO 2018 são as notações atribuídas até à data de 12 de junho de 2018, o que no caso do A. corresponde à notação de “Muito Bom” – e já não as afixadas a partir desta data – e o facto de que, ainda assim, a baixa de notação só tem efeitos no movimento judicial seguinte (cf. nº 5 do artigo 183º da LOSJ)».

Sustenta que a interpretação que o CSM fez do critério contido no aludido item é manifestamente ilegal, violando o princípio da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito (artigo 2º da CRP), porquanto, só podendo considerar para efeitos do MJO de 2018 a notação que lhe estivesse atribuída até 12‑06‑2016, esse órgão atendeu à que foi fixada nessa data, antes mesmo de ter sido notificado da baixa da sua classificação, impedindo-o de reclamar ou impugnar, porque, ainda que o tenha feito, tal não obstou à sua colocação noutro lugar, por força de uma alteração não definitiva.

Entende o A que a deliberação, ao estabelecer que a já referida data de 12‑06‑2018 seria a atendível nos termos e para os efeitos previstos no artigo 183º da LOSJ, também violou o disposto neste normativo, na medida em que o mesmo, respeitando o princípio da tutela da confiança, determina que só se produza «no movimento judicial seguinte» o efeito da colocação do lugar a concurso, advindo da perda dos requisitos exigidos na lei, e não no movimento judicial em curso (presente), como no caso sucedeu.

O A também defende que a deliberação impugnada é manifestamente contrária aos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé porque: i) coloca o A numa posição igual aos demais candidatos quando, na verdade, por imposição, quer dos parâmetros fixados no Aviso, quer do disposto no nº 5 do art. 183º da LOSJ, não o deveria fazer no Movimento Judicial de 2018; ii) a posição jurídica do A é gravemente afectada, atendendo a que a notação ainda não é definitiva e a que a notação a ter em consideração seria a notação de “muito bom”, à data de 12.06.2018; iii) a interpretação do CSM sobre o ponto 19 do Aviso e nº 5 do art. 183º da LOSJ, coartando ao A o seu direito de reclamar ou impugnar, é reveladora de falta de vinculatividade da actuação administrativa.

E, adita, a referida interpretação do CSM é também inconstitucional porque, de facto, o CSM, «ainda que só para casos de exceção», tem entendido aplicar medidas de gestão face a pedidos de magistrados que perderam os seus lugares de efectivos, como sucedeu em relação ao pedido formulado, em 9-07-2018, pela Sra. Juíza BB, que foi deferido pelo Senhor Vice-Presidente do CSM, com a invocação de que «deverá prolongar-se a aplicação de uma medida de gestão de exceção às situações ocorridas em ambos os referidos movimentos» por a norma referente à perda de requisitos permitir «projetar um entendimento de dilação de efeitos no tempo».

No entanto, a tese do recorrente não tem apoio no regime legal dos movimentos judiciais, tal como este emerge dos arts. 38º e 39º do EMJ (Lei nº 21/85, de 30/7), nem nos princípios que conclama.

Em conformidade com o disposto no art. 17.º do Regulamento dos Serviços de Inspeção do Conselho Superior da Magistratura, o processo inspectivo contempla uma entrevista final onde o inspeccionado é informado da notação que irá ser proposta pelo inspector (n.º 5). Elaborado o relatório (n.º 7), este é notificado ao inspeccionado para poder juntar elementos e/ou requerer as diligências que entender (n.ºs 8 a 10). Em qualquer caso, a proposta de notação contida no relatório que seja elaborado no termo do processo inspectivo – sempre notificado ao interessado – é apresentada ao CSM, a cujo Conselho Permanente cabe a deliberação sobre classificação de serviço de juízes de 1ª instância [nos termos do arts. 151.º, al. d), e 152.º, n.º 2, da Lei 21/85].

Da decisão do Conselho Permanente cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura (cf. arts. 165.º, e 167-A, ambos da Lei 21/85). Uma vez tomada a decisão pelo Plenário, desta cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, embora sem efeito suspensivo (cf. arts. 168.º, e 170.º, da Lei 21/85).

Portanto, as classificações atribuídas em Conselho Permanente do CSM, se forem objecto de reclamação (hierárquica), não têm “força de caso decidido”, uma vez que essa reclamação tem efeito suspensivo. Já as decididas em Plenário podem ser executadas imediatamente, ainda que não tenham atingido a estabilidade inerente à força de caso decidido, o que sucede se tiverem sido objecto de impugnação judicial perante o STJ (art. 168º da Lei nº 21/85) ou ainda não tiver decorrido o respectivo prazo: dado o efeito não suspensivo da impugnação, o acto administrativo produzirá logo efeitos, que, todavia, serão suspensos se vier a ser decretada pelo STJ (o Tribunal competente para a impugnação) a suspensão da sua eficácia, requerida pelo interessado (art. 170º da Lei nº 21/85).

Se, em princípio, assim é, admite-se que da interpretação meramente literal do teor do questionado ponto 19) do Aviso de MJO 2018 – notações “que estiverem em vigor, forem deliberadas ou homologadas, sem reclamação ou impugnação dos interessados”, à data de 12-06-2018 – poderia obter-se o sentido de que o CSM teria querido ir mais longe e retirar exequibilidade também às deliberações classificativas tomadas pelo seu Plenário até 12‑06‑2018, impugnadas ou cujo prazo de impugnação judicial não tivesse ainda decorrido, e não apenas às do seu Conselho Permanente formadas até essa data, que fossem objecto de reclamação, a qual, como se disse, por força da lei, teria sempre efeito suspensivo, independentemente do estabelecido no Aviso.

Também não se obnubila que para a aludida formulação o CSM se socorreu dos termos “reclamação” e “impugnação” que têm, no domínio do direito administrativo em que nos movemos, o alcance conceptual que acima expusemos.

E, para reforçar a aquisição daquele resultado interpretativo, até se poderia ventilar a hipótese de o CSM, com a deliberação assim concretizada naquele ponto do Aviso, ter pretendido colocar em plano de igualdade as notações homologadas ou deliberadas pelo seu Conselho Permanente de 12-06-2018 e as tomadas na sessão do seu Plenário do mesmo dia, considerando, também estas, sem eficácia para o movimento judicial seguinte.

Porém, segundo tudo indica, com o que está escrito na deliberação, o CSM, por um lado, usou as referidas expressões no seu sentido correntemente adquirido pela generalidade dos que eram os destinatários do Aviso (como se sabe, os juízes dos tribunais judiciais de 1ª instância) – em detrimento dum maior rigor técnico‑jurídico, que, quiçá, se imporia –, ou seja, no sentido de deliberação ou homologação de propostas de notação que não tivessem suscitado contradita de qualquer espécie por parte do visado.

E fê-lo, por outro lado, com um desiderato bem diferente do que aquela interpretação prima facie do Aviso poderia sugerir.

Vejamos.

Tratando-se aqui de um movimento (ordinário) previsto no nº 1 da primeira de tais normas, deveria o mesmo ser efectuado no mês de Julho, como realmente veio a ocorrer, na data já pré-anunciada da sessão do Plenário do CSM de 11/7.

Ora, em princípio, o movimento de juízes, como qualquer outro acto administrativo, deve ter em conta, na data da sua efectivação, os dados actuais e definitivamente vinculantes para a própria entidade que o pratica.

No que ao CSM respeita, entre tais dados revestidos de actualidade definitivamente auto-vinculativa incluem-se os resultantes das suas próprias deliberações em Plenário, que, como se sabe, não são susceptíveis de reclamação hierárquica, mas apenas de impugnação judicial, a qual, no entanto, não suspende a eficácia do acto recorrido, a não ser que tal suspensão venha a ser decretada pelo STJ, o tribunal competente para a impugnação (arts. 168º e 170º da Lei nº 21/85).

Por isso, não prevendo a Lei o contrário, o CSM até poderia concretizar o “movimento judicial” dos juízes com base, entre outros dados, nas classificações de serviço precedentemente atribuídas pelo seu Plenário, no próprio dia da realização daquele acto. Poderia, mas tal não seria praticável, uma vez que, como todos intuímos, o “movimento judicial” implica o confronto de um vasto conjunto de dados relativos a muitos juízes e daí a necessidade de preparação pela secretaria de todas as operações tendentes à prática do acto pelo Órgão, previstas no mencionado art. 39º do EMJ.

O CSM instituiu a rotina – de que todos os juízes têm conhecimento desde, pelo menos, há cerca de 20 anos – de considerar para o apontado efeito, não a (impraticável) data limite do próprio acto, nem, também, a da publicação do aviso do concurso, ou seja, a do início da preparação de todas as operações tendentes ao acto, mas uma data intermédia em que o funcionamento colegial do Órgão lhe permita actualizar as classificações: para esse efeito, nas suas sessões do mês intercalar (Junho), o CSM tem‑se debruçado sobre todas as propostas de notação formuladas pelos inspectores judiciais, sem reclamação do interessado, e sobre as reclamações das deliberações tomadas nessa matéria pelo seu Conselho Permanente.

O objectivo da instituição dessa rotina – plenamente concretizada no questionado Aviso, tal como entendemos – é permitir que seja considerada no movimento judicial a notação mais recente e passível de ser atendida. E foi o que sucedeu com a deliberação sobre o MJO 2018, ao considerar as classificações que haviam sido fixadas até ao precedente dia 12 de Junho.

E sempre assim tem sido feito, tanto para o “bem” dos classificados – com a mais normal (ou habitual) subida de notação –, como para o “mal”. Realmente, não haveria qualquer razão objectiva para proceder diferentemente nesta segunda hipótese, como foi a do A, sob pena de, ao invés do por ele alvitrado, não se garantir a igualdade de tratamento de todos os juízes com requisitos idênticos, face aos dados relevantes disponíveis e actualizados na mesma data: ou seja, quanto às classificações, no movimento de Julho, todas as que, em 12 de Junho de 2018, já estavam em vigor e as então deliberadas ou resultantes da simples homologação de propostas que não tivessem motivado qualquer espécie de oposição (reclamação ou impugnação) por parte dos interessados.

Resta reiterar que uma deliberação tomada pelo Plenário do CSM é, realmente, definitiva para o próprio Órgão e não passível de reclamação, devido à lógica inerente à estrutura e à natureza deste, mas pode ser impugnada judicialmente pelos por ela visados.

Portanto, a deliberação que colocou o A noutro lugar apenas no apontado sentido se revestiu da inevitabilidade a que o mesmo aludiu, uma vez que, não tendo ele ficado impedido de impugnar a precedente deliberação classificativa – como até fez, segundo informa –, a eventual decisão de anulação de tal deliberação, proferida nesse âmbito, sempre imporia, como é sabido, a prática pelo Órgão demandado dos actos necessários à reposição do statu quo ante (art. 172º do CPA).

Posto isto, o A não logra demonstrar quaisquer concretas circunstâncias que evidenciem a violação do princípio da protecção da confiança pela deliberação impugnada, nem se vislumbra em que medida é que esta poderia ter colidido com esse princípio ou com qualquer outra vertente do princípio da boa fé – como a proibição de comportamento contraditório –, bem como com o teor literal e alcance do invocado item 19 do “Aviso”, aliás, inteiramente conformes à prática consolidada do Órgão desde havia muitos anos. 

Se bem interpretamos a convocação que o A faz do artigo 183º da LOSJ, o mesmo, nesta vertente, concebeu o movimento judicial de 2018 como abarcando o encadeamento de procedimentos ao mesmo conducentes, porventura, desde a publicação (em 15-05-2018) do respectivo aviso e com todas as operações realizadas pela secretaria para preparar a efectuação pelo CSM de tal acto, em 11/7.

Perante o que já acima expusemos, não vemos onde possa residir a causa dessa confusão: quando, em 12-06-2018, foi atribuída ao A a notação que determinou a perda de requisitos para o lugar em que se encontrava colocado, o que estava em curso não era o movimento judicial mas apenas e ainda a preparação pela secretaria de todas as operações tendentes à prática do acto pelo Órgão, como, aliás, prevê o citado art. 39º do EMJ, mais precisamente, a recepção dos requerimentos apresentados pelos candidatos para o concurso que viria a ser decidido no posterior dia 11/7 desse ano, ou seja, no movimento judicial seguinte, porque aprovado pela deliberação do CSM, em momento posterior à atribuição das notações ([1]).

Sob este prisma, a perda pelo A dos requisitos exigidos na lei produziu efeitos «no movimento judicial seguinte» e os princípios da tutela da confiança, da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé permaneceram incólumes.

Embora já se mostrem, latamente, contrariados pela exposição antecedente todos os argumentos aduzidos quanto aos pontos abordados e, assim, revelada a improcedência da impugnação formulada neste conspecto, sempre diremos que é impertinente, se não mesmo imperceptível, a evocação que o A fez para o seu caso da aplicação pelo CSM de soluções de gestão excepcionais, como sucedeu em relação à sua Colega BB. Realmente, por despacho do Vice-Presidente do CSM posterior ao movimento de 11-07-2018, essa Sra. Juíza foi reafectada em atenção à sua situação pessoal e familiar (cf. doc. 9 da PI dos autos 74/18.8YFLSB desta Secção).

Ora, não se vê em que medida o que é excepcional – e que deve ser tratado como tal – possa servir de critério para encontrar o genérico e abstracto sentido do alcance das leis.

4. e 5. Os princípios da unicidade estatutária, da inamovibilidade dos juízes e da independência dos tribunais.

Diz o A que a norma do citado art. 183º nº 5 da LOSJ não consta do EMJ, o que atentaria contra a unicidade de estatuto dos juízes dos tribunais judiciais que, tal como está constitucionalmente consagrada, pressupõe um estatuto unificado e um estatuto específico, no sentido de que são as suas disposições, ainda que de natureza remissiva, que determinam e conformam o respectivo regime jurídico-funcional.

E, quanto ao conteúdo da mesma, lembra que os juízes são inamovíveis, não podendo ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei (art. 216º da CRP) e que, de acordo com este princípio constitucional, o artigo 6º do EMJ estabelece que mesmos não podem ser, nomeadamente, por «qualquer forma mudados de situação senão nos casos previstos neste Estatuto». E com esse fundamento o A alega que, como o EMJ não prevê a perda do lugar em que um juiz esteja colocado efectivo por perda da classificação de serviço que tinha anteriormente, a norma do referido artigo 183º, nº 5, nunca poderia ser aplicada sem que o EMJ fosse alterado.


Suscita-se, aqui, a questão de saber se não contende com princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico-constitucional a norma do art. 183º nº 5 da LOSJ (com a redacção introduzida pela Lei nº 40-A/16, de 22-12), nos termos do qual a perda dos requisitos «exigidos pelos n.ºs 1 e 2» (e também pelo art. 45º do EMJ) para a colocação inicial, precedida de concurso, num determinado tribunal «determina que o lugar seja posto a concurso no movimento judicial seguinte».
 Um dos pilares básicos do moderno Estado e pedra angular da essência em que se consubstancia a ideia de Estado de direito democrático é a garantia sustentada na legitimidade de um órgão de soberania que dita as leis, de outro que as executa e de um terceiro, guardião da própria legalidade, incumbido do poder de controlo sobre os demais, de tutelar as garantias do indivíduo frente ao poder público e de resolver os conflitos, dizendo o direito, através da aplicação das mesmas leis.
A este terceiro órgão de soberania (tribunais) é conferido um poder público (judicial) independente, a cujos titulares (os juízes) são estabelecidas condições que garantem a independência do exercício daquele poder, sendo, desde logo, constitucionalmente asseguradas as suas próprias independência (externa e interna), inamovibilidade, irresponsabilidade e aplicação ao corpo único por eles constituído de um só estatuto próprio ([2]), da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República ([3]), bem como de um regime exclusivo de incompatibilidades (cf. artigos 205º, 215º e 216º da CRP), porquanto, para serem verdadeiramente independentes em relação aos demais poderes, os juízes precisam de poder decidir em sua consciência e estar imunes a pressões de qualquer espécie.
A independência do poder judicial, plasmada no artigo 6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos e no artigo 203º da CRP, com as inerentes inamovibilidade e irresponsabilidade dos respectivos titulares difusos, é uma garantia fundamental da imparcialidade e, como tal, dos direitos dos cidadãos: os princípios da inamovibilidade e da irresponsabilidade do juiz são os garantes da sua independência, assim como esta se destina a afiançar a imparcialidade do mesmo.
A Recomendação do Comité de Ministros aos Estados membros (da UE) sobre os juízes (a eficiência, independência e responsabilidades) CM/Rec (2010) 12 (adoptada em 17-11-2010) sublinhou que a independência do poder judicial assegura a cada pessoa o direito a um julgamento justo e, portanto, não é uma prerrogativa ou privilégio concedido no interesse próprio dos juízes, mas uma garantia do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, permitindo que qualquer pessoa tenha confiança no sistema de justiça. Aí se asseverou que os juízes devem ter liberdade irrestrita para decidir os casos de forma imparcial e que a segurança da posse e a inamovibilidade são elementos-chave da independência dos juízes, não devendo o juiz receber um novo compromisso ou ser transferido para outro serviço judicial sem o consentir, excepto em casos de sanções disciplinares ou de reforma da organização do sistema judicial, pelo que, a independência judicial deve ser garantida no que se refere, nomeadamente, à nomeação (até a idade de reforma), promoção – que devem basear-se em critérios objectivos e tomadas pelo órgão encarregado de garantir a independência –, inamovibilidade, imunidade judicial, disciplina, remuneração (adequada) – para evitar influência indevida – e financiamento do poder judicial.
A necessidade de um poder judicial independente, para cuja satisfação devem ser asseguradas aos juízes dele investidos a independência, a irresponsabilidade e a inamovibilidade, é afirmada como axiomática, por ser um princípio essencial, estruturante e pré-requisito de qualquer estado de direito.
É certo que o Conselho Superior da Magistratura, constitucionalmente incumbido do autogoverno do poder judicial (cf. arts. 217º e 218º da CRP) e que, por isso, deve assegurar a independência externa (ou institucional) do juiz, não obstante dispor de natureza meramente administrativa, é um órgão independente e revestido de especial exigência no tocante à legitimidade democrática, à isenção e à imparcialidade.
Contudo, à efectiva consolidação desse poder independente são opostas, com alguma frequência, manifestações de uma certa fluidez e ambiguidade ([4]).
Realmente, não pode o legislador ordinário deixar de se preocupar com a independência do juiz, tanto externa como interna, evitando todas as possíveis fontes da sua perturbação.
Neste contexto, a regra de que decorre a exigência de determinados requisitos para a afectação, ab initio, de juízes ao exercício da função jurisdicional em determinados lugares a que, como é suposto, está associada a percepção de uma maior complexidade é imediatamente compreensível, não justificando qualquer análise suplementar.
Mas, à luz das expendidas considerações, a opção política consumada na norma do citado nº 5 do artigo 183º da LOSJ já é mais problemática e, por isso – e como qualquer outra – discutível.
Vejamos.
Por um lado, essa opção foi plasmada numa lei de organização judiciária, da reserva (apenas) relativa de competência legislativa da Assembleia da República ([5]), por isso, com dignidade constitucional inferior ao estatuto próprio dos juízes, embora dimane do mesmo órgão legislativo competente.
Ora, a previsão inovadora da transferência compulsiva como consequência da baixa da classificação da prestação, impondo um requisito para a manutenção do lugar do provimento, vem reformular as condições em que é garantida a inamovibilidade, com evidente repercussão no estatuto próprio aplicável ao corpo único dos juízes, da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República.
 Por isso, essa norma respeita, na sua essência, ao diploma estatutário dos juízes, pelo que talvez não devesse ter sido sistematicamente inserida, apenas, no regime do funcionamento orgânico dos tribunais, sem que naquele estatuto se vislumbre qualquer espécie de remissão explícita para o assim preceituado ([6]) ([7]).
Acresce que, actualmente, a lei prevê a inspecção ao serviço dos juízes das Relações, por iniciativa do Conselho Superior da Magistratura (art. 37º-A do EMJ) e, por consequência, a possibilidade de aos mesmos vir a ser atribuída classificação inferior à exigida para a sua promoção à 2ª instância. Porém, o legislador não retira daí um efeito idêntico ao agora implementado em relação aos juízes de 1ª instância, assim consagrando uma diferença estatutária ou uma cisão no estatuto que rege o corpo único dos juízes, o que colide com o art. 215º nº 1 da CRP ([8]).
E, por outro lado, face à prática entre nós conhecida, introduziu um paradigma inovador, consagrando a mobilidade forçada dum juiz – não precedida da sua manifestação de vontade nesse sentido – quando seja atribuída à sua prestação, em determinada fase do seu percurso profissional, uma classificação inferior à inicialmente imposta para a afectação ao concreto cargo.

No entanto, deve começar por se reconhecer que a inamovibilidade do juiz, constitucionalmente imposta para assegurar a independência e esta para garantir a imparcialidade, não é um princípio absoluto.

E também não pode deixar de se constatar que a dignidade indispensável ao exercício do cargo de juiz impõe um grau de exigibilidade e um nível de maturidade e de responsabilidade que não são comparáveis com os que impendem sobre um qualquer funcionário público ou mesmo outro agente do Estado.

Daí que também se compreenda que o legislador adopte medidas adequadas a garantir que a prestação do juiz em determinados lugares mantenha o nível de qualidade conciliável com a classificação que a afectação ao seu desempenho pressupôs e que, para tanto, se consagre a regra estatutária da perda do lugar como efeito da perda dos requisitos que já se encontrassem positivados no ordenamento jurídico para a nomeação, embora sem derrogar, desproporcionadamente, princípios fundamentais aplicáveis aos juízes, como é o da inamovibilidade.

E é aceitável a ideia de que a conservação do lugar pela manutenção de certa classificação de serviço não depende da vontade subjectiva da parte do Órgão incumbido da gestão e colocação dos juízes, mas, sim, da circunstância objectiva, não completamente alheia ao visado, de o próprio, na sequência de procedimento equitativo, manter a classificação de serviço exigível para o lugar: essa circunstância depende, substancialmente, mais da ação do juiz do que de terceiros ([9]).
Este Tribunal, perante todo este quadro de considerações e sopesando todos os valores em presença, tem afirmado sempre, sem qualquer discrepância, a conformidade constitucional da referida norma, pelo que, sob pena de se pôr em causa a relativa previsibilidade e segurança na aplicação do direito, bem como o princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da CRP – que exige que se tenha em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo» (art. 8º nº 3 do CC ([10])) –, não pode deixar de ser aqui convocada essa orientação uniforme ([11]).          

Assim, tem esta Secção salientado:

Do princípio da unicidade estatutária, plasmado no art. 215º da CRP, decorre, como se disse, que a todos os juízes que formam o corpo único dos titulares dos tribunais judiciais se aplica um só estatuto próprio – com o valor reforçado imposto ao legislador ordinário pelo art. 164º da CRP –, mas não, necessariamente, que as normas que o compõem constem de um único diploma, ou que no mesmo não possa ser feita remissão para normas estatutárias extravagantes, quer expressa ([12]) quer implicitamente, como é de considerar a feita para a citada norma do nº 5 do art. 183º da LOSJ, dado que a imposição de classificação mínima de serviço para acesso a determinados tribunais/juízos já estava positivada no nosso ordenamento jurídico, na regra do art. 45º do EMJ, com a qual se conjuga  o questionado preceito introduzido em 2016 na LOSJ, uma vez sujeita aquela às adaptações decorrentes desta lei orgânica ([13]), «não sendo, por conseguinte, surpreendentemente inovatório que a mesma seja agora formulada para o acesso a determinadas categorias de tribunais» ([14]), ou para a manutenção de certos lugares.

Por outro lado, a mesma imposição, por não deixar ao CSM qualquer margem de discricionariedade ou subjectividade, não consubstancia uma violação ao princípio da inamovibilidade, embora lhe oponha uma excepção ou uma ressalva: «Tal exigência não se apresenta como desproporcionada ou irrazoável se confrontada com a finalidade da lei – permitir um melhor e mais adequado funcionamento da justiça, assegurando-se a colocação de juízes melhor classificados e com mais experiência em certos tribunais pré-definidos –, alcançada através de um critério objectivo e dirigido aos juízes em geral([15]).

«Trata-se de uma opção legal que, de forma objectiva e totalmente razoável, permite projectar melhores resultados, evitando a cristalização nesses lugares de juízes de direito com classificações inferiores, designadamente com a classificação de Suficiente (que corresponde ao segundo grau classificativo). Tal alteração legislativa decorreu da constatação de que casos havia em que certos juízes colocados em determinados lugares deixaram de deter essa classificação mínima em resultado daquela avaliação inspectiva dotada possibilitando (ou, melhor, impondo) que, a partir de 2016, os referidos lugares fossem postos a concurso no movimento judicial subsequente.».

«(…) A referida norma é susceptível de interferir objectivamente na situação em que se encontram os juízes de direito que não têm ou deixaram de deter aquela classificação mínima de Bom com Distinção, mas, em contrapartida, permite satisfazer outros objectivos que também foram delegados no legislador ordinário, como sejam o de tutelar os interesses relacionados com a boa administração da justiça, com a eficácia dos Tribunais ou com a celeridade da resposta que se mostram mais compatíveis com a colocação nos referidos lugares dos juízes com melhores classificações de serviço (critério objectivo).

O facto de o art. 6º do EMJ prevenir que a modificação da situação dos juízes apenas possa decorrer dos casos previstos nesse diploma não tem o significado que a recorrente pretende extrair, se considerarmos, como já o expusemos anteriormente, que as normas estatutárias integram não apenas os preceitos que formalmente constam do EMJ, mas ainda outros inseridos noutros diplomas como os que regulam a organização judiciária).» ([16]).

Em conclusão, a norma em questão não afronta os princípios da unicidade estatutária e da inamovibilidade dos juízes, constitucionalmente imposta para assegurar o princípio da independência dos tribunais, que, portanto, também não é reflexamente ofendido.

6. A perda do lugar como sanção disciplinar ilegalmente aplicada.

Alega o A que a perda do lugar em que um juiz está colocado como efectivo só é admissível face ao EMJ como sanção disciplinar, portanto, por causa imputável ao próprio juiz, não deixando a norma ínsita no artigo 183º, nº 5, da LOSJ, de ser uma sanção administrativa encapotada e sem procedimento disciplinar, com violação das garantias constitucionalmente garantidas ao arguido (art. 32º, nºs 1 e 10º).

Já vimos que a inamovibilidade do juiz, constitucionalmente imposta para assegurar a independência dos tribunais, não é um princípio absoluto e que a ressalva que lhe é oposta pela exigência ora questionada é imposta por norma que dimanou da competência constitucional da Assembleia da República e visa permitir um melhor e mais adequado funcionamento da justiça, fazendo-o de modo que não é de considerar desproporcionado ou irrazoável, no confronto com a finalidade prosseguida pela lei.

Por outro lado, perfilhando a aludida orientação precedentemente trilhada por esta Secção, não vemos qualquer motivo para encarar a sujeição a movimentação obrigatória de um juiz que tenha perdido os requisitos exigidos para o lugar em que está colocado, visando o objectivo de assegurar uma administração da justiça qualitativamente superior, como um sancionamento da violação de deveres profissionais, ou seja, como uma sanção disciplinar de transferência, aplicada sem processo: àquela movimentação não correspondem, de modo algum, o estigma e as consequências para a carreira do juiz inerentes à sanção disciplinar de transferência, que necessariamente decorre da comprovação, em processo disciplinar, do cometimento de grave infracção que implique a quebra do prestígio exigível ao magistrado para que possa manter-se no meio em que exerce funções (art. 93º do EMJ).

 

7. O princípio da tutela da confiança.

Por fim, sustentou o A que a deliberação impugnada também viola o princípio constitucional da tutela da confiança, ao aplicar agora a citada norma ao lugar em que o mesmo está colocado como efectivo, com base nos mesmos requisitos de nomeação, considerando que nomeação e manutenção do lugar são institutos diferentes.

É claro que, em 2017, ano em que a referenciada alteração entrou em vigor, ainda se poderiam ter suscitado algumas preocupações da índole das subjacentes ao princípio da confiança, perante a relativa surpresa da sua novidade. Todavia, como se regista nos já referidos arestos desta Secção, essas preocupações, então justificadas, foram arredadas pelo próprio CSM, que acautelou a situação dos juízes colocados em tribunais para os quais a lei passou a exigir classificação mínima de serviço, mediante a medida de gestão nesse ano concretizada de lhes possibilitar a obtenção de inspecção ao serviço prestado.

Ultrapassada que está essa fase transitória, lembramos que, como se sabe, no nosso ordenamento jurídico há muito se estabelecem requisitos de acesso e de promoção a tribunais, como é o da classificação mínima de serviço, e, como dissemos, a compressão ou restrição do princípio da inamovibilidade desencadeada pela mencionada movimentação obrigatória de um juiz que tenha perdido os requisitos exigidos para o lugar em que está colocado é de considerar proporcionada à finalidade prosseguida pelo legislador.

Ora, pela mesma ordem de razões, também não vemos como reputar de merecedora de tutela a expectativa que um juiz, porventura, acalente de poder permanecer num tribunal/juízo para o qual deixou de ter a classificação exigida: não é razoável supor que o nível (qualitativo e quantitativo) do desempenho de um juiz será inócuo para a manutenção do lugar por ele ocupado.

Por conseguinte, improcede a pretensão formulada pelo A.


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Síntese conclusiva:
1. Sob pena de não se garantir a igualdade de tratamento de todos os juízes com requisitos idênticos, face aos dados relevantes disponíveis e actualizados na mesma data, deve ser considerada na respectiva movimentação a notação mais recente e passível de o ser, tal como sucedeu com a deliberação ora questionada (de 11-07-2018), ao atender a todas as classificações que no precedente dia 12 de Junho foram fixadas, a par das já então vigentes.
2. Quando, em 12-06-2018, foi atribuída ao A a notação que determinou a perda dos requisitos exigidos pelo art. 183º da LOSJ para o lugar em que se encontrava colocado, estava em curso a recepção pela secretaria dos requerimentos apresentados pelos candidatos para o concurso que viria a ser decidido no posterior dia 11/7 desse ano, pelo que, sob esse prisma, aquela perda produziu efeitos «no movimento judicial seguinte» e os princípios da tutela da confiança, da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé permaneceram incólumes.
3. A inamovibilidade do juiz, constitucionalmente imposta para assegurar a independência e esta para garantir a imparcialidade, não é um princípio absoluto e daí que se compreenda que o legislador adopte medidas adequadas a garantir que a prestação do juiz em determinados lugares mantenha o nível de qualidade conciliável com a classificação que a afectação ao seu desempenho pressupôs,
4. nomeadamente que, para tanto, consagre a regra estatutária da perda do lugar como efeito da perda dos requisitos que já se encontrassem positivados no ordenamento jurídico para a nomeação, medida que, não deixando ao CSM qualquer margem de discricionariedade ou subjectividade, não derroga, desproporcionadamente, princípios fundamentais aplicáveis aos juízes, como é o da inamovibilidade.
5. Do princípio da unicidade estatutária, plasmado no art. 215º da CRP, decorre que a todos os juízes que formam o corpo único dos titulares dos tribunais judiciais se aplica um só estatuto próprio – com o valor reforçado imposto ao legislador ordinário pelo art. 164º, m), da CRP –, mas não, necessariamente, que as normas que o compõem constem de um único diploma, ou que no mesmo não possa ser feita remissão para normas estatutárias extravagantes, quer expressa quer implicitamente, como é de considerar a feita para a norma do art. 183º nº 5 da LOSJ.
6. A sujeição a movimentação obrigatória de um juiz que tenha perdido os requisitos exigidos para o lugar em que está colocado, visando o objectivo de assegurar uma administração da justiça qualitativamente superior, não pode ser encarada como uma sanção disciplinar de transferência, aplicada sem processo, por não lhe corresponderem o estigma e as consequências para a carreira do juiz inerentes a essa sanção, que necessariamente decorre da comprovação do cometimento de grave infracção que implique a quebra do prestígio exigível ao magistrado para que possa manter-se no meio em que exerce funções (art. 93º do EMJ).
7. Sabendo-se que no nosso ordenamento jurídico há muito se estabelece o requisito da classificação mínima de serviço para acesso e promoção a tribunais e sendo a compressão do princípio da inamovibilidade desencadeada pela mencionada movimentação obrigatória proporcionada à finalidade prosseguida pelo legislador, pela mesma ordem de razões, não se vê como reputar de merecedora de tutela ou, até, que seja razoável a expectativa que um juiz acalente de poder permanecer num tribunal/juízo para o qual deixou de ter a classificação exigida.

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Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção de Contencioso em julgar improcedente a acção de impugnação da deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 11-07-2018 que colocou o A, AA, no “Quadro Complementar de Juízes de Lisboa”.

 

Custas pelo A, para o que se fixa à acção o valor de € 30.000,01.

           

Lisboa, 21/3/2019

Alexandre Reis (relator) *

Tomé Gomes

Manuel Augusto de Matos

Ferreira Pinto

Helena Moniz (de acordo com o voto de vencido junto) *

Graça Amaral (Vencida nos termos do teor da declaração de voto de vencido da Exma. Conselheira Helena Moniz)

Sousa Lameira ( vencido nos termos do teor da declaração de voto de vencido da Exma. Conselheira Helena Moniz)

Pinto Hespanhol (Presidente da Secção)

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[1] V. Acórdão do STJ de 15.03.2012 (p. n.º 92/11.7YFLSB):  “III - O requisito na nota relevante para a efectivação do movimento judicial previsto no n.º 4 do art. 44.º do EMJ afere-se pela data de efectivação do movimento que coincide com a deliberação que o homologa, nos termos dos arts. 136.º e 149.º, al. a), do EMJ. Com efeito, a publicação do aviso de abertura de concurso não atribui ou retirou qualquer direito à recorrente e nem toma em conta a sua classificação. E nem este aviso contém qualquer disposição que preveja que a classificação relevante para o efeito do movimento seja a da data do termo do prazo para concorrer. (…) - Na realidade, a classificação a tomar em conta é a que o candidato tenha na data da efectivação do movimento judicial, que apenas se efectiva com a deliberação do CSM, tal como resulta do art. 149.º, n.º 1, al. a), do EMJ”.
[2]Os juízes dos tribunais judiciais (de ambas as instâncias e do Supremo, a respectiva cúpula) constituem a magistratura judicial, formam um corpo único e regem-se por tal estatuto (artigos 215º da CRP e 1º e 2º do EMJ).
[3] Cf. artigo 164º da CRP.
[4] O Presidente emérito do STJ, Conselheiro Henriques Gaspar, num discurso (publicitado na página da internet do Tribunal), em homenagem a Fernandes Thomaz e proferido na Figueira da Foz em 24 de Agosto de 2017, advertiu: «O século XIX construiu o princípio da separação de poderes, que as catástrofes da primeira metade do século XX enfraqueceram; o pós-guerra renovou e reconstruiu o princípio, que as constituições modernas das democracias consolidaram como constitutivo do Estado de direito. Mas os princípios constitutivos e fundadores da democracia e do Estado de direito nunca estão garantidos.».
[5] Cf. artigo 165.º da CRP.
[6] No Ac. do T. Constitucional nº 620/2007, de 20-12-2007, expendeu-se:
«A unicidade de estatuto, tal como está constitucionalmente consagrada, pressupõe duas características essenciais: (a) um estatuto unificado, constituído por um complexo de normas que são apenas aplicáveis aos juízes dos tribunais judiciais; (b) um estatuto específico, no sentido de que são as suas disposições, ainda que de natureza remissiva, que determinam e conformam o respectivo regime jurídico-funcional.
Justifica-se, por isso, que seja o próprio Estatuto dos Magistrados Judiciais, em cumprimento do apontado critério constitucional, a determinar qual seja a legislação supletiva e o respectivo âmbito de aplicação. Isso pela linear razão de que é a esse diploma que, nos termos previstos no artigo 215º, n.º 1, da Constituição, compete regular de forma mais ou menos exaustiva as matérias que deverão integrar o estatuto do juiz e, nessa medida, delimitar com maior ou menor amplitude o campo de intervenção do direito subsidiário e, ainda, escolher as normas supletivas que melhor se poderão ajustar às soluções jurídicas que tenham sido fixadas.
O que conduz a concluir que o Decreto n.º 173/X, ao ditar o regime subsidiário aplicável aos magistrados judiciais, interfere em matéria estatutária dos juízes e é susceptível de violar o disposto no citado artigo 215º, n.º 1, da CRP.».
[7] Também se retira do sumário do Ac. deste Tribunal de 7-07-2009 (Proc. 418/09.3YFLSB): «A garantia de inamovibilidade, princípio com assento no art. 7.º do EMJ e que assume garantia constitucional no art. 218.º, n.º 1, da CRP, não se reveste de natureza absoluta; com efeito, em ambos os preceitos se lê que os magistrados judiciais são inamovíveis (nomeados vitaliciamente), não podendo ser transferidos, suspensos ou por qualquer forma mudados de situação, senão nos casos previstos na lei, vale dizer, nos casos previstos no Estatuto, sendo um desses casos, expressamente excepcionados e acautelados, justamente o de aplicação da pena derrogatória da garantia, nos termos previstos nos arts. 85.º e ss. do EMJ em processo disciplinar (arts. 110.º e ss.)».
[8] Também ao invés do que sucede com a magistratura do Ministério Público, a que a lei (art. 75º do respectivo Estatuto) confere paralelismo em relação à judicial. Os juízes de 1ª instância não têm mais do que essa única categoria, dentro da qual se inserem em diversos escalões profissionais, definidos em função da antiguidade e do cargo concreto exercido, com repercussão remuneratória. Ora, a transferência resultante da norma agora analisada implica a descida de escalão profissional dos juízes, sem que o legislador preveja consequência paralela em relação a procuradores.
[9] Ainda assim, na medida em que o compreensível desiderato do legislador plasmado na analisada norma, nos termos em que se mostra configurado, pode suscitar justificadas preocupações por poder, desproporcionadamente, colidir com outros valores e princípios estruturantes do nosso ordenamento, não deveria rejeitar-se, liminarmente, a sugestão que, por vezes, tem sido ventilada da conveniência da adopção de uma qualquer salvaguarda, designadamente, a de que a transferência forçada do juiz, subsequente à baixa de classificação, apenas venha a concretizar-se quando, na sequência de nova (obrigatória) inspecção, decorrido um determinado período, a prestação do visado evidencie não serem, afinal, transitórias ou provisórias as causas subjacentes à dita diminuição. Com efeito, já a Comissão Constitucional, no seu Parecer nº 33/82, de 12-10-1982, ponderara: “Na verdade, os direitos (lato sensu) que para os magistrados resultam do princípio da inamovibilidade estão sujeitos ao regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias, sendo isso o que resulta do artigo 17.º, in fine, da Lei de Bases Gerais. Ora, nesse regime avulta o traço constante do artigo 18.º. n.º 3, segundo o qual – na linha, aliás, de um princípio de proporcionalidade – as restrições àqueles direitos, liberdades e garantias não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais». Sendo assim, como é, parece-nos que transferir um magistrado, a pretexto de que foi classificado de «suficiente» e invocando a «mera conveniência de serviço», toca ou fere o núcleo, o elemento irredutível da inamovibilidade.”. Na sequência desse Parecer, a Resolução do Conselho da Revolução nº 189-A/82 (DR I de 25-10) declarou a inconstitucionalidade material do art. 43º nº 2 do EMJ (aprovado pela Lei nº 85/77, de 6-12), na redacção introduzida pelo DL 264-C/81, de 3-9, preceito que estipulava: «o Conselho Superior da Magistratura pode proceder à transferência, por conveniência de serviço, de magistrados que a tal hajam dado a sua anuência ou que tenham sido classificados de Suficiente ou Medíocre».

[10] «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».
[11] Cf. acórdãos desta Secção de 22-08-2018 (p. 40/18.3YFLSB), 28-06-2018 (p. 42/17.7YFLSB), 28-02-2018 (p. 78/17.8YFLSB) e 23-01-2018 (p. 47/17.8YFLSB, p. 46/17.0YFLSB e p. 43/17.5YFLSB), todos em www.dgsi.pt, excepto o primeiro.
[12] Como ocorre, designadamente, em matérias de equiparação a bolseiro (art. 10º-A), de direitos e deveres dos magistrados judiciais (art. 32º), de estatuto de aposentação (art. 69º) ou disciplinares (art. 131º).
[13] Neste sentido, o cit. acórdão de 23-01-2018 (p. 47/17.8YFLSB).
[14] Sumário do cit. acórdão de 28-06-2018.
[15] Sumário do mesmo acórdão de 28-06-2018, na senda, aliás, de todos os demais citados.
[16]  Acórdão já cit. de 23-01-2018 (p. 47/17.8YFLSB), em que também foi dada nota de que tal medida contou com a expressa adesão da ASJP, na sua exposição datada de 10-1-17 sobre a aplicação do novo preceito (acessível através de www.asjp.pt), em que consignava: «admite-se que o referido princípio da inamovibilidade não obste, em abstracto, à perda de um lugar e consequente transferência de um juiz que não tem os requisitos para exercer funções num determinado tribunal (por a sua classificação ter baixado, o que mostrará, em regra, que não estará naquele momento apto para aí estar colocado), o que permitirá, em geral, um melhor e mais adequado funcionamento do sistema judicial, que é, claro, objecto de tutela constitucional e permitirá a existência dessa excepção ao princípio da inamovibilidade» (…) «a perda dos requisitos em causa poderia ter esta consequência», salvaguardada que fosse a possibilidade de ser requerida inspecção judicial extraordinária.)

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Voto vencida por considerar que a deliberação do Conselho Superior da Magistratura, de 11.07.2018, que aprovou o Movimento Judicial Ordinário de 2018, desafetando o Autor — AA — do Juízo de ... e Juízo de ... (da Comarca de ...) e colocando-o no “Quadro Complementar de Juízes de ...” decorrente da deliberação de 12.06.2018 que baixou a notação do A. para “suficiente” (relativamente à prestação de serviço entre 01.01.2017 e 12.12.2017) constitui uma deliberação contra o disposto no ponto 19 do Aviso (extrato) n.º 6475-A/2018 (Diário da República, 2.ª Série, n.º 93, de 15.05.2018).

Porquanto:

1. O acórdão baseia-se na ideia de que a notação atribuída ao A. a 12.06.2018 constitui uma deliberação com força de caso decidido, pois esta decisão tomada em Plenário do CSM não é suscetível de reclamação, mas apenas de impugnação que, todavia, não suspende a eficácia do ato recorrido (por força do disposto no art. 170.º, n.º 1, do EMJ).

2. Comecemos por salientar que o A. requer a nulidade, ou pelo menos a anulação, da deliberação do Plenário do CSM, de 11.07.2018, na parte em que, relativamente ao A., aprovou o movimento, desafetando-o de um lugar e colocando-o no Quadro Complementar de Juízes.

Estando em causa esta deliberação, considero que cabe verificar se a nova notação atribuída a 12.06.2018 devia ter sido a determinante para efetuar o movimento, tendo em conta os termos, critérios e condições do aviso.

É certo que, por força do disposto no art. 183.º, n.º 5, da LOSJ, aqueles que perdem os requisitos impostos pelos n.ºs 1 e 2 do mesmo dispositivo têm que ser movimentados. Porém, serão movimentados quando tenham perdido os requisitos, designadamente quando baixem a notação. Porém, segundo os termos do Aviso referido apenas são relevantes para o MJO de 2018 as notações que não tenham sido objeto de reclamação ou impugnação pelo interessado.

3. Vejamos, então, tendo em conta a lei e o Aviso de MJO de 2018, qual deve ser considerada a notação em vigor para efeitos deste movimento.

Nos termos do Regulamento dos Serviços de Inspeção do Conselho Superior da Magistratura (citado supra), o processo inspetivo inicia-se com o despacho do inspetor a declará-lo aberto (art. 17.º, n.º 1), segue-se a entrevista inicial e inspeção (n.º 2), e depois uma entrevista final onde o inspecionado é informado da notação que irá ser proposta pelo inspetor (n.º 5); é em seguida elaborado o relatório inspetivo (n.º 7), que é notificado ao inspecionado para juntar elementos e requerer as diligências que entender (n.º 8). É, então, elaborado o relatório final a notificar ao interessado (n.º 9), apenas havendo lugar a nova pronúncia do inspecionado quando são aditados novos factos (n.º 10). A proposta de notação é apresentada ao CSM, cabendo a deliberação quanto à classificação do magistrado judicial [nos termos do art. 151.º, al. d), do EMJ] ao conselho permanente, por força do disposto no art.152.º, n.º 2, do EMJ.

Da decisão do conselho permanente cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o plenário do Conselho Superior da Magistratura (cf. arts. 165.º, e 167-A, ambos do EMJ). Uma vez tomada a decisão pelo plenário, desta cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, embora sem efeito suspensivo (cf. arts. 168.º, e 170.º, do EMJ).

Seguindo o que até aqui fomos expondo, e se nada tivesse sido escrito no ponto 19) do aviso de realização do movimento judicial de 2018, chegaríamos à conclusão de que:

- as classificações atribuídas em conselho permanente que tivessem sido reclamadas não tinham força de caso decidido, uma vez que a reclamação tinha efeito suspensivo;

- as classificações já decididas em plenário do CSM que tivessem sido objeto de recurso para o STJ, apesar do recurso, podiam ser executadas imediatamente; todavia, não se pode afirmar que tenham “força de caso decidido” quando o prazo de impugnação ainda não tenha sido ultrapassado, ou quando o ato tenha sido impugnado (1) ; não havendo um ato da administração com “força de caso decidido”, a necessária estabilidade da decisão ainda não se produziu; porém, dado o efeito não suspensivo da impugnação o ato administrativo poderá já produzir alguns efeitos .

Todavia, entendo que assim se não pode concluir atento o ponto 19) do MJO 2018.

Quando se estabeleceu (no ponto 19 do Aviso de MJO 2018) que se tinham em conta apenas as notações “que estiverem em vigor, forem deliberadas ou homologadas, sem reclamação ou impugnação dos interessados, até à data de 12 de junho de 2018” (o que é reafirmado pelo recorrido ao longo das peças processuais que apresentou nestes autos), o CSM determinou que mesmo as deliberações do Plenário do CSM prolatadas até 12.06.2018 e que tenham atribuído alguma classificação, não seriam relevantes, para efeitos do EMJ 2018, se tivessem sido impugnadas ou cujo prazo de impugnação ainda não tivesse ainda decorrido.

E também os atos do Conselho Permanente (realizados até 12.06.2018) que tenham atribuído alguma classificação e que tenham sido reclamados, não seriam relevantes uma vez que por força da lei a reclamação tem efeitos suspensivos (cf. art. 165.º, do EMJ).

Ou seja, o CSM determinou, tentando assegurar a igualdade entre todos os que se apresentariam ao MJO 2018, que também as notações deliberadas ou homologadas na reunião do Plenário do CSM de 12.06.2018, quando não impugnadas, não pudessem igualmente ser relevantes (tal como as deliberações reclamadas), para efeitos do MJO 2018, assim se equiparando às deliberações do Conselho Permanente.

Isto é, se, por um lado, as deliberações tomadas em Conselho Permanente que tivessem sido reclamadas não eram eficazes, dado o efeito suspensivo da reclamação, também as notações deliberadas ou homologadas no plenário do CSM até 12.06.2018 não seriam tidas em conta no MJO 2018, por força do disposto no ponto 19) do Aviso.

Não se pode, pois, exigir aos destinatários do aviso que entendam o que lá não está escrito. Não se pode dizer que valem as notações deliberadas ou homologadas até 12.06.2018, ainda que tenham sido reclamadas ou impugnadas, quando o CSM determinou que seriam admissíveis apenas as notações que “forem deliberadas ou homologadas, sem reclamação ou impugnação dos interessados, até à data de 12 de junho de 2018”.

Daqui resulta, tendo em conta o aviso publicado, e o reafirmado pelo recorrido nos presentes autos, que as notações relevantes para efeitos do MJO2018 são as deliberadas ou homologadas, sem reclamação ou impugnação pelo interessado, até 12.06.2018. Se apenas são relevantes as notações que cumpram o preceituado no ponto 19) do aviso, não vemos como se possa considerar que há violação do disposto no art. 160.º, do CPA, uma vez que em parte alguma do aviso se determina que seja atribuída eficácia às deliberações antes da notificação ao interessado.

Consideramos que, nos termos do art. 9.º, do Código Civil, esta é a única interpretação possível que tem um mínimo de correspondência com o texto do aviso publicado. Admitir as notações deliberadas até 12.06.2018 ainda que tenham sido reclamadas ou impugnadas constitui uma interpretação contra a letra da norma, pois claramente o aviso determina que as notações válidas são as “sem reclamação ou impugnação”. Esta interpretação é a única consentânea com o princípio da boa fé que também deve nortear a atuação da administração, nos termos do art. 266.º, n.º 2, da CRP e do art. 6.º-A, do CPA

Ora, o princípio da boa-fé, sendo “critério geral de toda a actividade administrativa” “absorveu exigências éticas de conduta que transcendem o direito positivo”, e por isso “incorpora, quando legítima, valores éticos, designadamente o da confiança, presentes na consciência social dominante, e que se concretizam em deveres de correcção subjectiva e em deveres objectivos de conduta” ; o princípio da boa fé constitui o “conteúdo e critério” da atividade administrativa, abrangendo, igualmente, os atos unilaterais da Administração, e tendo como consequência e “pelo que diz respeito à Administração (...) o cumprimento das respectivas promessas” .

Na realidade, “[q]uer através do princípio da boa fé, quer através do princípio da protecção da confiança pretende-se erguer uma medida de «fiabilidade», de «confiança», de «esperança», vinculativa da actuação administrativa

Ora, dada a publicidade do aviso e a clareza do conteúdo havia/há a confiança que fosse/sejam seguidos os requisitos impostos e criados, e nos termos em que o foram/são, pela própria Administração.

Se o “princípio da boa fé, na vertente da confiança, pretende consagrar a ideia de previsibilidade e, bem assim, a ideia de não contraditoriedade no domínio da actividade administrativa” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, secção de Contencioso, de 19.02.2013, proc. n.º 120/12.9YFLSB, relator: Cons. Garcia Calejo , é previsível que apenas sejam relevantes as notações em vigor que tenham sido deliberadas ou homologadas até 12.06.2018, sem que tenham sido reclamadas ou impugnadas pelos interessados, só assim não havendo contradição (entre os atos realizados e o ato publicado) da Administração.

É, pois, legítimo ao particular, leia-se aos magistrados judiciais, entender que o sentido a retirar do ponto 19) do aviso de movimento judicial é o referido anteriormente. Foi o CSM que estabeleceu, no uso do seu poder administrativo, um requisito claro de admissibilidade das notações deliberadas ou homologadas, sem reclamação ou impugnação, até 12.06.2018.

A interpretação que fez vencimento no acórdão constitui interpretação usada habitualmente pelo CSM; entendemos, porém, que se trata de uma interpretação que não respeita o significado técnico preciso de cada um dos termos, e o seu diferente relevo jurídico — diferente relevo jurídico que serve de fundamento para o CSM considerar que as decisões do Plenário do Conselho Superior da Magistratura mantém a sua eficácia mesmo após a impugnação (assim defendendo, claramente, que reclamação e impugnação não se confundem) —, pelo que consideramos ser uma interpretação contra o que expressamente a Administração (o CSM) deliberou, escreveu e publicou.

4. Tendo em conta o exposto, considero que a notação atribuída ao A. a 12.06.2018 não devia ter sido tida em conta para o seu “movimento”, atento os termos, critérios e condições estabelecidos no aviso de MJO de 2018.

Na verdade, o A. terá que se apresentar a “movimento” em condições de igualdade com os restantes magistrados cuja nova notação tenha sido reclamada ou impugnada, e que, por força do ponto 19) do aviso, não foi relevante para o “movimento” [nem poderia ser tendo em conta os termos, condições e critérios do aviso que a própria Administração (o CSM) estabeleceu].

E não se diga que com isto o CSM está a alterar o disposto no art. 183.º, da LOSJ, pois nos termos deste dispositivo o lugar apenas deve ser posto a concurso quando haja perda dos requisitos determinados nos n.ºs 1 e 2. Ora, por força do aviso, isto apenas sucede relativamente a todos os casos em que a notação não tenha sido reclamada nem impugnada. E o que se determinou por força do aviso poderia igualmente suceder caso a notação tivesse sido impugnada e requerida e concedida a suspensão de eficácia do ato, não se poderia concluir que havia perda de requisitos a determinar que o lugar fosse posto a concurso. Isto é, a lei nunca veio considerar que o lugar seja posto a concurso ainda que a alteração da notação tenha sido impugnada e suspensa a eficácia do ato; num caso de impugnação de uma deliberação que atribuiu uma nova notação que implique a perda dos requisitos e havendo deferimento da suspensão de eficácia o lugar só é posto a concurso no movimento seguinte àquele em que já haja caso julgado quanto à impugnação apresentada.

Também aqui, e atento o disposto no ponto 19) do aviso de MJO de 2018, as notações impugnadas ou ainda em tempo de impugnação não deveriam ser tidas em conta no movimento . Dir-se-á que tendo sido o movimento realizado a 11.07.2018 ainda não foi ultrapassado o prazo de impugnação: assim sendo, não se pode concluir que não houve impugnação, pelo que o requisito do aviso — notação homologada sem impugnação — não está verificado (para obviar a este inconveniente o movimento apenas devia ter sido deliberado em data posterior ao termo do prazo de impugnação, mas ainda dentro do mês de julho, por força do disposto no art. 38.º, n.º 1, do EMJ). E só assim se poderá considerar que estão em igualdade todos os magistrados judiciais que viram a sua notação alterada por deliberação anterior a 12.06.2018 e, entretanto, impugnada, e que, por força do aviso, não foi tida em conta neste movimento, como aqueles que somente a 12.06.2018 tiveram uma deliberação a alterar a notação.

Considerar que aqueles que apenas tiveram a notação alterada por deliberação a 12.06.2018 e porque o movimento foi deliberado em momento anterior ao fim do prazo de impugnação (a 11.07.2018) devem permanecer no movimento porque a não impugnaram é retirar a estes um direito a uma impugnação com as consequências decorrentes do aviso que, todavia, foi concedido a todos os outros com notações anteriores e que ainda tiveram em tempo para as impugnarem.

Atenta a violação dos princípios da boa fé e da confiança a deliberação que procedeu ao movimento do A. é anulável, nos termos do art. 163.º, do CPA, devendo o A. ser movimentado de acordo com a notação relevante à data do movimento, isto é, a notação que lhe tenha sido atribuída sem que tenha sido impugnada, ou cuja impugnação já tenha formado caso julgado.

Supremo Tribunal de Justiça, 21 de março de 2019

Helena Moniz


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(1) Cf. Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, p. 45 e 165 (o Autor alerta, todavia, para as devidas diferenças entre a “força de caso decidico” e a “força de caso julgado”: “há diferenças entre a força de “caso decidido” e a força de “caso julgado” – a irrecorribilidade da sentença implica a sua irrepetibilidade (“ne bis in idem”) e imodificabilidade (salvo nos casos excepcionais de revisão da sentença), enquanto a inimpugnabilidade (judicial) do acto administrativo, se obsta em definitivo ao seu controlo pelos tribunais, admite, como veremos melhor, com alguma latitude, a possibilidade da sua “revisão” pelos órgãos competentes” (idem, p. 202).

(2) Que, todavia, seriam suspensas uma vez requerida a suspensão da eficácia do ato e caso esta tivesse sido concedida.

(3) E só se podem considerar que as deliberações não foram impugnadas quando o prazo de impugnação foi ultrapassado (regra geral, um prazo de 30 dias, de harmonia com o disposto no art. 169.º, n.º 1, do EMJ, podendo nalguns casos ser um prazo de 45 dias).

(4) Cf, neste sentido, Luís Cabral Moncada, Boa fé e tutela da confiança no Direito Administrativo, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, vol. II, Lisboa: FDUL, 2010, p. 573 e ss, em particular, p. 574..

(5) Luís Cabral Moncada, ob. cit., p. 574-5.

(6) Luís Cabral Moncada, ob. cit., p. 575.

(7) Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa — Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 804.”.

(8) In http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1b7a278463fb914980257b1a004f15f6?OpenDocument (último acesso 28.12.2018).)

(9) No presente caso o recorrente em processo autónomo impugnou a deliberação que lhe atribuiu diferente notação e requereu a suspensão de eficácia do ato — cf. acórdão de 09.10.2018, proc. n.º 52/18.7YFLSB.

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