Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
100/13.7TBVCD-B.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
SENTENÇA
EXECUTADO
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Data do Acordão: 12/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
A sentença de verificação de créditos reclamados, proferida em apenso de "concurso de credores" à acção executiva (arts. 788.º e ss. do CPC), uma vez declarados insolventes os executados, não se constitui como caso julgado material nem dispõe de autoridade de caso julgado relativamente à impugnação e verificação desses créditos (como insolvenciais) no incidente de reclamação, verificação e graduação de créditos relativo ao processo de insolvência, em que o exequente é credor reclamante e impugnante (juntamente com os insolventes) dos créditos antes verificados em sede executiva e depois reconhecidos na lista apresentada pelo administrador de insolvência (art. 129.º, n.º 1, do CIRE), por força do confronto dos arts. 580.º, n.os 1 e 2, 581.º, 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC com a interpretação e aplicação do regime predisposto pelos arts. 128.º, n.os 1 e 5, 130.º, n.os 1 e 3, 140.º, n.os 1 e 2, 233.º, n.º 1, al. c), 46.º, n.os 1 e 2, 173.º, 88º, n.os 1 e 3, do CIRE, e 793.º do CPC.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 100/13.7TBVCD-B.P1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação ……, 5.ª Secção

Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I) RELATÓRIO

1. Em processo de reclamação, verificação e graduação de créditos, que corre por apenso aos autos de insolvência em que foram declarados insolventes AA e BB, por sentença transitada em julgado, foi apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência (AI) a relação de créditos reconhecidos (art. 129º CIRE, fls. 2 e ss destes autos; ainda fls. 124 e ss), dela constando nove credores reclamantes, um dos quais reconhecido em termos dos diversos do da sua reclamação. Não foi apresentada relação de créditos não reconhecidos.

Nessa relação, constam os créditos de: «Adalma – Indústria de Carnes, Lda.» – crédito reclamado e reconhecido a título de capital no montante de € 85 000,00, garantido por hipoteca sobre imóveis; CC – crédito reclamado e reconhecido a título de capital no montante de € 100 000,00, garantido por hipoteca sobre imóveis; «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ......, CRL» – crédito reclamado e reconhecido a título de capital acrescido de juros no montante de € 53.966,48, sendo comum.

2. A credora reclamante «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ....., CRL”, a fls. 5 e ss, veio impugnar os créditos reconhecidos aos credores “Adalma – Indústria de Carnes, Lda.” e CC, visando a declaração da “nulidade por simulação dos negócios particulares” de mútuo com hipoteca que fundaram os créditos e a respectiva exclusão da lista de credores reconhecidos.

3. A fls. 42 e ss, os devedores/insolventes vieram impugnar os créditos reconhecidos.

Em relação aos créditos reclamados e reconhecidos pelo Administrador da Insolvência aos credores “Adalma – Indústria de Carnes, Lda.” e CC alegaram: (i) quanto ao credor «Adalma», que nunca receberam qualquer quantia, por empréstimo, a título gratuito ou oneroso, da referida sociedade, sendo simulado o contrato de mútuo, assinado em ……. 2011, e junto aos autos; sabendo os insolventes que o seu património imobiliário seria penhorado pelos seus credores e, para o pôr a salvo, constituíram hipoteca fictícia sobre alguns dos seus imóveis a favor daquela sociedade «Adalma», a fim de esta surgir como credora “privilegiada”, sendo que aquela não lhes emprestou qualquer quantia, e tendo ambas as partes perfeita consciência que não estavam a outorgar qualquer contrato de mútuo, mas apenas a criar a aparência de um negócio jurídico; (ii) em relação ao crédito reclamado por CC, reconhecem apenas uma dívida de € 30.000,00, por junto dele haverem contraído um mútuo oneroso, mas o remanescente corresponde a dívidas do genro dos insolventes, DD, ao reclamante. Como aquele não dispunha de garantias reais para oferecer ao reclamante, foi decidido subscrever o contrato de mútuo junto aos autos, que foi subscrito pelo valor de € 100.000,00, a fim de ser posto a salvo parte do património dos insolventes, já que o empréstimo foi apenas de € 30.000,00. A final, requerem que não sejam reconhecidos nem verificados os referidos créditos ou que sejam verificados nos termos defendidos pelos mesmos, designadamente que seja reconhecido o crédito garantido por hipoteca reclamado por CC, apenas até ao valor de € 30.000,00.

A fls. 67 e seguintes, vieram os credores «Adalma – Indústria de Carnes, Lda.» e CC responder conjuntamente à impugnação apresentada pelos insolventes, assim como também o fizeram, a fls. 85 e ss, o credor «Banco Popular Portugal, S.A.» e, a fls. 92 e ss, o credor «Banco Santander Totta, S.A.».

A fls. 103 e ss, vieram os credores «Adalma» e CC responder à impugnação apresentada pela “Caixa de Crédito Agrícola .........., CRL”.

O Sr. AI respondeu às impugnações apresentadas, nos termos que constam de fls. 119 e ss, sendo que, na parte relevante dos créditos dos reclamantes «Adalma» e CC, alegou que o primeiro não deveria ser reconhecido e o segundo deveria ser atendido como garantido no valor de € 30.000 (cfr. fls. 122).

Foi notificada a comissão de credores para juntar aos autos o seu parecer sobre as impugnações apresentadas (fls. 293), que se pronunciou nos termos que constam de fls. 343, por intermédio do membro presidente «Banco Comercial Português, S.A.»

Em face da posição assumida pelo Sr. AA, os Reclamantes «Adalma» e CC vieram juntar aos autos outros elementos e documentos, nos termos que constam de fls. 311 e ss e 323 e ss. Responderam os Insolventes em peças atravessadas a fls. 328 e ss dos autos, requerer o desentranhamento de tais documentos, por extemporâneos e, sem prescindir, pronunciaram-se sobre os mesmos, terminando a requerer diligências probatórias; a fls. 345 e 434, pronunciaram-se sobre os créditos reclamados pelo credor «Banco Santander Totta, S.A.» (com tramitação subsequente a fls. 436 e ss). Notificada de tais actos de junção, a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo” pronunciou-se quanto a tais elementos, nos termos que constam de fls. 339-340, mantendo os factos invocados na peça de impugnação de créditos e impugnando os cheques juntos. Os credores «Adalma» e CC responderam, novamente, nos termos que constam de fls. 345, fls. 348 e ss e 352 e ss, onde se termina a requerer a realização de prova pericial de assinaturas.

3. Foi realizada audiência para tentativa de conciliação em ……2013 (fls. 408-409), sem sucesso.

Na oportunidade, foi proferido o seguinte despacho: “Proceda à apensação aos presentes autos da execução comum com o n.º……., bem como dos seus apensos, nos termos do disposto no art. 85º, n.º 3 do CIRE”; em referência estava o “aproveitamento da decisão da matéria de facto proferida no âmbito do apenso de reclamação de créditos que constitui o apenso C da execução em questão, em que figura como reclamante o Banco Comercial Português, SA, uma vez que as questões de facto a decidir no âmbito da impugnação apresentada ao crédito aqui Reclamado pelo Banco Comercial Português, SA são exactamente as mesmas que foram suscitadas e já decididas naquele apenso C, sendo a prova a apresentar também a mesma”; o despacho não mereceu a oposição dos insolventes, do AI e dos credores presentes, sendo ordenada a notificação do credor Caixa de Crédito Agrícola Mútuo para se pronunciar sobre o referido aproveitamento da matéria de facto, o que fez, não se opondo, salientando que não impugna nos autos esse crédito (fls. 414).

4. Foi proferido despacho saneador em ……. 2013 no 0.º Juízo Cível do Tribunal Judicial ………. (fls. 441 e ss), no qual se decidiu que a apreciação das impugnações deduzidas em relação aos créditos dos credores «Adalma» e CC dependiam do “apuramento de factos que se mostram controvertidos”.

5. Tramitada a instância para efeitos probatórios, foi realizada audiência de discussão e julgamento em sessão realizada em ……. 2016 (acta a fls. 695 e ss), onde foram proferidos despachos de homologação de acordos quanto a determinados créditos e despacho (abrangendo as impugnações feitas aos créditos de «Adalma» e CC) de produção de “prova em conjunto”, “após a junção dos elementos que faltam juntar”. Após tramitação probatória, foi continuada a audiência em sessões realizadas a partir de ……. 2017, documentadas nas actas que constam de fls. 840 e ss (onde os credores «Adalma» e CC protestaram juntar documentos – “certidões dos articulados e/ou despachos” – referentes à execução a que aludiram na sua resposta a fls. 72, relativos ao Processo n.º……, em que constassem como não impugnados pelos insolventes, aí executados, os créditos impugnados nos autos: cfr. fls. 844 e ss), 895 e ss, 903 e ss, 954 e ss, 1003 e ss (última sessão de 11/1/2018).

5. Em ……… 2018, o Juiz 0 do Juízo de Comércio ……. (Tribunal Judicial da Comarca…….) proferiu sentença que se pronunciou sobre parte das impugnações e julgou reconhecidos e não reconhecido/excluído uma parte dos créditos impugnados, bem como julgada a sua natureza.

Proferiram-se, entre outros, os seguintes despachos:

(i) “(…) diligencie a secção por tal apensação [“do apenso ‘C’ do processo de execução nº………], bem como a sua disponibilização via citius”;

(ii) “Em relação aos créditos dos referidos “Adalma – Indústria de Carnes, Lda.” e CC:

O objeto das impugnações apresentadas a estes créditos não se mostra ultrapassada por acordo, como se disse, tendo os autos seguido, também, quanto aos mesmos e foi produzida a prova indicada.

Porém, em sede de audiência de julgamento foi invocado pelo ilustre mandatário destes credores, o facto dos seus créditos não terem sido impugnados no âmbito da reclamação de créditos supra aludida, apenso “C da execução n.º ……. (tendo já referido tal nos articulados de respostas às impugnações apresentadas).

O tribunal entendeu tal alegação como pretendendo os credores salientar o diverso comportamento dos aqui insolventes e ali executados, perante os mesmos créditos.

Todavia, atendendo aos elementos entretanto juntos pelos impugnantes “Adalma…” e CC, em sede de audiência de julgamento, e compulsando a referida reclamação de créditos (que como já supra aludido, foi remetida fisicamente, juntamente com os autos principais de execução, para serem apensados ao processo de insolvência, mas não chegaram sequer a mudar o seu número inicial, nem se mostram apensados na plataforma citius), constato que para além do teor das reclamações ali apresentadas pelos credores aqui em causa terem teor semelhante às reclamações apresentadas no âmbito dos autos de insolvência, coincidindo, pois, os credores, a causa de pedir e os pedidos, naquela execução/reclamação, também os aqui insolventes e impugnantes eram os executados naquela execução e a impugnante “Caixa de Crédito Agrícola Mútua ......, CRL” era a ali exequente.

Acresce que, os aqui insolventes e ali executados foram expressamente notificados para impugnar, querendo, os créditos ali reclamados, tendo apresentado impugnação, mas apenas ao crédito reclamado pelo “Banco Comercial Português, S.A”, a que este respondeu (cfr. fls. 4 e seguintes, 20 e seguintes, 97 e seguintes, 105 e seguintes).

E, com particular pertinência, foi ali proferida decisão, nos termos que constam de fls. 115 e seguintes, mediante a qual, além do mais, foram julgados verificados os créditos dos referidos CC e de “Adalma…”.

Pelo que, a questão que se suscita é de possível existência de “caso julgado” (veja-se, nomeadamente, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-12-2013, disponível em www.dgsi.pt) exceção que, apesar de não ter sido expressamente invocada, é de conhecimento oficioso.

Mostra-se, pois, necessário atender ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, do código de processo civil, segundo o qual “3 – O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Assim, notifique os referidos credores/impugnados e os insolventes/impugnantes e credora impugnante para que, em 10 dias, se pronunciem, querendo, sobre a exceção supra aludida.” (fls. 1038v e ss).

6. Os credores «Adalma» e CC vieram pronunciar-se, alegando para o efeito que se está perante uma situação de existência de “caso julgado”, considerando que estão preenchidos os requisitos do artigo 580º e 581º do CPC o que impõe a improcedência das impugnações apresentadas, confirmando e graduando os créditos reclamados nos precisos termos das reclamações de créditos apresentadas pelos aqui credores (fls. 1086 e ss).

Os insolventes vieram pronunciar-se sobre a matéria da exceção alegando para o efeito que inexiste qualquer caso julgado entre a reclamação de créditos na referida execução e a reclamação de créditos no presente processo de insolvência, pelo que solicitaram que se julgue inexistente a excepção do caso julgado, prosseguindo os autos com a prolação de sentença que julgue procedentes as impugnações dos créditos em apreço (fls. 1089 e ss).

A «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo» veio também pronunciar-se sobre a excepção, pugnando pela não verificação de caso julgado/autoridade de caso julgado e pela prolação de decisão final quanto à impugnação apresentada (fls. 1092 e ss).

7. Em ……. 2019 (fls. 1103 e ss), foi proferida nova sentença, que apreciou do objecto das impugnações ainda pendentes e, em relação às impugnações dos créditos dos referidos credores «Adalma – Indústria de Carnes, Lda.» e CC, que agora nos interessa para efeitos recursivos, proferiu-se a decisão que se transcreve:

“O caso julgado constitui uma exceção dilatória nominada (artigo 577.º, do código de processo civil), de conhecimento oficioso pelo tribunal (artigo 578.º do código de processo civil), conducente à absolvição da instância (artigo 576.º n.º 2 do código de processo civil).

O caso julgado consiste na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário (cfr.artigo 580.º n.º 1 do código de processo civil).

Configurando-se, pois, como um efeito das decisões judiciais, o caso julgado pode ser formal ou material, consoante a natureza da decisão que lhe subjaz.

Assim, por caso julgado formal, previsto no artigo 620.º do código de processo civil, deve entender-se “a imodificabilidade da decisão dentro do mesmo processo”, como refere Anselmo de Castro (in “Direito Processual Civil Declaratório”, III Volume, pág. 383), o que significa que, num outro processo, se possa conhecer e decidir de forma diversa essa mesma questão.

Já o caso julgado material é o que incide diretamente sobre a relação jurídica (material) objeto do processo, pelo que, como dispõe o n.º 1 do artigo 619.º do código de processo civil, a sua eficácia, ou seja, a eficácia da decisão que recaia sobre tal relação, “fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e seguintes” (desde que haja trânsito em julgado).

O caso julgado material incide, pois, sobre a decisão de mérito, decisão essa que, uma vez transitada em julgado, é vinculativa fora do processo em que foi emitida, não podendo nenhum juiz afastar-se dela ou sequer conhecê-la novamente. Como afirma Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 2º v., pág. 771), “a decisão tem-se por certa e indiscutível – res judicata pro veritate accipitur”.

Com tal exceção visa-se evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

E quando é que se repete uma causa?

Respondendo a tal interrogação o artigo 581.º, n.º 1 do código de processo civil define as situações em que a causa se repete, ou seja, “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.

Aí se consagram, pois, os limites da indiscutibilidade da decisão, ou seja, os limites do caso julgado, sendo estes limites de duas ordens.

Por um lado, um limite subjetivo (a identidade dos sujeitos) e, por outro lado, uma limitação objetiva, operada pelo recurso ao pedido e à causa de pedir, cuja identidade é igualmente essencial.

No que respeita à identidade dos sujeitos, ela verifica-se quando “as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (artigo 581.º n.º 2 do código de processo civil). Daí que esta identidade se apresente como uma “identidade jurídica”, segundo expressão de Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, III, pág. 97).

Recorrendo ainda à lição deste autor, cumpre referir que “a identidade jurídica dos litigantes nada tem a ver com a posição processual que eles ocupam” (obra citada, pág. 101).

Assim, as partes serão as mesmas desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial, independentemente de figurarem no lado ativo ou no lado passivo da demanda.

O que releva é a sua posição relativamente à relação jurídica substancial, e não a sua posição em face da relação processual.

No que concerne aos requisitos de natureza objetiva, reza o n.º 3 do artigo 581.º do CPC que “há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico”, e o n.º 4 que “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”.

Ora, voltando à situação presente, atentos os elementos juntos aos autos, e já supra aludidos, e os normativos citados, não restam dúvidas que há duas ações, com natureza declarativa (ambas reclamações de créditos), em que as partes que relevam nos objetos das impugnações em causa são as mesmas. No caso, os aqui insolventes impugnantes, que na referida reclamação de créditos eram os executados reclamados e que impugnaram alguns dos créditos, embora não tenham impugnado os ora em causa. E essa é questão fundamental, como se verá. Por outro lado, foram parte naqueles autos de execução, de que a reclamação é apensa, a aqui impugnante e reclamante “Caixa…”, pois foi esta quem instaurou a própria execução, sendo pois a ali exequente que é também uma impugnante nestes créditos em causa.

Tais créditos, como claramente resulta de ambas as reclamações de créditos, foram reclamados no apenso declarativo por apenso àquela execução pelos também aqui reclamantes “Adalma…” e CC, apresentando exatamente a mesma causa de pedir que aqui também indicaram para fundamentar os seus créditos. E, naquele apenso, os aqui insolventes e lá executados foram notificados para impugnarem querendo o crédito reclamado pelos credores que aqui viram os seus créditos impugnados – “Adalma…” e CC, e sendo que a exequente na execução de que essa reclamação estava apensa era a aqui impugnante “Caixa…”.

Ou seja, para além de estarem a ser invocados em dois processos, que envolviam as mesmas partes, também as causas de pedir e os pedidos formulados, isto é, que fossem reconhecidos os créditos também aqui invocados pelos referidos “Adalma…” e CC, são os mesmos.

Conclui-se, pois, que na parte que ora releva, as partes de uma e outra ação coincidem, as causas de pedir e pedidos são coincidentes, no caso, os acordos invocados pelos aqui reclamantes “Adalma…” e CC e que eram também reclamantes no aludido processo, e mediante os quais os ora insolventes assumiam obrigações e dívidas, pretendendo estes reclamantes, quer neste, quer no processo anterior o reconhecimento de tais créditos.

Ora, e como se disse, os créditos em causa foram já reconhecidos no âmbito do aludido processo (apenso “C” do processo n.º………., agora……..), não devendo ser objeto de nova discussão independentemente de ali terem ou não sido impugnados por questões de estratégia dos ora insolventes e de eventual ignorância da outra aqui impugnante e ali exequente na altura, de alguns factos que agora pretende ver discutidos (veja-se que ao apenso em causa não foi suscitada qualquer questão posterior a colocar em crise e a pretender a revisão daquela decisão que reconheceu os créditos em causa).

Tal reconhecimento não foi impugnado pelos insolventes ali executados e aqui impugnantes, nem pela ali exequente e aqui reclamante impugnante “Caixa…”, que também não suscitou ali qualquer irregularidade, presumindo-se, pois, que teve conhecimento de todos os atos e decisões proferidos.

De referir, ainda, que apesar das alegações dos impugnantes, não se vislumbra que exista qualquer relevância pela maior ou menor abrangência das ações declarativas em causa, sendo que numa apenas foram chamados a reclamar créditos alguns credores por se tratar de execução singular, enquanto que na reclamação que corre por apenso ao processo de insolvência, como sucede com a presente, todos os credores têm necessariamente de reclamar o seu crédito. E, no caso, os impugnados em causa reclamaram efetivamente os seus créditos. O que sucede é que, como se concluiu, tais créditos estavam já reconhecidos por sentença anterior, que não foi colocada em causa por qualquer dos intervenientes (veja-se, nomeadamente, a fundamentação do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-12-2013, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumario se refere ao caso julgado feito na decisão de reclamação de créditos, nestes termos: “existe caso julgado entre a decisão que, no processo de insolvência julgou reconhecido um crédito e a posterior ação declarativa em que se pede a declaração de nulidade do contrato em que se funda tal crédito”).

Conclui-se, pois, que neste caso, verifica-se a exceção de caso julgado e, consequentemente, devem ser absolvidos da instância os reclamantes impugnados “Adalma – Indústria de Carnes, Lda.” e CC, relativa às impugnações apresentadas por “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ............., CRL” e pelos insolventes impugnantes AA e BB e, consequentemente, deverão manter-se tais créditos na relação de créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador da insolvência. [sublinhado nosso]

As demais questões suscitadas pelas partes, face à procedência da exceção do caso julgado, ficam prejudicadas”.

Ordenou-se, a final, a abertura de conclusão, a fim de serem graduados os créditos.

8. Inconformados, a credora reclamante «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo .............» e os insolventes AA e mulher BB vieram interpor recursos de apelação para o Tribunal da Relação …… (TR….) – fls. 1116 e ss,1134 e ss. Foram admitidos antes da prolação da sentença de verificação e graduação, que poderia vir a ser anulada, relegando-se para momento posterior tal sentença, a fim de ser proferida com base no que viesse a ser decidido pela Relação, subindo de imediato nos próprios autos (despacho a fls. 1156).

Em……. 2020, em execução do despacho da Senhora Juíza Desembargadora Relatora de fls. 1176, foram apensados os autos de execução comum (apenso H) e de reclamação de créditos (apenso K) – cfr. fls. 1193.

Entre as questões decidendas, em ambos os recursos foi identificada como questão “apurar se estão preenchidos os pressupostos da exceção de caso julgado em relação aos créditos reclamados pelos credores CC e Adalma – Indústria de Carnes, Lda., face ao teor da decisão proferida no Proc. …… (atual apenso Proc.100/13…….)”. Em acórdão proferido em …... 2019 pelo TR… (fls. 1198 e ss), foram julgadas parcialmente procedentes as apelações e, nessa conformidade, revogou-se a sentença pela improcedência da excepção de caso julgado, ordenando-se a prossecução dos autos.

10. Revelando que não se conformavam com o resultado decretado pela 2.ª instância, os credores «Adalma» e CC vieram interpor recurso de revista para o STJ, visando revogar o acórdão recorrido. Finalizaram as suas alegações com as seguintes Conclusões:

“(…)

II – Os Recorrentes não se conformam com o acórdão, ora em crise, na parte em
que o Tribunal da Relação …… decidiu que a sentença de verificação de
créditos proferida no proc. ……. não constitui caso julgado, nem
reveste autoridade de caso julgado, quanto ao concreto litígio suscitado com a
impugnação dos créditos reclamados pelos credores "Adalma – Indústria de
Carnes, Lda." e CC.

III – A nosso ver, não existem dúvidas que as impugnações dos créditos reclamados pelos credores "Adalma – Indústria de Carnes, Lda." e CC se encontram afetadas pela força do caso julgado da sentença proferida no processo n.º……, por precisamente existir identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. Pelo que, apenas se fará justiça revogando-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação…, sendo o mesmo substituído por um outro que julgue procedente o presente recurso.

IV – Antes de se entrar na análise da questão de direito que aqui se coloca à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, importa, por uma questão de simplicidade e celeridade processual, contextualizar em que termos se processou o processo judicial aqui em análise.
A) No apenso de reclamação nos autos de insolvência, em que foram declarados insolventes AA e BB, foi apresentada a relação de créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência. Na Relação de Créditos Reconhecidos, e com interesse para os presentes autos, constavam os créditos de Adalma – Indústria de Carnes, Lda. (crédito reclamado, garantido por hipoteca e reconhecido a título de capital, no montante de € 85.000,00] e de CC (crédito reclamado, garantido por hipoteca e reconhecido a título de capital, no montante de € 100.000,00).

B) A credora "Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ............., CRL" impugnou os créditos reconhecidos aos credores "Adalma – Indústria de Carnes, Lda." e CC, peticionando a procedência da impugnação, com a consequente declaração de nulidade por alegada simulação dos negócios celebrados entre tais credores e os insolventes.

C) Os devedores/insolventes também impugnaram os créditos reconhecidos e, em relação aos créditos reclamados e reconhecidos aos credores "Adalma –Indústria de Carnes, Lda." e CC invocaram o seguinte: - relativamente ao credor "Adalma", alegaram que nunca receberam qualquer quantia, por empréstimo, a título gratuito ou oneroso, da referida sociedade comercial, sendo simulado o contrato de mútuo de ……. 2011;mais precisaram os insolventes que para porem a salvo o seu património imobiliário, que seria eventualmente penhorado pelos credores, constituíram hipotecas fictícias sobre alguns dos seus imóveis a favor da sociedade comercial "Adalma", por forma a que esta surgisse como credora "privilegiada", apesar de a referida sociedade não lhes ter emprestado qualquer quantia; -quanto ao credor CC, reconheceram apenas uma dívida de € 30.000,00, por junto dele haverem contraído um mútuo oneroso, alegando, em síntese, que o remanescente correspondia a dívidas do genro dos insolventes (EE.) ao reclamante; requereram, por fim, que os referidos créditos não fossem reconhecidos nem verificados ou que fosse só reconhecido o crédito garantido por hipoteca reclamado por CC, apenas até ao valor de € 30.000,00.

D) Os credores Adalma e CC vieram responder à impugnação dos
insolventes, tendo, em síntese, impugnado toda a alegação dos insolventes
e defendido que os seus créditos são reais. Quanto ao crédito de Adalma,
precisaram ainda que o documento particular autenticado do mútuo com
hipoteca, no montante de € 85.000,00, foi entregue aos insolventes e que
não existe qualquer simulação. Quanto ao crédito de CC,
defenderam também a existência real do contrato de mútuo celebrado em
26-04-2011, no montante de € 100.000,00, garantido por hipoteca, tendo
os insolventes perfeita consciência que celebraram tal mútuo. Terminaram
a invocar o abuso de direito dos insolventes e que a impugnação fosse
julgada improcedente e fossem os insolventes condenados em litigância de
má fé.

                E)    O Tribunal de Primeira Instância proferiu despacho saneador, no qual
relegou para decisão final a apreciação das impugnações deduzidas pelo
credor Caixa de Crédito Agrícola Mútuo e insolventes, em relação aos
créditos reconhecidos da sociedade comercial Adalma e CC.

            F)    O processo seguiu os ulteriores termos com realização de julgamento, com várias sessões de produção de prova.

G) Em ……. de 2018, o Tribunal de Primeira Instância proferiu sentença sobre parte das impugnações, tendo julgado reconhecidos e não reconhecidos parte dos créditos impugnados e, para o que à apreciação da presente apelação releva, proferiu despacho, nos termos do art. 3.º, n.º 3 do CPC, para que as partes se pronunciassem sobre a eventual possibilidade de a sentença proferida no processo n.º ……. constituir caso julgado quanto ao concreto litígio suscitado nos presentes autos com a impugnação dos créditos reclamados pelos credores "Adalma – Indústria de Carnes, Lda." e CC.

H) Precise-se que sentença proferida no processo n.º …… referia o seguinte: “Por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa que corre termos no processo principal vieram CC, Adalma – Indústria de Carnes, Lda e o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, reclamar créditos, nos termos constantes, respectivamente, de fls. 2 e seguintes, 18 e seguintes e 33 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. * Considerando que os créditos supra identificados foram tempestivamente reclamados, estão documentados e não foram impugnados, julgo-os verificados, nos termos do n.º 4 do art. 868.º do Código de Processo Civil. No mais, em observância do disposto no artigo 868.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, relega-se para a sentença final a graduação dos créditos ora reconhecidos.”

I) Face ao despacho do Tribunal, os credores “Adalma” e CC pronunciaram-se, alegando, em síntese, que se está perante uma situação de existência de “caso julgado”, pois as reclamações apresentadas no âmbito do processo executivo e no ora processo de insolvência tem conteúdo semelhante, coincidem as partes (credores, devedores e até a impugnante Caixa de Crédito Agrícola era Exequente), a causa de pedir e os pedidos, tendo sido proferida sentença no apenso em causa em que foram julgados verificados os créditos dos aqui requerentes, decisão essa que se impõe no presente processo.

J) Os Insolventes também se pronunciaram, alegando, em síntese, que inexiste qualquer caso julgado entre a reclamação de créditos na referida execução e a reclamação de créditos no presente processo de insolvência, e concluíram pela improcedência da exceção do caso julgado e com a prolação de sentença que julgue procedentes as impugnações dos créditos.

K) A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo veio de igual forma pronunciar-se sobre a exceção, tendo alegado, em síntese, que não se verificam os pressupostos do caso julgado, e peticionado que seja julgada por não verificada qualquer exceção de caso julgado/autoridade de caso julgado e seja proferida decisão final quanto à impugnação apresentada.

L) O Tribunal de Primeira Instância proferiu sentença, através da qual apreciou do objeto das impugnações ainda pendentes e em relação às impugnações dos créditos de “Adalma – Indústria de Carnes, Lda.” e CC julgou procedente a excepção de caso julgado e, consequentemente, absolveu da instância os reclamantes impugnados, devendo manter-se tais créditos na relação de créditos reconhecidos.

M) Por não concordarem com a sentença do Tribunal de Primeira Instância, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo e os Insolventes interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação …....

N) Por sua vez, o Tribunal da Relação ……. proferiu julgou parcialmente procedentes as apelações, revogando a sentença e julgando improcedente a exceção

 de caso julgado, com o fundamento de que a sentença proferida no proc. ……. não faz caso julgado material, pois forma apenas caso julgado quanto à graduação dos créditos, pelo que, e nestes termos de apresenta recurso de tal decisão.

V – Os Recorrentes consideram que o acórdão, ora em crise, não apreciou os factos concretos em discussão nos autos e fez uma aplicação errónea do direito aos factos, violando manifestamente os artigos 576.º, 577.º, 580.º, 581.º e 619.º do Código de Processo Civil. É que, dos factos dados por provados e do regime de direito aqui aplicável, resulta inequivocamente que as impugnações dos créditos reclamados pelos credores “Adalma” e CC se encontram afetadas pelo caso julgado da sentença proferida no processo n.º…….

VI – Da confrontação da sentença proferida no [processo] n.º ……. e dos elementos em discussão nos presentes autos, constata-se que existem duas acções declarativas, ambas reclamações de créditos, e que as partes que intervêm nas duas impugnações são as mesmas, existindo, por isso, identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

VII – Nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º do CPC, o caso julgado constitui uma exceção dilatória nominada que conduz à absolvição da instância. O caso julgado consiste na alegação de que a mesma questão foi já deduzida e julgada por decisão de mérito noutro processo judicial, que não admite recurso ordinário. O caso julgado pode ser formal ou material, consoante a natureza da decisão que lhe subjaz. Entende-se por caso julgado formal a imodificabilidade da decisão dentro do mesmo processo, o que significa que, num outro processo, se possa conhecer e decidir de forma diversa essa mesma questão. O caso julgado material incide diretamente sobre a relação jurídica (material) objeto do processo, pelo que a eficácia da decisão que recaia sobre tal relação adquire força obrigatória dentro e fora do processo. Assim sendo, uma vez transitada em julgado, a decisão é vinculativa fora do processo em que foi emitida, não podendo nenhum juiz afastar-se dela ou sequer conhecê-la novamente.

VIII – Estabelece o art. 581.º, n.º 1 do CPC que “uma causa se repete quando se
propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de
pedir.” O art. 581.º do CPC consagra os limites da indiscutibilidade da decisão, ou
seja, os limites do caso julgado, sendo estes limites de duas ordens: um limite subjectivo (a identidade dos sujeitos) e um limite objetivo (pedido e causa de pedir). Nos termos do n.º 2 do art. 581.º do CPC, a identidade dos sujeitos verifica-se quando 2
as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”. Nos termos do n.º 3 do art. 581.º do CPC, “há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico”, e o n.º 4 que “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”.

IX – Vejamos, então, como no nosso caso em análise, se verifica identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, pelo que ocorre a exceção de caso julgado. Na reclamação de créditos, apensa ao proc. executivo n.º…… , os Insolventes eram os executados reclamados que impugnaram alguns créditos, embora não tenham impugnado os créditos dos credores Adalma e CC, ora Recorrentes. No processo de execução, a Impugnante Caixa de Crédito Agrícola era a Exequente, tendo, por isso, conhecimento de todos os apensos e de todos os actos processuais aí praticados. Os créditos in casu, como claramente resulta das duas reclamações de créditos, foram reclamados no apenso declarativo por apenso àquela execução pelos credores “Adalma” e CC, sendo que o conteúdo das reclamações (causa de pedir e pedido) é exatamente igual. Na reclamação de créditos, apensa ao processo de execução, os aqui Insolventes e lá executados foram notificados para, querendo, impugnarem o crédito reclamado pelos credores “Adalma” e CC, sendo que a Exequente na execução de que essa reclamação estava apensa era a aqui Impugnante “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo.”

X – Na acção executiva, onde correu por apenso a reclamação de créditos primitiva, não houve qualquer impugnação, manifestação ou posição do aí Exequente e Executados, atualmente, no processo insolvente, Credor Reclamante Caixa Crédito Agrícola e Insolventes respetivamente, sendo que os factos à data eram, e são, os mesmos, não tendo chegado qualquer novo facto ao conhecimento dos Recorrentes que lhe permitisse mudar a sua posição – ainda que tal seja irrelevante.

XI – Pelo que, para além de estarem a ser invocados em dois processos, que
envolviam as mesmas partes, também as causas de pedir e os pedidos formulados
são os mesmos, concluindo-se, por isso, que as partes, as causas de pedir e os
pedidos de uma e outra ação coincidem.

XII – De precisar que no apenso da reclamação de créditos, no processo de execução, não foi suscitada qualquer questão a pôr em causa e a pretender a revisão da decisão que reconheceu os créditos dos credores Adalma e CC. O reconhecimento não foi impugnado pelos insolventes, ali executados, nem pela aqui impugnante, ali Exequente, que também não arguiu qualquer irregularidade, pelo que se tem de presumir que teve conhecimento de todos os actos aí praticados e de todas as decisões aí proferidas.

XIII – Assim sendo, atento o exposto, tem de se considerar que os créditos dos credores Adalma e CC foram reconhecidos no âmbito do processo n.º ….... (atual 100/13…), por sentença já transitada em julgado, não podendo, por isso, nos termos do artigos 576.º, 577.º, 580.º, 581.º e 619.º do CPC, ser objeto de uma nova discussão e decisão. Pelo que, as impugnações dos créditos reclamados pelos credores “Adalma” e CC encontram-se afetadas pelo caso julgado da sentença proferida no processo n.º……, o que implica naturalmente a revogação do acórdão recorrido. Esta posição que aqui se defende é igualmente sustentada por vasta jurisprudência, designadamente pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.12.13, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.09.18, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 31.01.2019, e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 27.02.18, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

XIV – O caso julgado da sentença que reconheceu os créditos dos Recorrentes, na ação executiva, obsta evidentemente ao conhecimento do mérito das impugnações dos créditos reconhecidos dos credores “Adalma” e CC no processo de insolvência.

XV – Os Recorrentes não conseguem compreender o raciocínio do Tribunal da
Relação …..., pois que ao decidirem, nos termos constantes do acórdão
recorrido, o Tribunal da Relação ……. violou frontal e manifestamente os
artigos 576.º, 577.º, 580.º, 581.º e 619.º do CPC.

XVI – Mesmo reconhecendo as particulares singularidades do processo de insolvência, a lei processual civil não permite “esvaziar” uma sentença proferida num apenso de reclamação de créditos, em processo executivo, do valor de caso julgado material, previsto no art. 619.º do CPC, e aplicável no nosso ordenamento jurídico de uma forma transversal. Não decorre da lei processual civil que uma sentença proferida num apenso de reclamação de créditos, em ação executiva, faça apenas caso julgado quanto à alegada graduação dos créditos, nos termos erroneamente defendidos no acórdão recorrido. Pelo que, e salvo o devido respeito por opinião contrária, consideramos que a posição do Tribunal da Relação do Porto, no acórdão recorrido, carece de qualquer fundamento legal e consubstancia uma violação dos artigos 576.º, 577.º, 580.º, 581.º e 619.º do CPC, o que aqui vai invocado, com as demais consequências legais. Com efeito, atento os elementos factuais e legais aqui chamados à colação, deve ser revogado o acórdão recorrido e ser o mesmo substituído por um outro que julgue estar verificada a exceção de caso julgado.

XVII – Sem prescindir, e caso se entenda que não ocorre a exceção de caso julgado, e/ou que não há a tríplice identidade exigida, o que não se consente, mas apenas se admite por cautela de patrocínio, certo é que sempre terá de se considerar que existe no caso concreto autoridade de caso julgado.

XVIII – Os efeitos do caso julgado podem ser vistos numa dupla perspetiva,
designadamente como exceção de caso julgado ou como autoridade de caso
julgado.

A exceção de caso julgado constitui uma exceção dilatória, pressupõe a repetição de uma causa e dá origem à absolvição da instância. Por sua vez, a autoridade do caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida anteriormente noutro processo, obstando, assim, que uma determinada situação jurídica ou relação seja novamente apreciada. Parte da jurisprudência e doutrina consideram que, nesta acepção, não é exigível a tríplice identidade. Nesse sentido, veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.12.07, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.05.19, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

XIX – A eficácia reflexa que o caso julgado comporta é suscetível de causar um sacrifício para os interesses de terceiros, o que conduziu, como se sabe, à
necessidade de definição dos termos em que tal imposição se pode ter como
tolerável, sendo usual, para este efeito, categorizar os terceiros a quem se
pretende estender a eficácia do caso julgado em função do prejuízo que daí para eles derivará. Numa primeira categoria, inserem-se os terceiros juridicamente indiferentes, designadamente aqueles a quem o caso julgado é insuscetível de causar um prejuízo de índole estritamente jurídica e que estão, portanto, adstritos a respeitá-lo. Numa segunda categoria, inserem-se os terceiros juridicamente interessados, a quem a expansividade do caso julgado ocasiona um prejuízo jurídico.

XX – In casu, o Recorrido Credor não tem qualquer prejuízo jurídico, já que o seu crédito não é garantido, sendo simplesmente comum, pelo que se enquadra na categoria dos juridicamente interessados os credores com garantias reais. Também para os Recorridos insolventes não há qualquer prejuízo jurídico, como nos parece manifestamente evidente.
XXI – Assim sendo, considerando-se erroneamente que não há identidade de sujeitos nas reclamações de créditos do proc. de execução e de insolvência, os Recorridos são terceiros juridicamente indiferentes, pelo que deve-se impor sobre os mesmos a autoridade do caso julgado resultante da sentença anteriormente proferida e transitada em julgado. (…)”

Os Insolventes apresentaram contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade do recurso, pois deveria ter seguido o regime do art. 14º, 1, do CIRE, e pela improcedência das razões dos Recorrentes, a fim da manutenção do acórdão recorrido.

O mesmo fez a «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ……», que sustentou igualmente a inadmissibilidade do recurso, também à luz do art. 671º, 1, e 629º, 1, do CPC, e a inexistência de caso julgado oponível no apenso insolvencial, devendo, por isso, manter-se o acórdão recorrido.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO

1. Admissibilidade e objecto do recurso

1.1. Os Recorridos alegaram a inadmissibilidade do recurso seguindo o regime do art. 14º, 1, do CIRE, invocando para isso a falta de invocação e demonstração de qualquer oposição jurisprudencial que permitisse o acesso ao terceiro grau de jurisdição.

O especial regime dos recursos previsto no art. 14º, 1, do CIRE («No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.») tem sido objecto de uma apurada e fundamentada aplicação por parte deste Supremo Tribunal e nesta 6.ª Secção.

Em primeira linha, no que respeita ao âmbito de aplicação da disciplina restritiva nele contido em razão da matéria – logo, da amplitude da inibição de acesso de Acórdãos proferidos por Tribunal da Relação ao terceiro grau de jurisdição do STJ, tendo em conta a especialidade da norma de irrecorribilidade –, tem-se uniformemente julgado e decidido que a revista “normal” – independentemente do juízo sobre a condição negativa da “dupla conformidade decisória”, tal como prevista no art. 671º, 3, do CPC – está vedada a todas as decisões proferidas no processo de insolvência (e, extensivamente, no PER e no PEAP), incluindo-se as decisões tomadas nos incidentes que do ponto de vista formal e estrutural integram o referido processo e nele se tramitam (excluindo-se portanto da irrecorribilidade todas as acções e incidentes processados por apenso ao processo de insolvência e PER, a não ser, por expressa previsão legal e constituindo apenso nos termos do art. 41º, 1, do CIRE, os embargos opostos à sentença de declaração de insolvência): v., por ex., os Acs. de 13/11/2014[1] e de 12/8/2016[2], absorvendo igualmente a posição e os fundamentos da doutrina, focada com acerto na relação do n.º 1 com o n.º 2 (quando neste se faz referência a «todos os recursos interpostos no processo ou em qualquer dos seus apensos») do art. 14º do CIRE[3]. Em suma, a razão visada na restrição (ao art. 671º, 1 e 2, do CPC), centrada na particular celeridade e desejada estabilidade processual nas matérias da insolvência (cfr. Preâmbulo, ponto 16, do DL n.º 53/2004, que aprovou o CIRE) e da revitalização pré-insolvencial, aplica-se à tramitação endógena dos processos e deixa de fora a tramitação apensa e adjectivamente autonomizada desses mesmos processos, cujos litígios correm o regime comum (como induz justamente o referido art. 14º, 2, do CIRE). Para essa tramitação endógena tão-só se admite que se precluda a limitação do direito de recurso a um grau apenas nos casos de oposição de acórdãos em matéria relativamente à qual não exista ainda uniformização de jurisprudência (2.ª parte do art. 14º, 1).

Assim sendo, para além de o teor literal do art.14º não permitir sustentar essa interpretação, tem sido jurisprudência reiterada do STJ que as regras do art. 14º não se aplicam aos incidentes que correm por apenso, como o de verificação e graduação de créditos (art. 132º do CIRE)[4]

Logo, in casu, não temos que submeter o recurso à revista atípica do art. 14º, 1, de modo que não estamos condicionados a, apenas e exclusivamente, podermos apreciá-la tendo em conta a oposição de julgados invocada para a sua viabilização, nos termos determinados pela 2.ª parte do n.º 1 do art. 14º do CIRE, e das normas aplicáveis à regularidade de recurso fundado em “conflito jurisprudencial”, sem mais qualquer outro fundamento. Antes teremos que submeter a impugnação recursiva para o STJ aos termos gerais, aplicando-se, para tanto, as regras do processo civil, de acordo com a remissão operada pelo art. 17º do CIRE, o que dita a aplicação da revista normal e ordinária[5] e a não exclusão das situações extraordinárias de recorribilidade previstas no art. 629º, 2, do CPC.

Neste encalce.

Ainda que em referência a acórdão que se recolheria na previsão do art. 671º, 1, do CPC e tenha julgado improcedente a excepção dilatória de caso julgado relativamente aos créditos reclamados pelos aqui Recorrentes e determinado o prosseguimento dos autos (sem, por tal razão, ter posto termo ao processo), o recurso é de admitir nos termos do art. 629º, 2, a), do CPC por ter como único fundamento a “ofensa de caso julgado” em situação de recurso extraordinário e sempre admissível[6].

1.2. Vistas as Conclusões dos Recorrentes (arts. 635º, 2 a 4, e 639º, 1 e 2, CPC) e a restrição do objecto recursivo imposto pela sua natureza extraordinária, a questão recursiva cinge-se a averiguar se a decisão proferida no acórdão recorrido, em relação aos créditos reclamados pelos credores «Alama – Indústria de Carnes, Lda.» e CC, ofende o caso julgado formado pela decisão proferida no processo de execução n.º……, correspondente ao actual Apenso K do presente processo (também apenso mas do processo de insolvência em que foram declarados insolventes AA e mulher BB), por violação dos pressupostos definidos nos arts. 580º, 1 e 2, 581º, 619º, 1, e 621º do CPC, e da alegada prejudicialidade do caso julgado emergente da sentença proferida em 16/3/2012, no âmbito do referido processo de execução, em apenso de verificação e graduação de créditos («concurso de credores»).

2. Factualidade relevante

Releva o que consta supra no Relatório, tal como considerado no essencial pelo acórdão recorrido.

Com interesse para a causa, acrescente-se (arts. 607º, 3, 663º, 2, 679º, CPC):

— a «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ……, CRL» instaurou processo de execução comum contra «AA, Lda.», AA e BB, para pagamento de quantia certa no montante de € 41 432,93: processo n.º…….., que constitui agora apenso K ao actual processo n.º 100/13……. – cfr. fls. 4 e ss;

— em processo de reclamação, verificação e graduação de créditos, por apenso “C” àquele processo executivo comum, vieram reclamar os seus créditos, entre outros credores (Fazenda Nacional, «Banco Comercial Português, S.A.»), CC (fls. 4 e ss) e “Adalma – Indústria de Carnes, Lda” (fls. 20 e ss), apresentando como título executivo documento particular autenticado de mútuo, com hipoteca; reclamaram, respetivamente, os créditos de € 100 000,00 e de € 85 000,00;

— neste mesmo apenso executivo, os Executados apresentaram impugnação dos créditos reclamados pelo credor «Banco Comercial Português, S.A.» (fls. 97 e ss), com resposta a fls. 105 e ss;

— Em …… 2012, proferiu-se a seguinte sentença pelo 0.º Juízo Cível do Tribunal Judicial ……. (fls. 115):

“Por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa que corre termos no processo principal vieram CC, Adalma – Indústria de Carnes, Lda e o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, reclamar créditos, nos termos constantes, respetivamente, de fls. 2 e seguintes, 18 e seguintes e 33 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Considerando que os créditos supra identificados foram tempestivamente reclamados, estão documentados e não foram impugnados, julgo-os verificados, nos termos do n.º 4 do art. 868.º do Código de Processo Civil.

No mais, em observância do disposto no artigo 868.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, relega-se para a sentença final a graduação dos créditos ora reconhecidos(fls. 115; v. o actual art. 791º do CPC 2013);

— a exequente «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo…, CRL» não foi notificada das reclamações de créditos apresentadas no apenso executivo de verificação e graduação de créditos, nem da sentença proferida em ……. 2012 (cfr. fls. 117 e ss);

— o apenso executivo de reclamação, verificação e graduação de créditos prosseguiu os seus termos para apreciação dos créditos impugnados pelo credor «Banco Comercial Português, S.A:.» e, concluída a audiência de julgamento, proferiu-se despacho com resposta à decisão de facto (a fls. 344-351);

— Em …… 2013, o Juízo de Comércio ……… declarou a insolvência de AA e mulher BB, no âmbito do Processo n.º 100/13……;

— o apenso executivo foi suspenso, por efeito do despacho de suspensão da acção de execução quanto aos Executados AA e mulher BB, proferido por razão da aplicação do art. 88º, 1, do CIRE, “em face da dependência funcional dos presentes autos de reclamação de créditos à execução, e uma vez que os aqui reclamados são precisamente os executados insolventes”, razão pela qual não se proferiu sentença de graduação de créditos (despacho a fls. 353);

— no presente apenso aos autos de insolvência dos decladores insolventes, os credores CC e “Adalma – Indústria de Carnes, Lda”, reclamaram os mesmos créditos com os mesmos fundamentos que apresentaram na reclamação de créditos no processo de verificação e graduação de créditos apenso ao processo de execução: a celebração de contrato de mútuo com hipoteca.

3. O direito aplicável

3.1. A força de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e pressupõe que tal repetição se verifique depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (art. 580º, 1, CPC). Acresce que, como estabelece o art. 621º do CPC, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga. O que se decidiu, com caráter definitivo, dentro de determinados limites objetivos e subjetivos, não pode ser modificado por decisão posterior.

Tal repetição (ou duplicação processual) existirá quando a segunda ação é idêntica à primeira no que respeita aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art. 581º, 1 do CPC) – a chamada tripla identidade. No art. 581º, 2, 3 e 4, revelam-se os critérios de reconhecimento da similitude destes elementos para a subsistência da excepção de caso julgado:

— há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica;

— há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico;

— há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.

Para além disso, a figura do caso julgado impede que uma decisão posterior contrarie uma decisão já transitada em julgado, quando exista sobreposição do objecto decisório e as duas decisões apreciem o mesmo problema essencial, mesmo quando algum desses três requisitos não seja integralmente coincidente ou não se verifiquem em cumulação. Aqui, a autoridade de caso julgado, enquanto efeito e incidência do caso julgado material, visa garantir a vinculação dos órgãos jurisdicionais e o acatamento pelos particulares de uma decisão judicial transitada, na circunstância de se verificar diversidade entre objectos processuais e funcionar o objecto processual anterior como condição prejudicial dependente para a apreciação do objecto processual posterior (efeito vinculativo à não repetição e à não contradição da decisão anterior em processo subsequente com diverso objecto). Por outro lado, postula ainda esta perspectiva o efeito positivo (e normativo) do caso julgado: a decisão revestida de autoridade, associada à sua imposição externa, é, em função da “consumpção prejudicial” ou de “concurso material” entre os objectos processuais, um pressuposto ou uma premissa da causa subsequente, de tal forma que é um antecedente na apreciação da nova causa no sentido da prevalência do sentido decisório da primeira decisão.[7] Para tal resultado, é insuperável, como condição subjectiva da sua força vinculativa, no confronto dos processos conexos, que as decisões abranjam as mesmas pessoas, sob o ponto de vista da qualidade física e intervenção processual, assim como aquelas que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581º, 2, CPC: identidade dos sujeitos abrangidos)[8].

É nestes prismas que o litígio recursivo se delimita.

Apurar a conformidade legal do julgado pela sentença proferida em …… 2019 no apenso insolvencial, que, ao apreciar o objecto das impugnações dos créditos titulados pelos credores reclamantes «Adalma – Indústria de Carnes, Lda.» e CC, deu como verificada a excepção de caso julgado em função da anterior e prejudicial sentença, proferida no apenso executivo em …… 2012 – que considerara verificados esses mesmos créditos, nos termos do (então vigente) art. 868º, 4, do CPC 1961, actual art. 791º, 4, do CPC 2013 –, e, consequentemente, absolveu da instância no processo insolvencial os reclamantes impugnados “Adalma – Indústria de Carnes, Lda.” e CC, mantendo-se tais créditos na relação de créditos reconhecidos pelo Sr. AI; por outras palavras, saber se, como alegam os Recorrentes, “o caso julgado [material] da sentença que reconheceu os créditos dos Recorrentes, na ação executiva, obsta evidentemente ao conhecimento do mérito das impugnações dos créditos reconhecidos dos credores "Adalma" e CC no processo de insolvência”.

3.2. A posição da Relação foi clara e extensivamente argumentativa (tanto doutrinal como jurisprudencialmente), a fim de discordar do sentenciado pela 1.ª instância e concluir que “a sentença proferida em sede de verificação e graduação de créditos, apenso a processo de execução, apenas constitui caso julgado formal” e que não se mostram reunidos os “pressupostos do caso julgado” (seja enquanto excepção dilatória, seja enquanto autoridade de caso julgado).

           

Devemos transcrever as parcelas mais significativas:


(i) “O caso julgado, que constitui uma exceção dilatória, pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário – art. 580º CPC. A exceção tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior – art. 580º/2 CPC. (…)
Distingue a lei o caso julgado material, do caso julgado formal.
O caso julgado formal consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via ( art. 620º e 628º CPC ).
O caso julgado material, que nos interessa analisar na situação presente, consiste na definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal, quer a título prejudicial ( art. 619º CPC).
O caso julgado verifica-se em relação às decisões que versam sobre o fundo da causa e portanto sobre os bens discutidos no processo; as que definem a relação ou situação jurídica deduzida em juízo, as que estatuem sobre a pretensão do Autor.”;

(ii) “O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento da exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova ação do mesmo direito que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo).
No que respeita aos limites do pedido e da causa de pedir, refere ANTUNES VARELA que: “[…] o caso julgado forma-se diretamente sobre o pedido, que a lei define como o efeito jurídico pretendido pelo autor[…] é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado. É a resposta dada na sentença à pretensão do Autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado. A força do caso julgado cobre apenas a resposta dada a essa pretensão e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu, para chegar a essa resposta” [ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pág. 712].”;

Ora, prosseguindo:


(iii) “No caso concreto, considerando as reclamações de créditos apresentadas pelos credores “Adalma…” e CC, no processo de verificação e graduação e créditos, apenso a processo de execução, em confronto com as reclamações no apenso de reclamação de créditos no processo de insolvência, por ser nesse âmbito que se coloca a matéria da exceção de caso julgado, somos levados a concluir que não existe identidade de sujeitos, de pedidos e causa de pedir [sublinhado nosso].
O processo declarativo comum destina-se à obtenção de tutela de interesses individuais ou equiparáveis, no contexto de litígios singulares.

No processo de insolvência aos interesses de cada credor e do próprio devedor, em contexto litigioso múltiplo e diversificado, sobrepõe-se a salvaguarda do interesse coletivo da generalidade dos credores do insolvente [sublinhado nosso], o que requer, desde logo, a existência de órgãos específicos da insolvência, como são o administrador da insolvência, a comissão de credores e a assembleia de credores, conforme o previsto nos artigos 52.º a 80.º do CIRE.

A natureza do processo de insolvência determina uma tramitação específica do procedimento declarativo da verificação de créditos em que se compatibilize o exercício concorrente ou cruzado dos direitos de cada interessado com a salvaguarda do respetivo interesse coletivo e com as exigências de celeridade na liquidação do património insolvente [sublinhado nosso].

Como decorre do artigo 128.º, n.º 3, em conjugação com o artigo 136.º, n.º 6 e 7, do CIRE, o concurso de credores no âmbito do processo de insolvência visa, em primeiro plano, verificar todos os créditos sobre o devedor insolvente, o mesmo é dizer sobre o passivo patrimonial deste e, só num segundo plano, graduar os créditos assim reconhecidos ao universo dos respetivos credores.

Com efeito, tendo a insolvência por fim último a liquidação de todo o património do devedor insolvente em benefício da generalidade dos seus credores (art. 1º do CIRE), bem se compreende a função prioritária da verificação dos créditos. Por isso mesmo, se exige que todos os créditos sejam ali reclamados, disponham ou não os credores de título executivo e mesmo que se trate de créditos já reconhecidos por decisão judicial definitiva [sublinhado nosso].

É o chamado princípio da exclusividade, segundo o qual “só os credores com créditos verificados e graduados podem concorrer à distribuição do produto da liquidação do ativo” [MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, Almedina, Janeiro 2019, pág. 267.].

É, pois, em função dessa finalidade de liquidação global que é conferida legitimidade a cada credor concorrente interessado para impugnar os créditos dos demais concorrentes que sejam suscetíveis de conflituar com o crédito daquele, nos termos do art.º 130.º, n.º 1, do CIRE. A impugnação pode ter qualquer dos fundamentos de direito substantivo, incluindo a existência ou não dos direitos de crédito, a sua classificação, o seu quantum e a existência ou não de garantias reais ou de preferências de pagamento.

O art. 85.º, n.º 1, do CIRE prescreve que:

“Declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentados pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.

O artigo 89.º, n.º 2, do mesmo diploma determina:

“As ações, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente, correm por apenso ao processo de insolvência, com exceção das execuções por dívidas de natureza tributária”.

Este quadro normativo aponta no sentido da vocação de plenitude do processo de insolvência para a resolução das questões pertinentes à liquidação do património do devedor insolvente em benefício da generalidade dos respetivos credores [sublinhado nosso].

Neste contexto, como se afirma no Ac. STJ de 27 de setembro de 2018, Proc. 10248/16.0T8PRT.P1.S1 (acessível em www.dgsi.pt), “o concurso de credores no processo de insolvência diferencia-se do concurso em sede de ação executiva singular, em que apenas se visa o reconhecimento de créditos para efeitos da sua graduação confinada aos credores que, dispondo de título executivo, gozem de direitos de garantia real sobre os bens penhorados – os chamados credores privilegiados”.

A vocação de execução universal atribuída ao processo de insolvência no âmbito do qual se procede à liquidação de todo o património do devedor-insolvente, para satisfação integral dos credores impede, desde logo, que se possa considerar que existe identidade de causa de pedir e pedido entre o pedido formulado no processo de reclamação de créditos, em processo de execução e o apenso de reclamação de créditos em processo de insolvência. A convocação de todos os credores afasta a identidade de sujeitos. [sublinhado nosso]

Os créditos agora reclamados, no apenso de reclamação de créditos em processo de insolvência, para obter pagamento pelo produto da liquidação, podem vir a ser ressarcidos não apenas pelo produto da venda dos bens objeto de garantia (no caso garantia hipotecária), mas ainda pelo produto da venda dos restantes bens do património do devedor-insolvente.

Esta outra dimensão amplia o âmbito da causa de pedir e do pedido e que no caso está bem patente ao suscitar-se a nulidade do negócio, com fundamento em simulação. Na perspetiva dos insolventes e do credor Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ........, CRL a divida não existe, o que a verificar-se beneficia todos os credores e não apenas os impugnantes.

Está em causa o interesse coletivo dos credores na satisfação dos seus créditos, mas também a determinação do passivo dos devedores [sublinhado nosso], pois a lei atribui a natureza de título executivo à sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em processo de insolvência – art. 233º/1 c) CIRE.”

Mas não só assim discorreu o acórdão recorrido. Acrescentou:


(iv) “(…) também a sentença não tem a autoridade do caso julgado (…).
Como referem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE: “a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor uma decisão como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida […], ou o fundamento da primeira decisão, excecionalmente abrangido pelo caso julgado nos termos do nº4 desta anotação, é também questão prejudicial na segunda ação[…]” [JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, Coimbra, Almedina, Julho 2017, pág. 599].

Tais circunstâncias não se verificam, porque a decisão proferida no processo de reclamação de créditos, por apenso ao processo de execução, não tem natureza prejudicial; a decisão ali proferida não constitui um pressuposto da decisão a proferir em sede de processo de reclamação de crédito apenso ao processo de insolvência perante o caráter universal deste processo [sublinhado nosso].

Contudo, ainda que assim não se entenda, sempre seria de considerar que a sentença de verificação de créditos proferida no processo de verificação e graduação de créditos, que seguiu por apenso ao processo de execução, apenas faz caso julgado formal, não sendo por isso oponível fora do estreito âmbito do processo executivo.
Os efeitos extraprocessuais da sentença de verificação e graduação de créditos proferida em processo de reclamação de créditos que corre os seus termos por apenso a processo de execução não tem merecido na doutrina [RUI PINTO, Manual da Execução e Despejo, 1ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 886-889  / JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, Fevereiro 2014, pág. 370 a 373] e jurisprudência [Acórdãos STJ 22 de junho de 2010, Proc. 326/04.4TBOFR.C1.S1; Ac. STJ 27 de setembro de 2018, Proc. 10248/16.0T8PRT.P1.S1; e em sentido oposto Ac. STJ 21 de março de 2019, Proc. 713/12.4TBBRG.B.G1.S1, todos em www.dgsi.pt] uma resposta unânime.

Pela nossa parte entendemos que no concurso de credores, no âmbito da ação executiva singular, deduzido mediante o procedimento declarativo da reclamação, verificação e graduação de créditos regulado nos artigos 788.º a 791.º do CPC, a sentença ali proferida, que julga verificados os créditos, reveste a natureza de caso julgado formal. A decisão final de reconhecimento de um crédito não tem eficácia de caso julgado fora do âmbito da respetiva execução.

Seguimos os argumentos desenvolvidos pelo Professor LEBRE DE FREITAS sobre tal matéria.

O concurso de credores no quadro da ação executiva singular destina-se a convocar os credores do executado que, dispondo ou podendo ainda vir a dispor de título executivo, gozem de garantia real sobre os bens penhorados (art. 788.º, n.º 1 e 2, e 792.º, n.º 1, do CPC) com vista a acionar tal garantia para satisfazer o seu crédito pelo produto da venda desses bens, já que a venda executiva faz caducar os direitos reais de garantia nos termos do art. 824.º, n.º 2, do CC.

Em sede de tal procedimento, é conferido aos credores concorrentes – para além do exequente e do executado – o direito de impugnarem, reciprocamente, os créditos reclamados e as respetivas garantias com fundamento em qualquer das causas impeditivas, modificativas ou extintivas desses créditos, nos termos do art. 789.º, n.º 3 e 4, do CPC.

Um credor reclamante só tem legitimidade para impugnar o crédito reclamado por outro credor concorrente que goze de garantia real sobre bem penhorado em relação ao qual o credor impugnante detenha também garantia real para o respetivo crédito (art. 789.º, n.º 3, do CPC).

Em caso de impugnação, assiste ao reclamante do crédito impugnado o direito de responder mediante defesa por exceção, nos termos do art. 790.º do CPC.

Se o crédito reclamado não for impugnado, é o mesmo havido logo como reconhecido, salvo quando se verifiquem as exceções ao efeito cominatório da revelia inerentes ao processo declarativo ou houver lugar ao conhecimento oficioso de questões que implicassem rejeição liminar da reclamação (art.º 791.º, n.º 4, do CPC). Sendo esse crédito impugnado ou em caso de revelia inoperante, seguir-se-ão depois os termos do processo declarativo comum (art. 791.º, n.º 1, e n.º 4, 2.ª parte, do CPC) e, produzida a prova, proferir-se-á sentença final a conhecer da sua existência e graduação.

Neste quadro normativo, a impugnação de crédito reclamado por parte de outro credor concorrente ou pelo devedor está circunscrita à finalidade da graduação de créditos entre os credores privilegiados, [o que] torna o reconhecimento do crédito reclamado meramente instrumental da decisão de graduação [sublinhado nosso].
Observa o Professor LEBRE DE FREITAS [JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, Fevereiro 2014, págs. 370 a 373]: “tal como relativamente às outras  ações declarativas em dependência funcional da ação executiva, também em face da ação de verificação e graduação dos créditos se coloca a questão da eficácia extraprocessual da sentença nela proferida. Mas, diversamente do que acontece nos embargos de terceiro [art. 349ºCPC] […], nos embargos de executado [art. 732º/5 CPC] […], a ação de verificação e graduação dos créditos não oferece ao devedor garantias idênticas ou equiparáveis às da ação declarativa comum. Nela vigora o efeito cominatório pleno, que a revisão do Código aboliu no âmbito do processo declarativo comum, mesmo quando o executado, não pessoalmente notificado do despacho que admitir as reclamações (designadamente, por se verificar o condicionalismo do art. 240º), tenha sido citado editalmente para a execução. O reconhecimento do crédito não impugnado tem assim lugar, ainda que os factos alegados pelo reclamante não permitam essa conclusão e que o executado não tenha tido efetivo conhecimento da ação. Por outro lado, se esta constatação levará a defender que o caso julgado material só se produz na ação de verificação e graduação de créditos quando o executado nela tenha intervenção efetiva ou quando para ela tenha sido pessoalmente notificado e todos os créditos sejam impugnados (pelo exequente, por outro credor reclamante ou pelo cônjuge do executado), a consideração de que, em qualquer caso, o objeto da ação de verificação e graduação não é tanto a pretensão de reconhecimento do direito de crédito como a do reconhecimento do direito real que o garante […] relega o reconhecimento do crédito para o campo dos pressupostos da decisão, como tal não abrangido pelo caso julgado […]. Assim se explica que, apesar de expressamente reconhecer a força do caso julgado, nos termos gerais, às sentenças de mérito proferidas nos embargos de executado (art. 732º-5) e nos embargos de terceiro (art. 349º), o Código nada diga sobre a sentença de verificação e graduação de créditos”.
Conclui o mesmo AUTOR que: ”o caso julgado produz-se, pois, apenas quanto ao reconhecimento do direito real de garantia, ficando por ele reconhecido o crédito reclamado só na estrita medida em que funda a existência atual desse direito real. Verificado o pressuposto da intervenção do executado na ação, o caso julgado forma-se quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos” [JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pág. 373.]. E esclarece, ainda, que o efeito do caso julgado não se forma “[…] quanto ao seu não reconhecimento: o credor que haja invocado um direito real de garantia que não lhe seja reconhecido não fica impedido de o fazer valer em ação futura, se a execução se extinguir sem a venda do bem sobre o qual o invocou. Além do mais, o curto prazo de que dispõe para reclamar, mesmo considerando o seu direito de resposta à impugnação, não permite igualar a sua posição à do autor da ação declarativa comum” [JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Executiva - À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., (…) pág. 373.]

Seguindo este entendimento pronunciou-se o Ac. STJ de 27 de setembro de 2018, Proc. 10248/16.0T8PRT.P1.S1 (acessível em www.dgsi.pt) (…).”;

(v) “Transpondo o exposto sobre os efeitos extraprocessuais da sentença de verificação de créditos em processo de reclamação de crédito apenso a processo de execução, para o caso concreto, conclui-se que a sentença que julgou verificados os créditos dos credores “Adalma…” e CC (Proc……), porque os créditos não foram objeto de impugnação pelos executados e pelo exequente, não faz caso julgado material.

A sua eficácia em sede de caso julgado forma-se apenas quanto à graduação. O reconhecimento do crédito visa concretizar o direito a participar na distribuição do produto da venda. O seu valor está limitado à própria distribuição. Desta forma, não se impõe fora do processo, a terceiros como definição do direito em litígio e, sendo assim, não preenche os pressupostos da exceção do caso julgado.”;

Para além do mais, finalizou:


(vi) “(…) em relação ao (…) credor-impugnante Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ........., CRL constata-se, ainda, que a sentença proferida em sede de reclamação de créditos apenso ao processo de execução não constitui caso julgado, porque o credor, ali exequente, não foi chamado a intervir no processo de reclamação de créditos, pois não foi notificado das reclamações, nem notificado da sentença, sendo certo que entre as partes não se desenhava uma relação de subordinação ou solidariedade.

Independentemente das irregularidades processuais que se possam apontar ao processo de reclamação, a sentença não é oponível (…) à Caixa de Crédito quando não foi chamadoa a pronunciar-se sobre os fundamentos da reclamação apresentada pelos ali credores “Adalma…” e CC. Não definiu qualquer direito entre os credores reclamantes e o exequente”.


3.3. A argumentação do acórdão recorrido percorre e utiliza com acerto os critérios de interpretação a serem seguidos, merecendo ser sufragada.
Para o caso, no entanto, não interessará tanto tomar posição a propósito de saber se e em que medida a sentença de verificação de créditos proferida por apenso ao processo de execução constitui ou não (apenas) caso julgado formal, na dicotomia precedente à ulterior graduação de créditos, e na eficácia ou ineficácia extraprocessual que dessa qualificação emerge.
Antes é decisivo acentuar, por um lado, que a identidade objectiva e subjectiva exigida pela excepção de caso julgado não se preenche, tendo em consideração justamente a especificidade do processo de insolvência e a dinâmica jusnormativa e racional da reclamação e graduação de créditos que nele se promove vs o regime da reclamação de créditos na acção executiva (arts. 788º e ss do CPC).

É pertinente chamar à colação, para essa comprovação, as asserções do Ac. do STJ de 13/11/2018[9]:  
“Dispõe o normativo inserto no artigo 128º, nº 1 do CIRE, que, dentro do prazo fixado para o efeito, deverão os credores da insolvência reclamar a verificação dos seus créditos, sendo que, tal reclamação é imperativa, mesmo que tais credores tenham o seu crédito reconhecido por sentença transitada em julgado, cfr nº 3 [actual n.º 5] do mesmo preceito.
Daqui decorre, ao contrário do que sucede na acção executiva, que o credor que pretenda reclamar o crédito em sede insolvencial, não necessita de estar munido de título definitivo do seu direito, pois este irá formar-se neste procedimento específico, o que decorre inequivocamente dos termos que a própria Lei insolvencial exige para a respectiva reclamação (…).
(…) o processo de Insolvência constitui um procedimento universal e concursal, cujo objectivo é a obtenção da liquidação do património do devedor, por todos os seus credores: concursal (concursus creditorum), uma vez que todos os credores são chamados a nele intervirem, seja qual for a natureza do respectivo crédito e, por outro lado, verificada que seja a insuficiência do património a excutir, serão repartidas de modo proporcional por todos os credores as respectivas perdas (principio da par conditio creditorum); é um processo universal, uma vez que todos os bens do devedor podem ser apreendidos para futura liquidação, de harmonia com o disposto no artigo 46º, nos1 e 2 do CIRE, normativo este que define o âmbito e a função da massa insolvente.
A massa abrange, desta feita, a totalidade do património do devedor insolvente, susceptível de penhora, que não esteja excluído por qualquer disposição especial em contrário, bem como aqueles bens que sejam relativamente impenhoráveis, mas que forem apresentados voluntariamente (exceptuam-se apenas os bens que sejam absolutamente impenhoráveis), e que existam no momento da declaração da insolvência ou que venham a ser adquiridos subsequentemente pelo devedor na pendência do processo. Porque se trata de um procedimento de natureza mista, quer dizer, por um lado contem uma faceta declarativa que visa a apreciação e decisão sobre a verificação dos pressupostos tendentes à declaração do estado insolvencial, por outro, uma faceta executiva conducente à liquidação do património do devedor, com o fito de dar pagamento aos credores, sendo aqui apreciadas e resolvidas todas as questões com vista à satisfação daqueles.
Uma das resoluções que se impõem neste processo é a da verificação do passivo, através do reconhecimento (ou não reconhecimento) dos créditos reclamados, sua graduação, com vista ao seu futuro pagamento, sendo através da sentença que se venha a produzir nesta sede que os credores reclamantes podem obter a sua satisfação nos termos do artigo 173º do CIRE.
Ora todo este procedimento especial constante do CIRE (…) impõe que os seus eventuais créditos sejam, como foram, reclamados no processo de insolvência, e, por outro, por força do regime específico estabelecido no CIRE, com a apresentação das pretensões creditícias as mesmas ficam, como ficaram, sujeitas a um regime impugnatório por banda dos restantes interessados, de harmonia com o preceituado no artigo 130º daquele diploma”.
Assim sendo, qualquer sentença produzida em acção executiva intentada contra os insolventes não faz caso julgado relativamente à reclamação de créditos no processo de insolvência referido a esses insolventes, uma vez que os objectos processuais não se sobrepõem, por uma banda, e os credores envolvidos e interessados no processo insolvencial estão para além e munidos de um interesse e título distinto dos credores que são qualificados como concorrentes na reclamação de créditos em sede executiva, mesmo que haja identidade parcial de credores reclamantes e estes se queiram prevalecer de decisão anterior favorável e transponível para o processo de insolvência. Na verdade, o concurso de credores em sede de ação executiva singular está circunscrito à finalidade da graduação de créditos entre os credores privilegiados do executado, o que implica o reconhecimento do crédito reclamado como meramente instrumental da decisão ulterior de graduação; enquanto isso, o concurso de credores no âmbito do processo de insolvência tem por fim essencial a liquidação de todo o património do devedor insolvente em benefício da generalidade dos seus credores, sendo prioritária a verificação dos créditos e, para tal desiderato, atribuída legitimidade a cada credor concorrente para impugnar os créditos dos demais concorrentes que sejam susceptíveis de conflituar com o crédito daquele, nos termos do art. 130º, 1, do CIRE[10], conduzindo-se a uma sentença constitutiva da verificação e graduação dos créditos (arts. 130º, 3, 140º, 1 e 2, CIRE).

3.4. Por outro lado, no que toca à autoridade de caso julgado, o efeito positivo externo do caso julgado, sustentado pelos Recorrentes, consiste – como descrevemos ab initio – na vinculação de uma decisão posterior a uma decisão já transitada, em razão de uma relação de prejudicialidade ou de concurso entre os respectivos objectos processuais. Mas essa vinculação depende de condições objectivas (negativa e positiva) e subjectiva.
Ora, prima facie e vislumbrando tão-somente a conexão dos objectos processais, até poderíamos aventar que fosse de discutir a condição objectiva positiva[11] de “existência de uma relação entre os objetos processuais de dois processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com esse teor”, o que implicaria que “a consideração do teor da sentença já transitada em julgado poderá determinar o sentido da posterior decisão de mérito, seja para a procedência, seja para a improcedência”[12]. Contudo, não é de ver a decisão anterior em sede executiva a determinar os fundamentos da segunda decisão em sede insolvencial. Antes pelo contrário, visto o regime imperativo do art. 88º, 1, do CIRE («A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.»)[13], assim como do seu n.º 3 («As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto») – vemos o processo insolvencial a consumir, potencial ou efectivamente, a acção executiva[14] e, por essa via, a determinar a nulidade dos actos praticados em sede executiva que tenham sido praticados após o decretamento da insolvência[15]. O que, já agora, decorre antecipadamente – e é confirmado – pela disciplina prevista no art. 793º do CPC: «Qualquer credor pode obter a suspensão da execução, a fim de impedir os pagamentos, mostrando que foi requerida a recuperação de empresa ou a insolvência do executado.».
Por outro lado, não podemos deixar de considerar como prioritária a falta de condição subjectiva para que haja uma tal força vinculativa do caso julgado fora do seu objecto processual: “a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º 2. Seria absolutamente inconstitucional, por contrário à proibição de indefesa, prevista no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e no artigo 3.º do Código de Processo Civil, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa. (…) Daqui decorre que a autoridade de caso julgado (i) pode ser oposta pelas concretas partes entre si e (ii) não pode ser oposta a quem é terceiro. Em termos práticos, serão julgadas improcedentes (em maior ou menor grau) as pretensões processuais das partes entre si que sejam lógica ou juridicamente incompatíveis com o teor da primeira decisão; mas já idêntica pretensão deduzida por terceiro será apreciada sem consideração pelo sentido decisório alheio”.[16]
Para este importante e decisivo postulado, importa notar que “‘terceiro’ é o que decorre a contrario da referida definição legal do artigo 581.º, n.º 2: aquele que não é parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica no processo em que a decisão foi proferida. Trata-se, assim, de um conceito material de terceiro e não de um conceito formal de terceiro”[17].

Daqui resulta que a sentença produzida no apenso concursal da acção executiva, reconhecendo os créditos dos aqui Recorrentes, não pode, mesmo sendo os reclamantes em sede executiva dos executados-insolventes coincidentes em parte na reclamação dos mesmos créditos em sede insolvencial – neste caso, uma parte residual: só um deles, o «Banco Comercial Português, S.A.» –, vincular reflexamente e ser oposta aos restantes credores reclamantes no processo de insolvência, mesmo que não tenham impugnado os créditos acertados em acção precedente (pois a isso não estão obrigados: art. 130º, 1, CIRE) e beneficiem da impugnação de outros credores (ainda que estes sejam os que na acção procedente e alegadamente oponível não o fizeram ou, sendo partes, não o puderam fazer por qualquer vicissitude processual que não lhes é imputável). Além disso, não se olvide que o exequente na acção executiva não dispõe da mesma qualidade nos dois processos, nem a tal podia almejar atenta a diferente abrangência processual.

Seja como for, o mais importante é justamente destacar que não são os credores impugnantes coincidentes os únicos credores reclamantes no processo insolvencial e, não tendo sido todos os outros credores insolvenciais parte nessa acção precedente, executiva, a qualquer título, não se encontram legalmente abrangidos por via da eficácia declarativa inter partes dessa outra acção. Esse seria o efeito endoprocessual de ser considerada procedente a excepção de caso julgado invocada pelos credores reclamantes e impeditiva de serem os créditos impugnados pelos insolventes e por um só credor insolvencial[18] – a rejeitar –, sendo certo que, em geral, essa incompatibilidade com decisão anterior apenas deve ser reconhecida em casos excepcionais e circunscritos de eficácia reflexa ou de extensão a terceiros vinculados pelas consequências e efeitos de uma decisão, também em nome da vigência do princípio do dispositivo e como exigência do princípio do contraditório/direito de defesa[19].

Na verdade, esses (todos outros) credores reclamantes no processo de insolvência – como existem no caso dos autos – não são terceiros juridicamente indiferentes[20] ao reconhecimento dos créditos em causa; antes são juridicamente interessados[21] uma vez potencialmente afectados pela decisão precedente nos momentos da sua verificação – que ficaria dispensada, no que já estivesse sentenciado como verificado no incidente executivo, se assim não fosse – e, depois, da sua graduação, nomeadamente quando estão em causa – como no caso sub judice – créditos reclamados como sendo alegadamente privilegiados por garantidos por hipoteca, com projecção substantiva relevante e conflituante da posição jurídico-creditícia de que beneficiam (ou alegam beneficiar) enquanto credores da insolvência[22].

Aliás, se fosse de seguir outro caminho, também poderíamos pensar que os titulares dos créditos reconhecidos na acção executiva estariam dispensados de os reclamar no processo insolvencial dos executados, uma vez declarados insolventes, ou que o reconhecimento e graduação dos mesmos se pudesse fazer fora da sentença a produzir no apenso de verificação de créditos da insolvência – o que, na sequência do que se aludiu anteriormente, é expressamente afastado pelo regime do CIRE e seria, sob o ponto de vista racional e sistemático, intolerável.

*

O acórdão recorrido concluiu que “a sentença de verificação de créditos proferida no Proc. ………. não constitui caso julgado, nem reveste autoridade de caso julgado, quanto ao concreto litígio suscitado com a impugnação dos créditos reclamados pelos credores “Adalma…” e CC, prosseguindo os autos os ulteriores termos”.

Merece provimento, com a consequente rejeição do mérito das Conclusões dos Recorrentes por, em particular, não subsistir violação ou errada aplicação dos arts. 580º, 1 e 2, 581º, 619º, 1, e 621º do CPC.

III. DECISÃO

Em conformidade, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido, com a prossecução devida na instância própria.

Custas a cargo dos Recorrentes.

STJ/Lisboa, 15 de Dezembro de 2020

Ricardo Costa (Relator)

Ana Paula Boularot

Fernando Pinto de Almeida

SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC)



_______________________________________________________


[1] Processo n.º 1444/08.5TBAMT-A.G1.S1, Rel.: PINTO DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt.
[2] Processo n.º 841/14.1TYVNG-A.P1.S1, Rel.: NUNO CAMEIRA, in www.dgsi.pt.
[3] CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2013, sub art. 14º, pág. 130. V., ainda na jurisprudência da 6.ª Secção do STJ sobre esse argumento, o Ac. de 6/3/2014, processo n.º 462/10.8TBVFR-L.P1.S1, Rel. AZEVEDO RAMOS, com disponibilidade de Sumário in A admissibilidade do recurso de revista no processo de insolvência – A jurisprudência recente da 6.ª Secção do STJ, Assessoria Cível do STJ, Novembro de 2018, pág. 34.
[4] Para confirmações, v. os Acs. do STJ de 20/9/2016, processo n.º 1823/12.3TBLGS-F.E1.S1, Rel. NUNO CAMEIRA, Sumário in A admissibilidade do recurso de revista no processo de insolvência – A jurisprudência recente da 6.ª Secção do STJ, Assessoria Cível do STJ, Novembro de 2018, pág. 22, de 18/10/2016, processo n.º 106/13.6TYVNG-B.P1.S1, Rel. ANA PAULA BOULAROT, in www.dgsi.pt (“I. O artigo 14.º do C.I.R.E., ao admitir a possibilidade de recurso por oposição de acórdãos no âmbito do processo de insolvência, refere-se apenas à sentença de declaração de insolvência e à oposição que for eventualmente deduzida. II. Quaisquer outros incidentes processados por apenso aos autos de insolvência encontram-se excluídos daquele regime específico, o que significa que as decisões neles produzidas são passíveis de recurso nos termos gerais.” (do Sumário)), e de 5/9/2017, processo n.º 2503/12.5TBPDL-G.L2.S1, Rel. JOSÉ RAINHO, Sumário in A admissibilidade do recurso de revista no processo de insolvência… cit., pág. 13.
[5] V., por ex., os Acs. desta Secção do STJ, proferidos em 27/6/2019, processo n.º 1950/17.0T8VCT-C.G1.S1, Rel. HENRIQUE ARAÚJO, e em 1/10/2019, processo n.º 140/09.0TYVNG.C.P1.S1, Rel. MARIA OLINDA GARCIA, sempre in www.dgsi.pt.
[6] V. por todos ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub arts. 629º, págs. 51-52 (por argumento de paridade de razões com o art. 671º, 2, a), CPC), e 671º, pág. 361 e nt. 519.
[7] V. fundamentalmente (que seguimos na terminologia dogmática) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “O objecto da sentença e o caso julgado material (Estudo sobre a funcionalidade processual)”, BMJ n.º 325, 1983, págs. 159-160, 171 e ss, em esp. 171-172, 175, 178-179, ID., “Prejudicialidade e limites objectivos do caso julgado”, RDES, 1977, págs. 305-308, ID., “Preclusão e ‘contrário contraditório’ – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.10.2012”, CDP n.º 41, 2013, págs. 24-25, 28-29; LEBRE DE FREITAS, “Providência cautelar: desistência do pedido, repetição e caso julgado”, Estudos sobre direito civil e processo civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, págs. 494-496; RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar online, 2018, págs. 4-7, 17-19, 25 e ss (“efeito positivo externo”); FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 719 e ss. 

[8] V., com jurisprudência relevante, RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado…”, loc. cit., págs. 25 e ss (em conjugação com as págs. 10-12 [“estão abrangidos pelos efeitos do caso julgado não somente os concretos titulares do direito ou bem litigioso que eram partes na causa à data do trânsito em julgado da sentença (…), como, ainda, os seus transmissários ou sucessores posteriores ao trânsito em julgado.”], 20-21).
[9] Processo n.º 128/15.2T8VNG-B.P1.S1, Rel. ANA PAULA BOULAROT, aqui 1.ª Adjunta, in www.dgsi.pt.
[10] Aproveitamos aqui o Ac. do STJ de 27/9/2018, processo n.º 10248/16.0T8PRT.P1.S1, Rel. TOMÉ GOMES, in www.dgsi.pt.

[11] Não interessa já abordar, nesta fase da argumentação, a condição objectiva “negativa”, em que a autoridade de caso julgado opera em simetria com a exceção de caso julgado, “em qualquer configuração de uma causa que não seja a de identidade com causa anterior; ou seja, supõe uma não repetição de causas. Se houvesse uma repetição de causas, haveria, ipso facto, exceção de caso julgado” (RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado…”, loc. cit., pág. 26).
[12] RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado…”, loc. cit., pág. 27.
[13] Em conjugação com o art. 85º, 1, do CIRE para efeitos de apensação da acção pendente ao processo de insolvência.
[14] V. ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Um curso de direito da insolvência, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, págs. 153-154.
[15] Assim sustenta a doutrina: CARVALHO FERANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 2.ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2013, sub art. 88º, pág. 456.
[16] Seguimos novamente RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado…”, loc. cit., págs. 28 e ss, a quem pertencem as transcrições.

Recentemente, concordante, v. o Ac. do STJ de 30/6/2020, processo n.º 638/15.1T8STC.E1.S1, Rel. RAIMUNDO QUEIRÓS, inédito, sendo 1.º Adjunto o aqui Relator. Antes, obiter dictum, o Ac. do STJ de 11/7/2019, processo n.º 341/13.7TBVNO-IE1.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt, cap. II, ponto 4.1.
[17] Mais uma vez RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado”, loc. cit., pág. 29.
[18] Recorde-se o dispositivo da sentença de 1.ª instância: “devem ser absolvidos da instância os reclamantes impugnados “Adalma – Indústria de Carnes, Lda.” e Manuel Ferreira de Azevedo Santos, relativa às impugnações apresentadas por “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Noroeste, CRL” e pelos insolventes impugnantes Armando Lopes da Silva Carvalho e Maria Ermelinda Martins Ferreira Carvalho e, consequentemente, deverão manter-se tais créditos na relação de créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador da insolvência”.
[19] V. ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 720-721, 724-727, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A eficácia da composição da acção”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 588 e ss, MARIA JOSÉ CAPELO, A sentença entre a autoridade e a prova. Em busca de traços distintivos do caso julgado civil, Almedina, Coimbra, 2016 (reimp.), págs. 63-64, 295 e ss.
Neste sentido, v. o Ac. do STJ de 24/10/2019, processo n.º 6906/11.4YYLSB-A.L1.S2, Rel. MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, in www.dgsi.pt (“A inoponibilidade do caso julgado a terceiros representa, assim, um corolário do princípio do contraditório. (…) Não se descura que, durante grande parte do séc. XX, prevaleceu a tendência para estender a eficácia do caso julgado. Respeitando-se os seus limites objetivos, considerava-se que o caso julgado valia perante todos os sujeitos do ordenamento jurídico. Muito diversamente, a partir dos anos setenta-oitenta, considerando a especial relevância que a CRP atribui ao princípio do contraditório e ao direito de defesa, adotou-se uma posição restritiva daquela eficácia. Na verdade, a sentença, com eficácia de caso julgado, não pode sobrepor-se aos referidos princípios constitucionais, porquanto ninguém pode sofrer, por julgado inter alios, a negação de um direito ou a imposição de uma obrigação ou sujeição. De outro modo, terceiros que não intervieram no processo com sentença transitada em julgado seriam privados das garantias de ação e de defesa asseguradas pela CRP. É evidente o papel fundamental que o princípio do contraditório e as garantias de inviolabilidade do direito de defesa assumem na querela respeitante aos limites subjetivos do caso julgado. Contrariaria estes princípios e garantias, sobre as quais se funda e estrutura o modelo interno e internacional de um processo equitativo e justo, a possibilidade de um caso julgado formado inter alios poder produzir efeitos vinculativos em prejuízo de terceiros titulares de direitos autónomos, que não tiveram qualquer possibilidade efetiva de influenciar a decisão. O princípio do contraditório desempenha um papel primordial na tutela de qualquer sujeito que, em abstrato, possa sofrer os efeitos de outra sentença.”).
[20] Estes são “as pessoas a quem a sentença não causa nenhum prejuízo jurídico, por não bolir com a existência ou validade do seu direito, embora possa afectar a sua consistência prática ou económica” (ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil cit., pág. 726).
[21] Estes são aqueles que “não têm que acatar a sentença proferida entre as partes e a correspondente definição judicial da relação litigada, quando aquela, a valer em face deles, lhes poderia causar um prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito, e não apenas destruindo ou abalando a sua consistência prática”, seja porque “são sujeitos duma relação ou posição jurídica independente e incompatível com a das partes (definida pela sentença)”, seja porque “são sujeitos duma relação paralela ou concorrente, ou duma relação subordinada à das partes”: MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, com a colaboração do Prof. Antunes Varela, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, págs. 311 e ss.
[22] V., em abono, os Acs. do STJ de 18/2/2015, processo n.º 2451/08.3TBCLD-B.L1.S1, Rel. FONSECA RAMOS, in www.dgsi.pt, e de 13/11/2018, cit. nt. (9), na sua esteira quanto à posição de credor reclamante no processo de insolvência e a redução do “conteúdo do seu direito de crédito” em virtude do julgado anterior, assim como o  Ac. do STJ de 11/9/2018, processo n.º 954/13.7TJVNF-A.G1.S2, Rel. ANA PAULA BOULAROT, in Sumários de Acórdãos das Secções Cíveis, STJ, 2018, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/civel2018-1.pdf, págs. 476-477 (ponto IV. do Sumário).