Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANA PAULA BOULAROT | ||
Descritores: | ALEGAÇÕES REPETIDAS ACIDENTE DE VIAÇÃO REPARTIÇÃO DE CULPA | ||
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Data do Acordão: | 01/26/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I Não decorre da Lei, maxime, das regras atinentes aos ónus de alegar e formular conclusões (721º, nº2 e 690º, nº1 e 2 do CPCivil), impenda sobre a parte um ónus adicional de formular alegações e conclusões diversas das anteriormente apresentadas em sede de recurso de Apelação, vg, quando as razões de discordância do Acórdão de que se recorre são idênticas àquelas que levaram à impugnação da sentença de primeira instância. II E, muito menos se depreende de tais normativos, que a apresentação de alegação e acervo conclusivo idêntico, possa levar à deserção do recurso, posto que esta implica a falta de apresentação de alegações e nem sequer se poderá sequer dizer que se trata de uma situação análoga, porque falta de alegações configura a ausência de tal peça processual, cfr nº2 do artigo 291º do CPCivil e 690º, nº3 do mesmo diploma. III A possibilidade do uso da faculdade remissiva aludida no artigo 713º, nº5 ex vi do disposto no artigo 726º, este como aquele do CPCivil, aplica-se a todas as situações em que o Tribunal superior vem confirmar a decisão recorrida (sem qualquer voto vencido) quer quanto aos fundamentos, quer quanto à decisão, remetendo para a mesma, nos casos em que perfilha inteiramente o entendimento aí plasmado, quer tenha ou não havido repetição do corpo das alegações e do seu acervo conclusivo. IV É neste ponto concreto da substância da decisão recorrida e da sua auto-suficiência, no sentido de ter abarcado todas as questões controvertidas suscitadas e carecidas de resolução, que reside o quid não só desta problemática específica, mas de toda a problemática da amplitude legal do conhecimento do objecto do recurso, uma vez que, quer haja ou não repetição de alegações, o Tribunal de recurso pode usar daquela faculdade remissiva em Acórdão proferido por unanimidade ou, sendo a questão decidenda simples ou o recurso manifestamente infundado proferir decisão sumária, nos termos do artigo 705º, aplicado ex vi do artigo 726º do CPCivil. V Tendo-se apurado que na altura do acidente os dois condutores dos veículos nele intervenientes circulavam por forma a invadir a faixa de rodagem contrária, ambos se encontravam em contra-ordenação ao disposto nos artigos 11º, nº2 e 13º do CEstrada, pois ambos circulavam fora de mão, prejudicando-se mutuamente na respectiva condução. VI Inexistindo quaisquer outros elementos factuais complementares, não se pode concluir que o factor velocidade – embora adequada ao local – tivesse sido determinante para a produção do resultado, mas antes o foi, à mingua de outras circunstâncias, a forma imprudente como ambos os condutores conduziam as viaturas (fora da sua mão de trânsito). VII Nesta situação, e em caso de dúvida, nos termos do disposto no artigo 506º, nº2 do CCivil é igual a medida da contribuição da culpa de cada um dos condutores para a produção do resultado. (APB) | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I G, por si e em representação da sua filha B veio intentar a presente acção contra X, COMPANHIA DE SEGUROS, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a si e à sua representada, a titulo de indemnização, a quantia de 475.000 mil euros, acrescida de juros legais vincendos até efectivo pagamento, bem como a condenação da Ré a pagar à representada da Autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, por via de um acidente de viação ocorrido no dia 3 de Fevereiro de 2005 em (…)por culpa exclusiva do condutor do veículo de matricula 00-00-00, do qual resultaram danos no seu veículo, o qual veio a ser considerado irreparável. Acresce ainda a circunstância de a Autora ter sofrido lesões e porque se encontrava grávida foi sujeita a cesariana e a bébé nasceu com 1650g, em morte aparente, e com um ano a menor ainda não fala nem anda, tem o pé esquerdo de lado, não tem coordenação nos movimentos e sofre de epilepsia. A Autora pensava tirar um curso superior e não o fez em consequência do acidente e ficou com um grau de incapacidade de 30%. Para já não é possível saber qual o grau de incapacidade de que a mesma pode vir a padecer, em consequência do acidente.
A final foi produzida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente: - Condenou a Ré a pagar à Autora G a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), a título de danos patrimoniais futuros, acrescida de juros desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento; - Condenou a Ré a pagar à Autora G a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) a título danos morais, acrescidos de juros desde a presente data até efectivo e integral pagamento; - Condenou a Ré a pagar à Autora B a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros) a título danos morais, acrescidos de juros desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento; - Condenou a Ré a pagar à menor B a quantia que se vier a liquidar à posteriori, quer a título de danos patrimoniais, quer a título de danos morais, provocados por esses danos patrimoniais e directamente relacionados com os mesmos, caso se venha a apurar que, em consequência do acidente a menor a menor ficou com sequelas definitivas. - Absolveu a Ré do demais pedido. Inconformada a Ré interpôs recurso de Apelação desta sentença, o qual veio a ser julgado improcedente. De novo inconformada a Ré recorre de Revista, apresentando as seguintes conclusões: - A invasão parcial da hemi faixa de rodagem contrária pelo OO não foi a manobra causal do acidente. - As manobras causais do acidente foram antes a invasão pelo AA, a velocidade excessiva a que o mesmo circulava para o local e a falta de cuidado que a recorrida punha na sua condução, violando o disposto nos artigos 11º, nº1, 13º, nº1 e 24º do CEstrada e no artigo 487º do CCivil. - Sempre ao menos se deverá considerar que a recorrida agiu com um grau de culpa na produção do acidente superior ao do condutor do OO, devendo àquela ser imputada 75% dessa culpa e a este apenas 25%. - Deverá sempre manter-se essa mesma proporção de responsabilidade agora pela aplicação do disposto no artigo 570º do CCivil pelo facto da recorrida ao circular com a sobredita velocidade ter agravado o embate dos veículos e, nessa medida, os danos e lesões por ela depois com eles sofridos. - O tribunal a quo, ao confirmar a sentença proferida em primeira instância fez uma errada aplicação dos normativos estradais supra enunciados e ainda do disposto nos artigos 483º e 487º do CCivil.
Não foram apresentadas contra alegações.
II A questão colocada pela Recorrente a este Tribunal foi a de saber se o Acórdão recorrido fez incorrecta aplicação dos artigos 11º, 13º e 24º do CEstrada, bem como das regras insertas nos artigos 483º e 487º do CCivil, repetindo, todavia, a argumentação recursiva, quer em sede de corpo de alegação, quer em sede de conclusões, que já havia apresentado em segunda instância, o que nos cumprirá igualmente apreciar, embora como questão prévia. As instâncias consideraram assente a seguinte factualidade: - No dia 3 de Fevereiro de 2005, pelas 14h20m, na Estrada Municipal de (…), ocorreu um embate entre os veículos com as matrículas 00-00-AA e 00-00-OO, aquele primeiro ligeiro de mercadorias, Renault Clio 1.9 D, e este último ligeiro de passageiros, Opel Corsa 1.0 Essential; - O AA seguia no sentido P - B, o qual era conduzido pela autora G, enquanto o OO, no sentido ascendente, circulava em sentido contrário e era conduzido por C; - A via, no local do embate, tem a largura de 4,30 metros e uma inclinação não inferior a 8%, configurando-se antes do dito local do embate e atento o sentido de marcha de ambos os veículos como uma sucessão de curvas e contra-curvas, todas elas bastante fechadas e de visibilidade reduzida, assim impedindo qualquer dos condutores intervenientes de avistar um veículo em sentido contrário a mais de 40 metros de distância; - À data do embate referido, a autora estava grávida de 30 semanas, alimentando com o seu próprio organismo a criança que trazia no ventre e que já amava; - G é filha de A O e nasceu em 03.11.1981; - B é filha de G, e nasceu aos 3 de Fevereiro de 2005; - À data do embate a responsabilidade civil emergente de acidente de viação com a circulação do veículo 00-00-OO encontrava-se transferida para a ré, mediante acordo do seguro titulado pela apólice n.°000000; - O seguro do AA encontrava-se em nome do pai da A., A O; - O OO e o AA embateram; - No momento do embate, a autora circulava a cerca de 40/50Km/h - No momento do embate o condutor do OO circulava parcialmente fora de mão, tendo ficado depois do embate imobilizado a 1,55 da berma do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha; - Ao OO ao chegar ao local onde a via se configurava, atento o seu sentido de marcha, como uma curva para a direita, surgiu em sentido contrário e descendente o AA; - O AA circulava, nomeadamente no momento do embate, invadindo parcialmente a hemi-faixa de rodagem contrária; - Tendo ficado parado, após o embate, com a frente a 1,40 m da berma do lado direito, atento o seu sentido de marcha; - E com a traseira a 1,35 m da mesma berma. - A parte frontal de ambos os veículos ficou destruída, sendo que o veículo conduzido pela A. não foi objecto de reparação; - O veículo da A. foi encaminhado para a sucata; - Em virtude do embate a A. perdeu os sentidos; - Foi transportada para o hospital de L; - No Hospital de L foi sujeita a intervenção cirúrgica, com realização de cesariana, tendo dado à luz uma criança prematura com 1750 g de peso; - Por existência de hemoperitoneu foi realizada esplenectomia e ráfia de lesão do estômago com epiplonoplastia; - A A. esteve internada no Hospital de L desde 3.2.2005 até 10.2.2005; - No Hospital de L sentiu a perda do baço e receou ter perdido o feto; - A A. sofreu ansiedade, tristeza e dor por causa do acidente, continuando a sofrer alguma tristeza; - A A. teve diminuição de apetite; - A A passou a ter algumas dificuldades em dormir e sentiu ansiedade; - A A. passou a ter consultas na área da psiquiatria e saúde mental; - A criança que a A. deu à luz nasceu em morte aparente e foi entubada ao nascer; - E veio a ser conduzida em ambulância do Hospital de L para o Hospital de V com ventilação; - E do Hospital de V seguiu para a maternidade B em C; - A criança que a autora deu à luz, por virtude do embate e do referido em 16, com um ano de idade ainda não andava; - Não falava; - A menor sofre de epilepsia; - A autora era uma mulher alegre, expansível e saudável: - À criança que deu à luz por força do embate referido em A) e, consequentemente, de ter nascido prematura foi-lhe diagnosticado asfixia perinatal, doença das membranas, hipertensão pulmonar, sépsis neonatal hiperbilirrubinemia e após cinco meses foi internada nos hospitais de R e M com acesso de tosse, obstrução nasal, rinorreia, deglutição acompanhada de dessaturação e bradicardia, apneia com bradicardia sustentada da qual recupero, nomeadamente com massagem cardíaca, sofrendo, ainda, de convulsões; - A A. sente algum cansaço; - Em consequência do acidente a A. ficou a padecer de Um IPG de 15 pontos, à qual acresce a título de dano futuro 2 pontos, incapacidade essa que é compatível com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços acrescidos; - No OO circulavam duas pessoas;
1. Questão prévia da repetição das alegações e conclusões recursivas.
A Ré/Recorrente, no seu acervo conclusivo, repete ipsis verbis os argumentos anteriormente expendidos em sede de recurso de Apelação.
O que se tem questionado em alguns arestos deste Supremo Tribunal é se tal repetição poderá obstar ao conhecimento do recurso, ou antes conduzirá a uma apreciação mais sucinta do objecto do recurso e/ou a uma remissão para a decisão de que se recorre.
Defendem aquelas correntes que se o Recorrente em sede de impugnação de Acórdão se limitar a reproduzir as alegações e conclusões formuladas aquando do recurso para o Tribunal da Relação, não está a usar da faculdade a que aludem os artigos 722º e 729º, nº1 e 3, do CPCivil, impondo-se, então, neste caso e desde que se não esteja perante um Acórdão elaborado por remissão, que se declare ou o recurso deserto por falta absoluta de alegações ou, numa tese mais moderada, se faça uma remissão para a decisão recorrida ou uma apreciação mais sucinta do objecto do recurso, de harmonia com o preceituado no artigo 713º, nº5, ex vi do artigo 726º, este como aquele do mesmo compêndio processual, cfr inter alia no sentido da deserção do recurso os Ac deste Supremo Tribunal de 27 de Janeiro de 2010 (Relator Alves Velho) e de 25 de Outubro de 2011 (Relator Helder Roque) e na defesa da tese mais moderada os Ac de 22 de Junho de 2006 (Relator Ferreira Girão), de 8 de Maio de 2008 (Relator Pereira da Silva) e de 8 de Janeiro de 2009 (Relator Rodrigues dos Santos), in www.dgsi.pt.
S.d.r.o.c., entendemos contudo que não se poderá concluir, sem mais, por qualquer destas posições.
Se não.
Como deflui do normativo inserto no artigo 721º, nº2 do CPCivil na redacção dada pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro aplicável in casu, que «O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável;(…)» aplicando-se a esta espécie de recurso no que tange à sua interposição as mesmas regras da Apelação, cfr artigo 724º, nº1, do mesmo diploma, de onde, em termos formais, ser aplicável à Revista, além do mais, o preceituado no artigo 690º, nº1 e 2 do CPCivil, impendendo sobre o Recorrente o ónus de alegar e formular conclusões, sendo que estas terão de versar, obrigatoriamente, sobre as razões da discordância do Recorrente em relação à Lei substantiva aplicada no Acórdão recorrido, porque este recurso de Revista abrange, unicamente, a violação desta, sendo a função do STJ neste conspectu corrigir os eventuais erros de interpretação e de aplicação das normas jurídicas cometidos pelo Tribunal da Relação, cfr José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume VI, 1953, pag 2.
In casu, a Recorrente, sem embargo de se repetir na tese que defende, aponta especificamente as razões da sua dissidência com o Acórdão da Relação de que recorre, ao qual imputa a mesma violação de Lei que já havia imputado antes à sentença de primeira instância: «O tribunal a quo, ao confirmar a sentença proferida em primeira instância fez uma errada aplicação dos normativos estradais supra enunciados e ainda do disposto nos artigos 483º e 487º do CCivil».
Quer dizer, se ao Acórdão recorrido não aventou mais razões do que aquelas que haviam sido convocadas pela sentença recorrida, que outros fundamentos coadjuvantes poderiam então ser agora alegados pela Recorrente na Revista interposta?
Impor-se-á, nesta situação, em que a decisão proferida nada adianta em relação à primeira e a discordância da parte se mantém porque continua a entender que não foram bem interpretadas e até violadas as regras substantivas, que se venha com mais argumentação ou, quiçá, com argumentação diferente?
Não decorre da Lei, maxime, das regras atinentes aos ónus de alegar e formular conclusões, que numa situação deste jaez impenda sobre a parte um tal ónus adicional e muito menos se depreende de tais normativos, que a falta de cumprimento do mesmo possa dar origem à deserção do recurso, sendo que esta implica a falta de apresentação de alegações que se não verifica neste caso e nem sequer se poderá sequer dizer que se trata de uma situação análoga, porque falta de alegações configura a ausência de tal peça processual, cfr nº2 do artigo 291º do CPCivil e 690º, nº3 do mesmo diploma.
E, também não podemos concluir que, nesta situação de repetição de alegações em que foram observados todos os ínsitos legais quanto à sua forma e substância, afinal das contas, o que se está novamente a impugnar é a sentença de primeira instância e não o Acórdão que a confirmou.
Por outra banda, a possibilidade do uso da faculdade remissiva aludida no artigo 713º, nº5 ex vi do disposto no artigo 726º, este como aquele do CPCivil, aplica-se a todas as situações em que o Tribunal superior vem confirmar a decisão recorrida (sem qualquer voto vencido) quer quanto aos fundamentos, quer quanto à decisão, remetendo para a mesma, nos casos em que perfilha inteiramente o entendimento aí plasmado, quer tenha ou não havido repetição do corpo das alegações e do seu acervo conclusivo.
Queremos nós dizer, não é por ter havido repetição do teor daquela peça recursiva, mas antes por o Tribunal superior entender que face à fundamentação do julgado posto em crise, nada mais há a acrescentar, remetendo-se integralmente para a mesma.
Aliás, é aqui neste ponto concreto da substância da decisão recorrida e da sua auto-suficiência, no sentido de ter abarcado todas as questões controvertidas suscitadas e carecidas de resolução, que reside o quid não só desta problemática específica, mas de toda a problemática da amplitude legal do conhecimento do objecto do recurso, uma vez que, quer haja ou não repetição de alegações, o Tribunal de recurso pode usar daquela faculdade remissiva em Acórdão proferido por unanimidade ou, sendo a questão decidenda simples ou o recurso manifestamente infundado proferir decisão sumária, nos termos do artigo 705º, aplicado ex vi do artigo 726º do CPCivil.
A opção decisória terá de passar pela análise das questões suscitadas em sede de recurso, haja ou não repetição das alegações e respectivo acervo conclusivo, face à fundamentação da decisão recorrida, podendo naqueles casos em que a mesma seja «soit disant» auto-suficiente e/ou a problemática decisória de manifesta simplicidade ou o recurso infundado.
Em todos os demais casos que se não enquadrem nos parâmetros supra apontados, o Tribunal de recurso, vg este Supremo Tribunal, está legalmente obrigado a conhecer do objecto do recurso mesmo que no mesmo se repita toda a argumentação aduzida em segunda instância no que tange à aplicação do direito, com ressalva para o preceituado no nº2 do artigo 722º por força do preceituado no artigo 729º, nº1 e 2, este como aquele do CPCivil.
Dilucidada esta vexata quaestio e porque no caso que nos ocupa embora não ocorra qualquer impugnação específica adicional das razões aventadas no Acórdão impugnado, este ficou-se por uma análise sumária da sentença recorrida, e, nestas circunstâncias, tendo em atenção o que supra se expôs, admitimos que a Recorrente continue a discordar das razões de direito que levaram à sua condenação, não se lhe impondo uma qualquer outra alegação suplementar.
2.Do objecto do recurso de Revista.
Pretende a Recorrente em sede de recurso de Revista, o que já havia pretendido em sede de recurso de Apelação, reproduzindo, aliás, as conclusões aí apresentadas: a alteração da percentagem da culpa na produção do resultado que ambas as instâncias fixaram em 50%, com as necessárias consequências a nível de fixação da indemnização arbitrada.
Vejamos.
Efectivamente, tendo-se apurado que na altura do acidente os dois condutores dos veículos nele intervenientes circulavam por forma a invadir a faixa de rodagem contrária, ambos se encontravam em contra-ordenação ao disposto nos artigos 11º, nº2 e 13º do CEstrada, pois ambos circulavam fora de mão, prejudicando-se mutuamente na respectiva condução.
O veículo conduzido pela Autora G, circulava a uma velocidade de 40/50 Km/hora, perfeitamente consentânea com o local onde ocorreu o embate, não se podendo daí concluir sem mais que tenha havido violação do preceituado no disposto no artigo 24º o qual preceitua que «O condutor deve regular a velocidade de modo que atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições metereológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.», maxime, devido ao facto de ambos os veículos circularem fora de mão.
Não se pode concluir que o factor velocidade – embora adequada ao local – tivesse sido determinante para a produção do resultado, mas antes o foi a forma imprudente como ambos os condutores conduziam as viaturas (fora da sua mão de trânsito), tendo em atenção a via por onde circulavam, com a largura de 4,30 metros e uma inclinação não inferior a 8%, configurando-se antes do dito local do embate e atento o sentido de marcha de ambos os veículos como uma sucessão de curvas e contra-curvas, todas elas bastante fechadas e de visibilidade reduzida, assim impedindo qualquer dos condutores intervenientes de avistar um veículo em sentido contrário a mais de 40 metros de distância, cfr alínea D) dos factos assentes, o que impunha o estreito cumprimento das regras estradais, nomeadamente as que decorrem dos artigos 11º, nº2 e 13º, precisamente as que se mostram infringidas por ambos os intervenientes no acidente.
Impunha-se a qualquer dos condutores intervenientes no acidente, que circulassem dentro da sua hemi-faixa de rodagem, o mais à direita possível, tendo em atenção a configuração da estrada por onde circulavam.
Queremos nós dizer, o acidente não ocorreu por a Autora/Recorrida (G) não ter conseguido imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente quando deparou na sua frente com o veículo seguro na Recorrente, mas antes devido ao facto de, quer a Autora quer o condutor do veículo seguro na Recorrente, circularem em invasão da hemi-faixa do outro. Quer dizer, ambos circulavam em violação das regras estradais, fora da sua mão de trânsito tendo sido esse o facto - causa do embate.
2. Da repartição da culpa.
O princípio geral que rege a matéria da responsabilidade civil é o vem consignado no artigo 483° do Código Civil segundo o qual «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação», incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, de acordo com o disposto no artigo 487º, nº1, do mesmo diploma legal.
Constituem pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente e não de um facto natural causador de danos; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, cfr Antunes Varela, Das Obrigacões em Geral, I Vol., 1986, 477/478.
No que à economia da acção e do recurso, concerne, mostram-se violados direitos de outrem, os das Recorridas, por facto ilícito também imputável ao segurado da Recorrente, tendo do mesmo resultado danos para aquelas.
In casu, não estando discutida ou posta em causa a responsabilidade a se, pretende a Ré seguradora, aqui Recorrente, que seja alterado o Acórdão recorrido por forma a considerar que a Recorrida, G, agiu com um grau de culpa na produção do acidente superior ao do condutor do veículo de matricula 00-00-OO, seu segurado, devendo àquela ser imputada 75% dessa culpa e a este apenas 25%
Quid inde?
Dispõe o artigo 570º, nº1 do CCivil que «Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.».
Resulta do disposto no artigo 506º, nº2 do CCivil que em caso de dúvida é igual a medida da contribuição da culpa de cada um dos condutores para a produção do resultado.
No caso em apreço verificamos que existe uma concorrência de culpas e nada decorre dos factos dados como provados que se possa imputar à Autora, G, uma contribuição maior para a ocorrência dos danos, temos de concluir, como já se concluiu, que se encontra bem fixada a proporção de 50%, não se podendo atribuir um comportamento mais censurável, por forma a fixar-lhe uma proporção de 75%, como pretende a Recorrente.
Impõe-se, como vem decidido pelas instâncias, uma responsabilidade partilhada, em igual medida fazendo apelo ao estatuído pelo artigo 506º, nº2 do CCivil aludido supra, uma vez que atentas as circunstâncias impunha-se-lhes a mesma diligência, não sendo possível aquilatar sobre qual das condutas criou maior risco, cfr neste sentido os Ac STJ de 26 de Junho de 2008 (Relator Salvador da Costa), 8 de Abril de 2010 (Relator Álvaro Rodrigues), in www.dgsi.pt e Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 1987, 144.
As conclusões estão, assim, condenadas ao insucesso.
III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão recorrido.
Custas pela Ré/Recorrente.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2012
Ana Paula Boularot (Relatora)
Pires da Rosa (com a declaração de que entraria directamente no conhecimento do objecto do recurso, julgando dispicienda a análise da chamada questão prévia)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
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