Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
982/13.2TYVNG.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: EXCLUSÃO DE SÓCIO
INTERESSE PESSOAL DO SÓCIO
DANO
DIREITO AO BOM NOME
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES – ADMINISTRAÇÃO E FISCALIZAÇÃO – SOCIEDADES POR QUOTAS / EXONERAÇÃO E EXCLUSÃO DE SÓCIOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA.
Doutrina:
-Carolina Cunha, A Exclusão de Sócios (Em Particular nas Sociedades por Quotas), Problemas do Direito das Sociedades, IDET, 2002, p. 211 e 212;
-Luís Menezes Leitão, Pressupostos da Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais, A.A.F.D.L., 1988, p. 41 e ss.;
-Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, I, 1994, p. 149.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 64.º, N.º 1 E 242.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 615.º, N.º1, ALÍNEA D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 15-05-2005, PROCESSO N.º 04A4369, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I. A exclusão de sócio, art. 242º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, decretada por via judicial, precedida de deliberação societária, que é a que o preceito prevê, depende de actuação do sócio que age de forma desleal ou adopta procedimentos que, perturbando gravemente o funcionamento da sociedade, tenham causado ou possam causar-lhe graves prejuízos.

II. A actuação desleal do sócio, se se repercutir na sociedade, denegrindo-a aos olhos daqueles com quem se relaciona, ou se o comportamento censurável do sócio é idóneo a causar prejuízos, ou a possibilidade de prejuízos relevantes, ainda que não imediatamente, mesmo que esses prejuízos não sejam de cariz patrimonial, deve ser sancionada com a exclusão.

III. O interesse social é afectado se um dos sócios, como foi o caso da Autora, lançou mão de acções judiciais contra a sociedade de que faz parte, por razões de índole pessoal e com claro interesse egoísta e persecutório, visando fins alheios ao bom funcionamento e ao bom nome da sociedade.

IV. A circunstância da sociedade estar inactiva desde 1983, em termos produtivos, por causa de um incêndio, não implica que não haja prejuízo. Se o conceito de prejuízo se pode ligar a aspectos de rentabilidade económica, não deve ser escamoteado que o bom nome da sociedade é afectado por actos públicos reveladores de falta de coesão dos sócios e do empenho deles na prossecução dos fins da sociedade.

V. O art. 242º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, não exige que o comportamento desleal do sócio cause prejuízos relevantes imediatamente: a conduta legitimadora da exclusão reporta-se também à possibilidade dessa conduta poder vir a causar tais prejuízos.

Decisão Texto Integral:
Proc.982/13.2TYVNG.P1.S1

R-644 [1]

Revista

                            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, Lda. instaurou, em 1.8.2013, no Tribunal judicial da Comarca de Santa maria da Feira, actualmente, Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Oliveira de Azeméis - Juízo Comércio – Juiz1, acção declarativa com processo ordinário, para exclusão judicial de sócio, contra:

 BB

Alegando, em síntese, que:

- a ré decidiu tecer uma estratégia para tornar seu o património da Autora, envidando todos os esforços para afastar o seu único gerente – CC – assim como a sócia maioritária – DD, designadamente através de instauração de acções de exclusão de sócia e de destituição de gerente e de anulação de deliberações sociais;

- a sociedade Autora está inactiva desde 1982 e aguarda tão só o desfecho de uma acção em que reclama uma indemnização relacionada com o incêndio que destruiu as suas instalações;

- para garantir responsabilidades de uma sociedade pertencente aos mesmos sócios – a EE – perante um credor desta – FF – decidiu prestar hipoteca voluntária em favor desse credor que, contudo, não a registou;

- com a paralisação da sociedade (fruto do incêndio), ela foi objecto de algumas acções de cobrança de dívidas, inclusivamente execuções fiscais, mas o gerente CC pagou todas as dívidas para preservar o referido imóvel;

- com esse objectivo, a Autora e GG outorgaram uma escritura pública nos termos da qual constituíram uma hipoteca a favor daquele, referindo que existia uma dívida da Autora a favor do referido GG;

 - para salvaguardar intenções fraudulentas, fizeram constar que a dívida provinha de empréstimos em numerário que GG havia efectuado à Autora nos anos de 1992 e 1993.

- como as relações entre GG e a Autora se degradaram e aquele transmitiu à empresa da aqui Ré a alegada garantia, bem sabendo GG e a Ré que inexistia qualquer dívida, a Ré habilitou-se como cessionária de um crédito que sabia inexistir;

- para além disso, a Ré tem vindo a alegar factos que sabe não corresponderem à verdade, designadamente que o gerente CC praticava actos de concorrência desleal e que ocupava o imóvel da Autora quando bem sabia que o imóvel foi ocupado pela sociedade de que a Ré era gerente.

 Alegou também que o gerente utiliza em seu favor os meios da sociedade Autora, designadamente trabalhadores, e não apresenta IES (Informação Empresarial Simplificada).

Já depois de ter sido destituída da gerência da Autora, a Ré subscreveu um requerimento em que se arrogava sua gerente e revogou o mandato ao advogado que sempre representou a sociedade, apesar de não ter poderes para o efeito.

Toda a sua conduta tem em vista prejudicar a Autora.

 Termina pedindo a exclusão da Ré de sócia.

Regularmente citada, a Ré contestou, defendendo a improcedência do pedido, invocando a insuficiência e irregularidade do mandato forense constituído pela Autora.

 Impugnou parte dos factos alegados na petição inicial e afirmou que as acções instauradas contra o gerente da Autora se justificam pela gestão danosa que o mesmo vem fazendo da sociedade Autora, correspondendo esta acção a uma retaliação pelo pedido de exclusão de sócia de DD.

Em sede de audiência prévia, foi declarada improcedente a excepção deduzida pela Ré na sua contestação, foi proferido despacho saneador, definido o objecto do litígio e designados os temas da prova. A Autora apresentou articulado superveniente, que não foi admitido.


***

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente, por provada, e em consequência, exclui-se judicialmente a sócia BB da sociedade Autora “AA, Lda.”


***

Inconformada, a Ré BB apelou da sentença para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 12.9.2017 – fls. 825 a 843, – concedeu provimento o recurso, revogando a sentença recorrida e absolvendo a Ré do pedido.


***

Inconformada, a Ré recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

I – O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 635º, n°4, e 639.°, n°s 1 e 2, do Código de Processo Civil).

II – O Douto Acórdão recorrido decidiu para além das conclusões formuladas pela Recorrente, e, fora do âmbito do artigo n° 5, n.°3, do Código de Processo Civil, uma vez que estriba a decisão “na falta de actividade da Recorrente, facto nunca discutido nos autos”.

Pelo que,

III – O Douto Acórdão recorrido sofre de nulidade.

Sem prescindir,

IV – Dos factos assentes e dados como provados, aqui dados por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, resulta claramente que estão preenchidos todos os pressupostos para a exclusão de sócia da Recorrida (cfr. art.°242.° do Código das Sociedades Comerciais.

Na verdade,

V – Dos factos provados resulta que a Recorrida assumiu um comportamento absolutamente desleal para com a Recorrente: torpedeando a Recorrente com processos infundados, tentando afastar sem qualquer motivo o seu gerente e sócia, tentando afastar o advogado da recorrente no processo destinado a cobrar créditos devidos, inventado créditos sobre a Recorrente, Requerendo com manifesta má fé a insolvência da Recorrente a fim de se locupletar com o seu activo, alegando uma dívida que sabia ser falsa e inexistente, etc.

VI – O próprio Douto Acórdão recorrido reconhece a fls. 34 e 35 que:

In casu, a sócia a excluir asiu com absoluta falta de seriedade, assumindo comportamentos desleais para com a sociedade, o que culminou com requerimento da sua insolvência. Mesmo a circunstância de, apesar de ter sido destituída da gerência, ter procurado revogar o mandato forense conferido ao advogado que vinha patrocinando a sociedade revela infidelidade para com a sociedade. Atitudes que assumem gravidade bastante e que, num juízo de razoabilidade, impossibilitam ou dificultam a prossecução do fim social, tornando-se por isso inexigível que a sociedade ou os restantes sócios suportem a permanência daquela sócia na sociedade.

Contudo,

VII – Estribando-se unicamente no facto da Recorrente não ter actividade, e, não ter sido declarada a insolvência da mesma, como a Recorrida pretendia, entendeu que tal conduta absolutamente desleal não é (nem seria) susceptível de causar qualquer prejuízo para o escopo social nem pode influenciar negativamente os resultados da sociedade ou a prossecução de seus objectivos, decidindo, para espanto da Recorrente, pela absolvição da Ré.

VIII – Salvo o devido respeito, que, aliás muito é, o Tribunal “a quo” decidiu claramente de forma errada.

Na verdade,

IX – Como resulta dos factos dados como provados, a Recorrente tem activo: Um imóvel de valor considerável e um crédito avultado a receber de companhias de Seguros (aliás já definitivamente arbitrado por Sentença transitada em julgado), não se encontrando a Recorrente extinta ou liquidada.

X – Recebida a indemnização a que tem direito a Recorrente tem todas as condições para retomar a actividade.

XI – Resultou provado que a Recorrida tentou ilicitamente locupletar-se, usando como veículo uma sociedade por si representada, com todo o activo da Recorrente, bem sabendo que nenhum crédito detinha sobre a mesma.

XII – Resultou dos factos provados, que a Recorrida tentou afastar, sem qualquer legitimidade, o advogado mandatado pela Recorrente a fim de receber a indemnização a que tem direito e já arbitrada.

XIII – Resultou claramente provado que a Recorrida intentou sem nenhuma base ou fundamento, acções judicias contra a Recorrente a fim de afastar o seu gerente e sócia.

XIV – Resultou claramente provado que a Recorrida, com manifesta má fé, tendo até sido condenada pessoalmente como litigante de má fé, requereu a Insolvência da Recorrente com base em crédito falso, como era do seu conhecimento a fim de se locupletar com todo o activo da Recorrente.

Face ao exposto,

XV – A Recorrente não consegue entender como todos estes factos não são susceptíveis de causar qualquer prejuízo para o escopo social nem podem influenciar negativamente os resultados da sociedade ou a prossecução de seus objectivos.

XVI – Será que o facto de a Recorrente poder ficar sem todo o seu activo, de forma injusta e sem fundamento, em nada a afecta ou poderá afectar a Recorrente uma vez que não tem actividade? Parece-nos cristalinamente que não!

XVI – A Recorrida, tentou por todos os meios, de forma ardilosa, apropriar-se dos créditos e do imóvel propriedade da Recorrente, alegando dívidas que sabia inexistentes, utilizando uma sociedade por si representada, para se locupletar ilicitamente com o património e activo da Recorrente.

E, tanto é errada a Douta Decisão Recorrida, que:

XVIII – No que concerne aos prejuízos para a sociedade, causados pelo comportamento do sócio a excluir, o legislador não exige a antecipada verificação dos mesmos antes a possibilidade de os mesmos virem a suceder, como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdãos citados a título de mero exemplo nas alegações aqui dados por reproduzidos).

Face ao exposto,

XIX – O simples facto de a Recorrente não ter sido declarada insolvente, tendo para o efeito obviamente realizada despesa provocada pela Recorrida, não é suficiente para se estribar uma decisão de não exclusão.

Na verdade,

XX – Para a exclusão judicial de sócio não é necessário um prejuízo efectivo, sendo suficiente a tentativa e capacidade de provocar danos.

Temos, assim que,

XXI – Resulta de forma pacífica e cristalina dos factos dados como provados que a conduta absolutamente desleal da sócia excluenda causou e é/era susceptível de causar prejuízos para o escopo social e que podia/pode influenciar negativamente os resultados da sociedade ou a prossecução dos seus objectivos. Apesar de a Recorrente ter a sua actividade suspensa há vários anos.

Sem prescindir,

XXII – É evidente que a conduta da Recorrida foi no mínimo uma tentativa de provocar danos gravíssimos à Recorrente e que a mesma tem a capacidade de provocar tais danos.

XXIII – Decidindo, como decidiu, o Douto Acórdão recorrida, além do mais, violou c disposto nos artigos 635.°, n°4, e 639.º, n°s 1 e 2, do Código de Processo Civil e no artigo 242.° do Código das Sociedades Comerciais.

Termos em que, se deve conceder provimento ao presente recurso, e consequentemente, revogar-se o douto cordão recorrido, confirmando-se a douta decisão de primeira instância, e, consequentemente procedente por provada a acção, com o que se fará Justiça.

A Autora contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.


***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1 – A Autora é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social integralmente realizado no valor de €5.000,00 (cinco mil euros), o qual se encontra repartido pelos seguintes sócios: a) DD, viúva, portadora do bilhete de identidade n.º …, emitido em 25/10/2000, pelos SIC de Lisboa, com validade vitalícia, que é titular de quotas que perfazem o capital de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), concretamente de uma quota no valor nominal de €500,00 (quinhentos euros), duas quotas no valor nominal de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) cada, e uma quota no valor nominal de €1.500,00 (mil e quinhentos euros); b) HH, solteira, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua …, em …, …, que é titular de 3 (três) quotas, uma no valor de €375,00 (trezentos e setenta e cinco euros), uma no valor de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), e uma quota no valor de €625,00 (seiscentos e vinte e cinco euros); c) BB, casada, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua …, n.º…, em …, …, que é titular de 2 (duas) quotas, uma no valor de €875,00 (oitocentos e setenta e cinco euros), e uma outra no valor de €375,00 (trezentos e setenta e cinco euros).

2 – Em 4 de Fevereiro de 2013 foi realizada Assembleia de Sócios, precedida das formalidades legais atinentes, e que teve por ordem de trabalho a seguinte:

__ Ponto Primeiro: Destituição com justa causa da gerente BB.

__ Ponto Segundo: Discutir e deliberar a apresentação de acção de exclusão judicial da sócia BB.

3 – Nessa assembleia foi aprovado o seguinte:

Entrando no ponto primeiro da Ordem de trabalho, e como questão prévia à discussão sobre o mesmo, a sócia DD tomou a palavra para referir que a sócia HH dirigiu uma comunicação à S/ advogada, que muito embora indique como hora de envio as 16horas e 20 minutos, foi recepcionado às 13 horas e cinquenta e dois minutos, conforme relatório de fax, que se anexa, tal como a respectiva comunicação, à presente acta. Nos termos da referida comunicação, a indicada sócia transmitiu que se encontrava impedida, por motivo pessoal, de comparecer na presente assembleia; mais solicitando que a mesma fosse “adiada”. Tendo em conta o teor dos pontos da ordem de trabalho, e a solicitação da sócia HH, ao abrigo do disposto no artigo 387.º aplicável ex vi n.º1 do artigo 248.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais, foi aprovada por unanimidade, ou seja, pelo voto favorável da sócia DD, a suspensão da presente assembleia de sócios e da respectiva discussão sobre os pontos da Ordem de Trabalho constantes da convocatória. Mais foi aprovado com os votos favoráveis da sócia presente, que a presente assembleia de sócios, sem necessidade de nova convocatória, prosseguirá os seus trabalhos no dia 15 de Fevereiro de 2013, pelas 15 horas, na sede social da sociedade.”.

4 – Consequentemente, a sociedade comunicou às sócias faltosas – BB e HH – o agendamento de data para a continuação da assembleia de sócios suspensa, instruindo tal comunicação com cópia da acta da Assembleia de Sócios iniciada em 4 de Fevereiro de 2013.

5 – No dia 15 de Fevereiro de 2013, encontrando-se reunido o quórum constitutivo, dada a presença da sócia DD, detentora de 50% do capital social, foram retomados os trabalhos, subordinados à ordem de trabalho supra enunciada.

6 – Nessa oportunidade foi aprovado o seguinte:

“Entrando no ponto primeiro da Ordem de trabalho, a sócia DD, referiu que pretendia reproduzir os fundamentos que presidiram à convocatória da Assembleia Geral Extraordinária de sócios da sociedade, assim disse:

Como é do pleno conhecimento da gerente BB, designadamente porque acompanhou a audiência de discussão e julgamento no âmbito da qual a sociedade demanda as companhias de seguros que cobriam o respectivo risco (acção de processo ordinário n.º 990/06.0 TVLSB, que corre os seus termos na 2ª Secção da 5ª Vara Cível do Tribunal Judicial de Lisboa), em Novembro de 1982, um violento incêndio destruiu a unidade industrial da sociedade, concretamente destruiu não só a quase totalidade do imóvel ocupado pela mencionada unidade industrial, como também a quase totalidade do seu recheio, constituído por inúmeras máquinas utilizadas na produção de rolhas de cortiça.

Por esse motivo, a sociedade AA, L.DA cessou, por completo, a sua actividade industrial no ano de 1983, não mais a retomando, dado que não procedeu à reparação do imóvel que, ainda, actualmente, volvidos cerca de 30 anos, se encontra no estado em que ficou após o incêndio, e nem tão pouco adquiriu máquinas em substituição das inutilizadas pelo fogo.

 Desde o ano de 1983 até a actualidade, ou seja, durante cerca trinta anos a sociedade AA, L.DA, não teve ao seu serviço qualquer trabalhador, não fabricou rolhas, ou, qualquer outro produto, não comprou, nem sequer vendeu rolhas, ou, o que quer que fosse, pelo que não teve fornecedores, nem tão pouco clientes, não movimentou um cêntimo que fosse, existindo no seu activo, única e exclusivamente, o imóvel, na sua maior parte em estado de ruínas, e, uma hipotética indemnização a receber das Companhias de Seguros pelos danos sofridos com o incêndio ocorrido em Novembro de 1982, caso a acção acima melhor identificada venha a ser seja julgada procedente.

Aquando da paralisação da actividade da sociedade, os seus sócios eram os seguintes: II, CC, JJ, KK e LL, todos eles gerentes. Até ao ano de 2007 a estrutura societária manteve-se inalterada.

Para garantir responsabilidades de sociedade pertencente aos mesmos sócios, a AA, Lda., prestou uma garantia – hipoteca – a favor da sociedade EE, Lda., perante um credor desta – FF -, que não a registou imediatamente, conforme acordado entre as partes.

Acontece que, na sequência da paralisação da actividade, a tesouraria da sociedade sofreu constrangimentos que determinaram a instauração de execuções fiscais, entretanto extintas, porque pagas pessoalmente pelo gerente CC. Certo é que foi preocupação da gerência, à data, tentar preservar o imóvel – seu único activo – salvaguardando a hipótese do mesmo poder ser executado para pagamento de dívidas da sociedade resultantes da falta de tesouraria.

Neste contexto, o Sr. GG, conjuntamente com os sócios da AA, Lda. outorgaram uma escritura pública nos termos da qual constituíram uma hipoteca a favor daquele, referindo que haveria uma dívida da AA, Lda. ao beneficiário da hipoteca. Contudo, para salvaguarda de eventual recurso à mesma com fins fraudulentos, por acordo fizeram consignar que tal dívida, de facto inexistente, provinha de empréstimos, em numerário que o Sr. GG havia efectuado à sociedade nos anos 1992 e 1993, i.e., 10 anos volvidos após a inactividade da sociedade.

Perante o degradar das relações pessoais e profissionais existentes entre o mesmo, Pai das sócias gerentes BB e HH, e empresas com ele relacionadas e a sociedade nos presentes autos, o Sr. GG, tentou “blindar” a sua “alegada” garantia, com uma transmissão da mesma a favor da sua filha – BB – ou melhor, de empresa da qual esta é sócia e gerente única, a MM, L.DA. Fê-lo não só com a evidente má-fé, como ademais sob a forma de cessão créditos e acessórios com os mesmos relacionados, i.e., a referida hipoteca voluntária. Concretamente, e como o Sr. GG bem sabe, assim como a sua filha, cedeu coisa inexistente; a saber: crédito inexistente. E mais o cedeu condicionalmente, fazendo depender a cessão daquele crédito pela prova do pagamento de uma dívida que alegadamente teria perante o Sr. NN, seu cunhado, e por isso tio da sócia gerente da MM, Lda., no valor de €320.639,40. Isto quer dizer que, a cessão do alegado crédito do Sr. GG sobre a AA à MM foi para pagamento de uma alegada dívida de €116.681,03 daquele a esta. O remanescente corresponde a uma transmissão singular de dívida do Sr. GG à MM – Unipessoal, Lda. no valor de €320.639,40. Ora, considerando que a garantia acessória do crédito respondia por €299.278,74 alegadamente em dívida pela sociedade ao GG, a única transmissão que não carecia de consentimento, do devedor hipotecário, a sociedade AA, Lda. era a de €116.681,03. No valor remanescente, quanto muito teria havido uma transmissão de hipoteca sem a correspondente cessão do crédito, que importava o respeito pela 2.ª parte do n.º 1 do artigo 727.º do Código Civil, i.e. do consentimento do devedor hipotecário, o que não existiu, antes pelo contrário. Por carta enviada à sociedade, que mereceu oportuna resposta, veio a sócia gerente BB, através da empresa de que é sócia gerente única MM, Lda. habilitar-se como cessionária de um crédito inexistente, assim como na beneficiária da hipoteca constituída nos termos acima enunciados.

Com o intuito de conseguir fazer sua coisa social, veio ainda a indicada sócia gerente, à revelia da sócia maioritária, apresentar acção para destituição com justa causa do gerente não sócio que desde sempre, e muito antes de sequer a BB ser sócia, representou a sociedade – CC – assim como mais tentou a sua suspensão judicial do cargo. Nessa acção, a sócia gerente BB esgrimiu argumentos falsos, criando a convicção de que a sociedade se encontrava a laborar e que aquele gerente a utilizava para fins diversos do interesse societário. Factos que a sócia que propõe à deliberação da assembleia de sócios a destituição daquela gerente, tem como falsos.

Com uma leviandade que não se pode consentir, a referida sócia gerente, nesta última qualidade convocou uma assembleia de sócios para fazer aprovar uma deliberação, na qual a aqui declarante não poderia votar, para intentar uma acção judicial de exclusão desta, o que logrou, não obstante as irregularidades de que padecia a convocatória terem sido transmitidas às sócias presentes nessa assembleia geral, e não obstante ter incumprido o dever de prestar as informações, mínimas, sobre expressa solicitação de informações sobre os factos que fundamentavam a deliberação proposta e constante da convocatória irregular.

Ao exposto acresce que, de acordo com o teor da ata que enviou à sócia aqui presente, a gerente BB sustentou a proposta de votação no facto da sociedade não apresentar IES, não obstante a própria ter poderes para o fazer; de a aqui subscritora alegadamente manter em seu exclusivo poder toda e qualquer documentação da sociedade, o que é falso dado que nem é gerente; ter aquela gerente sido impedida de aceder à sociedade, o que é igualmente falso dado que é do conhecimento da declarante que todos os gerentes se reuniram no passado dia 16 de Janeiro na sede da sociedade; de alegadamente não disponibilizar o acesso às contas bancárias, o que é da competência dos gerentes e não dos sócios, como é o caso da ora subscritora; e de ter alegadamente usurpado as instalações da sociedade, o que é um fundamento que se aplica à própria gerente que o refere, dado que no passado a sua firma MM, Unipessoal, Lda. ali mantinha a sua actividade.

Os factos acima descritos espelham uma conduta distante dos interesses societários, que hoje se restringem à salvaguarda do património imobiliário, e ao eventual recebimento de uma indemnização nos autos judiciais que acima se identificaram. A pretensão de excluir a declarante de sócia, de destituir o gerente que sempre representou a sociedade, de se habilitar como titular de um crédito que sabe inexistente e na garantia simulada acessória daquele, e por fim o de intentar acções contra a sociedade com títulos a que não subjaz qualquer relação jurídica, evidenciam uma postura desleal e concorrente com o interesse societário. Não existindo, no caso concreto, um direito especial à gerência da gerente BB, já que a nomeação daquela no pacto social apenas resultou da oportunidade da subscrição do mesmo, uma vez que consigna no ponto primeiro do artigo quinto que “A gerência da sociedade, remunerada ou não, conforme deliberado, fica afecta a sócios e não sócios a nomear em assembleia geral”, a competência para deliberar a destituição da gerente é a assembleia geral de sócios.

Pelo que, e atentos os fundamentos invocados, a sócia DD, propõe que seja deliberada a destituição com justa causa da gerente BB.

___ Colocada a votação, foi a proposta apresentada aprovada por unanimidade, dado que votada favoravelmente pela sócia DD.

 Pelo exposto, a sociedade deverá diligenciar pela comunicação de destituição àquela gerente, assim como pela transposição da presente ata para o respectivo livro de atas, que se encontra em poder das gerentes BB e HH, e, mormente pelo registo da presente deliberação no Registo Comercial.

 De seguida, entrou-se no ponto segundo da ordem de trabalho, tendo a sócia DD tomado a palavra para referir e consignar que pelos motivos que justificam a destituição de gerente que acima deixou expostos, e porque o comportamento da sócia BB é ostensivamente desleal e consequentemente danoso dos interesses societários, e também causal de prejuízos relevantes à sociedade, propõe que seja deliberada a apresentação de acção de exclusão judicial daquela sócia.

Colocada a votação, foi deliberado, com o voto favorável da sócia presente aprovar a apresentação de acção judicial de exclusão da sócia BB.”

7 – Em Novembro de 2012, foi o gerente CC notificado de uma decisão proferida, em recurso, pelo Tribunal da Relação do Porto, que confirmava a decisão de Tribunal de 1.ª instância, no sentido de indeferir o pedido de suspensão imediata das suas funções, que as sócias BB e HH haviam peticionado, erradamente, no âmbito de uma acção de destituição de gerente.

8 – Sendo que, em 19 de Dezembro de 2012, foi então o gerente CC citado para contestar a acção de destituição de gerente, que corre termos sob o n.º1965/12.5TBVFR no 4.º juízo cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira.

9 – Em Assembleia de sócios realizada em 30 de Novembro de 2012, as supra referidas sócias votaram favoravelmente a destituição do gerente CC.

10 - Contudo, a sócia maioritária, justificando o seu voto, não aprovou a referida deliberação.

11 - Inconformada com a não aprovação da pretendida aprovação de deliberação que determinasse a destituição de gerente do Sr. CC, que até já havia requerido judicialmente, a aqui Ré convocou uma Assembleia de Sócios para o dia 23 de Janeiro de 2013.

12 – Na carta convocatória, datada de 07/01/2013,a sócia gerente (à data) BB, identificou como ponto a submeter a deliberação o seguinte: apresentação de acção de exclusão de sócia de DD.

13 – Por carta registada com a.r. datada de 14/01/2013, a sócia DD denunciou vícios da referida convocatória.

14 – Mas as sócias e irmãs, BB e HH, instauraram acção de exclusão de sócia contra DD, que corre termos sob o n.º1334/13.0TBVFR que corre termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira.

15 – Inconformada com a patente ilegalidade da pretensão da Ré, a sócia DD, intentou, então, acção de anulação da deliberação que correu sob o n.º 959/13.8TBVFR no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira.

16 – Em Novembro de 1982, um violento incêndio deflagrou na unidade industrial da sociedade aqui Autora, que não só destruiu a quase totalidade do imóvel ocupado pela mencionada unidade industrial, como também a quase totalidade do seu recheio, constituído por inúmeras máquinas utilizadas na produção de rolhas de cortiça.

17 - Por esse motivo, a sociedade A. cessou, por completo, a sua actividade industrial no ano de 1983, não mais a retomando, dado que não procedeu à reparação do imóvel que, ainda, actualmente, volvidos cerca de 30 anos, se encontra no estado em que ficou após o incêndio, e nem tão pouco adquiriu máquinas em substituição das inutilizadas pelo fogo.

18 – Com efeito, desde o ano de 1983 até à actualidade, a A. não mais teve ao seu serviço qualquer trabalhador; fabricou rolhas, ou, qualquer outro produto; comprou, nem sequer vendeu rolhas, ou o que quer que fosse, pelo que não teve fornecedores, nem tao pouco clientes.

19 – Existindo no seu activo, única e exclusivamente, o imóvel, na sua maior parte em estado de ruínas, e uma hipotética indemnização a receber das Companhias de Seguros pelos danos sofridos com o incêndio ocorrido em Novembro de 1982.

20 – A sociedade aqui Autora esteve totalmente paralisada, sem realizar qualquer transacção comercial, não movimentando o que quer que fosse, desde 1983, data em que deixou de ter saldo de tesouraria.

21 – O património da sociedade, desde então, reduziu-se à titularidade do imóvel no qual a sociedade, até ao incêndio, laborava, e ao direito a indemnização que vier a ser paga na acção em que a sociedade aqui Autora demanda as companhias de seguros que cobriam o respectivo risco (acção de processo ordinário n.º 990/06.0 TVLSB, que corre os seus termos na 2ª Secção da 5ª Vara Cível do Tribunal Judicial de Lisboa), de incêndio da sociedade.

22 – No dia 02 de Março de 2004 a Autora prestou uma garantia – hipoteca – a favor da sociedade EE, Lda., perante um credor desta – FF -, que não a registou imediatamente.

23 – Após, o Sr. GG, conjuntamente com os sócios da AA, Lda. outorgaram uma escritura pública nos termos da qual constituíram uma hipoteca a favor daquele, referindo que haveria uma dívida da AA, Lda. ao beneficiário da hipoteca.

24 – E por acordo fizeram consignar que tal dívida, de facto inexistente, provinha de empréstimos, em numerário que o Sr. GG havia efectuado à sociedade nos anos 1992 e 1993.

25 – GG transmitiu tal garantia a favor da empresa da qual a Ré é sócia e gerente única – a MM, Lda.

26 – Como o Sr. GG bem sabe, assim como a sua filha aqui Ré, o crédito cedido não existe.

27 – Não obstante o perfeito conhecimento da sócia BB sobre os contornos do sucedido, e acima enunciado, por carta enviada à sociedade, que mereceu oportuna resposta, veio a sócia gerente BB, através da empresa de que é sócia gerente única – MM, Unipessoal, Lda. - habilitar-se como cessionária de um crédito inexistente, assim como na beneficiária da hipoteca constituída nos termos acima enunciados.

28 – Na acção de destituição do gerente CC, assim como na assembleia de sócios realizada em 30 de Novembro de 2012, a Ré afirmou que o gerente se encontrava a praticar actos de concorrência desleal com a Autora.

29 – Bem sabendo que, desde 1983, a Autora não tem qualquer actividade industrial e comercial.

30 – Mais aduziu que o gerente, através de sociedade, ocupava o imóvel propriedade da Autora, e que utiliza os outros meios da sociedade, tais como trabalhadores, que não tem desde 1983, e se apropriou da clientela da sociedade.

31 – E veio imputar ao gerente CC a responsabilidade pela falta de apresentação do IES.

32 – A Ré declarou em ata na qual foi aprovada a apresentação da acção de exclusão de sócia de DD, que se encontrava impedida de aceder às instalações da sociedade.

33 – Porém, a solicitação expressa da Ré, ocorreu uma reunião de gerência na sede da sociedade, em 16 de aneiro de 2013.

34 – No dia 15/02/2013, a sócia maioritária deliberou a destituição com justa causa da Ré como gerente.

35 - Destituição essa oportunamente comunicada à própria Ré, por carta registada, com a qual a sociedade enviou àquela cópia da respectiva deliberação.

36 - Assim como comunicou às sócias BB, a aqui Ré, e sua irmã Elisabete o registo da destituição daquela como gerente.

37 – Desta deliberação veio a aqui Ré apresentar procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais que sob o n.º1040/13.5TBVFR, correu termos no 2.º juízo do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira.

38 – No entanto, tal procedimento cautelar foi liminarmente indeferido, decisão esta que veio a merecer confirmação, em recurso, pelo Tribunal da Relação do Porto.

39 – Não obstante, imediatamente após a prolação de sentença que julga parcialmente provado o pedido deduzido contra as seguradoras pela aqui Autora, a Ré subscreveu, na qualidade de gerente, um requerimento de revogação do mandato ao Advogado que sempre representou a sociedade nos autos de acção de processo ordinário n.º 990/06.0 TVLSB, que corre os termos na 2ª Secção da 5ª Vara Cível do Tribunal Judicial de Lisboa.

40 – E fê-lo de seu próprio mote, acompanhada de sua irmã – HH -, bem sabendo que não tinha poderes para o efeito, e à revelia da sociedade e dos interesses que aquele mandatário sempre salvaguardou.

41 – Querendo com essa comunicação de revogação de mandato, assumir o “controlo” da sociedade através de mecanismo processual, de designação de mandatário pela própria, para a qual nem sequer tinha poderes, para além de não deter representatividade de capital que permitisse determinar ou sequer ratificar os actos por si praticados.

42 - Revogação de mandato que, após esclarecimento do advogado cujos poderes a Ré pretendia cancelar, veio a ser julgado improcedente.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do litígio – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se o acórdão enferma de nulidade por ter conhecido questões de que não podia conhecer, considerando na decisão “a falta de actividade da Recorrente, facto nunca discutido nos autos”;

- se a Autora podia ter sido destituída de sócia da Ré.

Vejamos.

Na muita lacónica arguição de nulidade, não se vislumbra ter sido cometida violação dos preceitos legais invocados.

Crê-se que a Recorrente alega que o Acórdão cometeu nulidade por excesso de pronúncia – art. 615º, nº1, d) 2ª parte do Código de Processo Civil – já que a questão da falta de actividade da sociedade Autora aduz, nunca foi discutida nos autos.

Salvo o devido respeito, não é assim. A questão foi alegada e debatida entre as partes em volta da qual se esgrimiram argumentos no sentido de saber se, estando a sociedade Autora sem exercer qualquer actividade, por causa de um incêndio, essa circunstância relevava para excluir a Autora de sócia, na perspectiva de que se a sociedade não exerce o seu objecto, a conduta da Ré não poderia ter-lhe causado prejuízo.

Não existe, pois, excesso de pronúncia – art. 615º, nº1, c) do Código de Processo Civil. Não se vislumbra, igualmente, fundamento da invocada violação do art. 5º, nº3, do Código que estatui: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

A questão substantiva prende-se com saber se a actuação da Ré, enquanto sócia da Autora, justifica a sua exclusão como foi deliberado pela assembleia-geral da Ré.

Importa afirmar que as Instâncias estão de acordo em considerar que o comportamento da Recorrida, ao longo dos anos, mormente, através de repetidas acções judiciais que intentou, visando a Autora e os seus sócios-gerentes, a realização de negócios de duvidosa ética, senão mesmo ilegais, visando “tomar o controlo” da sociedade recorrente, devem ser sancionadas com a exclusão de sócio.

A 1ª Instância considerou que o comportamento da Ré era susceptível de causar prejuízo à Autora, julgando a acção procedente, excluindo-a do ente societário.

Já a Relação, operando com os mesmos factos, entendeu diversamente, revogando a sentença recorrida por considerar que não existe prejuízo para a sociedade uma vez que não está em funcionamento desde 1983: a fls. 842/843, pode ler-se:

“De facto, está demonstrado que, desde o ano de 1983 até à actualidade, a Autora não mais teve ao seu serviço qualquer trabalhador; fabricou rolhas, ou, qualquer outro produto; comprou, vendeu rolhas, ou o que quer que fosse, pelo que não teve fornecedores, nem tão pouco clientes. O seu activo é constituído, única e exclusivamente, pelo imóvel, na sua maior parte em estado de ruínas, e uma hipotética indemnização a receber das Companhias de Seguros pelos danos sofridos com o incêndio ocorrido em Novembro de 1982.

 A Autora esteve, portanto, totalmente paralisada, sem realizar qualquer transacção comercial, não movimentando o que quer que fosse, desde 1983, data em que deixou de ter saldo de tesouraria (n.ºs 18 a 20 da fundamentação de facto). Neste quadro de ausência de actividade da sociedade Autora parece ser difícil de configurar que algum prejuízo tenha advindo para a sociedade das apuradas condutas da sócia BB…A sentença recorrida situou esse prejuízo no pedido de insolvência, através do qual tentou reverter a favor da sua própria empresa a indemnização que a Autora receberá das seguradoras devido ao incêndio, invocando um crédito que não existia, como era do seu conhecimento. Só que a improcedência do pedido de insolvência afastou o prejuízo que a Ré pretendia causar à Autora.

É sabido que, para legitimar a exclusão judicial, sendo necessário que os comportamentos do sócio tenham causado ou sejam susceptíveis de causar prejuízos relevantes à sociedade, não se exige um prejuízo efectivo, mas apenas a capacidade de provocar danos.

 Decorre do predito artigo 242º/1 do Código das Sociedades Comerciais que a exclusão de sócio não depende do facto de a sua conduta ter já causado danos efectivos à sociedade, bastando a demonstração de que o comportamento do sócio que se pretende excluir é susceptível de causar prejuízos relevantes ao ente societário. Necessário é que o prejuízo seja relevante e que guarde nexo de causalidade com a conduta desleal ou gravemente perturbadora do funcionamento da sociedade.

In casu, a ausência de actividade da sociedade autora parece não enquadrar qualquer prejuízo efectivo ou potencial das condutas da sócia a excluir e, embora a exclusão seja permitida quando se mostre necessária para que os restantes sócios prossigam normalmente a actividade social, nem esse fundamento pode aqui ser evocado. Como a sociedade demandante não tem actividade, não há qualquer prejuízo para o escopo social nem as condutas da Ré podem influenciar negativamente os resultados da sociedade ou a prossecução de seus objectivos. As suas condutas não podem, por carência de exercício societário da Autora, alterar ou desorganizar a sua actividade empresarial nem perturbar o escopo social que ela prossegue. Aliás, mesmo em circunstâncias de regular actividade social, nesta ponderação, apresenta alguma hegemonia o direito à qualidade de sócio, não bastando qualquer conduta do sócio da sociedade por quotas para o colocar na condição de passível exclusão.

Admitimos que os apurados comportamentos da Ré possam ter minado a relação entre os sócios, em concreto com a sócia maioritária, e que impossibilitem a continuação da relação de confiança que deve estabelecer-se entre todos e que, decerto, se terá verificado no passado, mas o que não podemos afirmar é que o exercício da actividade societária ou o seu escopo social foram prejudicados ou são susceptíveis de ser prejudicados pelas atitudes descritas. E este é um pressuposto imprescindível à procedência do pedido de exclusão de sócio.

Acresce que as demais condutas atribuídas à Ré e que consubstanciam a causa de pedir se reportam aos conflitos pessoais com o anterior sócio CC e, ainda assim, sem repercussão na actividade societária.”

O art. 242.°, nº1, do Código das Sociedades Comerciais estatui:

 “Pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.”

A exclusão de sócio, decretada por via judicial, precedida de deliberação societária, que é a que o preceito prevê, depende de actuação do sócio que age de forma desleal ou adopta procedimentos que, perturbando gravemente o funcionamento da sociedade, tenham causado ou possam causar-lhe graves prejuízos.

De um lado, importa analisar o comportamento subjectivo do sócio nas suas relações com a sociedade e, por outro, do prisma da sociedade importa que essa actuação se revista de gravidade tal que perturbe o funcionamento ou lhe cause, ou possa causar, prejuízos sérios.

Tal como em relação aos gerentes, nas suas relações entre si e a sociedade, entre esta e os sócios, e entre ela e terceiros, a lei exige deveres de conduta – art. 64º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais – também em relação aos sócios, sob pena de exclusão, a lei societária impõe comportamentos que se pautem pela lealdade, por actuação em prol dos interesses sociais, sancionando a violação desses deveres, desde que tenham causado, ou possam causar, pela sua gravidade “prejuízos relevantes”.

Como se pode ler no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15.5.2005, Proc. 04A4369, in www.dgsi.pt:  

“O instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na protecção do fim do contrato de sociedade, traduzido no interesse social, “enquanto elemento comum aos interesses dos sócios contratantes e meio contratual de satisfação dos seus interesses distintos”. Assim, a exclusão justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social.

Daí que a sociedade só possa resolver o contrato em relação a determinado sócio, mediante a exclusão, quando este ponha em causa, não em função dos seus incumprimentos, mas dos seus efeitos, o interesse social (vide Luís Menezes Leitão, “Pressupostos da Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais”, A.A.F.D.L., 1988, p. 41 e ss). O sócio está, pois, obrigado a não violar deveres de conduta que possam causar prejuízos à sociedade.

Entre estes deveres acessórios apontam-se os de esclarecimento, de colaboração e de lealdade, deveres que fazem parte do conteúdo das obrigações, como exigências gerais do sistema jurídico - cfr. Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, I, 1994, 149.”

 No caso em apreço, é claro o desvalor da conduta da sócia recorrida que, instrumentalizando a sociedade Autora, querendo, inclusivamente, a sua insolvência, actuou com propósitos egoístas, logo desleais.

  No Estudo “A Exclusão de Sócios (Em Particular nas Sociedades por Quotas) ”, de Carolina Cunha, in “Problemas do Direito das Sociedades”, IDET, 2002, págs. 211-212, pode ler-se:

 “O art. 242º, n.°1, recorre a uma formulação abrangente para recortar o universo de eventos susceptíveis de conduzir à exclusão do sócio, em vez de proceder a uma tipificação baseada em múltiplas hipóteses normativas, como acontecia no art. 186°, n.°1.

Mas, se procedermos à análise da cláusula geral contida na norma, lograremos isolar as características-chave dos factos potencialmente relevantes.

Em primeiro lugar, deverá tratar-se de um comportamento do sócio, não atribuindo a lei qualquer eficácia constitutiva a factos que o atinjam na sua situação. 

Será, ainda, necessário que o comportamento adoptado pelo sócio apresente uma de duas características – que seja desleal ou que seja gravemente perturbador do funcionamento da sociedade. 

Todavia, isto não basta para determinar a exclusão. É imprescindível que esse comportamento do sócio tenha causado ou possa vir a causar a sociedade prejuízos relevantes. Aqui reside, quanto a nós, o fulcro nevrálgico do instituto da exclusão de sócios na sociedade por quotas: a avaliação da prejudicialidade para o ente societário da superveniência de um facto relativo à pessoa do sócio. 

Na dinâmica da cláusula geral do art. 242°, n.°1, os factos relevantes restringem-se a certas condutas dos sócios – condutas em si mesmas já passíveis de um juízo de desvalor, quer por violarem princípios de lealdade, quer por entravarem o funcionamento da sociedade. Mas somos de opinião que a nota essencial, aquela que, no seio do tipo sociedade por quotas, confere sentido à opção legislativa pela prevalência do interesse da sociedade e que alicerça a concomitante inexigibilidade da permanência do sócio, reside no prejuízo, actual ou potencial, que tais condutas provocam. Na ausência de prejuízo, o desvalor contido nos comportamentos dos sócios não bastará para fundar a respectiva exclusão.”

Numa sociedade comercial por quotas, as características pessoais dos sócios, a comunhão de objectivos, a fidelidade, a solidariedade e coesão entre os sócios e a sociedade, em vista da prossecução do objectivo social, affectio societatis, ou bona fides societatis, são valores cívicos e jurídicos que exprimem lealdade, assumindo primordial relevância.

Um sócio de uma sociedade age com lealdade quando não trai, quando não põe acima do interesse da sociedade o mero interesse egoísta, quando não lança mão de meios judiciais sem que lhes subjazam violações de direitos que lhe cumpra defender. A lealdade é um valor inerente à indispensável coesão da sociedade em ordem a prosseguir o seu fim lucrativo que redunda em benefício de todos.

A actuação desleal do sócio, se se repercutir na sociedade, denegrindo-a aos olhos daqueles com quem se relaciona, ou se o comportamento censurável do sócio é idóneo a causar prejuízos, ou a possibilidade de prejuízos relevantes, ainda que não imediatamente, e mesmo que esses prejuízos não sejam de cariz patrimonial, deve ser sancionada com a exclusão, nos termos do art. 242º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais.

O interesse social fica afectado se um dos sócios, como foi o caso da Autora, lançou mão de acções judiciais contra a sociedade, de que faz parte, por razões de índole pessoal e com claro interesse egoísta e persecutório, visando fins alheios ao bom funcionamento e ao bom nome da sociedade.

A circunstância da sociedade estar inactiva desde 1983, em termos produtivos, por causa de um incêndio, não implica que não haja prejuízo. Se o conceito de prejuízo se pode ligar a aspectos de rentabilidade económica, não deve ser escamoteado que o bom nome da sociedade é afectado por actos públicos reveladores de falta de coesão dos sócios e do empenho deles na prossecução dos fins da sociedade.

A sociedade autora, pese embora o longo período de inactividade, não foi extinta, tem um património e, como ente jurídico vivo, pode retomar a sua actividade.

Como se refere no Acórdão recorrido: “O seu activo é constituído, única e exclusivamente, pelo imóvel, na sua maior parte em estado de ruínas, e uma hipotética indemnização a receber das Companhias de Seguros pelos danos sofridos com o incêndio ocorrido em Novembro de 1982.

 A Autora esteve, portanto, totalmente paralisada, sem realizar qualquer transacção comercial, não movimentando o que quer que fosse, desde 1983, data em que deixou de ter saldo de tesouraria (n.ºs 18 a 20 da fundamentação de facto).”

Daqui o Acórdão recorrido considerou, “parece ser difícil de configurar que algum prejuízo tenha advindo para a sociedade das apuradas condutas da sócia BB”.

Não se discorda da afirmação, pese embora sempre seja de censurar o comportamento desleal da Ré: o art. 242º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, não exige que o comportamento desleal do sócio cause prejuízos imediatos relevantes. A conduta legitimadora da exclusão reporta-se também à possibilidade dessa conduta poder vir a causar prejuízos relevantes.

Não exige o normativo uma relação de causa e efeito imediato. Como o desvalor da conduta do sócio pode não causar imediatamente danos relevantes à vida da sociedade, ante esse juízo de previsão, pode a assembleia geral da sociedade excluir o sócio incurso em comportamentos desleais e graves com repercussão na vida da sociedade.

Importa ponderar que a sócia BB, mesmo com a empresa paralisada, não cessou a sua atitude hostil contra a sociedade, intentando acções judiciais e desistindo delas, tendo claramente um projecto incompatível com a vida sã e prestigiada da Autora, que apesar do incêndio, ocorrido há largos anos, não deixou de existir.

Os factos elencados de 22) a 42) evidenciam um comportamento desleal reiterado e grave em relação à sociedade Recorrente, idóneo à causação de prejuízos graves. Pense-se no que será a vida da sociedade, caso retome a sua actividade, com a Autora como sócia: tendo já sido destituída da gerência a sua permanência minará a coesão da sociedade.

Muito grave e culminando a actuação a que factualmente aludimos, é o facto provado de a Recorrida, alegando falsamente a qualidade de gerente da Autora, ter pretendido revogar o mandato do Advogado que patrocinou a sociedade na acção de indemnização intentada contra as seguradoras para ser indemnizada pelos danos causados pelo incêndio “querendo com a comunicação de revogação de mandato, assumir o “controlo” da sociedade através de mecanismo processual, de designação de mandatário pela própria, para a qual nem sequer tinha poderes, para além de não deter representatividade de capital que permitisse e determinar ou sequer ratificar os actos por si praticados”, revogação de mandato que, após esclarecimento do advogado cujos poderes a Ré pretendia cancelar, veio a ser julgado improcedente”.

Na perspectiva que se sufraga que o art. 242º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais confere o direito da sociedade excluir o sócio que adopta comportamento desleal e grave capaz de vir a causar prejuízos sérios à sociedade, e por Autora, persistentemente, ter evidenciado actuação desleal idónea a casuar danos à sociedade, pese embora o estado em que esta actualmente se acha, a sanção de exclusão encontra factualmente apoio, pelo que a decisão sob recurso, ao considerar diversamente, não pode manter-se.

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

Decisão:

Nestes termos concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido e, consequentemente, repristina-se a sentença apelada.

Custas aqui e nas Instâncias pela recorrida.

                                            

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Março de 2018    

Fonseca Ramos (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

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[1] Relator – Fonseca Ramos
Ex.mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida