Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA CLARA SOTTOMAYOR | ||
Descritores: | TRIBUNAL DO TRABALHO COMPETÊNCIA MATERIAL CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CONTRATO DE TRABALHO | ||
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Data do Acordão: | 09/12/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO FUNÇÕES PÚBLICAS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS. ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - TRIBUNAIS JUDICIAIS DE 1.ª INSTÂNCIA / TRIBUNAIS DO TRABALHO / COMPETÊNCIA CÍVEL. | ||
Doutrina: | - Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, págs. 117-118. - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1979, p. 91. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 659.º N.º3, 713.º, N.º2, 726.º CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): -ARTIGO 212.º, N.º3. ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS (ETAF), APROVADO PELA LEI N.º 13/2002, DE 19-2: - ARTIGOS 1.º, N.º1, 4.º, N.º 3. LEI N.º 12-A/2008, DE 27 DE FEVEREIRO (REGIME DE VINCULAÇÃO, DE CARREIRAS E DE REMUNERAÇÕES DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS): - ARTIGOS 2.º, 3.º, 9.º, N.º3, 83.º, N.º1, 88.º E SEGUINTES E 109.º, 118.º, N.º 7. LEI N.º 3/99, DE 13 DE JANEIRO (LOFTJ): - ARTIGO 85.º. LEI N.º 59/2008, DE 11 DE SETEMBRO (RCTFP): - ARTIGOS 17.º, N.º2, 23.º, | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 27-9-1994, PROCESSO N.º 858/94; -DE 16-11-2010, PROCESSO N.º 981/07.3TTBRG.S1, EM WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I – A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos, atendendo-se, apenas, aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados. II – Tratando-se de contrato de trabalho a termo resolutivo celebrado com pessoa colectiva de direito público, este converteu-se, por força da lei, a partir de 1 de Janeiro de 2009, em contrato de trabalho em funções públicas. III – Por aplicação do critério de extensão da competência dos tribunais de trabalho que resulta da alínea o) do art. 85.º da LOTJ, dada a conexão específica de acessoriedade e dependência que se verifica entre as temáticas da qualificação dos contratos celebrados e do cálculo da indemnização devida, compete aos tribunais do trabalho decidir se os contratos invocados devem, ou não, qualificar-se como contratos de trabalho, e também fixar a compensação pela caducidade do contrato de trabalho agora convertido em contrato de trabalho em funções públicas. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I – Relatório
1. AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Vila Real, a presente acção emergente de contrato de trabalho, sob a forma do processo comum, contra BB, ER, pedindo: (i) o reconhecimento, como contrato de trabalho, da relação jurídica existente entre as partes entre 03 de Janeiro de 2000 e 31 de Maio de 2010, e (ii) a condenação do réu no pagamento, a título de compensação pela caducidade do contrato, da quantia de € 10.609,60, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal aplicável, desde 31 de Maio de 2010.
Alegou, em síntese, que, na sequência de um concurso público, celebrou com o réu – então Região de ... – um contrato individual de trabalho a termo certo, pelo prazo de um ano. Esse contrato foi renovado duas vezes, por períodos de um ano, tendo tido o seu termo, em 31 de Dezembro de 2002. Por estarem esgotadas as possibilidades de renovação daquele contrato, as partes celebraram um contrato denominado de «prestação de serviço», pelo período de 6 meses, renovável por iguais períodos. Esse contrato renovou-se, automaticamente, até que, em 31 de Maio de 2005, as partes celebraram um novo contrato individual de trabalho, a termo certo, pelo prazo de um ano. Esse contrato foi renovado duas vezes, por períodos de um e de três anos, respectivamente, tendo cessado em 31 de Maio de 2010. À data da cessação do vínculo, o autor auferia € 1.407,45, mensais. A relação mantida entre as partes revestiu sempre, conforme alega o autor, a natureza de trabalho subordinado, sendo certo que a distinta natureza dos vínculos assumidos visou contornar os constrangimentos de ordem legal que impendiam sobre o réu. O réu, aquando da cessação do contrato, pagou, pela sua caducidade, a quantia de € 5.630,40, quantia que o autor considera manifestamente insuficiente, atenta a duração do vínculo.
O réu contestou a acção, defendendo-se por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou a incompetência material do Tribunal do Trabalho para conhecer do presente litígio, visto ser uma pessoa colectiva de direito público. Mais referiu que o contrato de trabalho do autor se converteu num contrato de trabalho em funções públicas, nos termos do art. 17.º, n.º 2, da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, automaticamente e independentemente de qualquer formalismo, tendo estas alterações entrado em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009. Nos termos do art. 83.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, os Tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público, pelo que tendo esta disposição legal entrado em vigor, em 1 de Janeiro de 2009, nos termos do n.º 7 do art. 118.º da invocada Lei, resulta que a presente acção deveria ter sido proposta junto dos tribunais administrativos. Por impugnação, defendeu a improcedência da acção, bem como o cumprimento da obrigação de pagamento da compensação devida pela caducidade do contrato de trabalho.
Findos os articulados, a Mm.ª Juíza a quo, conhecendo da excepção, julgou o tribunal do trabalho incompetente em razão da matéria, absolvendo o réu da instância.
2. Inconformado com tal decisão, dela recorreu o autor para o Tribunal da Relação do Porto que julgou procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e ordenando a sua substituição por outra que determinasse a normal tramitação do processo.
3. É contra esta decisão que o réu agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões que se passam a transcrever: «I. É unanimemente aceite pela doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores que a competência do tribunal é aferida, independentemente do julgamento de mérito, pela causa de pedir e o pedido formulado pelo Autor na sua P.I. II. O Autor configurou expressamente na sua P.I. a relação laboral objecto de litígio e existente entre este e a Recorrente como uma relação laboral sujeita às disposições legais que regulam os contratos de trabalho em funções públicas. III. E formulou expressamente na sua P.I., quer no tocante aos factos, quer no tocante ao direito aplicável, toda a sua pretensão enquanto trabalhador, com um contrato de trabalho em funções públicas. IV. Cita na sua douta P.I., como legislação aplicável à relação laboral que existia entre este e a ora Recorrente, a Lei n.º 59/2008 (RCTFP). V. Recorre às disposições contidas na citada Lei n.º 59/2008 (RCTFP) para contestar o modo de cálculo da compensação devida pela cessação do seu contrato de trabalho em funções públicas. VI. O próprio Autor expressamente qualifica a relação jurídica que o vinculava à Recorrente como uma relação de trabalho em funções públicas a que se aplica o respetivo regime legal de direito público. VII. Foi face ao alegado pelo Autor na sua P.I. que a Mma. Juiz do Tribunal de Trabalho de Vila Real julgou procedente, por provada, a exceção de incompetência absoluta, em razão da matéria, do referido Tribunal. VIII. O douto parecer do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, fundamentado em diversas citações da P.I. do Autor, também considerou que o Tribunal de Trabalho de Vila Real não é competente, em razão da matéria. IX. O Acórdão recorrido quiçá não se apercebeu da inversão da versão da lide apresentada pelo Autor nas suas alegações de recurso e apreciou a situação sub judice como se o Autor na P.I. da ação tivesse configurado a relação jurídica de trabalho como uma relação jurídica de trabalho regulada pelo Código de Trabalho de direito privado. X. Quando, na verdade, o Autor modelou a causa de pedir e o pedido na P.I. à relação jurídica de trabalho em funções públicas. Assim, XI. O Acórdão recorrido não faz uma correta aplicação dos ensinamentos contidos no citado Acórdão de 08 de março de 2010, do Tribunal da Relação do Porto (“Acórdão fundamento”). Efetivamente, XII. No referido “Acórdão fundamento” o então Autor invocou e fundamentou a existência de uma relação jurídica de trabalho regulada pelo Código de Trabalho de direito privado, o que fez com que este Tribunal da Relação do Porto tenha determinado a competência do Tribunal de Trabalho, por força da natureza da relação jurídica material segundo a versão apresentada pelo Autor. XIII. Na situação sub judice, pelo contrário, resulta expressamente da versão apresentada pelo Autor a existência de uma relação de trabalho em funções públicas a que se aplica a legislação que regula o contrato de trabalho em funções públicas. XIV. Pelo que, é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais a apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas de emprego ou de litígios emergentes de contrato de trabalho em funções públicas nos termos do disposto no nº 1 do art. 83º, nº 1 da Lei nº 12-A/2008 e do art. 4º, n.º 3, al. d) do ETAF, especialmente enfatizado após a alteração legislativa da Lei n.º 59/2008 (RCTFP). XV. Sendo o Tribunal de Trabalho de Vila Real incompetente em razão de matéria para apreciar tal litígio. XVI. Foi com base na materialidade administrativa em que o Autor formulou a sua pretensão na sua P.I., que o douto Tribunal de Trabalho de Vila Real julgou correctamente procedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal de Trabalho de Vila Real. XVII. Devendo o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que mantenha a decisão proferida pelo Tribunal de Trabalho de Vila Real».
Conclui pela procedência do recurso, devendo ser revogado «o Acórdão recorrido» e confirmada «a douta Sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de Vila Real», assim se fazendo «JUSTIÇA».
O autor não contra-alegou.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual pugna pela improcedência do recurso, parecer esse que, notificado às partes, não suscitou qualquer reacção.
Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), daí resulta que a questão a apreciar se cinge, apenas, a saber se é ao Tribunal do Trabalho que cabe a competência material para apreciar e decidir o litígio emergente dos autos ou se essa competência está atribuída aos Tribunais Administrativos.
Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação de facto
1. Nas instâncias não foi fixada a matéria de facto provada, sendo que no acórdão recorrido se remeteu, nesse âmbito, para o que resultava do relatório que antecedeu a apreciação da questão da competência material do Tribunal. Todavia, e sem prejuízo da relevância dos elementos coligidos no relatório que antecede, entende-se ter utilidade para a apreciação da questão objecto do presente recurso, dar-se como assente o que consta dos contratos firmados entre autor e ré – titulados pelos documentos de fls. 15 a 21 – bem como o que resulta dos articulados constantes dos autos (artigos 5.º, parte do 6.º, 7.º, 8.º e parte do 46.º da petição inicial conjugados com os artigos 27.º, 28.º e 62.º da contestação), tendo em consideração o acordo que existe quanto a estas questões, emergente da ausência de impugnação. Assim se procede, ponderando o disposto no art. 659.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ex vi, do preceituado nos artigos 713.º, n.º 2, e 726.º, do mesmo diploma legal.
1) No dia 3 de Janeiro de 2000, o autor e a ré, então denominada «Região de ...» celebraram o contrato documentado a fls. 15 e 16, dos autos, denominado «CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO», do qual consta o seguinte: «Aos três dias do mês de Janeiro do ano dois mil, na sede da Região de ... (…) onde se encontrava o Sr. CC, na qualidade de Presidente da referida Região …, como primeiro outorgante, compareceu o Sr. AA (…) como segundo outorgante, a fim de reduzir a escrito o presente contrato de trabalho a termo certo, com a Região de ..., aqui representada pelo primeiro dos mencionados outorgantes, de harmonia e em cumprimento do despacho de trinta de Dezembro de mil novecentos e noventa e nove, contrato este que se regerá pelas seguintes cláusulas: 1.ª – O primeiro outorgante, na qualidade em que intervém, e nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 14.º e na alínea d) do n.º 2 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, com a nova redacção do Decreto-Lei n.º 218/98 de 17 de Julho, contrata a prestação dos serviços do segundo, o qual se obriga a prestá-los, correspondentes à categoria de Técnico Superior de Informática. 2.ª – Pela prestação dos seus serviços o segundo outorgante receberá a remuneração mensal ilíquida de 175.000$00, não sendo devida mais qualquer remuneração, salvo o subsídio de refeição no valor de 625$00 por cada dia de trabalho, o qual será actualizado em função do índice da função pública. 3.ª – O prazo deste contrato é de um ano, terá início em 03 de Janeiro de 2000 e termo a 31 de Dezembro de 2000. 4.ª – O serviço a desempenhar é o de Técnico de Informática (…). (…) 6.ª – Na hipótese de não ter sido celebrado pelo prazo máximo previsto no artigo 20.º do referido Dec. Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro o presente contrato pode ser objecto de renovação até ao limite previsto nesta disposição legal. 7.ª – A renovação do contrato, a verificar-se, será obrigatoriamente comunicada por escrito ao contratado com a antecedência mínima de oito dias sobre o termo do prazo, sob pena de caducidade. 8.ª – No caso de renovação, considerar-se-á um único contrato, o inicialmente celebrado e a sua renovação. 9.ª – Atingido o prazo máximo legal do contrato, não poderá ser celebrado novo contrato com o segundo outorgante com a mesma natureza e objecto antes de decorrido o prazo de seis meses. 10.ª – O presente contrato não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo com as especialidades constantes do referido Dec.-Lei n.º 427/89, na redacção dada pelo Dec. Lei n.º 409/91, de 17 de Outubro (…) e é celebrado por urgente conveniência de serviço. (…).» 2) O contrato referido em 1) foi renovado duas vezes, tendo tido o seu termo em 31 de Dezembro de 2002 (artigos 5.º da petição inicial e 27.º da contestação). 3) Datado de 15 de Janeiro de 2003, autor e ré subscreveram o documento intitulado «Contrato de Prestação de Serviço», constante de fls. 17 e 18 dos autos, e cujo teor é o seguinte: «Entre: REGIÃO DE ... (…), como primeiro outorgante, E AA (…) como segundo outorgante. É celebrado o seguinte contrato de prestação de serviço, nos termos do disposto no artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de Outubro, que se regerá pelas cláusulas seguintes: PRIMEIRA Este contrato é celebrado pelo prazo de seis meses, com início a 15 de Janeiro de 2003 e destina-se a prestações sucessivas ao exercício da profissão de técnico de oficial de contas, em regime de avença. Esta contratação justifica-se pela circunstância de não existirem funcionários com as qualificações adequadas para o exercício das funções objecto da prestação de serviço. (…) SEXTA O presente contrato poderá ser renovável por iguais períodos de tempo, a não ser que uma das partes pretenda cessar o presente contrato, mediante aviso prévio de 60 dias (…). OITAVA O presente contrato renova-se automaticamente no termo do prazo estipulado, devendo ambos os outorgantes comunicar, por escrito, até oito dias antes de o prazo expirar, a vontade de não o renovar.» 4) A execução do contrato referido em 3) perdurou desde 15 de Janeiro de 2003 até finais de Maio de 2005 (artigo 7.º e parte do 6.º da petição inicial e artigo 28.º da contestação). 5) Datado de 31 de Maio de 2005, autor e ré subscreveram o documento intitulado «Contrato Individual de Trabalho», constante de fls. 19 a 21 dos autos, cujo teor é o seguinte: «Entre: REGIÃO DE ... (…) como primeiro outorgante, E
AA (…) como segundo outorgante. É celebrado o seguinte contrato individual de trabalho, nos termos do disposto na alínea h) do n.º 1, do artigo 9.º, da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, e em cumprimento do despacho n.º 05/GP/05 de 30 de Maio de 2005 que se regerá pelas cláusulas seguintes: PRIMEIRA O primeiro outorgante, na qualidade em que intervém e nos termos e ao abrigo do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 1.º da Lei n.º 23/2004, de Junho, contrata o segundo outorgante, o qual se obriga a prestar serviços correspondentes à categoria de Técnico Superior, na área da Contabilidade/Gestão. SEGUNDA Pelos serviços prestados o segundo outorgante receberá a remuneração ilíquida de 1268,64 € (…), correspondente ao índice 400, a qual será actualizada em conformidade com a função pública, não sendo devida qualquer outra remuneração, salvo o subsídio de refeição correspondente por cada dia de trabalho, o qual será igualmente actualizado em função do estabelecido na função pública. TERCEIRA O prazo do presente contrato é de um ano, tendo o seu início a 01 de Junho de 2005 e o seu termo a 31 de Maio de 2006. (…) QUINTA Na hipótese de não ter sido celebrado pelo prazo máximo previsto no n.º 1 do artigo 10.º da referida Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, o presente contrato poderá ser objecto de renovação até ao limite previsto nesta disposição. (…) SÉPTIMA No caso de renovação, considerar-se-á um único contrato, o inicialmente celebrado e a sua renovação. OITAVA Atingido o prazo máximo legal do contrato, não poderá ser celebrado novo contrato com o segundo outorgante, com a mesma natureza e objecto antes de decorrido o prazo de seis meses. (…) DÉCIMA O presente contrato não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela Lei Geral sobre o contrato individual de trabalho com as especialidades constantes da referida Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho e é celebrado para fazer face ao aumento excepcional e temporário da actividade do serviço, conforme o disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º do referido conjunto de normas.» 6) O contrato referido em 5) foi renovado duas vezes, por períodos de um e três anos respectivamente, tendo cessado no dia 31 de Maio de 2010 (artigos 8.º da petição inicial e 27.º da contestação). 7) Por força da cessação, com fundamento na caducidade, do contrato referido em 5), a ré pagou ao autor a quantia de € 5.630,40 (artigos 46.º da petição inicial e 62.º da contestação).
III - Fundamentação de direito
1. Na apreciação da questão atinente à competência material do Tribunal do Trabalho para julgar a presente demanda divergiram as instâncias: a 1.ª instância, julgando procedente a excepção invocada pela ré, declarou a competência dos Tribunais Administrativos; ao invés, no acórdão recorrido afirmou-se a competência do Tribunal do Trabalho para a presente causa.
2. A competência material integra um pressuposto processual cuja apreciação deve necessariamente preceder a do fundo da causa. É pacífico que esse pressuposto se afere pela forma como o autor configura a acção, sendo esta definida pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes, sem embargo de não estar o tribunal adstrito, neste domínio, às qualificações que autor e/ou ré tenham produzido para definir o objecto da acção. Por isso se diz que a fixação da competência do tribunal, em razão da matéria, deve atender «…à natureza da relação jurídica material em debate na perspectiva apresentada em juízo» (acórdão do S.T.J. de 27-9-94 – processo n.º 858/94). Na definição da competência do tribunal, a lei atende à matéria em causa, quer dizer, ao seu objecto, encarado sob um ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada. Para os sobreditos efeitos, importará considerar, em suma, os termos em que a acção se acha proposta – seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes), seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se reclama a tutela judiciária, o acto ou o facto de onde terá dimanado esse direito e, enfim, a qualificação dos bens em disputa)[1]. Em matéria cível, a competência dos Tribunais do Trabalho vem definida no artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (de ora em diante denominada LOFTJ), relevando, no que ora importa, o que se estabelece: «Compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível: (…) b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado (…)». Ora, o que resulta da previsão contida na citada alínea b) é que a competência do Tribunal do Trabalho se afere em função do direito que em concreto se pretende ver acautelado, tornando-se mister que ele provenha da violação de obrigações que resultem de uma relação jurídica laboral para o empregador. Por seu turno, conforme previsto no artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 1.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, aos Tribunais Administrativos e Fiscais compete o julgamento das acções e recursos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. Afirma Fernandes Cadilha que «por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intra-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado, as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (…)»[2]. Em síntese, a jurisdição administrativa tem competência para a apreciação dos litígios com origem na Administração pública lato sensu e que envolvam a aplicação de normas de direito administrativo ou fiscal ou a prática de actos a coberto do direito administrativo.
2.1. O autor configura o vínculo havido com a ré como contrato individual de trabalho, vigente desde 3 de Janeiro de 2000, e regulado sucessivamente pelo DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro, pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho e pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro. Peticiona, a final, o reconhecimento desse vínculo, desde a apontada data e, consequentemente, que a indemnização devida, por caducidade do contrato, seja calculada em conformidade com o disposto no artigo 252.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro.
2.2. A delimitação da competência dos tribunais administrativos e fiscais sobre a matéria dos contratos de trabalho em que é parte uma pessoa colectiva pública, prevista no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, é feita de forma negativa, constando do seu artigo 4.º, n.º 3 que «Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: (…) alínea d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.»
As relações jurídicas de trabalho subordinado estabelecidas entre um ente público e um privado, nascidas, seja sobre a égide do DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro, seja sobre a égide da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, convolaram-se em contrato de trabalho em funções públicas, em virtude da conversão legal operada pelos artigos 88.º e seguintes e 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (que estabeleceu o Regime de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas), normas essas vigentes no nosso ordenamento jurídico desde 1 de Janeiro de 2009 (cfr. o artigo 118.º, n.º 7 da Lei n.º 12-A/2008, e artigo 23.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro). Com efeito, dispõe-se no artigo 2.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, cuja epígrafe é «Âmbito de aplicação subjectivo»: «1 – A presente lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções. 2 – A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo». E, quanto ao âmbito objectivo de aplicação do citado diploma legal, rege o seu artigo 3.º, cujo teor é o seguinte: «1 – A presente lei é aplicável aos serviços da administração directa e indirecta do Estado. 2 – A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos do governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas. (…)». Significa o exposto que as relações jurídicas emergentes de contratos celebrados ao abrigo dos citados diplomas legais passaram a ser qualificadas como relações jurídicas emergentes de emprego público, cuja definição encontra previsão no artigo 9.º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, no qual se diz: «O contrato é o acto bilateral celebrado entre uma entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa». Ademais, de acordo com o disposto no artigo 17.º, n.º 2 da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, «Sem prejuízo do disposto no artigo 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, a transição dos trabalhadores que, nos termos daquele diploma, se deva operar, designadamente das modalidades de nomeação e de contrato individual de trabalho, para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas é feita sem dependência de quaisquer formalidades, considerando-se que os documentos que suportam a relação jurídica anteriormente constituída são título bastante para sustentar a relação jurídica de emprego público constituída por contrato». Tal como já antes referido, fica excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de contrato individual de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, justamente com a excepção dos litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público (artigo 4.º, n.º 3, alínea d), do ETAF). Na mesma linha, o artigo 83.º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro estabelece a competência da jurisdição administrativa e fiscal para a apreciação dos litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público.
2.3. Aqui chegados, importa agora proceder à resolução do caso dos autos. Relativamente aos contratos que servem de base ao pedido do autor, estes foram qualificados, pelas partes, à data da celebração dos mesmos, da seguinte forma: o primeiro como contrato de trabalho a termo certo, celebrado a 3 de Janeiro de 2000, e os seguintes como contratos de prestação de serviço, sendo, por último, celebrado, entre as partes, um contrato individual de trabalho a termo, contrato que vinculou o autor e ré – pessoa colectiva de direito público – até 1 de Janeiro de 2009. Contudo, a partir de 1 de Janeiro de 2009, aquele contrato convolou-se, por mero efeito da lei, em contrato de trabalho em funções públicas, face ao disposto no artigo 17.º, n.º 2, da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro. O certo é, porém, que a convolação do contrato de trabalho subordinado em contrato de trabalho em funções públicas não tem por consequência que o tribunal competente seja o Tribunal Administrativo. Analisemos o pedido do autor: Apesar de o pedido formulado pelo autor se reconduzir à compensação pela caducidade do contrato de trabalho em funções públicas, com fundamento no art. 252.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, o certo é que, tal como se extrai dos artigos 20.º a 25.º da petição inicial[3], bem como dos artigos 43.º e 44.º [4] do mesmo articulado, o que o autor pretende é que seja declarado que «a sua relação com a Ré sempre revestiu todas as características de contrato de trabalho e assim deve ser reconhecido e tratado para efeitos da presente acção». Com efeito, alega o autor que, «em momento algum deixou de ser trabalhador da Ré, pois que o contrato de prestação de serviço mais não era do que um contrato individual de trabalho, mantendo-se todos os vínculos de subordinação jurídica já referidos nos artigos 9.º a 11.º» e que, «nos termos do artigo 12.º do Código de Trabalho (CT), perante o alegado, presume-se a existência do contrato de trabalho», sendo que «a sucessiva celebração de falsos contratos de prestação de serviço e contratos de trabalho a termo, mais não tinham como objectivo contornar os constrangimentos de ordem legal impostos sobre a Ré». Em consequência, propugna na petição inicial (artigos 43.º e 44.º ) que «o número de meses de duração do vínculo é de 125, se considerarmos, como não podemos deixar de fazer, todo o período de tempo que decorreu desde o início da relação com a Ré, a 03 de Janeiro de 2000», período que o autor entende dever ser considerado, «uma vez que durante todo esse período, de forma ininterrupta, o Autor prestou o seu trabalho para a Ré, conforme antes se alegou». Assim, tal como foi considerado no acórdão do Tribunal de Conflitos, de 5 de Maio de 2011 (processo 029/10)[5], o que o autor pede é a qualificação como contrato de trabalho dos sucessivos contratos de prestação de serviço celebrados com a Ré, assim fazendo remontar o início do período temporal relevante para o cálculo da indemnização devida por caducidade a 3 de Janeiro de 2000. Não obstante o nomen iuris utilizado pelas partes - «contrato de prestação de serviço» - o autor pretende que seja declarada a existência de um contrato de trabalho no período decorrido entre 3 de Janeiro de 2000 e 31 de Maio de 2010, sendo a totalidade deste período levada em conta no cálculo da compensação pela caducidade do contrato de trabalho, entretanto, convertido em contrato de trabalho em funções públicas. Dispõe o art. 85.º, alínea o) da LOTJ que: «Compete aos tribunais do trabalho conhecer em matéria cível: Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade e dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente.» Dada a conexão específica de acessoriedade e dependência que se verifica entre as temáticas da qualificação dos contratos celebrados e do cálculo da indemnização devida, compete aos tribunais do trabalho, por aplicação do critério de extensão da competência que resulta da alínea o) do art. 85.º da LOTJ, decidir se os contratos invocados devem, ou não, qualificar-se como contratos de trabalho, e também fixar a compensação pela caducidade do contrato de trabalho agora convertido em contrato de trabalho em funções públicas. Tendo-se em conta os termos da pretensão do autor e respectivos fundamentos – qualificação dos contratos de prestação de serviço como contratos de trabalho subordinado – a competência para a causa incumbe aos tribunais do trabalho, nos termos das alíneas b) e o) do art. 85.º da LOTJ.
Improcedem, portanto, todas as conclusões da alegação de recurso da Ré.
IV – Decisão
Em face do exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas a cargo da Ré.
(Anexa-se o sumário do acórdão, nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto).
Lisboa, 12 de Setembro de 2013 Maria Clara Sottomayor (Relatora) Melo Lima Pinto Hespanhol __________________ [3] «20.º Dos factos aqui descritos decorre com clareza a existência de uma relação de trabalho subordinado entre o Autor e a Ré, que se traduz na existência inequívoca de um contrato individual de trabalho que revestiu desde o seu início todas as características já alegadas. 21.º O Autor, em momento algum deixou de ser trabalhador da Ré, pois que o contrato de prestação de serviço, mais não era do que um contrato individual de trabalho, mantendo-se todos os vínculos de subordinação jurídica já referidos nos artigos 9.º a 11.º. 22.º Nos termos do artigo 12.º do Código do Trabalho (CT), perante o alegado, presume-se a existência do contrato de trabalho – veja-se as alíneas a) a d) do seu n.º 1. 23.º A sucessiva celebração de falsos contratos de prestação de serviço e contratos de trabalho a termo, mais não tinham como objectivo contornar os constrangimentos de ordem legal impostos sobre a Ré. 24.º O Autor, enquanto trabalhador, é que não pode por isso ser de alguma forma penalizado. 25.º A verdade é que a sua relação com a Ré sempre revestiu todas as características de contrato de trabalho e assim deve ser reconhecido e tratado para efeitos da presente acção.» [4] «43.º O número de meses de duração do vínculo é de 125, se considerarmos, como não podemos deixar de fazer, todo o período de tempo que decorreu desde o início da relação com a Ré, a 03 de Janeiro de 2000. 44.º É este o período que deve ser considerado, uma vez que durante todo esse período, de forma ininterrupta, o Autor prestou o seu trabalho para a Ré, conforme antes se alegou.» |