Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3579/11.8TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO INDIVIDUAL
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
COMUNICAÇÃO UNILATERAL
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 10/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PRESCRIÇÃO E PROVA - CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 224.º, N.º1, 298.º, N.º2.
CÓDIGO DO PROCESSO DO TRABALHO (CPT), APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 480/99, DE 9-11, E ALTERADO PELOS DL N.ºS 323/2001, DE 17-12, 38/2003, DE 8-3, E 295/2009, DE 13-10: - ARTIGOS 98.º-C E SEGUINTES, 156.º E SEGUINTES.
CÓDIGO DO TRABALHO, APROVADO PELA LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO (CT/2009): - ARTIGOS 337.º, 387.º, 388.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
- N.º 140/94, PUBLICADO NO DR, 2.ª SÉRIE, DE 6 DE JANEIRO DE 1995.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18/01/1995, PROCESSO N.º 4172;
-DE 29/11/1995, PROCESSO N.º 1703/05;
-DE 07/02/2007, PROCESSO N.º 3317/06, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 18/02/2009, PROCESSO N.º 2577/08, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 27/05/2010, PROCESSO N.º 66/10.5, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 15/09/2010, PROCESSO N.º 1920/07, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 12/10/2011, PROCESSO N.º 144/06.5, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 31/02/2012, PROCESSO N.º 3436/07.2, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 20/06/2012, PROCESSO N.º 116/09, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 05/12/2012, PROCESSO N.º 499/10.7, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 19/12/2012, PROCESSO N.º 1115/10.2, DISPONÍVEIS IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Na vigência, desde 1 de Janeiro de 2010, do CPT, na redação conferida pelo DL 295/2009, e do artigo 387º do CT/2009:
a) O prazo para as ações de impugnação de despedimento individual fundadas em despedimento disciplinar, inadaptação e extinção por posto de trabalho, comunicados por escrito ao trabalhador, é de 60 dias, sob pena de caducidade;
b) Todos os outros casos de despedimento individual para cuja impugnação o trabalhador deva recorrer à forma de processo comum, tanto a propositura da ação como os créditos emergentes de despedimento ilícito, ficam abrangidos pelo regime de prescrição previsto no nº1 do artº 337º do CT/2009.

2. A manifestação de vontade da entidade empregadora, por escrito, direcionada ao trabalhador no sentido inequívoco de lhe comunicar a cessação do contrato que os ligava, consubstancia um negócio jurídico, unilateral e recipiendo, que se considera perfeito e eficaz, uma vez comunicada ao destinatário tal manifestação de vontade, coincidindo o momento da cessação do contrato com a receção pelo trabalhador daquela declaração.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 4.º Juízo, 2.ª Secção, a presente ação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra “BB, S.A.”, pedindo que seja declarado ilícito o despedimento de que foi alvo e a R. condenada a reintegrá-lo (sem prejuízo de posteriormente optar pela respetiva indemnização) e a pagar-lhe a retribuição correspondente ao mês de Setembro de 2011, acrescida das que se vencerem até final e de juros moratórios, à taxa legal, contabilizados desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que, por carta datada de 1 de Outubro de 2010, a R. comunicou-lhe que considerava cessado o contrato de trabalho, alegando que o A. não comparecia ao serviço desde o dia 15 de Setembro de 2010, quando tal não correspondia à verdade, dado que desde que terminou a situação de baixa médica, em 17 de Agosto de 2010, segundo instruções da R., ficou a aguardar em casa a colocação em serviço que se iria iniciar no Aeroporto de Lisboa. As cartas enviadas pela R., a convocá-lo para iniciar a prestação de serviço a 15 de Setembro, não foram por si recebidas, sem que tal lhe seja imputável, dado ter decorrido lapso dos CTT, facto de que deu conhecimento àquela, mas sem que visse alterada a decisão expressa na carta.

           

2. A R. apresentou contestação, na qual se defendeu por exceção, alegando a prescrição do direito de impugnar o despedimento e, simultaneamente, o abandono de trabalho, bem assim por impugnação, pondo em causa parte da matéria alegada pelo autor.

3. O A. respondeu, pronunciando-se no sentido da improcedência das exceções invocadas.

4. Procedeu-se ao saneamento do processo, relegando para decisão final a apreciação das exceções e dispensou-se a seleção da matéria de facto.

5. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi fixada a matéria de facto e proferida sentença, onde foi decidido que não estava decorrido o prazo para o A. impugnar o despedimento, e se concluiu com o seguinte dispositivo:

«Nestes termos, julgo a presente ação procedente e, em consequência, decido:

a) Declarar ilícito o despedimento do autor promovido pela ré.

b) Condenar a ré a reintegrar o autor, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

c) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 1.033,10 € (mil e trinta e três euros e dez cêntimos), correspondente à retribuição do mês de Setembro de 2010, acrescida das retribuições que se tiverem vencido desde essa data e das que se vierem a vencer, até trânsito da presente sentença, e dos competentes juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento».

6. Por despacho posterior, que ora constitui fls. 194, procedeu-se à retificação da sentença, no dispositivo, de modo a constar «Setembro de 2011», ao invés da data que, por lapso de escrita, fora mencionada.

7. Inconformada com o assim decidido, a R. apresentou recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, mediante acórdão de fls. 212-252, decidido:

«- Em julgar procedente o recurso de apelação, revogando a decisão recorrida;

- Em julgar extinto, por prescrição (art.º 337.º 1, do CT/2009), o direito do A. a impugnar o despedimento, em ação com processo comum, absolvendo a R. dos pedidos deduzidos pelo Autor.»



8. Não se conformando com o assim ajuizado, apresentou, agora o A. recurso de revista – que apelidou de «excecional», todavia, oportunamente corrigido e distribuído como recurso de revista, visto a não verificação, in casu, da condicionante prevista no artigo 721º nº3 do Código de Processo Civil -, cujas alegações remata com a formulação das conclusões que seguem:

«1. O A. intentou ação contra a R. impugnando o despedimento proferido por esta com fundamento em abandono de trabalho invocando e pedindo em suma o seguinte:

a) A R. fundamentara a extinção do posto de trabalho no facto de o A. não ter comparecido ao serviço desde o dia 15 de Setembro de 2010, apesar de ter sido avisado por cartas registadas para se apresentar ao serviço naquele dia;

b) O A. não recebera no entanto tais cartas expedidas pela R. para se apresentar ao serviço pois as mesmas haviam sido devolvidas por erro dos CTT, facto que era do conhecimento da R.;

c) Não tendo ocorrido os pressupostos do abandono do trabalho o despedimento declarado era ilícito e, como tal devia ser a R. condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e ainda a pagar - lhe as retribuições vencidas e vincendas até efetiva reintegração;

2.Dos factos dados por provados nos autos, interessam para a matéria em apreciação no presente recurso os seguintes:

a) O A. foi admitido ao serviço da empresa que prestava serviços de limpeza no Aeroporto de Lisboa em 1996, tendo – se mantido o contrato de trabalho e o exercício dessas funções ao serviço das diversas empresas que tiveram a seu cargo aquela prestação de serviços e tendo transitado pelas mesmas razões para a R. em 1 de Junho de 2010 -factos dados por provados sob os n°s 1 a 6;

b) Estando de "baixa" por doença em 1 de Junho de 2010, o A. apresentou-se ao serviço da R. após a "alta" em 17 de Agosto de 2010, tendo-lhe sido comunicado pela R. que aguardasse em casa que fosse chamado para se apresentar ao serviço, pois a R. ainda não iniciara a prestação de serviços no Aeroporto de Lisboa – factos provados sob os n°s 7 e 8;

c) Não tendo o A, recebido qualquer comunicação da R. para retomar as suas funções, o STAD, Sindicato onde o A. se encontrava filiado, enviou, em 7 de Setembro de 2010, um fax à R. a solicitar a clarificação da situação do A., fax a que a R. respondeu no dia seguinte, dizendo que o A. se podia dirigir diretamente à R. se tivesse quaisquer dúvidas sobre a sua situação – factos provados sob os n°s 19 e 20;

d) Por carta datada de 1 de Outubro de 2010, e recebida pelo A. no dia 6 seguinte, comunicou a R. ao A. que o contrato de trabalho cessava por se presumir o abandono do trabalho porquanto o A. não se apresentara ao serviço em 15 de Setembro de 2010, como lhe fora determinado em comunicação enviada para o efeito - facto dado por provado sob o n° 11;

e) O A., por carta datada de 8 de Outubro de 2010, comunicou à R. que não se apresentara ao serviço por não ter recebido qualquer comunicação para o fazer - facto dado por provado sob o n°13;

f) No seguimento daquela carta do A., a R. teve com o mesmo uma reunião no dia 15 de Outubro de 2010, após o que lhe comunicou por carta datada de 19 de Outubro de 2010, que não modificava a posição assumida na reunião em causa quanto à cessação do contrato de trabalho vigente com o A. – facto provado sob o n°14 e Doc. 6 oferecido com a petição inicial;

g) Tendo o A. logrado obter da R. os n°s de registos das cartas que, alegadamente, a R. lhe havia enviado para se apresentar ao serviço no dia 15 de Setembro de 2010, obteve o A. dos CTT a confirmação de que aquelas cartas não haviam sido entregues por lapso dos seus serviços - factos dados provados sob os n°s 15 e 22;

3. Pressupostos essenciais do abandono do trabalho nos termos do art. 403° do Código do Trabalho são a ausência do trabalhador acompanhada de factos que façam legitimamente concluir que o A. não pretende retomar as suas funções, podendo o empregador beneficiar da presunção de abandono desde que a ausência se prolongue por mais de dez dias úteis sem que o trabalhador informe do motivo da ausência;

4. No caso dos presentes autos a situação é pois diferente, pois não chega sequer a existir ausência do A., pois este, por facto que não lhe foi imputável, não recebeu qualquer comunicação da R. para se apresentar ao serviço, ou seja, nas circunstâncias dos presentes autos, o A. não deixou de comparecer ao serviço, pois pura e simplesmente estava a aguardar que a R. o convocasse para retomar as suas funções de acordo com as instruções recebidas da R. e reiteradas no fax expedido para o Sindicato do A. em 8 de Setembro de 2012;

5. Tendo a R. conhecimento de que o A. não recebera as cartas onde lhe era determinado o regresso ao serviço pois as mesmas haviam sido devolvidas;

6. Sendo o abandono do trabalho uma das modalidades de denúncia do contrato pelo trabalhador, sabia a R. que, no caso dos autos, o A. não manifestara por qualquer ato ou omissão que queria fazer cessar o contrato, antes demonstrara o contrário, como se conclui do fax do Sindicato datado de 7 de Setembro de 2010, não existindo pois o pressuposto da ausência do trabalhador nem funcionando a presunção estabelecida no art. 403°, n°2, do Código do Trabalho;

7. E, por essa razão, o A., tendo recebido no dia 6 de Outubro de 2010 a carta comunicando o abandono do trabalho, logo no dia 8 desse mês e ano comunicou à R. não ter recebido tais cartas para se apresentar ao serviço;

8. E na apreciação desta matéria a R. labora em manifesto erro, quando pretende que recaía sobre o A. o ónus da prova do não recebimento das cartas e da veracidade e credibilidade das comunicações dos CTT que atestavam que as cartas não haviam sido entregues por erro dos seus serviços, pois na verdade esse ónus é da R., como parte a quem aproveita – Ver Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Maio de 2011, parcialmente transcrito nas alegações;

9. E, no caso do abandono do trabalho, embora a redação do art. 403° do Código do Trabalho não seja muito feliz, permite que se perceba o seguinte:

a) O empregador só pode invocar a cessação do contrato de trabalho "após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo";

b) O trabalhador tem a faculdade de ilidir os factos invocados pelo empregador;

10. Ou seja, no caso da cessação do contrato de trabalho com fundamento em abandono, temos dois momentos distintos, quais sejam:

a) O da comunicação pela empresa ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, facultando - se ao trabalhador a possibilidade de ilidir a presunção;

b) Um segundo momento que se sucede ao anterior, em que é lícito ao empregador invocar que o contrato cessou;

11. No caso dos autos tais dois momentos são consubstanciados pelos seguintes factos:

a) Um primeiro momento que é constituído pela carta da R. datada de 1 de Outubro de 2010, recebida pelo A. a 6 do mesmo mês e ano, onde a R. comunica ao A. os fundamentos da presunção do abandono do trabalho, e a que o A. respondeu por carta datada de 8 de Outubro de 2010, onde informa a R. que não havia recebido qualquer comunicação para se apresentar ao serviço;

b) E um segundo momento, que é o da reunião efectuada em 15 de Outubro de 2010, onde a R. informa o A. que não aceita que as referidas cartas não tenham por si sido recebidas e, por essa razão, invoca a cessação do contrato de trabalho, o que confirma por carta datada de 19 de Outubro de 2012;

12. E essa invocação da cessação do contrato, ocorrida em 15 de Outubro de 2012, é que é nula, porquanto à R. cabia a prova dos pressupostos do abandono do trabalho, prova que não fez, não afastando desse modo a ilisão da presunção invocada pelo A., sendo pois essa a data a considerar para efeitos prescricionais, se é que de prescrição se trata;

13. Citando Vaz Serra (in Prescrição Extintiva e Caducidade - Estudo de Direito Civil Português, de Direito Comparado e de Politica Legislativa, Lisboa, 1961, pág. 514: "quer se trate de direitos de crédito, quer de quaisquer outros direitos, o caso pode ser de prescrição ou de caducidade, tudo depende do regime a que a lei pretender submetê-lo. Na caducidade a lei sujeita o direito a um prazo dentro do qual deve ser exercido e, decorrido o qual o direito extingue-se sem atenção à negligência ou inércia do titular, mas apenas com o propósito de garantir que a situação se defina naquele prazo por razões de segurança jurídica; na prescrição as razões de segurança jurídica são temperadas pela ideia da negligência do titular e pela ideia da disponibilidade da outra parte quanto a valer-se da prescrição. Por sua vez, esta distinção funda-se em motivos inspiradores diferentes (num caso motivos puramente objetivos e em regra de interesse público e, no outro, essencialmente o interesse privado) e reflete-se no distinto regime jurídico de ambas as figuras.

Perante cada caso – acrescenta o mesmo autor – a distinção só pode fazer-se mediante interpretação de cada uma das disposições legais onde se fixam prazos para o exercício dos direitos, procurando, através da sua razão de ser e finalidade, se a lei pretende estabelecer um prazo de caducidade ou antes de prescrição. A distinção não parte da diferenciação entre direitos de crédito (aos quais pode também ser aplicável a caducidade) e direitos potestativos (aos quais não está também excluída a possibilidade de ser aplicável a prescrição), nem da diversa índole dos direitos que se extinguem pelo decurso do prazo (por exemplo, o caráter patrimonial do direito a exercer). O problema é de interpretação da lei, de averiguação do fim tido em vista com a disposição legal que submete a vida do direito ao exercício durante certo prazo: são os motivos que impulsionaram o legislador e os efeitos jurídicos que de uma e outra figura resultam que interessam para determinar, em cada caso, que figura jurídica tem a lei em mente."

14. E afinal o regime que passou a constar do art. 298° n° 2 do Código Civil ao estatuir que, quando um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição;

15. No que toca à impugnação do despedimento, a questão deixa de ser clara na sucessão dos Códigos de Trabalho de 2003 e 2009, pois, quer no domínio do Código do Trabalho de 2003, quer no de 2009, existe a regra da prescrição dos créditos salariais, estabelecendo-se a prescrição dos créditos salariais emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, no prazo de um ano contado desde o dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho - Ver arts. 381°, do Código de 2003, e 337°, do Código de 2009;

16. No que toca à impugnação do despedimento o legislador, no Código de 2003, veio a estabelecer no art. 435°, que esse prazo de um ano, era um prazo de caducidade, mas, no Código de 2009, apenas estabeleceu o prazo de caducidade de 60 dias para as ações de impugnação de despedimento por facto imputável ao trabalhador, por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação e de seis meses para os despedimentos coletivos - artigos 397° e 398°, do Código do Trabalho de 2009, e 98° -‑C, do Código de Processo do Trabalho, omitindo qualquer referência à impugnação das outras formas de despedimento;

17. Argumentar-se-á que se aplica o art. 337° do Código do Trabalho de 2009, com a orientação interpretativa que já era feita no domínio da vigência do art. 38° do RJCIT, mas entende-se que assim não é, pois o art. 337°, do Código do Trabalho de 2009, já existia sob a forma do art. 381°, do Código do Trabalho de 2003, e tal não invalidava que se entendesse o prazo de impugnação do despedimento como sendo um prazo de caducidade;

18. A omissão legislativa quanto ao prazo de caducidade da impugnação do despedimento fora dos casos previstos nos artigos 337° e 338° do Código do Trabalho de 2009, e do art. 98.º- C do Código de Processo do Trabalho, só pode ser suprida pela aplicação imperativa da regra do art. 298° n° 2, do Código Civil, considerando-se que o prazo de impugnação do despedimento é um prazo de caducidade;

19. Deste modo, ainda que se considerasse que a carta da R. expedida em 1 de Outubro de 2010 e recebida pelo A. em 6 do mesmo mês e ano, era a carta de comunicação da cessação do contrato de trabalho, tendo a ação sido proposta em 4 de Outubro de 2011, a mesma dera entrada três dias antes de decorrido o prazo de caducidade;

20. Mas, ainda que assim se não entenda, e como atrás se viu, só após o A. ter ilidido a presunção do abandono do trabalho a R. decidiu, na reunião de 15 de Outubro de 2010, invocar a cessação do contrato, não o podendo fazer antes por força do estabelecido no art. 403° n°s 3 e 4, do Código do Trabalho;

21. Assim sendo, como é, ainda que se considere que o A. tinha o prazo prescricional de um ano para intentar a ação - o que não se concede - sempre tal prazo só poderia contar-se a partir da reunião de 15 de Outubro de 2010, pois antes o empregador não podia “invocar" o despedimento do A.;

22. Nem antes desse dia 15 de Outubro de 2010, poderia ter sido iniciada a contagem do prazo prescricional, porquanto o direito de invocar a cessação contratual não havia sido constituído antes dessa data, e o A. não poderia pois antes dessa data ter impugnado um facto ainda inexistente - art. 306°, do Código Civil;

23. A ação intentada pelo A. contra a R. e que deu entrada em Juízo em 4 de Outubro de 2011, foi intentada atempadamente, quer se entenda que tal prazo de impugnação era um prazo de caducidade, quer se entenda (em violação do art. 298°, n°2, do Código Civil) que o prazo era de prescrição;

24. O presente recurso, como recurso excecional de revista que é, só é admissível nos casos previstos no art. 721.º-A, do Código de Processo Civil;

25. No caso dos autos, a errada elaboração do Código do Trabalho de 2009, ao deixar de fora a clarificação sobre a qualificação como prescricional ou de caducidade do prazo de impugnação de despedimento fora das situações reguladas nos arts. 336° e 337°, deixou questão de relevância jurídica importante por resolver criando uma incerteza na aplicação do direito que se impõe solucionar, tanto mais quando é certo que é questão demasiado importante na tutela dos direitos sociais;

26. E o mesmo sucede com a indeterminação quanto ao início da contagem do prazo de impugnação de um despedimento com fundamento em abandono do trabalho quando o facto que serve de fundamento para tal decisão resolutiva foi ilidido por prova produzida pelo trabalhador, no prazo que dispunha para o efeito;

27. Estão em causa interesses de particular relevância social pois a conflitualidade gerada pela incerteza na aplicação do direito importa sobremaneira numa área em que a repercussão dos efeitos de uma errada interpretação na aplicação do direito tem muitas vezes em quem depende exclusivamente de ordenados baixos para viver;

28. E o Acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, não fez interpretação convincente e violou o art. 403°, n.°s 3 e 4, do Código do Trabalho de 2009 e os arts. 298°, n°2, e 306°, do Código Civil;

29. Deve pois o presente recurso ser recebido e em resultado da apreciação das questões suscitadas ser clarificado o direito e anulado o Acórdão recorrido, dando - se procedência à ação, nos termos peticionados.».

Termina, pedindo que seja «dado provimento ao presente recurso, anulando-se o Acórdão proferido e dando-se procedência à ação nos termos peticionados».

9. A R. apresentou contra-alegações, onde defende que o prazo para impugnar o despedimento é de um ano e corresponde a um prazo de prescrição, o qual já se deve contar desde a data da receção, pelo A., da carta a comunicar-lhe o despedimento atento o abandono do posto do trabalho e que o mesmo já se encontrava decorrido quando o A. instaurou a presente ação, concluindo, assim, pela manutenção do acórdão recorrido.

10. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal, formulou parecer conforme fls. 377/386 – ao qual nenhuma das partes ofereceu resposta –, pronunciando-se no sentido de ser negada a revista, porquanto, à data em que a R. foi citada para os termos da presente ação já se encontrava extinto, por prescrição, o direito do A. impugnar o despedimento, sendo, assim, de confirmar o acórdão recorrido.

11. Como resulta das conclusões da revista, por onde se afere e delimita o objecto do recurso, inexistindo temáticas de conhecimento oficioso que cumpra conhecer, as questões a apreciar traduzem-se em saber:

i.  Sendo aplicável à impugnação de despedimento fora dos casos previstos nos artigos 387.º e 388.º do Código do Trabalho de 2009 o prazo estabelecido no art. 337.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, é o mesmo de caducidade ou de prescrição?

ii. No caso de o vínculo laboral cessar por comunicação da situação de abandono do posto de trabalho, quando se inicia a contagem desse prazo?

 
II. Factualidade provada

As instâncias deram como provados os seguintes factos:  
1. A ré é uma empresa que se dedica à prestação de serviços em aeroportos, nomeadamente de limpeza de instalações e aeronaves.
2. O autor foi admitido ao serviço da empresa que prestava serviços de limpeza no Aeroporto de Lisboa, exercendo funções desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde 1996.
3. Tendo estado desde então a prestar funções naquele local e mantendo o contrato de trabalho com cada uma das empresas que se foram sucedendo umas às outras na execução dos serviços de limpeza.
4. Até 31 de Maio de 2010, o autor esteve ao serviço da empresa CC – ..., S.A., com a categoria de Controlador de Aeronaves, cabendo-lhe a função de interação e coordenação das equipas de limpeza dos voos e dos aviões a limpar.
5. O autor auferia ultimamente a retribuição de 582,62 €, acrescida de 40,04 € de subsídio de alimentação, de 28,10 € de subsídio de transporte, 48,14 € de prémio e 334,20 €, tudo perfazendo a quantia mensal de 1.033,10 €.
6. Em 1 de Junho de 2010, a ora ré sucedeu à CC na execução dos serviços de limpeza, tendo o autor mantido o contrato de trabalho com a ré.
7. O autor, nessa data, encontrava-se de baixa médica, a qual terminou no dia 17 de Agosto de 2010.
8. A ré comunicou ao autor, após o termo da baixa médica, para aguardar em casa, em virtude de ainda não ter iniciado o serviço no aeroporto.
9. Comunicação que foi igualmente feita aos restantes trabalhadores que passaram para os quadros da ré.
10. Sendo que apenas em 1 de Setembro de 2010 a ré iniciou a prestação de serviços de limpeza no Aeroporto de Lisboa.
11. Por carta datada de 1 de Outubro de 2010 e recebida pelo autor no dia 6 do mesmo mês, a ré comunicou-lhe que considerava cessado o contrato de trabalho uma vez que o autor já não comparecia ao serviço desde o dia 15 de Setembro de 2010 (documento de fls. 13 cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido).
12. O autor contactou a ré, tendo sido informado que lhe tinham sido enviadas duas cartas para se apresentar ao serviço no dia 15 de Setembro de 2010.
13. Razão pela qual o autor de imediato escreveu uma carta à ré, em 8 de Outubro de 2010, nos termos que resultam do documento de fls. 15 e 16 cujo teor se considera integralmente reproduzido.
14. Carta que a ré recebeu, mas que não determinou qualquer modificação da sua posição, conforme lhe foi comunicado em reunião havida no dia 15 de Outubro de 2010.
15. Tendo o autor logrado que a ré lhe desse a conhecer os nºs de registos das cartas que, alegadamente, lhe haviam sido remetidas para se apresentar ao serviço no dia 15 de Setembro de 2010, o autor obteve a confirmação pelos CTT de que, de facto, tais cartas não haviam chegado ao seu destino por lapso dos seus serviços.
16. Facto que o autor deu a conhecer à ré mas que não teve a virtualidade de modificar a situação.
17. Em reunião havida na sede da ré no dia 18 de Novembro de 2010, a ré reiterou a afirmação de que o autor já não fazia parte dos quadros da ré.
18. Nessa reunião, a ré propôs ao autor uma nova função/categoria, mantendo a retribuição, proposta que o autor recusou.
19. No dia 7 de Setembro de 2010, a ré recebeu do STAD, sindicato onde o autor se encontra filiado, um fax a indagar da situação laboral do autor (documento de fls. 57 cujo teor se considera integralmente reproduzido).
20. Tendo a ré respondido a esse fax em 8 de Setembro de 2010 (documento fls. 58 cujo teor se considera reproduzido)
21. O autor não compareceu ao serviço a partir do dia 15 de Setembro de 2010.
22. As cartas para o autor se apresentar ao trabalho foram remetidas para a morada correta do autor, não tendo sido entregues devido a lapso dos CTT.

III. Conhecendo

1. Natureza do prazo para impugnar o despedimento fora dos casos previstos nos artigos 387.º e 388.º do Código do Trabalho de 2009.

Em nota prévia, cumpre salientar que, atendendo à data dos factos em apreciação nos presentes autos, correspondentes à cessação do vínculo laboral – Outubro de 2010 – é aplicável o regime jurídico estabelecido pelo Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (CT/2009) e do Código do Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro; 38/2003, de 8 de Março e 295/2009, de 13 de Outubro.

Defende o recorrente, que «[a] omissão legislativa quanto ao prazo de caducidade da impugnação do despedimento fora dos casos previstos nos arts. 337° e 338° do Código do Trabalho de 2009, [quereria, certamente, referir-se aos arts. 387.º e 388.º do Código do Trabalho de 2009] e do art. 98.º-C, do Código de Processo do Trabalho, só pode ser suprida pela aplicação imperativa da  regra do art. 298°, n° 2, do Código Civil, considerando-se que o prazo de impugnação do despedimento é um prazo de caducidade» não sendo, assim, de seguir «a orientação interpretativa que já era feita no domínio da vigência do art. 38°, do RJCIT» uma vez que «o art. 337°, [dizer, o art. 387.º] do Código do Trabalho de 2009, já existia sob a forma do art. 381°, do Código do Trabalho de 2003, e tal não invalidava que se entendesse o prazo de impugnação do despedimento como sendo um prazo de caducidade».

As instâncias, embora concordando que é de aplicar o prazo estabelecido no art. 337.º, n.º 1, do CT de 2009 nas acções de impugnação de despedimento fora dos casos previstos nos artigos 387.º e 388.º do mesmo diploma legal, divergiram quanto à natureza desse prazo. Enquanto a 1.ª instância afirmou que, por se tratar de um direito que deve ser exercido dentro de determinado prazo, o mesmo é de caducidade, atento o disposto no art. 298.º, n.º 2 do Código Civil; a Relação afirmou que se trata de um prazo de prescrição.

Em apreciação desta concreta questão, no acórdão recorrido foi exarada a seguinte fundamentação:

«II.2.1 Para melhor se compreender a resposta a dar à questão de saber se à ação de impugnação de despedimento, nos casos em que deva seguir a forma de processo comum, é aplicável o prazo de prescrição do art.º 337.º n.º1, do CT, seguiremos com uma breve retrospetiva a propósito da impugnação judicial do despedimento, retrocedendo ao Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro [Lei da Cessação do Contrato de Trabalho e Contrato a Termo], em cujo art.º 12.º, no n.º2, se estabelecia que “A ilicitude do despedimento só pode ser declarada pelo tribunal em ação intentada pelo trabalhador”.

Colocava-se, então, o problema de saber qual o prazo de propositura da ação de impugnação do despedimento, dado o legislador não ter cuidado de tomar posição expressa na LCCT.

Embora a resposta não tenha sido consensual, o entendimento que veio a afirmar-se predominante, particularmente na jurisprudência, defendia que o prazo de prescrição dos créditos laborais fixado no art.º 38.º n.º1, da LCT era aplicável aos efeitos decorrentes da ilicitude do despedimento. Disso nos dá nota o Acórdão do STJ, de 7 de Fevereiro de 2007, onde se escreve “Na vigência (..) do artigo 38º da LCT, entendia-se que o prazo de prescrição anual aí estabelecido se aplicava a todos os créditos emergentes do contrato de trabalho ainda que se trate de direitos que derivam de um despedimento ilícito, quer a ação de impugnação tenha por finalidade o pagamento das importâncias correspondentes ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir, quer se destine a obter a reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho ou a indemnização substitutiva (cfr. acórdão do STJ de 18 de Janeiro de 1995, in AD n.º 401, pág. 608, e jurisprudência aí citada). Esta interpretação radica na ideia de que a expressão "créditos" usada no referido dispositivo não corresponde ao sentido técnico-jurídico de prestação pecuniária que lhe poderia ser atribuído no quadro do direito das obrigações, mas abarca, na especificidade própria do direito laboral, o acervo de direitos que se constituem na esfera jurídica do trabalhador por efeito das vicissitudes associadas à violação ou à cessação do contrato. (..)” [Proc.º n.º 06S3317, Fernandes Cadilha, disponível em www.dgsi.pt/jstj].

Subsequentemente, com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, é revogado o Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro [cfr. art.º 21.º n.º1 al. m)]. Sobre a impugnação do despedimento, o art.º 435.º do CT (2003), no seu n.º 1, na esteira do correspondente e revogado art.º 12.º da LCCT, veio dispor o seguinte:

- «A ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em ação intentada pelo trabalhador».

Mas indo mais além, o legislador inovou ao introduzir uma nova norma, no n.º 2 desse artigo, dispondo o seguinte:

[2] «A ação de impugnação de despedimento tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento, exceto no caso de despedimento coletivo em que a ação de impugnação tem de ser intentada no prazo de seis meses contados da cessação do contrato».

Ficou, assim, resolvido o problema decorrente da lacuna existente na anterior lei, fixando-se através desta norma o prazo de impugnação do despedimento.

Como assinala Pedro Furtado Martins, veio a entender-se que “(..) o prazo do art.º 435.º n.º2, do CT 03 é qualificado como um prazo de caducidade, aplicável ao direito de impugnação do despedimento, diferente do prazo de prescrição do art.º 381.º 1, do CT/2003, cujo âmbito de aplicação ficaria circunscrito aos créditos emergentes do contrato diretamente resultantes da sua cessação. Os direitos associados à ilicitude do despedimento não seriam, assim, sujeitos a esse prazo prescricional: desde que o despedimento fosse impugnado dentro do prazo do art.º 435.º2, continuaria a ser possível fazer valer esses direitos” [Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, 2012, p, 410].

Expressão da permanência desse entendimento encontra-se no recente Acórdão do STJ, de 26-06-2012, em cujo sumário se fez consignar o seguinte: “O legislador, ao estabelecer no artigo 435.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, o prazo de um ano para a propositura da acção de impugnação de despedimento, quis qualificá-lo como prazo de caducidade, ao abrigo do disposto no artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil, afastando os créditos emergentes dum despedimento ilícito – reintegração ou indemnização optativa, retribuições intercalares e danos não patrimoniais – do regime contido no artigo 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho.”

 [Processo n.º 116/09.8TTGMR.P1.S1- 4.ª Secção, Gonçalves Rocha, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social2012.pdf].

O art.º 381.º n.º1, do CT/2003, em termos idênticos ao anterior art.º 38.º n.º1, da LCT., dispunha o seguinte:

- [381.º/1] “Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

A Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, ao aprovar o novo Código do Trabalho, estabeleceu logo que o mesmo deveria ser objeto de revisão “(..) no prazo de quatro anos a contar da data da sua entrada em vigor” [art.º 20.º]. É nesse desiderato que se insere o “Livro Branco das Relações Laborais” (2007), como resultado do trabalho da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, criada pela resolução do Conselho de Ministros n.º 160/2006, publicada no Diário da República de 30 de Novembro. No que respeita à cessação do contrato de trabalho, e mais especificamente ao despedimento, do Livro Branco das Relações Laborais, para além do mais, resultou a recomendação, no que respeita ao direito substantivo da “(..) manutenção da exigência de uma acusação escrita e da comunicação da intenção de despedir”, bem como da “(..) manutenção da obrigatoriedade da decisão final escrita e fundamentada”; e, quanto ao direito adjetivo, a consideração inovatória de que “(..) o impulso processual caberá ao trabalhador, que se limitará a alegar a realização do despedimento (..)”, referindo-se, a propósito, que essa solução permitiria reduzir substancialmente o prazo de propositura da ação de impugnação.

O acolhimento destas recomendações levou à introdução do atual art.º 387.º do Código do Trabalho revisto (2009), aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Assim, no que aqui importa, dispõe este artigo o seguinte:

[1] A regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial.

[2] O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, exceto no caso previsto no artigo seguinte.

[3] (..)

[4] (..)

A norma contida no n.º 2, veio, assim, introduzir alterações substanciais relativamente ao anterior regime de impugnação do despedimento ilícito, constante do 435.º n.2 do CT/2003. Por um lado, apontando no sentido de um novo meio para exercer o direito de oposição ao despedimento, agora meramente dependente da apresentação de “requerimento em formulário próprio”; e, por outro, estabelecendo um novo prazo (e substancialmente inferior) para o exercício do direito, ou seja, de 60 dias.

Acontece, porém, que inexistindo o meio processual adequado, para dar resposta ao direito substantivo era necessário alterar o Código de Processo do Trabalho, criando uma forma de processo que se iniciasse com a mera apresentação de requerimento em formulário próprio, nos termos inovadores previstos no n.º2, do art.º 387.º, do CT/2009.

Justamente por isso, a entrada em vigor do art.º 387.º, ficou dependente da “(..) data de início de vigência da legislação que proceda à revisão do Código de Processo do Trabalho” [art.º 14.º da Lei n.º 7/2009], o que viria a concretizar-se em 1 de Janeiro de 2010 [art.º 9.º, do Decreto-Lei n.º 295/2009, que procedeu à revisão do CPT].

Em consonância, no que respeita ao art.º 435.º do CT/2003, o art.º 12.º, no seu n.º 5, da Lei 7/2009, retardou os efeitos da revogação, fazendo-a coincidir com a futura entrada em vigor do art.º 387.º, ou seja, para produzir “efeitos a partir da entrada em vigor da revisão do Código de Processo de Trabalho”.

Assim, a 1 de Janeiro de 2010, com a entrada em vigor o Código de Processo de Trabalho revisto, operou-se a revogação do art.º 435.º do CT 03, e na mesma data entrou em vigor o art.º 387.º do CT 09 (revisto).

Dos n.ºs 1 e 2 do art.º 387º do CT, resulta que a regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial, podendo o trabalhador opor-se ao despedimento mediante a apresentação de requerimento em formulário próprio, no prazo de 60 dias contados da receção da comunicação ou da data da cessação do contrato, se posterior.

Nesse quadro, à partida, poderia crer-se ser propósito do legislador sujeitar a apreciação da regularidade e licitude de todos os despedimentos individuais à nova ação que viesse a possibilitar ao trabalhador a impugnação judicial, mediante a mera “apresentação de requerimento em formulário próprio, no prazo de sessenta dias (..)”. Na verdade, se bem atentarmos no n.º 2, do art.º 387.º, não resulta daí qualquer distinção entre despedimentos, isto é, quer tenha sido observado o procedimento próprio quer não, e indiferentemente da forma de comunicação ao trabalhador.

Porém, como se sabe, não foi esse o caminho seguido. Revisto o Código de Processo do Trabalho, foi então introduzida a nova acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, processo especial regulado nos artigos 98.º B a 98.º P, a propósito da qual, procurando tornar claras as razões que levaram à solução consagrada, o legislador proclama na exposição de motivos (do DL 295/2009) o seguinte:

- «Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT, prosseguindo a reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais e consubstanciado no acordo de concertação social entre o Governo e os parceiros sociais para reforma das relações laborais, de 25 de Junho de 2008 (..) cria -se agora no direito adjetivo uma ação declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a ação inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT. (..)

Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT».

Por conseguinte, como logo ali foi afirmado pelo legislador, a solução encontrada e que veio a ser consagrada veio, afinal, a distinguir entre duas realidades, isto é, a dos despedimentos individuais em que a comunicação ao trabalhador é feita por escrito, e as demais situações, em que há um despedimento verbal ou de facto. A nova ação aplica-se apenas aos despedimentos que se enquadrem no primeiro caso; e, quanto às demais situações, seguir-se-á a forma de processo comum.

Assim, na concretização desse propósito, no n.º 1 do art.º 98.º C, do CPT, dispõe-se que “Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.

Importa precisar que esta solução não assenta no pressuposto da existência de um determinado procedimento prévio à comunicação do despedimento. Apenas exige “(..) que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual(..)”. Nestes casos, a ação própria para a impugnação de despedimento é sempre a prevista no art.º 98.º B e seguintes, ficando de todo arredada a possibilidade de impugnação através do processo comum.

Nas palavras do malogrado Albino Mendes Baptista, a nova ação especial é aplicável “(..) aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal” [A Nova Ação de Impugnação do Despedimento e a Revisão do Código de Processo de Trabalho, Coimbra Editora, 2010, p. 73].

A razão de ser desta opção, criando um processo especial destinado a ser aplicável apenas aos casos em que há comunicação escrita do despedimento, assenta no pressuposto de que nestes casos o despedimento individual é indiscutível e, logo, que a ação possa correr com maior celeridade. O que se discutirá é a sua regularidade e licitude, sem que o trabalhador necessite já de fazer prova do despedimento, sendo bastante a junção da comunicação da decisão de despedimento por escrito. 

Fora do âmbito de aplicação desta ação ficam os demais despedimentos, nomeadamente os de facto ou por mera declaração verbal, cuja impugnação será feita através do processo declarativo comum.

Ora, se para a propositura da ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, seguindo o processo especial dos artigos 98.º B e seguintes, a lei estipula o prazo, isto é, “(..) de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior”  [n.º2, do art.º 387.º], já o mesmo não acontece para as situações em que o despedimento individual não tenha sido formalizado por escrito, sendo a impugnação feita pela interposição de uma ação declarativa comum, inexistindo norma que diretamente imponha um prazo.

Daí que, à semelhança do que ocorria no domínio da LCCT, isto é, antes da introdução do art.º 435.º n.º2, do CT/2003, agora se coloque de novo a questão de saber em que prazo deve ser proposta a ação de impugnação desses despedimentos, com processo comum, num quadro legal em que existe um prazo de caducidade de 60 dias aplicável à nova acção especial (art.º 387.º2), um prazo de seis meses para impugnação do despedimento coletivo (art.º 388.º n.º2) e um prazo de prescrição, previsto no art.º 337.º n.º1, onde se dispõe, em termos paralelos aos antecedentes art.º 38.º 1º da LCT e 381.º1 do CT72003, o seguinte:

- “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou da cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

É evidente que iria colocar-se a necessidade de se saber qual o prazo concreto para o trabalhador exercer o direito de impugnação judicial do despedimento, fora dos casos cobertos pela conjugação do n.º2, do art.º 387.º 2, do CT, com o n.º 1 do art.º 98.º C, do CPT, mal se compreendendo esta omissão do legislador.

Assim, estando-se seguramente perante uma situação cuja relevância jurídica reclamava ser regulada através de norma própria, mas que não o foi, há uma lacuna da lei, cabendo, pois, proceder à sua integração através da analogia, atendendo ao disposto no art.º 10.º,n.ºs 1 e 2, do Código Civil.

Com efeito, o primeiro recurso estabelecido na lei para disciplinar o caso omisso é o da norma aplicável aos casos análogos, devendo ter-se presente que “A analogia das situações mede-se em função das razões justificativas da solução fixada na lei, e não por obediência à mera semelhança formal das situações” [Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pp. 59].

Aparentemente o legislador não se apercebeu que a questão iria ser suscitada, dando-a até por resolvida, ao proclamar na exposição de motivos do DL 295/2009, que aprova o novo Código do Processo do Trabalho, que “Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT».

Na verdade, embora com discutível técnica jurídica, desde logo, porque a exposição de motivos não é lei, mas apenas uma proclamação da intenção legislativa, vontade que depois pode ser melhor ou pior concretizada no texto legal, mas que sempre precisa de ser concretizada, é manifesto que a intenção do legislador foi a de estabelecer um prazo de caducidade para as acções de impugnação de despedimento individual fundadas em despedimento disciplinar, inadaptação e extinção por posto de trabalho, comunicados por escrito ao trabalhador, isto é, o prazo de 60 dias do n.º2, do art.º 387.º do CT/2009, assumindo que para todos os outros casos de despedimento individual, para cuja impugnação o trabalhador deve recorrer à forma de processo comum, não existe prazo de caducidade do direito de acção, antes ficando a propositura da acção e os créditos emergentes de despedimento ilícito, abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT/2009.

É uma solução possível. A intenção expressa pelo legislador no preâmbulo não supre a omissão, mas é indiscutivelmente um argumento a considerar, tanto mais que se reconduz a uma solução que nem sequer é inédita, dado corresponder ao entendimento sufragado por parte da doutrina e que prevaleceu na jurisprudência dos tribunais superiores para resolver a omissão da LCCT, recorrendo ao prazo de prescrição do art.º 38.º da LCT.

Aceitar esta solução como válida, assentará precisamente no pressuposto que sustentava aquela posição, ou seja, como se escreve no Acórdão do STJ acima invocado e citado, «Esta interpretação radica na ideia de que a expressão "créditos" usada no referido dispositivo não corresponde ao sentido técnico-jurídico de prestação pecuniária que lhe poderia ser atribuído no quadro do direito das obrigações, mas abarca, na especificidade própria do direito laboral, o acervo de direitos que se constituem na esfera jurídica do trabalhador por efeito das vicissitudes associadas à violação ou à cessação do contrato».

E, justamente por isso, crê-se que também agora não ofende qualquer princípio jurídico, nomeadamente no que se refere à aplicação analógica (art.º 10.º 1 e 2, do CC), pois continua a prever-se expressamente que os créditos laborais prescrevem no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho.

Por outro lado, sendo certo que do disposto no n.º 2, do art.º 298.º do CC, decorre que, em regra, os prazos de propositura de ação são de caducidade, “Prevê-se, no entanto, que a própria lei os sujeite a um regime de prescrição. O simples emprego desta palavra prescrição, na disposição em que se fixa para o exercício do direito (..) tem, portanto, segundo esta regra interpretativa, como consequência afastar-se o regime da caducidade (..) [Pires de Lima e Antunes Varela, Op. cit, pp. 272].

Ora, no caso tão pouco há norma. Assim, o que se pode retirar do art.º 298.º, do CC, como contributo para a integração da lacuna, é que, como regra, os prazos de propositura da ação são de caducidade, mas tal não exclui que possam ser de prescrição.

Aludindo aos prazos de propositura da ação de impugnação de despedimento, Albino Mendes Batista, embora sem colocar a questão como estando-se perante uma omissão legislativa, afirma que o prazo para a propositura desta acção será de um ano, nos termos do art.º 337.º, n.º 1, do CT (prazo de prescrição de créditos laborais), passando, assim, a ter-se duas acções de impugnação do despedimento, sujeitas a prazos diferenciados e de natureza diferente (num caso de caducidade e no outro de prescrição) [Op. cit., p. 73 e sts.].

Citando o referido autor, que acompanha, Paulo Sousa Pinheiro, depois de se referir à ação especial de impugnação e regularidade e licitude do despedimento, a interpor no prazo de 60 dias previsto no n.º2, art.º 387.º n.º2, defende que “Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º1 do artigo 337.º do CT” [intervenção (texto publicado) no âmbito da Ação de Formação Continua de Magistrados, Centro de Estudos Judiciários, “As alterações ao Código do Trabalho e de Processo do Trabalho, Questões Práticas, 11 de Fevereiro de 2010, Auditório da Escola de Direito do Centro Regional do Porto da Universidade católica Portuguesa].

No mesmo sentido pronuncia-se José Eusébio de Almeida, no trabalho sobre “A Nova Ação de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento”, escrevendo que “O prazo de sessenta dias refere-se apenas aos casos em que é aplicável a nova ação e o antigo prazo (ainda de caducidade) previsto no art.º 435.º n.º2, do CT/2003 – o prazo de uma ano desapareceu. Resta, por isso, o prazo (de prescrição) previsto no art.º 337.º 1, do CT. Assim, passamos a ter o prazo de caducidade de sessenta dias quando for aplicável a nova ação especial; o prazo de caducidade de um ano se ainda for processo comum e aplicável o prazo decorrente do anterior Código do Trabalho; o prazo de prescrição de um ano para os novos processos comuns e, ainda, o prazo de caducidade de seis meses para os processos especiais de impugnação de despedimento colectivo” [Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 85, Janeiro-Abril de 2010, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, p. 104, nota 4].

Nesse mesmo sentido, embora pronunciando-se na apreciação de questão cujo fulcro não era coincidente com o deste recurso, no Acórdão da Relação de Coimbra, de 24-05-2012, estribando-se na posição assumida pelo legislador no preâmbulo do DL 295/2009, afirma-se que “Resulta do transcrito que a intenção do legislador foi a de estabelecer um prazo de caducidade para as ações de impugnação de despedimento individual fundadas em despedimento disciplinar, inadaptação e extinção por posto de trabalho, comunicados por escrito ao trabalhador. Em todos os outros casos de despedimento individual (p. ex., os despedimentos verbais), para cuja impugnação o trabalhador deve recorrer à forma de processo comum não existe prazo de caducidade do direito de ação e os créditos emergentes de despedimento ilícito ficam apenas abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT/2009. O contributo da parte do preâmbulo transcrito encontra apoio na letra da lei, conjugando as normas substantivas e adjetivas [Proc.º n.º 888/11.0TTLRA-A.C1, Azevedo Mendes, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc].

Crê-se não existir, por ora, jurisprudência publicada a propósito desta questão. Pelo menos, consultados os Boletins Anuais de Sumários da Secção Social do STJ, de 2010 a Janeiro de 2013, publicados no sítio www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social, bem assim a Base de Dados do ITIJ, neste caso no respeitante à jurisprudência dos Tribunais das Relações, não se logrou localizar qualquer aresto onde diretamente se aborde esta questão.

Porém, note-se, não é de estranhar. Sendo certo que é uma questão com relevo, a verdade é que na prática essa relevância só emerge em situações de fronteira, quando a acção de impugnação de despedimento (não comunicado ao trabalhador por escrito) é proposta em cima do limite do prazo de um ano, já que é nesses casos que não é indiferente considerar-se que a propositura está sujeita ao prazo geral de arguição das anulabilidades, previsto no art.º 287.º2, do CC, ou ao prazo para reclamação dos créditos laborais, este decorrente do art.º 337.º n.º1, do CT/2009. Com efeito, embora em ambos os casos se trate do prazo de um ano, sendo o primeiro um prazo de caducidade e este último um prazo de prescrição, estamos perante prazos sujeitos a regimes jurídicos distintos, desde logo, quanto ao início de contagem (art.º 329.º e 306.º do CC) e quanto à admissibilidade de interrupção (art.ºs  328.º e 323.º a 326.º, do CC).

Em sentido diverso dos acima assinalados, pronuncia-se a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, que aborda a questão do prazo aplicável à ação com processo comum, ao referir-se às dúvidas suscitadas pelo art.º 387.º n.º2, do CT/2009, por contrariamente ao sugerido, atenta o previsto nos artigos 98.º B e seguintes do CPT, que regulam a acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, não parecer ser aplicável a todas as modalidades de despedimento, nomeadamente àquelas que não envolvam um despedimento formal, exemplificando, entre outros, com o caso de um despedimento liminar e verbal. Assim, escreve a autora “Uma via para resolver este problema é considerar que, sempre que não haja um despedimento individual formalizado, o trabalhador não pode recorrer a este processo especial mas deve recorrer antes ao processo laboral comum, no prazo geral de um ano sobre a cessação do contrato de trabalho – recorrendo-se a este prazo não só porque é este o prazo geral de arguição de anulabilidades (art.º 287.º do CC), mas também porque é o prazo legal de reclamação de créditos laborais (art.º 337.º n.º 1 do CT)” [Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, pp. 945].

Com o devido respeito, pela diversidade de regimes correspondentes à caducidade e à prescrição, o que leva a que não seja indiferente a natureza do prazo, temos reservas em aceitar o argumento de estarmos perante um prazo igual de um ano, para considerar tal determinante na defesa da aplicação do prazo geral de arguição de anulabilidade, previsto no art.º 287.º n.º2, do CC.

Equacionando a questão suscitada pela omissão de norma que estabeleça o prazo de propositura da ação de impugnação de despedimento, nas situações fora da previsão do n.º 1 do art.º 98.º C, do CPT, em que é aplicável o processo comum, Pedro Furtado Martins configura três possibilidades, apontando caber determinar se “(..) a invalidade é arguível a todo o tempo, sem dependência de prazo, ou se será de aplicar o prazo de um ano. Nesta última solução, questiona-se ainda se esse é o prazo geral de caducidade que o art.º 287.º do Código Civil prevê para a arguição de caducidade dos atos anuláveis, ou o prazo de prescrição dos créditos laborais (art.º 337.º 1)”. [Op. Cit. p. 406/407].

Em seguida, procurando dar-lhe resposta, começa por assumir que a qualificação como anulabilidade se lhe afigura como a mais apropriada, para além do mais, “(..) tendo em conta que a invalidade em causa não é de conhecimento oficioso, só pode ser invocada pelo trabalhador e tem de ser apreciada e reconhecida judicialmente”,  para concluir que de acordo com essa solução, a ação de impugnação de despedimento ilícito com processo comum estaria sujeita ao prazo geral de caducidade de um ano, previsto no art.º 287.º 1 do Código Civil.

Importa referir que o citado autor iniciou a apreciação começando por assinalar que essa fora a posição sustentada na vigência da LCCT, o que vale por dizer, divergente da que então se veio a afirmar na jurisprudência e, inclusive, aceite por parte da doutrina.

Contudo, revendo essa posição, prossegue o autor dizendo parecer-lhe “(..) hoje que, independentemente da qualificação da invalidade aqui em causa, se justifica repensar o problema da interposição da ação de impugnação, pois talvez a aplicação do prazo de caducidade, nestas situações não seja a melhor solução. A interrogação resulta das dificuldades suscitadas pela articulação entre o prazo geral de caducidade e o prazo de prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação”.

Dá continuidade ao seu raciocínio com recurso a exemplos, sujeitos à aplicação do n.º 2, do art.º 435.º, do CT/2003, na consideração firmada pela jurisprudência, e aqui defendida também por si na esteira do entendimento anterior, de se tratar de um prazo de caducidade para a propositura da ação de impugnação de despedimento, abrangendo os créditos decorrentes da ilicitude do despedimento, mas deixando de fora outros créditos laborais que fossem reclamados na sequência da cessação do contrato de trabalho e na mesma ação, a estes aplicando-lhes o prazo de prescrição do art.º 381.º n.º1, do mesmo código, para evidenciar resultados que o levam a propender “hoje para entender que esta não é a solução mais consentânea com uma interpretação sistematicamente integrada de todas as normas envolvidas”. Conclui aqui, dizendo, “Com efeito, não parece coerente afirmar simultaneamente que os créditos emergentes de contrato de trabalho prescreveram porque decorreu um ano após a sua cessação factual, mas que se mantêm os créditos directamente conexos com a ilicitude do despedimento e com a sobrevivência do vínculo jurídico por força da declaração judicial da ilicitude do despedimento” [Op. cit., p. 411].

Nesse pressuposto, mais adiante, conclui definitivamente o seguinte:

- “Como dissemos, a ponderação das consequências da solução faz-nos propender para uma interpretação diferente que assegure uma articulação mais harmoniosa das consequências da aplicação do prazo de interposição da ação de impugnação do despedimento com processo comum e do prazo de prescrição dos créditos laborais, aí incluindo os emergentes da cessação do contrato. Tal solução passa por considerar, contrariamente ao que nós próprios sustentávamos anteriormente e aderindo à tese que era dominante na legislação anterior ao CT /2003, que o prazo de prescrição do art.º 337.º 1, abrange também os créditos emergentes da realização de um despedimento ilícito e, nesta medida, funciona como um prazo que condiciona a interposição da acção de impugnação sempre que esta revista a forma de processo comum” [Op. cit. p.412].

Ponderando tudo o exposto, cremos que solução mais ajustada para integrar a lacuna legislativa no que respeita ao prazo de propositura da acção de impugnação de despedimento, nas situações fora da previsão do n.º 1 do art.º 98.º C, do CPT, em que é aplicável o processo comum, é precisamente a de afirmar a aplicação do prazo de prescrição previsto no art.º 337.º n.º1, do CT/2009. Em abono desta posição cremos concorrerem os argumentos seguintes:

- Trata-se de uma solução que corresponde ao entendimento sufragado por parte da doutrina e que prevaleceu na jurisprudência dos tribunais superiores para resolver a omissão da LCCT, recorrendo ao prazo de prescrição do art.º 38.º n.º1, da LCT, assentando na ideia, que nos parece permanecer inteiramente válida, de que “a expressão "créditos" usada no referido dispositivo não corresponde ao sentido técnico-jurídico de prestação pecuniária que lhe poderia ser atribuído no quadro do direito das obrigações, mas abarca, na especificidade própria do direito laboral, o acervo de direitos que se constituem na esfera jurídica do trabalhador por efeito das vicissitudes associadas à violação ou à cessação do contrato».

- Não cremos que esta solução ofenda qualquer princípio jurídico, nomeadamente no que se refere à aplicação analógica (art.º 10.º 1 e 2, do CC), pois continua a prever-se expressamente que os créditos laborais prescrevem no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho.

- E, como certeiramente assinala Pedro Furtado Martins, configura-se como uma solução que assegura “uma articulação mais harmoniosa das consequências da aplicação do prazo de interposição da ação de impugnação do despedimento com processo comum e do prazo de prescrição dos créditos laborais, aí incluindo os emergentes da cessação do contrato”.

- Sendo certo que seguramente não colide com a vontade do legislador, antes sendo de crer o contrário, atendendo ao preâmbulo do DL 295/2009, que aprova o novo Código do Processo do Trabalho, onde fez consignar que “Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT”.»

Sufragamos as considerações transcritas, bem como o sentido decisório alcançado, atenta a profundidade e clareza dos argumentos expostos.

Efetivamente, após as alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro que aprovou o Código do Trabalho de 2009 e pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, que introduziu as alterações ao Código do Processo do Trabalho, este Supremo Tribunal ainda não tinha sido chamado a pronunciar-se sobre a questão aqui colocada.

Como é salientado no acórdão recorrido, o CT de 2009 não contém norma expressa a regular o prazo para o exercício do direito à impugnação dos despedimentos não abrangidos pelos artigos 387.º e 388.º daquele diploma legal e que devam seguir a forma de processo comum, porquanto, ao contrário daqueles, não podem ser efetivados através dos processos especiais estabelecidos nos art.s 98.º-C e seguintes e 156.º e seguintes do CPT.

Não existindo norma expressa, impõe-se ao julgador definir o prazo aplicável para o exercício desse direito, bem como definir a sua natureza jurídica, atento o ordenamento jurídico em que o mesmo se insere, mediante a sua interpretação sistémica. E, foi exactamente isso que se fez no acórdão recorrido, com explicitação e ponderação conjunta das várias posições doutrinárias pertinentes ao caso, com o escrutínio da intenção do legislador consignada na exposição de motivos do diploma legal que aprovou o Código do Trabalho de 2009 e com a solução alcançada, pela jurisprudência, em situação paralela anterior, para colmatar a omissão de idêntica norma no âmbito do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT).    

A Secção Social deste Supremo Tribunal, já no âmbito de aplicação da LCCT, onde apenas existia norma geral a consignar que a ilicitude do despedimento só podia ser declarada pelo tribunal em ação intentada pelo trabalhador (art. 12.º, n.º 2), e não continha norma a estabelecer o prazo para a propositura dessa ação de impugnação do despedimento, tomou posição, decidindo que deveria ser aplicado o prazo previsto para a prescrição dos créditos laborais estabelecido, à data, no art. 38.º n.º 1, da LCT, seguindo o mesmo o regime jurídico da prescrição.

Fê-lo, entre outros, nos arestos de 18 de Janeiro de 1995, no âmbito da Revista n.º 4172, tendo sido tal posição reafirmada no aresto citado no acórdão recorrido, desta Secção, de 7 de Fevereiro de 2007, no âmbito da Revista n.º 3317/06 para, aí, se decidir que no âmbito do Código do Trabalho de 2003 já não teria tal entendimento aplicação uma vez que o legislador tomou posição expressa sobre tal questão, ao criar norma específica, contida no art. 435.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, ao estabelecer o prazo de caducidade para o exercício do direito de impugnação do despedimento.

Agora, no âmbito do Código do Trabalho de 2009, o legislador, apesar de ter consignado, expressamente, dois prazos para a impugnação dos despedimentos abrangidos pelos artigos 387.º e 388.º (respectivamente, de 60 dias e 6 meses) e que, em termos processuais, seguem a tramitação de processos especiais, não estabeleceu norma sobre o prazo para a impugnação dos despedimentos que devam seguir a forma de processo comum, não se vislumbrando razão para não retomar o entendimento já anteriormente firmado por, em nada, se terem alterado as razões argumentativas que o determinaram, tanto mais que o legislador expressou na exposição de motivos da Lei que aprovou este Código do Trabalho que seria essa a sua intenção.

            Assim, será de entender que o prazo de prescrição previsto no art. 337.º do CT de 2009 é de aplicar igualmente à ação de impugnação do despedimento fora dos casos especiais previstos nos artigos 387.º e 388.º do mesmo diploma legal e deve ser entendido como de prescrição por a própria lei ali assim o determinar.

Atente-se que, como estabelece o art. 298.º, n.º 2 do Código Civil, quando um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição. Ora, no caso, a lei não tem norma expressa a consagrar a caducidade, tendo, antes, estabelecido um prazo para a reclamação dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho que denomina, expressamente, como prescrição.

Como se consignou no aresto desta Secção de 18 de Janeiro de 1995, reportando-se ao art. 38.º, n.º 1 da LCT – correspondente, em teor de texto, ao art. 381.º, n.º 1 do CT de 2003 e ao actual art. 337.º, n.º 1 do CT de 2009 – «cessando o contrato de trabalho por despedimento promovido pela entidade empregadora, nenhuma distinção se faz naquele preceito em função da validade ou ilicitude do despedimento, nem tal distinção se justificaria, porquanto o que releva para efeitos da prescrição nele prevista não é a validade ou a ilicitude do despedimento, mas apenas a cessação do contrato de trabalho, na sequência do despedimento, na medida em que situa o trabalhador fora da subordinação jurídica e económica em que se encontrava perante a entidade patronal, devolvendo-lhe a liberdade de ação que torna possível, sem receio de eventuais represálias, a reclamação dos seus créditos ou a impugnação dos créditos exigidos pelo empregador, independentemente de ser válido ou ilícito o despedimento determinante da cessação do contrato. Por isso, o prazo de prescrição anual estabelecido no n.º 1 do referido art. 38.º, é aplicável a todos os créditos emergentes do contrato de trabalho, iniciando-se no dia seguinte ao da efetiva desvinculação do trabalhador, ao da cessação de facto da relação de trabalho, mesmo que esta se tenha verificado em virtude de despedimento ilícito.» (Esta posição foi também, entre outros, exarada nos arestos desta Secção de 29.11.95, Revista n.º 1703/05)

No acórdão desta Secção de 07 de Fevereiro de 2007, proferido na revista n.º 3317/06, disponível in www.dgsi.pt, foi reafirmado aquele entendimento jurisprudencial no âmbito do regime da LCT e explicitado o motivo pelo qual tal entendimento já não poderia ser sufragado no âmbito do Código do Trabalho de 2003, atenta a circunstância de o legislador, nesse diploma legal, ter consagrado norma expressa a estabelecer o prazo para o exercício desse direito, aí se exarando que:

«O artigo 381º, n.º 1, do Código do Trabalho, reportando-se à prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho, e reproduzindo praticamente a anterior disposição do artigo 38º da LCT, veio estatuir o seguinte: "Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se, por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho". (…) No entanto, para além da referida norma, o atual Código do Trabalho consigna expressamente, no seu artigo 435º, n.º 2, que a ação de impugnação do despedimento terá de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento. (…) Conforme escreve Vaz Serra (Prescrição Extintiva e Caducidade - Estudo de Direito Civil Português, de Direito Comparado e de Política Legislativa, Lisboa, 1961, pág. 514), quer se trate de direitos de crédito, quer de quaisquer outros direitos, o caso pode ser de prescrição ou de caducidade, tudo depende do regime a que a lei pretender submetê-lo. Na caducidade a lei sujeita o direito a um prazo dentro do qual deve ser exercido e, decorrido o qual o direito extingue-se sem atenção à negligência ou inércia do titular, mas apenas com o propósito de garantir que a situação se defina naquele prazo por razões de segurança jurídica; na prescrição as razões de segurança jurídica são temperadas pela ideia da negligência do titular e pela ideia da disponibilidade da outra parte quanto a valer-se da prescrição. Por sua vez, esta distinção funda-se em motivos inspiradores diferentes (num caso motivos puramente objetivos e em regra de interesse público e, no outro, essencialmente o interesse privado) e reflete-se no distinto regime jurídico de ambas as figuras.

Perante cada caso - acrescenta o mesmo autor - a distinção só pode fazer-se mediante interpretação de cada uma das disposições legais onde se fixam prazos para o exercício dos direitos, procurando, através da sua razão de ser e finalidade, se a lei pretende estabelecer um prazo de caducidade ou antes de prescrição. A distinção não parte da diferenciação entre direitos de crédito (aos quais pode também ser aplicável a caducidade) e direitos potestativos (aos quais não está também excluída a possibilidade de ser aplicável a prescrição), nem da diversa índole dos direitos que se extinguem pelo decurso do prazo (por exemplo, o caráter patrimonial do direito a exercer). O problema é de interpretação da lei, de averiguação do fim tido em vista com a disposição legal que submete a vida do direito ao exercício durante certo prazo: são os motivos que impulsionaram o legislador e os efeitos jurídicos que de uma e outra figura resultam que interessam para determinar, em cada caso, que figura jurídica tem a lei em mente.

Este princípio surge hoje clarificado no artigo 298º do Código Civil, que dispõe:

"1 - Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.

2 - Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.

3 - (...)"

O n.º 2 considera, em princípio, de caducidade os prazos fixados na lei para o exercício de direitos. Prevê-se, no entanto, que a própria lei os sujeite a um regime de prescrição. E, nestes termos, como explicitam Pires de Lima/Antunes Varela, "o simples emprego da palavra prescrição na disposição em que se fixa o prazo para o exercício do direito tem, portanto, segundo esta regra interpretativa, como consequência afastar-se o regime de caducidade" (Código Civil Anotado, I vol., Coimbra, 1967, pág. 193).

Retomando o ensinamento de Vaz Serra, e em atenção ao preceituado na citada disposição do Código Civil, nada impedia que a lei fixasse para os direitos emergentes do despedimento ilícito um prazo de prescrição, independentemente da natureza jurídica dos direitos em causa. O Código do Trabalho limitou-se, porém, a estabelecer um prazo para a propositura da ação de impugnação do despedimento, sem fazer qualquer alusão à prescrição, o que significa que, por aplicação do artigo 298º, nº 2, do Código Civil, o prazo deve ter-se como de caducidade, por ele se encontrando abrangidos todos os efeitos da ilicitude, isto é, todos os direitos que decorrem do despedimento ilícito e podem ser efetivados por via dessa forma de acção.

A previsão, em termos inovatórios, de uma norma que define um prazo de caducidade para a impugnação judicial da decisão de despedimento afasta a aplicação, em relação aos efeitos de direito que se pretendem obter, de um prazo prescricional, ao mesmo tempo que liberta o intérprete para uma leitura do artigo 381º, n.º 1, do Código do Trabalho que seja mais consentânea com o contexto verbal do preceito, permitindo entender a expressão "créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação" como reportando-se apenas aos direitos que decorrem da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato.

Nesse plano, o artigo 381º, n.º 1, tem um amplo campo de aplicação, não coincidente com as consequências jurídicas legalmente definidas para despedimento ilícito. Para além dos direitos retributivos que decorrem diretamente da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação do contrato, como sejam os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, subsistem múltiplas situações em que pode haver lugar a um direito de crédito, por parte do empregador ou do trabalhador, por via da violação de deveres que para qualquer das partes emergem do contrato de trabalho, quer porque a lei associa tais deveres à celebração e vigência de um vínculo obrigacional desse tipo, quer porque se encontram expressamente convencionados no clausulado contratual, quer porque decorrem do instrumento de regulamentação coletiva aplicável ou resultam de usos laborais conformes ao princípio da boa fé (cfr. os artigos 1.º e 4.º do Código do Trabalho e os artigos 405.º e 406.º do Código Civil).

Aqui se englobam os direitos de crédito emergentes da prática de qualquer ato discriminatório do trabalhador, praticado pelo empregador em desconformidade com o disposto nos artigos 22.º e seguintes do Código do Trabalho (artigo 26.º); de situações que coloquem em risco o património genético do trabalhador (artigo 30.º, n.º 3); da violação pelo empregador do dever de respeitar e tratar com urbanidade e probidade o trabalhador, previsto no artigo 120.º, alínea a), bem como de outros deveres estabelecidos neste preceito como o do pagamento pontual da retribuição; da violação pelo empregador das garantias previstas no artigo 122.º, incluindo a violação do dever de ocupação efetiva e das garantias inerentes à categoria profissional (artigo 149.º) e à inamovibilidade do local do trabalho (artigos 154.º e 315.º a 317.º); da violação pelo empregador do direito a férias (artigo 222.º), bem como da violação do dever de registo do trabalho suplementar nos termos previstos nos n.ºs 1 a 4 do artigo 204.º.

Outros direitos de créditos, igualmente sujeitos ao prazo prescricional do artigo 381º, n.º 1, poderão ser reclamados pelo empregador por efeito da violação de deveres contratuais por parte do trabalhador, como sejam os que resultam, em geral, do artigo 121.º ou, especialmente, do artigo 223.º, n.º 2 (proibição de exercício de outra atividade durante as férias).

É possível dar, portanto, um conteúdo útil à expressão "créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação", no quadro de uma interpretação restritiva do artigo 381º, n.º 1, do Código do Trabalho, excluindo do seu âmbito de aplicação aqueles outros direitos para cujo exercício processual a lei fixou expressamente um prazo de caducidade.

Pode facilmente aceitar-se que o legislador tenha querido preencher uma lacuna do regime legal, fixando um prazo de caducidade para a ação de impugnação do despedimento, por compreensíveis razões de certeza e segurança jurídica, nele abrangendo todos os efeitos de uma eventual declaração de ilicitude, desde a indemnização por danos patrimoniais ou não patrimoniais, ao direito de reintegração e à indemnização substitutiva e ao direito às retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento, fazendo reconduzir, ao mesmo tempo, o prazo prescricional, nos termos tradicionalmente previstos, aos direitos de crédito mais diretamente correlacionados com as vicissitudes da relação laboral.».

Também no acórdão desta Secção de 27 de Maio de 2010, proferido na Revista n.º 66/10.5, disponível in www.dgsi.pt, se reafirmou a existência deste entendimento jurisprudencial no âmbito da LCT e a sua não aplicação no âmbito do Código do Trabalho de 2003, por estar consagrada, expressamente, norma a estabelecer prazo específico para a impugnação do despedimento, retratando-se, no sumário deste aresto que:

«I -  À luz do que dispunha o art. 38.º, do DL n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, constituía entendimento jurisprudencial uniforme que o prazo aí previsto se aplicava a todos os créditos emergentes do vínculo laboral, abrangendo os próprios direitos que derivassem de um despedimento ilícito, quer a respetiva ação de impugnação visasse o pagamento das importâncias correspondentes ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir, quer se destinasse a obter a reintegração do mesmo no seu posto de trabalho ou a indemnização substitutiva.

II - Tal entendimento assentava na ideia de que a expressão créditos, adoptada no sobredito preceito, não se circunscrevia às prestações pecuniárias eventualmente reclamadas, abarcando também, na especificidade própria do direito laboral, todos os tipos de direitos sobre os quais existisse contencioso entre as partes por virtude da violação ou cessação do contrato.

III - O Código do Trabalho de 2003, ao estabelecer, no art. 435.º, n.º 2, um prazo para a propositura da ação de impugnação do despedimento sem fazer qualquer alusão à prescrição, quis significar, por aplicação do disposto no art. 298.º, n.º 2, do Código Civil, que tal prazo deve ter-se como de caducidade, por ele se encontrando abrangidos todos os efeitos da ilicitude, isto é, todos os direitos que decorrem do despedimento ilícito e podem ser efetivados por via dessa forma de ação.

IV - Já o art. 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, vem a ter um amplo campo de aplicação – não coincidente com as consequências jurídicas legalmente definidas para o despedimento ilícito –, reportando-se a todos os demais direitos que decorrem da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato.» (De igual modo, acórdãos desta Secção de, 15.09.2010, proferido na Revista n.º 1920/07; 20.06.2012, proferido na Revista n.º 116/09; de 19.12.2012, proferido na Revista n.º 1115/10.2 disponíveis in www.dgsi.pt.)

Agora, reportados ao âmbito de vigência do Código do Trabalho de 2009, voltando a não existir norma expressa a consagrar o prazo para a impugnação do despedimento fora dos casos expressamente estabelecidos nos seus art. 387.º e 388.º, e sendo de entender que o legislador não consagrou tal norma porque assim não o pretendeu – tanto mais que o fez para as situações que quis, especificamente, salvaguardar, porquanto, ao mesmo tempo que criou dois prazos de caducidade, em termos expressos, omitiu norma reportada ao prazo a aplicar nos restantes casos de impugnação do despedimento tendo, simultaneamente, eliminado a norma «geral» reportada à caducidade que tinha criado no âmbito do Código do Trabalho de 2003 (art. 435.º, n.º 2) – só se pode considerar que, o legislador não o fez, certamente, no pressuposto de que, para os casos não previstos especificamente, seria aplicável o prazo «geral» previsto no art. 337.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, como resulta, aliás, da exposição de motivos que elaborou para a aprovação daquele diploma, sendo que este prazo está, expressamente, denominado como de «prescrição».

Assim, tratando-se, efetivamente, como se trata, de uma situação idêntica à que existiu no domínio da LCT, não vislumbramos razão para não reafirmar, agora no âmbito do Código do Trabalho de 2009, a solução então alcançada por esta Secção deste Supremo Tribunal, tanto mais que, como dito, o atual artigo 337.º, n.º 1 do CT de 2009 é similar ao art. 38.º, n.º 1 LCT, mantendo-se, em tudo, a pertinência das considerações à data efetuadas.

Saliente-se, ainda, que este entendimento perfilhado no âmbito da LCT e da LCCT, foi, inclusivamente, objeto de apreciação de constitucionalidade, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/94, publicado no DR, 2.ª Série, de 6 de Janeiro de 1995, onde se afirmou que essa interpretação não violava o princípio da igualdade, nem o direito de acesso aos tribunais e que se compreendia porquanto no art. 38.º, n.º 1 da LCT «estabelece-se um prazo de prescrição de um ano, contado a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, para o trabalhador reclamar os créditos resultantes do contrato de trabalho, incluindo-se nestes, na interpretação do acórdão recorrido, o direito à integração resultante de despedimento nulo ou ilícito, prazo esse que é suficientemente amplo para possibilitar a tutela judicial dos direitos dos trabalhadores dependentes.

Acrescente-se que a fixação de um prazo prescricional de um ano para o trabalhador impugnar a validade do despedimento tem na sua base razões de certeza e de segurança jurídica e visa proteger as expetativas da entidade patronal em ver, para além de um certo prazo, judicialmente inatacável um despedimento por si ditado e, assim, poder fazer uma gestão sem sobressaltos do seu quadro de trabalhadores.».

Refira-se, ainda, que, o entendimento de ser aplicável o prazo estabelecido no art. 337.º, n.º 1 do CT de 2009 às acções de impugnação dos despedimentos não abrangidos nos art.s 387.º e 388.º do mesmo diploma legal, vai, aliás, no sentido do exarado pelo próprio recorrente quando, na conclusão 13.ª da sua alegação de Revista, citando Vaz Serra, salienta que o prazo para o exercício da ação tanto pode ser de caducidade, como de prescrição, dependendo do regime a que o legislador o pretenda submeter, porquanto, no âmbito do CT de 2009, ao não prever norma expressa em contrário, o legislador quis qualificar o prazo estabelecido naquela norma como de prescrição, o que se mostra consentâneo com o disposto na segunda parte do n.º 2 do art. 298.º do Código Civil.

E não colhe a argumentação do recorrente, para afastar a aplicabilidade deste entendimento, no sentido de que «o art. 337.º, do Código do Trabalho de 2009, já existia sob a forma do art. 381.º, do Código do Trabalho de 2003, e tal não invalidava que se entendesse o prazo de impugnação do despedimento como sendo um prazo de caducidade», pela simples razão de que, como já dito, e acima referido nos arestos citados, no âmbito do Código do Trabalho de 2003 existia norma expressa a consagrar esse prazo, consubstanciada no n.º 2 do art. 435.º do mesmo diploma legal, norma esta sem paralelo, agora, no Código do Trabalho de 2009.

Pelo exposto, improcedem as conclusões 1 a 18, na parte atinente, da alegação da revista, sendo de manter o juízo decisório, neste âmbito alcançado, no acórdão recorrido.

2. Do início da contagem do prazo de prescrição

Ficando afirmado que para a impugnação do despedimento fora dos casos previstos nos artigos 387.º e 388.º do Código do Trabalho de 2009 – como é o caso dos presentes autos, que se fundamentou na invocação, pela R., do abandono do trabalho por parte do A. – é de aplicar o prazo de prescrição estabelecido no art. 337.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, cumpre, agora, apreciar desde quando se inicia a contagem desse mesmo prazo.

Neste particular, propugna o recorrente que não obstante a R. lhe ter expedido a carta a comunicar a cessação do contrato de trabalho (por abandono do posto de trabalho) em 1 de Outubro de 2010, e por si recebida no dia 6 do mesmo mês e ano, «ainda que se considere que o A. tinha o prazo prescricional de um ano para intentar a ação – o que não se concede – sempre tal prazo só poderia contar-se a partir da reunião de 15 de Outubro de 2010, pois antes o empregador não podia “invocar” o despedimento do A.», nem antes desse dia «poderia ter sido iniciada a contagem do prazo prescricional, porquanto o direito de invocar a cessação contratual não havia sido constituído antes dessa data, e o A. não poderia pois antes dessa data ter impugnado um facto ainda inexistente - art. 306°, do Código Civil».

Assim, para concluir que a ação por si intentada contra a R. «que deu entrada em Juízo em 4 de Outubro de 2011, foi intentada atempadamente, quer se entenda que tal prazo de impugnação era um prazo de caducidade, quer se entenda (em violação do art. 298°, n°2, do Código Civil) que o prazo era de prescrição», sucedendo o mesmo «com a indeterminação quanto ao início da contagem do prazo de impugnação de um despedimento com fundamento em abandono do trabalho quando o facto que serve de fundamento para tal decisão resolutiva foi ilidido por prova produzida pelo trabalhador, no prazo que dispunha para o efeito».

A este respeito, o acórdão recorrido exarou a seguinte fundamentação:

«II.2.2 Resolvida a primeira questão, e sendo certo que nos termos do disposto no n.º1, do art.º 337.º do CT/2009, o prazo de prescrição aí estabelecido conta-se “(..) a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, importa agora determinar quando se deve entender que ocorre a cessação do contrato de trabalho, com fundamento em abandono de trabalho invocado pela entidade empregadora, nos termos do disposto no art.º 403.º,  do CT/2009.

O artigo em causa estabelece o seguinte:

[1] Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar.

[2] Presume-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência.

[3] O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste.

[4] A presunção estabelecida no n.º2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência.

[5] Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401.º.

Consagra-se nesta disposição uma causa de extinção da relação laboral, reconduzida a um caso especial de denúncia irregular ou ilícita pelo trabalhador, dependente de invocação pelo empregador. A irregularidade ou ilicitude da denúncia decorre da falta de comunicação do trabalhador ao empregador, feita por escrito, da vontade de por sua iniciativa fazer cessar o vínculo laboral, nos termos previstos no art.º 400.º, do CT/2009.

Nas palavras de António Monteiro Fernandes, o abandono de trabalho constitui, assim, uma “(..) hipótese particular de cessação do contrato de trabalho considerada na lei como imputável ao trabalhador”, sendo a figura construída “sobre um certo complexo factual, constituído pela ausência do trabalhador e por factos concludentes no sentido da existência da «Intenção de não o retomar» (art.º 403.º/1)”. Prossegue, “Tendo-se por verificado o abandono, a lei faz-lhe corresponder o efeito de uma denúncia sem aviso prévio (n.º3)”, realçando que “Todavia, tal efeito só se produz mediante «comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo», comunicação a remeter para a última morada conhecida (do trabalhador)» [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 650].

Como se refere nos acórdãos de 21-01-2009 e 11-05-2011, desta Relação e secção, é entendimento quer da doutrina quer da jurisprudência, serem pressupostos da cessação do contrato por parte da entidade empregadora, com base em abandono do trabalho os seguintes:

- Ausência injustificada do trabalhador ao serviço;

- Que essa ausência seja acompanhada de factos concludentes no sentido de que o trabalhador não tem intenção de retomar o trabalho ou que o período de ausência seja de, pelo menos, 10 dias úteis seguidos sem que seja comunicado o motivo da ausência, caso em que funciona a presunção de abandono estabelecida no nº 2;

- Que a entidade patronal comunique a cessação do contrato por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do trabalhador.

[proferidos, respetivamente, no Proc.º 8810/2008-4, DD e no Proc.º 338/10.9TTTVD.L1-4, EE, ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jtrl]

Não importa aqui abordar em maior profundidade esta figura, nomeadamente no que respeita ao ónus de prova a cargo do empregador. O que nos ocupa é determinar quando cessa o contrato de trabalho.

A este respeito, Pedro Romano Martinez escreve que o «(..) abandono do trabalho constitui uma denúncia ilícita que importa responsabilidade para o trabalhador, nos mesmos termos estabelecidos para a denúncia sem aviso prévio», sendo certo que, neste caso, «(..) a denúncia manifesta-se mediante um comportamento concludente, a ausência do trabalhador ao serviço», verificando-se “uma denúncia tácita resultante da falta de comparência ao serviço», acrescentando que, «apesar de não resultar expressamente da norma, o contrato de trabalho cessa a partir da data do início do abandono, pelo que a declaração do empregador é uma confirmação (imprescindível), com eficácia retroativa, da extinção do vínculo» [Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 948-949].

Contudo, no que respeita a esta parte final, importa ter presente que a afirmação assenta na certeza de uma dada premissa, isto é, que se esteja perante uma situação em que efetivamente estejam verificados os pressupostos para concluir pela verificação da situação de abandono de trabalho.

Por conseguinte, essa eficácia retroativa não ocorrerá, naturalmente, quando não se verifiquem tais pressupostos. Nesse caso, a invocada presunção de abandono do trabalho não aproveita ao empregador e, logo, estar-se-á perante um despedimento ilícito.

Nessas situações, atento o disposto no art.º 224.º do CC, que consagra a regra geral no domínio da eficácia da declaração negocial, a data da cessação do contrato de trabalho é aquela em que o trabalhador recebe a carta, posto que aí se torna eficaz a declaração negocial emitida pelo empregador, comunicando-lhe que considera cessado o contrato de trabalho com fundamento em alegado abandono do trabalho.

(…)

Revertendo ao caso, embora esteja ainda pendente a apreciação sobre a questão de saber se assistia, ou não, fundamento à R. para invocar a cessação do contrato de trabalho, tal não obsta à apreciação da questão de saber se a ação para impugnação do alegado despedimento ilícito foi tempestivamente interposta.

Como resultou provado e as próprias partes invocam, é ponto assente que “Por carta datada de 1 de Outubro de 2010 e recebida pelo autor no dia 6 do mesmo mês, a ré comunicou-lhe que considerava cessado o contrato de trabalho uma vez que o autor já não comparecia ao serviço desde o dia 15 de Setembro de 2010” (cfr. facto 11).

Melhor concretizando, nessa carta, junta como documento de fls. 13, para o qual a sentença remete, dando-o por reproduzido, lê-se o seguinte:

- «Assim sendo, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 403.º do Código do Trabalho (Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro), vimos comunicar-lhe que consideramos ter existido um verdadeiro e efetivo abandono de trabalho.

Consequentemente, nos termos dos n.ºs 3 e 5 daquela disposição legal, o seu abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, ficando V. Ex.ª obrigado a indemnizar-nos com valor correspondente à retribuição do pré-aviso legal. Nestes termos presume-se o abandono do trabalho e consideramos cessado o contrato de trabalho que nos ligava até à data».

Como é bom de ver, estamos perante uma inequívoca manifestação de vontade da entidade empregadora, expressa por escrito, direccionada ao trabalhador no sentido de lhe comunicar que considera cessado o contrato que os ligava até à data. Trata-se de negócio jurídico, unilateral e recipiendo, que se considera perfeito e eficaz, desde que seja comunicada à parte destinatária, a aludida manifestação de vontade no desiderato de ser posto termo à relação de trabalho. E, logo, o momento da cessação do contrato coincide com a receção pelo trabalhador dessa declaração, isto é, em 6 de Outubro de 2010 [Neste sentido, Acórdão de 12-10-2011, do Supremo Tribunal de Justiça, Recurso n.º 297/09.0TTBCL.P1.S1- 4.ª Secção, Sampaio Gomes, disponível em www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social].

Assinalou-se no primeiro ponto, que o A., a este propósito, defende uma posição diferente. Na sua perspetiva, a relação laboral terá cessado a partir da reunião de 15 de Outubro de 2010, sustentando que o empregador, por força do disposto no art.º 403.º n.ºs 3 e 4, do CT, antes não podia “invocar” o seu despedimento, porque após o A. ter “ilidido a presunção do abandono do trabalho a R. decidiu, na reunião de 15 de Outubro de 2010, invocar a cessação do contrato”.

Salvo o devido respeito, os factos não permitem que acompanhemos esta posição.

Como se disse, resulta expressamente da carta que o A. recebeu a 6 de Outubro de 2010, a intenção clara e inequívoca da R. em considerar cessado o contrato de trabalho através da comunicação por essa via dirigida ao trabalhador.

É evidente, face à declaração expressa na carta, que a R. não condicionou a sua decisão sobre a cessação do contrato de trabalho a eventual ilisão pelo A da presunção de abandono. Muito pelo contrário, afirmou claramente, sem deixar margem para qualquer dúvida, que considerava cessado o contrato de trabalho. Dito de outro modo, a R. não relegou a sua decisão sobre a situação para um momento futuro, dispondo-se a ponderá-la face ao que o A. viesse eventualmente a justificar. Na verdade, tomou-a e expressou-a naquela carta, considerada a factualidade que entendeu relevante, tivesse ou não razão, e comunicou-a ao A. com o manifesto propósito de lhe declarar que considerava cessado o contrato de trabalho que os ligava, inclusive reclamando o pagamento da indemnização prevista na lei.

Por outro lado, se é certo que ocorreu uma reunião entre a R. e o A., a 15 de Outubro de 2010, realizada na sequência da carta dirigida por este àquela, já não tem apoio nos factos vir o A. dizer que a “R. decidiu, na reunião de 15 de Outubro de 2010, invocar a cessação do contrato”. Na verdade, tal interpretação é excluída expressamente pelo facto 14 que, note-se, reproduz integralmente o alegado pelo Autor no art.º 9.º da PI, onde consta o seguinte:

- “Carta que a R. recebeu, mas que não determinou qualquer modificação da sua posição, conforme lhe foi comunicado em reunião havida no dia 15 de Outubro de 2010”.

Por conseguinte, conhecendo o A. o teor da carta e tendo interpretado a declaração nela expressa no sentido pretendido pela R., e bem sabendo que esta não modificou a sua posição, como de resto reconheceu na petição inicial, não tem sustento pretender que a decisão de fazer cessar o contrato foi tomada na reunião de 15 de Outubro.

Concluindo, a cessação do contrato de trabalho do A. ocorreu com a receção da carta que lhe foi dirigida pela R., expressando-lhe essa vontade, a 6 de Outubro de 2010.

II.2.3 Resolvida também esta questão, cabe então aferir se o direito do A. a impugnar o despedimento já se encontrava prescrito quando a R. foi citada para a ação, a 4 de Novembro de 2011, tendo em conta que a ação foi proposta a 4 de Outubro de 2011.

Como decorre do n.º 1, do art.º 337.º do CT/2009, o prazo de prescrição aí estabelecido conta-se “(..) partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

Assim, tendo-se concluído que a cessação do contrato de trabalho ocorreu a 6 de Outubro de 2010, tal prazo iniciou-se a 7 de Outubro de 2010 e teve o seu termo a 7 de Outubro de 2011.

A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima direta ou indiretamente, a intenção do titular exercer o seu direito (n.º1, do art.º 323.º do CC).

Porém, para que a citação ou notificação produza aquele efeito interruptivo, é necessário que seja efetuada antes do termo do prazo de prescrição. Não obstante, prevendo-se que por razões alheias ao titular do direito, a citação ou a notificação possam não ser realizadas em cinco dias depois de ter sido requerida (e antes do termo do prazo de prescrição), a lei substantiva soluciona o problema, prevendo que nesses casos, quando tal não seja imputável ao requerente, a prescrição tem-se por interrompida logo que decorram os cinco dias (n.º2, do mesmo artigo 323.º do CC).

Significa isto, como é pacífico, que basta ao titular do direito propor a ação ou requerer a notificação antes de cinco dias sobre o termo do prazo de prescrição – sendo esta uma condição necessária – para que o mesmo se considere interrompido, mesmo que a citação ou a notificação não sejam efectuadas antes do termo daquele prazo, logo que decorram os cinco dias sobre dia em que o ato foi requerido.

No domínio do processo laboral, em regra, apresentada a petição inicial, a citação é precedida pela distribuição e pelo despacho liminar, no âmbito deste último podendo o juiz convidar o autor a completá-la ou esclarecê-la, sem prejuízo do seu indeferimento (art.º 54.º do CPT).

Daí resulta, como é evidente, que caso o autor proponha a ação sem aquela antecedência mínima de cinco dias sobre o termo do prazo de prescrição, certamente a citação não será efetuada em tempo útil para produzir o efeito interruptivo, o que se traduzirá na extinção do direito por prescrição.

Em face do exposto antevê-se já que a arguida exceção deve proceder.

Senão vejamos. A ação deu entrada em juízo a 4 de Outubro de 2011 e o termo do prazo ocorria a 7 de Outubro de 2011, o que vale por dizer que a antecedência da apresentação da ação em juízo relativamente ao termo do prazo de prescrição foi de 4 dias.

Verifica-se, assim, que o A. não diligenciou por apresentar a PI garantindo uma antecedência de pelo menos 5 dias relativamente ao termo do prazo de prescrição.

A talhe de foice, refira-se, ainda, que bem poderia o A. ter requerido a citação prévia em relação à distribuição, a que se refere o art.º 478.º do CPC, com a epígrafe “Citação urgente”, que se justificava plenamente neste caso, meio que a lei processual faculta ao autor para procurar impedir a prescrição, embora sem significar que tal seja suficiente para garantir ao titular do direito à beira de prescrever o efeito interruptivo da prescrição, obtido através da citação ou da notificação, consoante o caso.

Na essência, a citação prévia sacrifica determinados procedimentos processuais próprios da tramitação normal, nomeadamente a distribuição e a apreciação liminar, com vista à imediata prática dos atos com vista à citação, procurando proporcionar ao titular do direito, em eminente risco de prescrever, mais uma e derradeira hipótese de obstar à extinção do direito por prescrição. Contudo, apesar disso, sempre poderá acontecer não se conseguir concretizar a citação ou

notificação, antes do termo do prazo prescricional. E, se assim acontecer, não opera qualquer efeito interruptivo.

Esse opera, sim, independentemente do momento em que seja concretizada a citação ou a notificação, simplesmente, desde que o titular do direito diligencie por propor a ação ou requerer a notificação antes de cinco dias sobre o termo do prazo de prescrição, por força do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 323.º do CC.

Mas como se viu, a R. só veio a ser citada bem para além do termo do prazo de prescrição, a 4 de Novembro de 2011, sendo certo que o A. não diligenciou apresentar a ação com a antecedência necessária para fazer operar o efeito interruptivo.

Conclui-se, assim, que o seu direito se extinguiu por prescrição.»

           

Também neste âmbito são de sufragar as considerações transcritas, mantendo o juízo decisório alcançado.

Constitui jurisprudência constante e uniforme deste Supremo Tribunal [cfr. arestos desta Secção de 18.02.2009, proferido na Revista n.º 2577/08; 12.10.2011, proferido na Revista n.º 144/06.5; 31.02.2012, proferido na Revista n.º 3436/07.2, todos disponíveis in www.stj.pt. (jurisprudência)] que a manifestação de vontade da entidade empregadora, direcionada ao trabalhador, no sentido de que o contrato de trabalho que os ligava se extinguiu, consubstancia um negócio jurídico, unilateral e recipiendo, que se considera perfeito e eficaz logo que chega ao conhecimento do seu destinatário, desde que essa declaração seja enunciada em condições de não suscitar dúvida razoável sobre o seu verdadeiro significado, traduzindo, assim, de modo inequívoco, a vontade de extinguir a relação de trabalho.

Por outro lado, essa declaração, sendo realizada de forma expressa e por escrito, enviada por correio, torna-se eficaz logo que seja rececionada a carta pelo seu destinatário, nos termos do disposto no art. 224.º, n.º 1 do Código Civil.  

Assim, estando demonstrado que a R. comunicou, por carta, enviada a 1 de Outubro de 2010 e rececionada pelo A. no dia 6 do mesmo mês e ano, de forma expressa, clara e inequívoca, que considerava cessado o contrato de trabalho que unia A. e R., é naquela data – 6 de Outubro de 2010 - que essa cessação ocorre, por corresponder à data da receção dessa mesma comunicação por parte do A.

Saliente-se que, contrariamente ao pugnado pelo recorrente, em nada altera essa conclusão, a circunstância referida pelo mesmo de pretender «ilidir a presunção de abandono» porquanto, pese embora o trabalhador possa ilidir a presunção do abandono decorrente da sua ausência ao trabalho, ou da receção da comunicação anterior a comunicar-lhe essa ausência e os efeitos dela decorrentes, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 403.º do Código do Trabalho de 2009, o certo é que esse direito tem de ser efetivado no âmbito da própria ação de impugnação, não tendo, assim, quaisquer outras eventuais diligências, nesse âmbito e com esse propósito, efetuadas pelo trabalhador fora da instância judicial a virtualidade de interromper o prazo de prescrição que o mesmo tem de observar para instaurar a referida ação de impugnação.

Efetivamente, como se consignou no aresto desta Secção de 05 de Dezembro de 2012, proferido na Revista n.º 499/10.7 (Disponível, para além da página electrónica deste STJ, em www.dgsi.pt), demonstrados os factos que constituem a base da presunção prevista no n.º 2 do art. 403.º do CT/2009, funciona, em benefício do empregador, a presunção do abandono, na plena configuração da previsão constante do n.º 1, que apenas poderia ser ilidida pelo trabalhador nos termos e pela única via prevista no n.º 4 do mesmo preceito legal.  

Deste modo, estando demonstrado que o A. recebeu a carta da R. a comunicar-‑lhe a cessação do contrato de trabalho em 6 de Outubro de 2010; instaurou a presente ação em 4 de Outubro de 2011 e a R. foi citada para os termos da mesma em 14 de Novembro de 2011 (cfr. fls. 35), então, nesta última data, já se encontrava extinto o direito do A., por prescrição.

Assim, nenhuma censura merece a decisão recorrida, sendo, para o caso, de todo irrelevante a data da reunião posteriormente ocorrida entre A. e R., nos termos sobreditos.

Improcedem, desta forma, as demais conclusões da alegação da Revista.


            IV. Decisum

Face a todo o exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar, integralmente, o acórdão recorrido.

            Custas a cargo do A. recorrente.

(Anexa-se o sumário do acórdão)



            Lisboa, 29 de Outubro de 2013

 

            Melo Lima (Relator)

            Mário Belo Morgado

            Pinto Hespanhol