Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
984/07.8TVLSB.P2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
NEXO DE CAUSALIDADE
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ENSINO
DEVER ACESSÓRIO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Data do Acordão: 04/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / BASE INSTRUTÓRIA E SELECÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO - DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Álvaro Rodrigues, “Reflexões em Torno da Responsabilidade Civil dos Médicos”, apud “Direito e Justiça” - XIV. 2000.3 - Separata, 197.
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pp. 270, 296.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, pp. 124/125.
- Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição (Revista e Actualizada), p. 333.
- José João Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, 1986, p. 42, nota
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, 2010, p. 365 e segs..
- Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, reimp., Coimbra, 1982, p. 337 e segs.
- Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Coimbra, 2001, p. 253.
8.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 487.º, N.º2, 563.º, 762.º, N.º 2, 799.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 467.º, N.º 1, AL. D), 511.º N.º 1, 646.º, N.º4, 660.º, N.º2, 668.º, N.º1, AL. D), 690.º-A, 712.º, 713.º N.º 2, 716.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20/04/99, PROCESSO N.º 99A188, COM SUMÁRIO DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT;
-DE 22/04/99, PROCESSO N.º 99B196, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 09/10/2003, PROCESSO N.º 03B1816, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 15/01/2004, PROCESSO N.º 03B3834, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 20/10/2005 E 12/03/2008, À LIÇA CHAMADOS EM ACÓRDÃO DO STJ, DE 25-06-2009 PROCESSO N.º 459/05.OTBMCD.S1, DISPONÍVEIS IN WWW.DGSI.PT;
-DE 18/05/2006, IN CJ/STJ – ANO XIV – TOMO II, P. 95;
-DE 08/06/2006, AD, 546º, 2091;
-DE 29/04/2010, PROCESSO N.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I - O nexo de causalidade naturalística entre o facto e o dano, na responsabilidade civil, constitui matéria de facto, pelo que escapa aos poderes de cognição do STJ.

II - O problema de saber se a(s) resposta(s) a determinados artigos da base instrutória versam sobre questões de direito – por a sua vertente conceitual constituir o thema decidendi –¸ é em si uma questão de direito, que se insere nos poderes de cognição do STJ, desencadeadora de justa aplicação do art. 646.º, n.º 4, do CPC.

III - O incumprimento de contrato pode ser imputado à inobservância dos deveres acessórios de conduta, impostos aos contraentes pelo princípio geral da boa fé (arts. 799.º e 762.º, n.º 2, do CC).

IV - No contrato de ensino, educação ou instrução, celebrado com uma Universidade compreendem-se, além dos deveres principais (como os deveres de ensinar e pagar as propinas) – indispensáveis à prossecução do objectivo visado, in casu, alcançar o termo da licenciatura –, deveres acessórios (como os decorrentes da necessidade de acautelar a segurança dos estudantes).

V - Se a Universidade viola o dever de garantir tal segurança, (i) à mesma incumbe o ónus de provar que não agiu com culpa (afastando a presunção a que alude o art. 799.º, n.º 2 do CC) e (ii) ao demandante o ónus de provar o nexo de causalidade entre tal violação (designadamente o controlo das práticas praxistas) e o dano morte que veio a ocorrer.

VI - O nexo causal é definido em função da variante negativa da causalidade adequada e não pressupõe a exclusividade da condição, tendo-se por verificado se da matéria de facto ficou apurado que “se a ré controlasse as práticas praxistas dentro das suas instalações, impedisse que a agressividade física e psicológica dominasse, o D não teria sido sujeito a humilhação, a vergonha, nas mesmas e teria contribuído para que a sua morte não tivesse ocorrido.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. 1.) AA, afirmando-se acompanhada por seu marido, BB, intentou, a 16-02-2007, com distribuição à 1.ª Secção da 10.ª Vara Cível de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário, contra CC”, impetrando a condenação desta a pagar-lhes € 100.000,00, a título de danos não patrimoniais pelo dano morte, € 33.500,00, a título de danos não patrimoniais sofridos directamente por cada um deles, no total de € 67.000,00, € 40.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima, bem como a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de danos patrimoniais, peticionando, desde logo, a condenação no pagamento das despesas com consultas e tratamentos médicos, “em cerca” de € 1.000,00, e em “cerca” de € 2.000,00, por perdas de vencimento, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vincendos desde a citação.

Em prol da procedência da acção, em súmula, foi alegada omissão de acção, por banda da demandada, aquela determinante da produção de danos que levaram à morte de seu filho, DD.


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2. Contestou a ré, excepcionando a incompetência territorial, bem como a ilegitimidade sua e a prescrição do direito invocado, por impugnação, outrossim, se tendo defendido, consoante brota de fls. 647 a 709, concluindo no sentido da procedência da defesa exceptiva e, a assim se não entender, no da improcedência da acção, com consequente absolvição do pedido.

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3. Na réplica oferecida, foi sustentada a improcedência das invocadas excepções de ilegitimidade e prescrição.

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4. Julgada procedente a excepção de incompetência relativa, por em razão de território, foram os autos oportunamente remetidos ao Tribunal Judicial de V............., o territorialmente competente.

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5. No despacho saneador, quanto ao demais tabelar, foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade da ré e de prescrição, após tendo sido seleccionada a facticidade considerada como assente e organizada a base instrutória.

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6. Interpôs a ré recurso do despacho saneador, por via da ditada improcedência da excepção de prescrição, o qual veio a ser recebido como apelação, com subida a final, nos próprios autos, e efeito devolutivo.

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7. Por requerimento junto a fls. 877 a 879, a ré noticiou que o co-autor BB faleceu a 1-04-2004, antes, pois, de proposta a acção, peticionando a sua absolvição da instância quanto ao pedido formulado pelo pai de DD e a condenação das mandatárias do mesmo, nos termos dos artigos 456.º e 457.º do CPC, a pagar-lhe uma indemnização em montante nunca inferior a € 10.000,00, correspondente ao valor das despesas efectuadas, incluindo os honorários da sua mandatária.

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8. AA, secundou o pedido de absolvição da instância, repousante no relatado pela ré, expresso em 7.

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9. Por despacho de fls. 889, foi a ré absolvida da instância quanto ao pedido formulado pelo autor.

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10. Reclamou a ré, sem êxito, contra a selecção da matéria de facto tida como incontrovertida e a incluída na base instrutória.

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11. Observado o demais de lei, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, sentenciada tendo vindo a ser, na parcial procedência da acção a condenação da ré a pagar à autora indemnização no valor global de € 90.000,00, por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, absolvendo a CC” do demais pedido.

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12. Da sentença a que se alude em 11. apelou a ré.

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13. O TRP, por acórdão de 10-05-2010, como ressuma de fls. 1335 a 1385, julgou improcedente a 1.ª apelação e procedente a 2.ª, “na parte relativa à reclamação contra a selecção da matéria de facto, ficando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos recursórios” e, em consequência, anulou o julgamento.

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14. Inconformada com o supracitado acórdão, dele interpôs recurso de revista a ré, a sua alegação tendo terminado pedindo o decreto de procedência da excepção de prescrição, com decorrente improcedência da acção e sua absolvição do pedido.

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15. O STJ, por acórdão de 07-12-2010, negou a revista, confirmando o decidido no acórdão recorrido.

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16. Em cumprimento do acórdão nomeado em 13., procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, por sentença com o teor que fls. 1553 a 1566 evidenciam tendo sido decidido:

“A) Condenar a Ré, pela referida omissão de acção, no pagamento à Autora de indemnização no valor global de €91350,00 por danos morais;

B) Condenar a Ré no pagamento de juros de mora, à taxa legal acima referida, desde hoje, sobre o montante deferido A) desta decisão,

C) Absolver a Ré do restante pedido;

D) Condenar ainda Autora e Ré, no pagamento de 50% das custas devidas pela acção, incluindo 50% dos encargos anteriores ao despacho de fls. 889, de 21.2.2008, na proporção do respectivo vencimento (art. 446°, do Código de Processo Civil);

E) Condenar as ilustres mandatárias (EE e FF) que subscreveram a petição inicial em nome do falecido BB, sem mandato, em 50% das custas da acção (até ao momento referido em D)), incluindo assim 50% dos encargos que forem devidos, (apenas) até ao despacho mencionado em D) desta decisão (cf. arts 40° e 446°, do C.P.C.).”


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17. Irresignada com a sentença a que se alude em 16., dela apelou a ré.

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18. O TRP, por acórdão de 08-11-2012, como flui de fls. 1718 a 1749, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

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19. É do acórdão de 08-11-2012 que traz revista a demandada, a qual, na alegação, em que pede a sua absolvição do pedido, por mor da concessão da revista, formulou as seguintes conclusões:

“A. Vem o presente Recurso de Revista, interposto contra o Mui Douto Acórdão da Relação do Porto, que negando provimento à Apelação da Ré, confirmou a Douta sentença de fls., que, julgando parcialmente procedente por provada a Acção, decidiu condenar a Ré no pagamento de uma indemnização no valor de €.: 91.350,00 por danos morais, em benefício da A., o que não se aceita.

B. Nos presentes Autos, vem, a A. pedir a condenação da R. no pagamento de várias importâncias, a título de indemnização por danos não patrimoniais, imputando-lhe a responsabilidade pela morte de seu filho DD, ocorrida a 15 de Outubro de 2001.

C. A Ré porém não aceita semelhante responsabilidade, por entender que o óbito do filho da A. não se ficou a dever a qualquer agressão praxista e por entender também que não houve violação de dever de vigilância.

 D. Desde logo, não se conforma a Recorrente com o facto de as decisões recorridas serem fundamentadas numa alegada violação de um dever de cuidado da Ré, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, quando esta decisão da Relação do Porto, colide com a decisão deste Colendo STJ, proferida no âmbito destes Autos e que considerou que os eventuais direitos da A., não estariam prescritos, por estarmos perante uma situação de responsabilidade contratual na hipótese de violação de deveres laterais. Ac.STJ–6ª Secção (984/07.8TVLSB.P1.S1).

E. Se o STJ invoca as regras de prescrição atinentes à responsabilidade contratual, para justificar a sujeição destes Autos às regras e ao prazo de prescrição de 20 anos, como é possível que a Relação do Porto invoque as regras da responsabilidade aquiliana para condenar a Ré por alegada violação de um dever de cuidado?

F. No caso de se entender estarmos perante uma situação de responsabilidade extracontratual, não se poderia deixar de aplicar as regras da prescrição correspondentes ínsitas no artigo 498° do Código Civil, declarando prescritos os eventuais direitos da Autora.

G. O que não se pode é, por um lado, invocar a responsabilidade contratual para afastar a prescrição dos eventuais direitos da Autora, invocando o prazo ordinário, do artigo 309° do Código Civil, e por outro lado, invocar a responsabilidade extracontratual na tentativa de responsabilizar a Ré por uma eventual violação do dever de cuidado, nos termos e para efeitos do artigo 486° do Cód. Civil

H. Trata-se de uma duplicidade de critérios inaceitável, geradora de ambiguidade da decisão e que viola o próprio Princípio Geral de Unidade do Sistema Jurídico, artigo 9º Nr.1 do CC, bem como os próprios artigos 309° e 498° do Código Civil.

I. Por outro lado, também não se pode conformar a Ré com as respostas dadas pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto aos "factos" 52, 54 e 57, uma vez que sob semelhante denominação se descortinam verdadeiros conceitos de direito e conclusões jurídicas, que assim inquinam a Decisão final.

J. No nr. 52 dos "factos" provados, o Tribunal a Quo entendeu como demonstrado que "A morte de DD foi consequência adequada, directa e necessária de actos violentos ...", o que constitui questão de Direito e não de facto, não sendo legítimo inscrever semelhante conclusão na matéria de facto, sob pena de se corromper irremediavelmente o raciocínio posterior conducente à decisão final.

K. Igual raciocínio se impõe, relativamente às conclusões inscritas nos números 54 e 57 dos "factos" tidos por provados, já que, concluir que " as práticas violentas eram permitidas por falta de controlo da Universidade" e concluir que, "Se a Ré controlasse as práticas praxistas dentro das suas instalações, ... o DD não teria sido sujeito a humilhação, a vergonha ... e teria contribuído para que a sua morte não tivesse ocorrido", não constitui matéria da facto, mas sim matéria de direito ou se quisermos, conclusões de direito, não elegíveis a matéria de facto.

L. Nos termos do disposto nos Artigos 646° nr.4 e 722° Nr. 2 do CPC, tais respostas deverão ser alteradas e eliminadas, por corromperem de forma irremediável todo o raciocínio posterior conducente à decisão final.

M. Não é permitido ao julgador da matéria de facto substituir-se às partes e concretizar a pergunta abstracta. Se o faz não deve ser tomada em consideração tal resposta. Ac. Rel. Coimbra, 18.02.1986 in CJ 1986, 1º - 49.

N. Os juízos de valor, constituem matéria de direito e não devem ter sido quesitados e muito menos respondidos. Tendo sido indevidamente respondidos pelo tribunal A Quo, terão de ser sancionados nos termos do disposto no artigo 646° Nr. 4 do CPC e terem-se por não escritos. Ac STJ de 04.12.1986 in BMJ 362° - 526, Ac STJ de 15.06.1988 in BMJ 378° - 677.

O. Mesmo se meramente conclusivas, tais respostas, terão de ser tidas por não escritas, por aplicação analógica do nr.4 do artigo 646° do CPC. Ac. Rei Évora, 08.06.1989, in BMJ 388° - 625, Ac. Rel Porto, 20.09.1990, in CJ 1990, 4o - 211.

P. Deverão pois ter-se por não escritas as respostas e expressões supra identificadas, por incorporarem conclusões e juízos de valor, em violação directa do disposto no artigo 653° Nr. 2 do CPC.

Q. Por outro lado ainda, o Tribunal A Quo, entendeu julgar a acção procedente por provada, imputando responsabilidade civil extracontratual à Ré pela morte do DD, por alegada omissão de vigilância, o que não se aceita.

R. Refere o M° Juiz a quo que a R. omitiu qualquer controlo das actividades,  alegadamente praxistas daquela tuna e dos seus membros, em nome das quais, ocorreu a morte do DD, conforme ficou expresso em 2.1.54 e 2.1.57.

S. Não especifica, contudo, o Tribunal, que tipo de controlo seria necessário ou suficiente para evitar qualquer ocorrência que possa ter tido lugar naquela noite.

T. Resulta da prova que a Ré contratou a presença de um Guarda de segurança, desconhecendo-se que outras atitudes lhe seriam exigíveis, para evitar o dano morte.

U. Cabia à A. alegar e provar que tais lesões haviam sido praticadas, não só dentro das instalações da R., como no âmbito de actividades praxistas.

V. Ora, nada disto se verificou em sede de Julgamento, sendo  inaceitável  a condenação da R. pela omissão de uma conduta de controlo, não concretizada nem especificada, que pudesse ser suficiente para prevenir um homicídio.

W. Tal presunção leva-nos ao 3° pressuposto da responsabilidade civil, que não resultou demonstrado em Julgamento, e que o Tribunal, de forma surpreendente, decide presumir ao arrepio das mais elementares regras de direito.

X. Com tal atitude, viola o M° Juiz a quo de forma directa o artigo 487° do Cód. Civil que estatui, ser ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa. Y. Desconhece-se em que Norma fundamenta o M° Juiz a quo tal raciocínio, sendo certo que, a única presunção de que o Tribunal poderia lançar mão, seria uma presunção legal (vide art° 487° nr. 1 in fine Cód. Civil)

Z.  Não só se desconhece e não resulta dos autos, que atitude seria exigível à Ré, para contrariar a sua imputada omissão, como não se aceita a existência de nexo de causalidade entre a referida omissão e a morte do DD.

AA. Não resulta dos autos, qualquer tipo de normalidade de comportamentos que permita legitimar semelhante conclusão, sendo certo que a omissão apenas será causa do dano, quando haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente, ou muito provavelmente, impediria a consumação do dano. Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Março de 1996 in Processo 6622 www.dgsi.pt.

BB. Mais uma vez, resultam violados os artigos 486° e 487° do Código Civil.

CC. Acresce que, nos termos do disposto no artigo 165° do Código Civil, as Pessoas Colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários.

DD. Assim, para que a pessoa colectiva responda civilmente é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos: Que sobre o órgão, agente ou mandatário da pessoa colectiva recaia igualmente a obrigação de indemnizar; (artigo 500° n.° 1 do C. Civil); Que o acto danoso haja sido praticado pelo órgão, agente ou mandatário da pessoa colectiva no exercício da função que lhe foi confiada, ou seja por causa das suas funções e não apenas por ocasião delas; (art. 500° n.° 2 do CC); Que ao lado da pessoa colectiva fique igualmente adstrito à obrigação de indemnizar o seu órgão, agente ou mandatário (artigo 500° n.° 1 e 2 do C. C); Que a pessoa colectiva que tiver satisfeito a indemnização ao lesado tenha direito de regresso contra o respectivo órgão, agente ou mandatário, podendo exigir-lhe o reembolso de tudo quanto haja pago, desde que tenha havido culpa deste no plano das relações internas, e isso em face da responsabilidade contratual do órgão, agente ou mandatário para com a pessoa representada; (artigo 500° n.° 3 do C.C.).

EE. A posição da pessoa colectiva, é assim de garante da indemnização perante o lesado, pelos actos praticados pelo seu órgão, agente ou mandatário, enquanto comissário, que causem danos e independentemente de culpa sua.

FF. Por outro lado, no confronto da responsabilidade civil do comitente e do comissário, a responsabilidade civil extracontratual da R., como pessoa colectiva de interesse público, depende necessariamente da verificação, nos termos supra citados, da responsabilidade civil subjectiva dos seus órgãos, agentes, ou mandatários.

GG. Ora, os AA. não dizem quem foram os agentes da R. que, por sua conta e ordem, cometeram por omissão o facto ilícito causador dos danos peticionados.

HH. Por conseguinte, não tendo os AA. alegado factos concretos que permitam imputar a qualquer dos órgãos, agentes, ou mandatários da R., no exercício das suas funções ou por causa delas, a responsabilidade civil extracontratual pelos factos ilícitos em apreço nos presentes autos, jamais poderia tal responsabilidade ser imputada à R., enquanto comitente. Pois, conforme resulta do alegado supra, a R. só poderia ser responsabilizada nos presentes autos, se se demonstrasse a obrigação de indemnizar por parte dos responsáveis dos seus órgãos, agentes, ou mandatários, o que, conforme resulta do que acaba de referir, é questão cuja apreciação e discussão, os AA. nem sequer peticionam nos presentes autos.

 II. Por outro lado ainda, existem factos provados documentalmente, que pura e simplesmente não foram valorados pelo M° Juiz a quo e que revestem a máxima importância para a aplicação das regras do ónus da prova.

JJ. Tais factos, documentalmente provados no processo, inquinam toda a matéria provada em relação aos quesitos 10°, 11º e 16° da base Instrutória.

KK. Referimo-nos aos documentos juntos de fls. 568 a 573 do processo, que constituem excertos do Diário Hospitalar do Hospital de ...........

LL.Trata-se de uma incompatibilidade muito relevante, que deveria ter sido valorada pelo tribunal, em conformidade e principalmente com o relevo necessário que decorre do disposto no artigo 516° do CPC.

MM. Ou seja, não havendo dúvidas sobre os documentos que relatam a inexistência de vestígios de agressões no DD, sendo certo que os documentos foram corroborados pelos depoimentos gravados das testemunhas e supra reproduzidos, resta a dúvida sobre o momento em que terão sido provocadas as lesões descritas no relatório da autópsia.

NN. Ficando a dúvida sobre a realidade desse facto, resolvida contra a parte a quem aproveita, isto é, contra a A..

00. É pois evidente a violação dos artigos 516° e 660° nr2 do CPC.

PP. Também o Relatório de autópsia deveria ter determinado outra análise do Tribunal a Quo, já que, desse relatório, apenas se extrai que a morte do DD terá ficado a dever-se a lesões traumáticas, crânio-encefálica e cervicais, havendo relação de causa e efeito entre o traumatismo e a morte.

QQ. De realçar, que tal Relatório foi exarado a 18 de Fevereiro de 2002, quando a morte ocorreu em 15 de Outubro de 2001, ou seja, trata-se de Relatório realizado 43 meses após a morte do DD.

RR. Ao não valorar os referidos documentos e nomeadamente os Diários Hospitalares, o Tribunal A Quo, não só violou as normas supra citadas, os artigos 516° e 660° nr.2 do CPC, como omitiu pronúncia sobre factos essenciais de que devia conhecer, gerando assim uma verdadeira Nulidade, que se invoca para os devidos e legais efeitos. Artigo 668° Nr. 1 alínea d) do CPC.

SS. Ao negar a análise de tais factos, o M° Juiz a quo violou, salvo o devido respeito, entre outros, os artigos 264° nr. 2, 511° e 646° nr. 4, todos do Cód. Proc. Civil, impedindo à R. uma cabal defesa dos seus direitos, inquinando a sentença de verdadeira nulidade, pois o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar, artigo 668° nr. 1 d) do CPC.

TT. Ao decidir, como o fez, contra o entendimento defendido por este STJ, que classificou a relação das partes como uma relação contratual, gerando nestes Autos a inadmissível contradição de julgar ao abrigo de Institutos distintos, violou o Tribunal a quo os artigos 9º, nr. 1, 309° e 498° do Código Civil; ao responder a matéria de direito e a conclusões jurídicas, violou o Tribunal a quo o artigo 653° nr. 2 do Código Processo Civil, devendo tais respostas ter-se por não escritas nos termos do artigo 646°, nr. 4 do CPC e tais respostas alteradas nos termos do artigo 722° nr. 2 do CPC; ao condenar a R. por responsabilidade extracontratual, violou o Tribunal a quo os artigos 486°, 487°, 165°, 500°, todos do Código Civil e, finalmente, ao não se pronunciar sobre facto materiais, violou os artigos 264°, nr. 2, 511°, 516°, 646° nr. 4 e 664°, todos do CPC e artigos 486° e 487°, ambos do CC.”


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20. Contra-alegou a autora, batendo-se pela confirmação do julgado.

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21. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Eis como se configura o acervo fáctico dado como provado no acórdão impugnado, doravante como “acórdão”, tão só, denominado:

“1) (A) A GG de Lisboa é propriedade da CC (Fundação).

2) (B) A Fundação CC (Fundação) foi instituída mediante transformação da Cooperativa de Ensino GG, C.R.L. (D.L. 117/2003, de 14 de Junho).

3) (C) A entidade instituidora goza da posição jurídica que a lei atribui e concede às pessoas colectivas de utilidade pública.

4) (D) A transformação da Cooperativa em Fundação implicou a assumpção por parte desta última de todos os direitos e deveres assumidos pela primeira.

5) (E) A Universidade tem a sede em Lisboa, existindo um pólo da Universidade em ........, no ..........

6) (F) A Autora foi mãe de DD, nascido em ............... e falecido em ...................2001.

7) (G) Data em que frequentava o 4o ano do curso de licenciatura em Arquitectura na GG de V.

8. (H) Sendo igualmente membro da Tuna Académica, como pandeireta.

9) (I) Correu termos no Serviços do Ministério Publico junto do Tribunal Judicial de ..............processo-crime com vista a investigar a morte do DD, no qual acabou por ser proferido despacho de arquivamento.

10) (J) No dia ............... de 2001, o DD, filho dos Autores, deslocou-se para as instalações da GG de F........... onde decorreu o ensaio da Tuna Académica da referida Universidade.

11) (K) O ensaio estava marcado para as 21 horas e 30 minutos, mas o DD chegou atrasado.

12) (L) Pelas 22 horas e 51 minutos, DD deu entrada no Hospital de ......... em V.

13) (M) Foi transferido deste Hospital para o Hospital de .........., pelos Bombeiros Voluntários de V........., pelas 23 horas e 35 minutos.

14) (N) Onde ficou internado até ao dia 15 de Outubro de 2001, data em que veio a falecer.

15) (O) Apesar de pertencer à Tuna há 4 anos, DD ainda era "tuninho", elemento inferior na hierarquia da Tuna.

16) (P) No dia ............... de 2001, o DD chegou às instalações da GG de V pelas 21 horas e 45 minutos.

17) (Q) Manteve-se no átrio da Universidade, local onde pelos tunas foi obrigado a efectuar séries de flexões de braços.

18) (R) Interpelado pelo (também aluno da Universidade do curso de Electrónica e Informática) HH, conhecido pela alcunha "J.....", foi ver uma nota de exame que aquele tinha efectuado.

19) (S) Dirigiu-se, de seguida, para a sala da Tuna e parou junto das pautas de Arquitectura, perto da reprografia, tendo aí ficado alguns minutos com os colegas.

20) (T) Nesse local, o DD foi novamente obrigado a fazer flexões de braços.

21) (U) Posteriormente, o DD e os colegas dirigiram-se para a sala que a Universidade disponibiliza à Tuna Académica, para ensaios e convívio, à qual só os tunas têm acesso.

22) (V) No interior desta sala, o DD voltou a ser praxado pelos tunos, tendo sido obrigado a fazer várias séries de flexões.

23) (X) Cerca de 15 minutos depois de ter entrado naquela sala, o DD dirigiu-se para o WC por se estar "a sentir indisposto".

24) (Z) Onde veio a ser encontrado por alguns colegas que, apercebendo-se do seu estado, que progressivamente ia piorando, chamaram o segurança da Universidade, II, o qual por sua vez, solicitou telefonicamente pelo envio de ajuda médica urgente.

25) (AA) O DD já não conseguiu sair do WC pelos seus próprios meios, sendo transportado até à entrada da Universidade em ombros pelos colegas.

26) (BB) Compareceu no local uma ambulância dos Bombeiros F............... que transportou o DD para o Hospital de......... ., em V.

27) (CC) Ao qual chegou já com perda de consciência.

28) (DD) A autópsia revelou que a morte do DD foi devida a lesões traumáticas crânio- encefálicas e cervicais.

29) (EE) A autópsia revelou tumefacção da região cervical direita, edema na região cervical posterior, ainda múltiplas equimoses na região lombar, hematoma na região inguinal direita, equimose da região nadegueira e do testículo direito, hematoma extenso no cerebelo direito com múltiplos coágulos, fractura da Ia vértebra cervical, arco posterior.

30) (FF) (matéria eliminada cf. Acórdão a fls. 1383).

31) (GG) O DD foi a enterrar no dia no dia ............... de 2001.

32) (HH) (matéria eliminada cf. Acórdão a fls. 1383)

33)...(II) (matéria eliminada cf. Acórdão a fls. 1383).

34) (JJ) O filho da Autora era um jovem pleno de saúde.

35. (KK) O DD esteve internado, em estado de coma, o que potenciou o sofrimento da Autora por nada poder fazer pelo filho, enquanto assistia impotente à sua "morte lenta".

36) (LL) A Autora ficou, por força do fortíssimo abalo sofrido pela morte do seu filho, seriamente afectada psicológica e psiquicamente.

37) (MM) O desgosto, o vexame e a frustração da Autora prejudicaram o resto da sua vida a partir do momento em que tomou conhecimento das lesões provocadas ao seu filho.

38) (OO) A Autora não consegue suportar a dor de ter assistido à morte do filho de 22 anos, inversão do que naturalmente é normal, ou seja, os filhos sobreviverem aos pais.

39) (PP) A Autora tem tido acompanhamento médico psicológico.

40) (QQ) A Autora assume como princípio de vida a luta com vista a impedir que outras pessoas sofram o mesmo que o seu filho, alertando para o mal que podem representar as "praxes" académicas.

41) (RR) Foi profundo o desespero nos vários minutos em que depois das agressões o DD esteve a agoniar até perder a consciência, passando progressivamente por um estado de indisposição até não conseguir pronunciar palavras.

42) (SS) A angústia e o sofrimento do DD, que sem se poder defender ou pedir ajuda, suportou as agressões.

Resultantes das respostas dadas à base instrutória:

43) A Tuna Académica da GG de V... N... de V apresenta como morada o .................., como telefone 0000000000, como fax 0000000000, elementos de contacto do pólo de V da Universidade (art° 1º).

44) No próprio sítio da Internet, a página da Universidade apresenta a Tuna entre vários outros elementos da sua vida académica (art° 2º).

45) A Tuna publicita, nacional e internacionalmente a GG de V (art° 3o).

46) Um dos requisitos para pertencer à Tuna é ser ou ter sido aluno da GG (art° 4°).

47) Os ensaios da Tuna realizam-se nas instalações da Universidade (art° 5º).

48) Os tunas, como praxe: pediram, uma vez, aos tuninhos para atravessarem um rio a meio da noite, o que sucedeu junto a uma ponte e com o objectivo de pôr à prova a sua sagacidade; na mesma noite, fizeram com que estes ficassem nus, à entrada de V..............; pediram que os tuninhos fossem «engatar» outros homens, quando a Tuna actuou no Brasil (era a seguinte a factualidade resultante da resposta dada pelo Tribunal recorrido: "Os tunas, como praxe: pediram, pelo menos uma vez, aos tuninhos para atravessarem um rio a meio da noite; na mesma noite, fizeram com que estes ficassem nus, à entrada da cidade de V...........; pediram que os tuninhos fossem "engatar" outros homens, quando a Tuna actuou no Brasil" - (art° 6°).

49) Desiludido e triste com esta situação, uma vez atingido o Limite de paciência para esperar a passagem a tuno, no dia ............... de 2001, DD saiu de casa dos pais, na companhia de quem havia jantado (art° 7°).

50) Naquela noite o DD não levou consigo as pandeiretas, instrumento musical que tocava na Tuna (8º).

51) O filho da Autora sofreu as agressões (por acto de terceiros) pelo menos na nuca/pescoço, que aconteceram quando este se encontrava na companhia dos colegas da Tuna, no interior das instalações da Universidade, entre o átrio e a sala da tuna, ou seja, entre as 21 horas e 45 minutos e as 22 horas e 30 minutos (art° 10°).

52) A morte de DD foi consequência adequada, directa e necessária de actos violentos a que na noite do dia ..............., nas instalações referidas em 51. supra, foi sujeito, nomeadamente de uma pancada, por pessoa não identificada, que lhe causou traumatismo crânio encefálico e cervical (art° 11°).

53) Em escrito datado de 27 de Fevereiro de 2003, o Presidente da Direcção da C... - Cooperativa de Ensino GG, CRL respondeu a um ofício do Comandante JJ, Chefe do Gabinete do Senhor Ministro da ................, informando que "Tratando-se de um aluno do 4o ano do curso de Arquitectura, é evidente que não podia ter então sido submetido às praxes a que estão sujeitos os "caloiros" e, na verdade, tal não aconteceu como asseguram e garantem todos os elementos da Tuna Académica que, com ele, conjuntamente procediam ao habitual e referido ensaio. O DD ensaiava com os seus colegas da Tuna, números musicais dos seus programas habituais; o seu "instrumento" era a pandeireta em cujo manejo e exibição, o DD era exímio, saltando, pulando, dobrando-se, baixando-se, movimentando-se, enfim, nas mais diversas posições, como sabem fazer quantos, nas tunas académicas, optam por essa colaboração. E como também com todos geralmente sucede, nos inícios do ensaio que ia realizar-se, o DD procedeu aos movimentos e flexões adequadas à respectiva preparação, como era seu hábito e sempre acontecia (...) Não compreendemos, porém, as suas (Autores) despropositadas intenções de envolverem a morte do filho não só em quaisquer responsabilidades da Universidade como em sinistras actividades assassinas, quando a autópsia a que dera origem a invocada denúncia anónima, concluíra, com toda a clareza, a causa da morte - derrame cerebral, sem qualquer intervenção alheia" (cf. doe. a fls. 360 e ss.) - (art°12°).

54) Os pais do falecido DD, que pagavam propinas para proporcionar ao seu filho grande qualidade de ensino numa Universidade privada, foram confrontados com o facto deste ser desumanamente tratado e de estar a ser submetido a práticas violentas, algumas das quais (nomeadamente as que sofreu na zona da nuca/cervical - na zona traumatizada), acabaram por causar a sua morte.  Em nome da  "praxe"  foi o mesmo  sujeito práticas violentas, estas permitidas por falta de controlo pela Universidade, Fundação (à altura Cooperativa) - (art° 13°).

55) A Ré apenas pediu aos membros da Tuna e a um seu funcionário - o referido infra em 71. - que esclarecessem o sucedido no dia 8.10.2001 (art°s 14° e 15°).

56) Depois de estarem disponíveis os resultados da autópsia que evidenciavam uma enorme probabilidade de morte com intervenção alheia, não existiu qualquer reacção, não foram tomadas quaisquer providências para investigar o caso e apurar o que efectivamente aconteceu, por parte da Ré (art° 16°).

57)Se a Ré controlasse as práticas praxistas dentro das suas instalações, impedisse que a agressividade física e psicológica dominasse, o DD não teria sido sujeito a humilhação, a vergonha, nas mesmas e teria contribuído para que a sua morte não tivesse ocorrido (art° 18°).

58) A Autora sente grande frustração e revolta pela atitude dos órgãos da Universidade, da Cooperativa (depois Fundação) face ao que aconteceu com o seu filho (art° 19°).

59) O DD foi durante anos humilhado pelos tunos e essa consciência perturbava-o (art° 20°).

60) A nível profissional, a Autora viu-se obrigada a faltar diversas vezes, para além de demonstrar incapacidade de concentração e interesse, estado para o qual contribuiu também esta situação, além do falecimento recente do seu marido (art° 22°).

61) A tuna da GG é uma organização estudantil da Universidade Ré (art° 23°).

62) O Polo de .........., da Universidade da Ré permite a existência das Tunas estudantis (art° 24°).

63) No Polo de F.............., da GG existem três Tunas, a masculina, conhecida por académica, a mista e a feminina (art° 25°).

64) A GG, e a própria Ré cedem um espaço onde as Tunas possam ensaiar se tal lhes for solicitado (art° 28°).

65) As Tunas por vezes solicitam à Ré ajudas financeiras para as deslocações (art° 29°).

66) Nas Universidades da R., as praxes existem no âmbito da recepção ao caloiro, que é uma festa de convívio (art° 31").

67) A Ré veio a saber que um tuno, utilizando um exemplar do Boletim Universitário que trazia na mão, que apresentava o formato de uma revista, composto por cerca de 20 folhas, atingiu o DD, entre a zona do pescoço e a parte superior dos ombros, enquanto este fazia algumas flexões que lhe tinham sido ordenadas por outro membro da Tuna (art° 33°).

68) O DD foi para a casa de banho existente no piso inferior das instalações da Ré, e em face do agravamento do seu estado de indisposição acabou por perder a consciência (art° 39°).

69) A R., através dos seus órgãos e agentes, em escrito datado de 18.10.2001, foi informada por elementos da Tuna do que alegadamente que acontecera no fatídico dia ............... de 2001, nos termos do escrito junto a fls. 243 e s., que aqui se dá como reproduzido (art° 42°).

70) Esse escrito foi elaborado após reunião de membros que faziam parte da Tuna em causa, entre os quais os que estavam presentes nas instalações da Ré nesse dia (art° 44°.

71) Os órgãos competentes da Ré ouviram o seu funcionário que estava nas suas instalações, na noite de ............... de 2001, e que teve conhecimento directo daquele incidente (art° 45°).

72) A R., através dos órgãos e agentes mandatados para o efeito, concluiu sobre a morte de DD aquilo que exarou no documento referido em 53) supra (art° 48°).

73) Em face da posição assumida nesse escrito, os respectivos órgãos e agentes da R., não procederam a outras diligências (art° 49°).

74) Os órgãos e agentes da R. aguardaram pelos resultados do processo crime instaurado (art° 50°).

75) No âmbito do processo crime instaurado, a R. sempre prestou a colaboração que lhe foi solicitada com vista ao integral apuramento da verdade dos factos que envolveram a morte de DD (art° 51°).

76) Nas circunstâncias referidas na Al. V) (item 22. supra), ao mesmo tempo, um tuno bateu-lhe pelo menos duas vezes com uma revista na nuca (art° 52°).”


*

III. 1. Sendo as questões versadas nas conclusões da alegação da recorrente, extraídas da respectiva motivação, afora as de conhecimento oficioso, que delimitam o âmbito do recurso (art.ºs 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC, este último com a redacção vigente até 31-12-07, vista a data da propositura da acção e o plasmado nos art.ºs 11.º n.º 1 e 12.º n.º 1, ambos do D.L. n.º 303/2007, de 24 de Agosto, tal como, obviamente, a dos demais comandos de tal compêndio normativo que se vierem a chamar à colação), dir-se-à:

a) O recurso de revista pode, também, fundar-se nas nulidades do acórdão proferido pela Relação (art.º 721.º n.º 2 do CPC), hipótese essa em que urge desencadear a aplicação do art.º 731.º do CPC, ao STJ, chegada a altura do julgamento, cumprindo, em primeiro lugar, apreciar a nulidade imputada ao acórdão recorrido (cfr. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª Edição, pág. 296).

Por assim ser, antes de mais:

“In casu”, arguiu a ré, como ressalta da conclusão “RR”, a nulidade do “acórdão”, por proclamada omissão de pronúncia (1.ª parte da al. d) do n.º 1 do art.º 668.º, aplicável, “ex vi” do consignado no art.º 716.º n.º 1 do CPC), vício de limite esse fruto do não acatamento do dever vazado na 1.ª parte do 1.º período do n.º 2 do art.º 660.º, artigo de lei este que joga, na hipótese sujeita, face ao estatuído no art.º 713.º n.º 2 do CPC.

Não colhe a arguição, sob dissecação no concernente ao “acórdão”, menos cabido, em sede de revista, tendo sido a invocação de nulidade, por omissão de pronúncia, da sentença apelada (conclusão “SS”), não acolhida, aliás, no “acórdão”, certo como é que, ora, decisão impugnada é, tão só, o “acórdão”.

Atentemos:

A ré, como permitido pelo art.º 690.º-A do CPC, nas conclusões U) a Y), AA) e CC) da sua alegação da apelação citada em I. 18, impugnou a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, defendendo, nomeadamente, que as respostas aos n.ºs 10.º, 11.º e 16.º da base instrutória, os citados na conclusão JJ) da revista, face ao teor dos documentos juntos a fls. 568 a 573 e à prova testemunha produzida, deviam ser alteradas pela Relação, com arrimo no art.º 712.º do CPC, para “não provado”.

No “acórdão”, de fls. 15 a 27, depois de, com acerto, se ter deixado expresso que a alteração da matéria de facto só podia encontrar amparo na al. a) do n.º 1 do art.º 712.º do CPC, por não ter sido apresentado documento novo superveniente e os documentos invocados pela apelante não terem força probatória plena no sentido pretendido pela ré, procedeu-se à reapreciação imposta pelo art.º 712.º n.º 2 do CPC, sem mácula, insiste-se, se explicitando o porquê de os documentos juntos a fls. 568 a 573 não terem a virtualidade pretendida pela recorrente, outro tanto valendo no concernente ao relatório da autópsia, esta acontecida a 16-10-2001 (cfr. fls. 181), o que se deixa assinalado face ao teor da conclusão QQ).

Prosseguindo:


*

b) Sendo certo que o STJ é competente para distinguir a matéria de facto da matéria de direito e, consequentemente, determinar se certa resposta deve ou não ser eliminada, utilizando, sendo esse o caso, o mecanismo correctivo enunciado no n.º 4 do art.º 646.º do CPC, vejamos se procede o pela recorrente peticionado, no atinente às respostas que mereceram os n.ºs 11.º, 13.º e 18.º da base instrutória (vide II. 52., 54. e 57.) – cfr. conclusões I) a P) da sua alegação.

1. Consoante constitui jurisprudência pacífica deste Tribunal, a “apreciação da relação de causalidade pressupõe uma questão de facto (a fixação da materialidade fáctica), a qual pertence às instâncias, e uma questão de direito (o facto concreto apurado ser, em abstracto e em geral, apropriado, adequado, para provocar o dano), esta sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça” – cfr. acórdão deste Supremo, de 20-04-99 (Proc.º 99A188), com sumário disponível in www.dgsi.pt.

Também no acórdão do STJ de 22-04-99 (Proc.º 99B196), disponível in www.dgsi.pt, se defendeu que:

“…III. A causalidade, um dos pressupostos da responsabilidade civil, deve ser apreciada quer numa perspectiva naturalística, quer numa vertente jurídica.

IV. Só a declaração da existência de um nexo de causalidade naturalística é que constitui matéria de facto da competência exclusiva das instâncias.

V. A apreciação da existência ou não de nexo de adequação causal integra uma questão de direito compreendida nos poderes de sindicância do STJ (art.ºs 722.º e 729.º do CPC).”

Também Amâncio Ferreira sustenta que o nexo de causalidade naturalística entre o facto e o dano integra matéria de facto (cfr. obra citada, pág. 270).

Por seu turno, quando a resposta ao levado à base instrutória contiver, simultaneamente, matéria de facto e de direito, a sanção do art.º 646.º n.º 4 do CPC apenas abrange a parte da reposta que se refere à questão de direito (cfr. acórdão do STJ, de 8-6-2006, AD, 546º, 2091).

Por assim ser, há, efectivamente, que fazer funcionar o art.º 646.º n.º 4 do CPC, no tocante à resposta que mereceu o n.º 11 da base instrutória, como provado tão só se tendo que:

“A morte do DD foi consequência de actos violentos a que na noite do dia ..............., nas instalações referidas em 51. supra, foi sujeito, nomeadamente de uma pancada, por pessoa não identificada, que lhe causou traumatismos crânio encefálico e cervical”.

2. As respostas havidas aos n.ºs 13.º e 18.º da base instrutória (cfr. II. 54. e 57.), essas, não versam, manifestamente, sobre questões de direito, conclusões de direito, ao contrário do defendido pela recorrente (conclusão K), nelas não se utilizando expressões de duplo uso (corrente e técnico-jurídico), utilização essa defesa quando a vertente conceitual dessa terminologia constitui o “thema decidendum” (cfr. acórdão do STJ, de 15-01-04 – Proc.º 03B3834/ITIJ/Net).

A redacção dada aos n.ºs 13.º e 18.º da base instrutória e as respostas que mereceram não extravasaram o consentido por lei (art.ºs 511.º n.º 1 e 646.º n.º 4 do CPC) – cfr., sobre a temática, o acórdão do STJ, de 09-10-2003 (Proc.º n.º 03B1816), disponível in www.dgsi.pt –, razão pela qual não há que como nas escritas ter tais respostas.


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c) Não se estando ante hipótese contemplada nos artigos 722.º n.º 2 e 729.º n.º 3 do CPC, a materialidade fáctica que como definitivamente fixada se tem é a referida em II. 1. a 51, 53. a 76. e b) 1. que antecede (resposta ao n.º11.º da base instrutória).

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IV. 1. Ao arrepio do sufragado nas instâncias, entendemos que a autora, a arquitecta da acção (art.º 467.º n.º 1 d) do CPC), com a propositura desta, visou efectivar a responsabilidade civil contratual da ré, acompanhando-se o expendido, em tal sentido, no acórdão referido em I. 15., com o teor seguinte:

“O que na petição inicial a autora, ora recorrida, afirmava, no tocante à actuação da ré e ora recorrente, era que, frequentando o DD o 4º ano do curso de licenciatura em Arquitectura na GG de V.........., pólo da mesma Universidade sendo esta propriedade da ré, e membro da respectiva Tuna hierarquicamente sujeito a praxe académica por outros elementos desta, veio a falecer em .......... de 2001 em resultado de lesões causadas por práticas praxistas violentas sobre ele exercidas no dia 8 anterior, sendo que a ré tinha o dever de controlar as actividades praxistas dos seus estudantes, nomeadamente dos membros da Tuna, por forma a garantir a segurança e a integridade física dos seus alunos dentro das suas instalações, não o tendo feito, antes permitindo essas práticas por omissão de vigilância e controlo. E acrescenta: “... ao pagar as propinas para que o seu filho pudesse frequentar uma Universidade privada, que teoricamente lhe proporcionaria uma maior qualidade de vida, a autora estava a confiar que seriam proporcionadas ao DD todas as condições para que ele aproveitasse ao máximo a sua vida académica.”

Por sua vez, a ora recorrente não impugna, nem que o DD era seu aluno, por força de contrato pelo qual recebia as correspondentes propinas, nem o dever que a autora lhe atribuía de controlar as actividades praxistas dos seus estudantes, nomeadamente dos membros da Tuna.

Quer dizer: o que a autora/recorrida invocou na petição inicial, foi a celebração de um contrato de prestação de serviços - de ensino, educação ou instrução - entre a ré e ela e seu marido ou o DD, de que faziam parte, pelo menos como deveres acessórios ou laterais, os de vigilância e controle, pela ré, das práticas praxistas no interior das instalações com o objectivo de garantir a segurança, nomeadamente psíquica, e a integridade física, dos alunos, sendo esses os deveres que, no seu entender, foram, autonomamente, incumpridos pela ré, dando posteriormente origem às graves consequências apontadas.

Com efeito, os contratos incluem não só as obrigações deles expressamente constantes, mas também deveres acessórios inerentes à prossecução do resultado por eles visado.

Como se diz no acórdão deste Supremo de 29/04/10, acessível in www.dgsi.pt, “o cumprimento do contrato deve ser pontual - art.° 405° do Cód. Civil - no sentido de que as prestações devem ser realizadas não só no tempo convencionado, como o devem ser integralmente, ou seja, ponto por ponto, não se satisfaz, em tempo de cada vez maior eticização das condutas negociais segundo os deveres do tráfego inerentes a cada tipo contratual, com comportamentos que apenas tenham em conta interesses próprios, antes postula uma colaboração leal (de boa fé) entre credor e devedor, sobretudo no domínio das relações intersubjectivas, mormente nos negócios jurídicos, avultando o dever de cooperação, de entre os deveres acessórios de conduta”.

Estes deveres resultantes acessoriamente do próprio contrato, em paralelo com a obrigação principal e destinados a assegurar a perfeita execução desta, a ponto de a sua violação poder gerar uma situação de incumprimento, implicam a adopção de procedimentos indispensáveis ao cumprimento exacto da prestação, com destaque para o dever de cooperação, sem o qual muitas vezes a utilidade final do contrato não é alcançada.

Deveres acessórios de conduta, na definição de José João Abrantes, in “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato” - 1986, 42, nota 8, “são os que, não respeitando directamente, nem à perfeição, nem à perfeita (correcta) realização da prestação debitaria (principal), interessam todavia ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos em que ela deve processar-se entre os contraentes que agem honestamente e de boa-fé nas suas relações recíprocas”.

Também o Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, págs. 124/125, depois de referir que, além dos deveres principais ou típicos da prestação nos contratos nominados, existem outros a que se pode chamar de deveres secundários ou acidentais, define os deveres de conduta como aqueles que, “não interessando directamente à prestação principal, nem dando origem a qualquer acção autónoma de cumprimento (cfr. art °s 817° e segs.) são todavia essenciais ao correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra”.

Tais deveres são indissociáveis da regra geral que impõe aos contraentes uma actuação de boa-fé - art. 762°, n°2, do Código Civil -entendido o conceito no sentido de que os sujeitos contratuais, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício dos direitos correspondentes, devem agir com honestidade e consideração pelos interesses da outra parte - princípio da concretização.

No mesmo sentido é o Prof. Menezes Cordeiro, que na recente obra “Tratado de Direito Civil Português - II - Direito das Obrigações” - 2010 - pág. 365 e segs., antes de abordar os problemas referentes ao cumprimento e incumprimento do contrato-promessa, alude aos conceitos de cumprimento e de incumprimento, escrevendo acerca daquele:

"Diz-se cumprimento a realização da prestação devida. Pela natureza das coisas, estamos perante uma realidade nodal, no seio das obrigações: a concretização, pelo devedor ou por terceiro, do programa previsto pela obrigação em causa. Podemos simplificar fazendo corresponder, ao cumprimento, quatro princípios:

-        princípio da correspondência: a actuação adimplente deve reproduzir, qualitativamente, o figurino abstracto prefixado pela obrigação;

-        princípio da integralidade: a prestação não deve ser efectuada por partes (763°/1) prevalecendo uma indivisibilidade de raiz;

-        princípio da concretização: a conduta devida deve realizar, no terreno, o interesse do credor;

-        princípio da boa fé: na execução do vínculo, há que acatar a medida de esforço exigível e os deveres acessórios existentes, de modo a acautelar os valores fundamentais do ordenamento, através da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente (762°/2).

O princípio da concretização - traz-nos dados novos, que não se continham, necessariamente, na obrigação: eles dependem do terreno em que o cumprimento tenha lugar".

A Ré, a demonstrar-se a actuação que a autora lhe imputa, poderia ter violado o princípio da concretização, ao não realizar "no terreno" os interesses que sabia serem os do credor, - a Autora ou o DD -, e infringido o dever de actuar de boa-fé ao não acautelar a confiança que estes depositaram na sua prestação, violando deveres acessórios de conduta que, se observados, lhe impunham um vigilância e controle sobre as actividades praxistas dos seus estudantes que obstariam a que delas pudessem resultar consequências gravosas para o DD e permitiriam que este pudesse prosseguir em segurança os seus estudos.

O mesmo é dizer que a ora recorrida imputa à ré a responsabilidade pela morte do DD com base em incumprimento, por esta, de deveres que do contrato celebrado acessoriamente lhe derivavam no que respeita à segurança daquele, como seu aluno. Não se trata aqui, claramente, de um dos deveres principais de prestação decorrentes do contrato de prestação de serviço (dever de ensinar, dever de pagar as propinas), nem mesmo de algum dever instrumental em relação a esses deveres principais, mas de um meio indispensável à prossecução do objectivo visado pela celebração do contrato, ou seja, o de o DD alcançar o termo da licenciatura obviamente com a melhor classificação possível, o que, devido ao óbito, se tornou impossível, mas que mesmo sem tão grave consequência se tornaria mais dificultado perante a invocada violação dos ditos deveres de vigilância e controle, se efectivamente tal violação tiver ocorrido.

Ou seja, a eventual violação dos deveres de vigilância e controle apontados, e da consequente garantia de segurança do DD, deveres esses acessoriamente derivados do contrato celebrado, poderá tornar a ré responsável pelos prejuízos sofridos, nos termos da responsabilidade contratual.

Não é, sem dúvida, unânime a recondução da violação destes deveres acessórios, caracterizados, segundo Mota Pinto, in “Cessão da Posição Contratual”, - reimp., Coimbra, 1982, págs. 337 e segs. -, por uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes, e resultantes da sua conexão com o contrato, às regras da responsabilidade contratual (Mota Pinto, ob. citada, pág. 342) ou extracontratual (Pedro Romano Martinez, “Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Coimbra, 2001, pág. 253).

Entende-se, porém, que a solução a este respeito não tem de ser uniforme, antes variando de caso para caso conforme as circunstâncias concretas. Ora, na situação em causa, face à ligação existente entre a realização da prestação principal devida pela ré e a necessidade de esta garantir, nas suas instalações, a segurança dos seus estudantes a fim de realizar aquela prestação, pois no caso contrário difícil se tornaria aos estudantes a frequência das aulas que a ré tinha de lhes facultar, considera-se que do contrato celebrado resultava uma especial obrigação da ré para com a contraparte respectiva de garantir, nas suas instalações, tal segurança, pelo que a violação do dever de a garantir, que a autora lhe imputa, tem de ser encarada à luz das normas relativas à responsabilidade contratual; ao contrário do que sucederia se o lesado por força da inobservância de regras de segurança fosse um terceiro, caso em que apenas poderia haver responsabilidade aquiliana.

Neste mesmo sentido, de se tratar de responsabilidade contratual na hipótese de violação de deveres laterais, se pode apontar o Acórdão deste S.T.J. de 29/04/10 (relator Cons. Sebastião Povoas), in www.dgsi.pt, e Cons. Álvaro Rodrigues, in “Reflexões em Torno da Responsabilidade Civil dos Médicos”, apud “Direito e Justiça” - XIV. 2000.3 - Separata, 197.

Não há, por isso, que atender aos prazos de prescrição fixados no art.° 498° do Cód. Civil, mas ao prazo ordinário de vinte anos fixado no seu art.° 309°, o qual ainda não decorreu.”

Pressupostos da responsabilidade civil contratual são, na lição de Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 7.ª Edição (Revista e Actualizada), pág. 333, “a inexecução da obrigação (acto ilícito), a culpa, o prejuízo, a causalidade”.

Do provado – cfr. II. 10, 16, 17, 20, 22, 28, 51, resposta, corrigida, ao n.º 11 da base instrutória, 54, 57, 61, 62 e 76 – resulta límpido o incumprimento, pela ré, dos seus deveres de vigilância e controle e da consequente garantia de segurança do seu aluno, o falecido DD , deveres esses acessoriamente derivados do contrato de prestação de serviços, ao abrigo do qual, à data da sua morte, aquele frequentava o curso citado em II. 7.

A ocorrência do pressuposto culpa, a apreciar nos termos do art.º 487.º n.º 2 do CC, atento o disposto no art.º 799.º n.º 2 de tal compêndio normativo, como insofismável se deve ter, a ré, de tal tendo o ónus, não tendo, manifestamente, logrado afastar a presunção a que se reporta o art.º 799.º n.º 1 do C.C..

Dúvida não sofre a verificação do pressuposto dano, na hipótese em apreço não patrimonial, o que em crise nem sequer é colocado nas conclusões da alegação da revista, peça esta em que, outrossim, se não insurge a ré contra o “quantum” indemnizatório, fixado no “acórdão”.

Quanto ao nexo de causalidade, adequada (art.º 563.º do CC) entre o acto ilícito e culposo e os ocorridos danos não patrimoniais, o ónus da prova de tal incumbindo à autora (art.º 342.º n.º 1 do CC), diremos que a sua verificação, na hipótese em apreço, também não sofre dúvida, como decorre de II. 51., resposta, alterada, ao n.º 11.º da base instrutória, 54.º e 57.º, não olvidado que, como salientado em acórdão deste Tribunal, de 18-05-2006, in CJ/STJ – Ano XIV – tomo II, pág. 95, outra não sendo a tese sufragada em arestos deste Tribunal, de 20-010-05 e 12-3-2008, à liça chamados em acórdão do STJ, de 25-06-2009 (Proc.º n.º 459/05.OTBMCD.S1), disponível in www.dgsi.pt.:

“O nexo causal é definido, na esfera do direito civil, em função da variante negativa da causalidade adequada, o que significa que qualquer condição que interfira no processo sequencial dos factos que conduzem à lesão, e que não seja de todo indiferente à produção de dano segundo as regras normais da experiência comum, seja causa adequada do prejuízo verificado”.

Também a teoria da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano, como recordado no já invocado acórdão de 25-06-2009, o que se deixa referido face ao apurado, de II. 57 constante.

Verificam-se, pois, todos os pressupostos de responsabilidade civil contratual.


*

V. Conclusão:

Destarte, nega-se a revista, confirmando-se o “acórdão”.

Custas pela recorrente (art.º 446.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 24 de Abril de 2013

Pereira da Silva (Relator)

João Bernardo

Oliveira Vasconcelos