Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ROSÁRIO GONÇALVES | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA REMUNERAÇÃO DETERMINAÇÃO DO VALOR RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS DIRETIVA COMUNITÁRIA CONSTITUCIONALIDADE PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 02/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. O Estatuto de Administrador Judicial, no nº. 10 do seu artigo 23º, estabelece o valor máximo final da remuneração variável, devida ao Administrador da Insolvência, em € 100.000,00. II. Da Diretiva 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, não se extrai que a remuneração do Administrador de Insolvência, não comporte limites, nem que uma resolução eficiente dos processos esteja dependente de uma maior remuneração. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 1545/09.2TYLSB-L.L1.S1 Acordam na 6ª. Secção do Supremo Tribunal de Justiça 1-Relatório: Transurbe – Construções, Lda., foi declarada insolvente por sentença de 03/12/2009, na qual foi nomeado como administrador da insolvência, o Sr. Dr. AA. Realizou-se assembleia de apreciação do relatório, tendo sido determinado o prosseguimento dos autos para liquidação. Foram apreendidos e liquidados bens. Por despacho de 02/06/2014, foi nomeada como administradora da insolvência, em substituição a Sra. Dra. BB. Foram reclamados créditos e foi proferida sentença final de verificação e graduação de créditos, tendo sido verificados créditos no montante global de € 7.289.097,94. Foi julgada procedente uma ação de verificação ulterior de créditos, verificando um crédito sobre a insolvência de € 395,36. Foram prestadas contas da administração da massa insolvente do Sr. Administrador Dr. AA, julgadas validamente prestadas por sentença transitada em julgado. Foram igualmente prestadas as contas da administração da massa insolvente, relativas à liquidação efetuada pela Sra. Dra. BB, julgadas validamente prestadas por sentença transitada em julgado. Por decisão de 16/01/2024, o tribunal fixou a remuneração variável devida a ambos os Srs. Administrador da Insolvência nos seguintes termos: «Remuneração variável Foi apurado o valor total de receitas . de 1 963 116,00 anterior Ai . 133 441,41 Ai em funções. As dívidas da massa insolvente: . 105 220,54 do anterior Ai, [destas não foram aprovados os valores debitados de 3 551,01 de deslocações e o valor da remuneração variável debitado 36 900,00, pelo que foram aprovadas despesas no valor de 64 769,53; . O Cofre adiantou ao anterior AI 500,00 . A Ai em funções apresentou despesas de 53 588,98 . 46 563,00 conta de custas Receita 1 963 116,00 + 53 588,98 = 2 016 704,98 Despesas 64 769,53 + 53 588,98 + 46 563,00 = 164 921,51 O resultado da liquidação é de 1 851 783,47. A remuneração nos termos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 29.º, é de 92 589,17 [IVA 21 295,50]. No caso, a remuneração variável, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º, é de 92 589,17. Valor que ultrapassa o limite de 50 000,00, fixado no n.º 8 da referida norma. Em suma, há que aferir da fixação da remuneração variável do administrador da insolvência entre o limite (mínimo) de 50.000,00€ e o limite (máximo) de 100.000,00€, fazendo esse balanceamento em função dos elementos de ponderação aludidos pelo legislador no nº 8 do citado preceito, salientando-se que se trata de enunciação não taxativa.» Assim e tendo em atenção o disposto no n.º 8, do mesmo preceito obtido um valor superior a 50 000,00 cabe determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções. Vejamos. Para calcular a majoração prevista no n.º 7 do artigo 23.º, há que considerar o valor efetivamente disponível para pagamento a credores que, no caso, é de 1 737 898,8 (correspondente ao valor da receita da liquidação, deduzidas as despesas incluindo o valor da remuneração fixa e variável e impostos, antes da majoração). Foram reconhecidos créditos no valor global de 4 125 350,25. O grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos é de 42,12%. O valor da majoração, calculado nos termos do disposto no referido n.º 7, é então de € 37 118,00 (€ 1 737 898,8x 5% x 42,12%). O processo de insolvência teve início a 28.11.2009, decretada a insolvência a 03.12.2009, prosseguiram os autos para liquidação com a apreensão e venda dos imóveis da titularidade da insolvente, com recurso a uma leiloeira, com anuência da Comissão de Credores. A massa contratou serviços jurídicos e de segurança para auxílio nas diligências de liquidação, os quais foram suportados pela massa. Ponderados estes elementos e a interpretação do Acórdão da Relação de Lisboa entendemos ser de fixar a remuneração variável no valor de 80 000,00€ (oitenta mil euros) + IVA. Fixo, assim, em 80 000,00 + IVA (oitenta mil euros) a remuneração variável. O valor da remuneração variável deve ser repartido pelos dois Administradores de Insolvência nomeados, de acordo com a liquidação realizada por cada um deles. O valor de 80 000,00 deverá ser repartido na proporção de 1/10 para a Sra. Administrador(a) de Insolvência em funções e o restante para o anterior Administrador(a) de Insolvência, face aos valores supra descritos. Cabe ao anterior AI o valor de 72 000,00 e à SRA Administrador(a) de Insolvência em funções o valor de 8 000,00. O anterior AI debitou na conta da massa o valor de 3 551,01 de deslocações e 36 900,00 da remuneração variável, valores que não foram aprovados na sentença de prestação de contas de 10.10.2022, pelo que, devem ser abatidos ao valor fixado, juntamente com o valor de 500,00 da provisão adiantado pelo Cofre. Ao valor de 72 000,00 será retirado o valor de 40 951,01 [3 551,01 + 36 900,00 + 500,00], sendo o valor a receber de 31 048,99. Ao valor de 72 000,00 foi retirado o valor de 40 951,01 [3 551,01 + 36 900,00 + 500,00], sendo o valor a receber de 31 048,99». Inconformado apelou o Sr. Administrador da Insolvência Dr. AA, pedindo a alteração do despacho recorrido e a sua substituição por outro que lhe fixe remuneração variável de € 345.361,96, IVA incluído de € 64.176,15. No Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido acórdão, com o seguinte teor na sua parte dispositiva: «Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em, julgando parcialmente procedente a apelação, fixar a remuneração variável devida nos autos em € 90.000,00 acrescida de IVA e determinar a atribuição na proporção de 98% ao Sr. Administrador da Insolvência substituído, aqui recorrente, e na proporção de 2% para a Sra. Administradora da Insolvência em funções». Uma vez mais inconformado veio o recorrente interpor recurso de revista excecional para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações: I)Vem o presente recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em que se decidiu que “acordam as juízas desta Relação em, julgando parcialmente procedente a apelação, fixar a remuneração variável devida nos autos em € 90.000,00 acrescida de IVA e determinar a atribuição na proporção de 98% ao Sr. Administrador da Insolvência substituído, aqui recorrente, e na proporção de 2% para a Sra. Administradora da Insolvência em funções.”. II) Não se questiona, no presente recurso todo o restante da decisão recorrida, nomeadamente que ao Recorrente, efetuadas as contas estabelecidas no art.23º do EAJ - antes da redução que a decisão entendeu fazer que decorre no seu entendimento do limite de 100.000,00€ estabelecido no nº10 deste preceito -, tem direito a um montante de remuneração variável de 461.933,06€, IVA incluído, sendo a soma de nos termos da decisão recorrida. III) O recorrente, sendo consequente com a sua interpretação do art. 23º do EAJ, aceita que o valor resultante do cálculo resultante do nº4/b) do preceito seja reduzido para 100.000,00 € mais IVA, nos termos previstos no nº 10 do mesmo preceito. IV) O que, e por aplicação ao caso em apreço, fixaria a remuneração variável do Recorrente em 287.778,00€ (sendo 100.000,00 € resultante do art.23º/4, b, e 187.778,00 € resultante da majoração prevista no art.23º/7, ambos do EAJ), o que acrescido de IVA no valor de 66.188,94€, dará um direito do Recorrente ao montante total de 353.966,94€. V) Salvo o devido respeito pela decisão recorrida, nenhum argumento “teleológico” sustenta a justificação imposta à intenção do legislador da redução da remuneração variável que se considera existir no nº 10 do art.23º que vimos referindo, no peso quer dos interesses dos credores por um lado, quer dos interesses dos administradores de insolvência que procedem à liquidação de ativos por outro lado, quer ainda pelos interesses da comunidade como Estado que no máximo pagamento aos credores e na máxima arrecadação de receita em IVA e em IRS, realiza os seus propósitos. VI) Justificaria que sobre a matéria em questão, especialmente no que ora está em causa de o limite previsto no art. 23º nº10 do EAJ dever ser entendido, como o foi na decisão recorrida, com o sentido de que se aplica à remuneração variável completamente calculada (incluindo majoração) nos processos em que a remuneração variável seja calculada sobre o resultado da liquidação da massa insolvente, incidisse uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, o que pela presente via, e humildemente, se pretende. VII) Como se alegou, sobretudo está em causa a decisão plasmada no Douto Acórdão e que se encontra configurada no primeiro ponto do seu sumário, a saber: “I - O limite previsto no art. 23º nº10 do Estatuto do Administrador Judicial é aplicável à remuneração variável total, compreendendo a majoração, nos processos em que a remuneração variável seja calculada sobre o resultado da liquidação da massa insolvente, funcionando como limite da mesma e não apenas da parcela achada com a operação de cálculo prevista na al. b) do nº4 e no nº6 do mesmo artigo.” VIII) É claro o entendimento do ora recorrente que o presente recurso de revista excecional é admissível porquanto nos termos do art.672º/1, a) e b): “Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;” IX) O referido artigo 14º do CIRE não exclui, nos casos de iminente relevância jurídica e social, como se evidencia no presente caso a admissibilidade do recurso de revista excecional. X) A assim não se entender, o que não se aceita, poderíamos em muitos casos, e nesta situação tal ocorreria, ser confrontados com uma manifesta denegação da justiça, com um manifesto atropelo a princípios da igualdade e proporcionalidade, da violação de princípio da confiança e da segurança jurídica, princípios com consagração constitucional, nomeadamente em conformidade com o artigo 2º e 13º da CRP. XI) Na verdade, pela leitura restritiva do artigo 14º do CIRE, os riscos de se verificarem os atropelos constitucionais como os chamados agora à colação, sempre ocorreriam em caso de se verificar uma dupla conforme em toda e qualquer matéria que fosse objeto de apreciação num processo de insolvência e se traduzisse em matéria nova sobre a qual ainda não tivessem sido proferidos acórdãos que permitissem a aferição da existência de acórdãos contraditórios, apesar de estarmos perante matérias de especial relevância jurídica e social. XII) No caso dos autos estamos num processo de insolvência na presença de uma execução universal, pelo menos em sede de liquidação – e no caso presente estamos perante um caso de liquidação – a insolvência tem como fim último, ou se quisermos, noutra perspetiva, como primeiro fim a ser atingido, a satisfação dos credores e na medida do possível a maximização dessa mesma satisfação, em harmonização com outras realidades. XIII) Situação em que a remuneração do administrador de insolvência é um fator a considerar, pois a mesma constitui uma dívida da massa, o mesmo é dizer, uma dívida que se coloca numa posição preferencial de pagamento, por clara opção do legislador XIV) Ora, em sede de remuneração variável não podemos deixar de chamar à colação a Diretiva 2019/1023 de 20 de junho de 2019 – agora de certo modo transposta – que versa “sobre os regimes de reestruturação preventiva, o perdão de dívidas e as inibições, e sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas”, sendo que uma das matérias sobre as quais versa a Diretiva é a remuneração variável do administrador de insolvência. XV) É patente, pois, a relevância social da matéria em causa, diríamos, encontrando-se importância consagrada de forma expressa em sede legislativa: envolve matérias como postos de trabalho; o mercado interno e a afirmação da necessidade de também esta matéria contribuir para o exercício das liberdades fundamentais. XVI) Da Diretiva propriamente dita, o artigo 27º que tem por epígrafe “Supervisão e remuneração dos profissionais”, decorre que prescreve: “Os Estados-Membros asseguram que a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos. Os Estados-Membros asseguram a existência de procedimentos adequados para resolver eventuais litígios em matéria de remunerações”. XVII) Tratando-se de matéria de indiscutível relevância jurídica com o impacto em múltiplas e variadíssimas vertentes de qualquer sociedade de Estado de Direito, a necessidade, ou absoluta necessidade, de uma cada vez maior clareza e adequada resposta ao princípio da segurança jurídica, exigem que se considere como questão que terá de ser apreciada para que ocorra uma melhor aplicação do direito; XVIII) Devendo o presente recurso ser admitido enquanto recurso de revista excecional, nos termos do artigo 672º, nº 1 alínea a) e b) do CPC, por forma a contribuir, enquanto questão de especial relevância jurídica, para uma melhor aplicação do Direito e considerando estarmos perante interesses de particular relevância social, e uma vez cumpridas as formalidades das alíneas a) e b) do artigo 672º do CPC, bem como o plasmado no nº2 do mesmo preceito legal. Sendo assim; XIX) Parece resultar claramente do disposto no art.23º da Lei 22/2013, que a remuneração variável terá necessariamente i) o valor decorrente do seu nº4, b), apurado pela aplicação do critério do nº 6, com um valor limite de 100.000,00€, ii) acrescido de um montante de majoração de 5% do montante dos créditos satisfeitos, conforme nº 7. XX) Como se referiu, menciona o nº10 do aludido art.23º à “remuneração calculada nos termos da al. b) do nº4”, referindo-se prima facie à parcela sem a majoração (que está prevista no nº7 do mesmo art.23.º). XXI) Seria bastante questionável o acerto de uma solução que, a partir de certo montante do resultado da liquidação, deixasse de constituir incentivo ao AI para a demanda de maiores rendimentos em benefício da massa insolvente. XXII) Ponderando os elementos literal e teleológico da interpretação, deve prevalecer, a regra de que as remunerações não conhecem limites máximos, rigidamente estabelecidos, no processo de insolvência, a não ser nos casos expressamente previstos, em sintonia, aliás, com a opção do legislador de afastar o valor de € 100.000,00 como máximo para a própria redução no art.23.º/8 da Lei 22/2013. XXIII) Acrescendo que tal ausência de teto máximo também não existe no caso de remuneração dos Agentes de Execução, a quem diversa legislação equipara os Administradores Judiciais, como é o caso de significativo das alterações que a Lei 17/2017, de 16/5 introduziu no EAJ, nomeadamente no seu art.11º/a). XXIV) Nada permitindo hoje, face à redação nova do art.23.º, que ao ora recorrente, não seja devido o direito à remuneração fixa e variável prevista neste art. 23.º e segundo os critérios constantes do mesmo, sem tetos máximos, artificiosamente criados por via judicial, e não legislativa. XXV) Pelo que acima se referiu, parece-nos manifesto que o legislador nas disposições aplicáveis do CIRE, no Estatuto dos Administrador Judicial decorrente da Lei 22/2013 e, sobretudo, na Lei 9/2022 pretendeu que ao presente caso fosse aplicado o disposto no art.23.º, não se impondo qualquer outra solução sem violação flagrante da letra da lei e da vontade do legislador democrático e das regras insertas nos arts. 9.º e 10.º do CC, porquanto a aplicação do disposto no art.23.º/4,b) e 10 e a majoração prevista no art.23º/7 resulta claramente da letra da lei, do pensamento legislativo, respeitando a unidade do sistema jurídico, as circunstância em que a lei foi elaborada e as condições específicas de tempo em que é aplicada, respeitando o principio de que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, bastando, assim, uma mera e singela interpretação declarativa da lei aplicável. XXVI) A interpretação que se faz no acórdão recorrido constitui, salvo o devido respeito, claramente uma interpretação revogatória ou ab-rogante da lei aplicável, que expressamente fornece critérios e que não se encontra em conflito com outro aplicável a situação diversa (espécie de interpretação que só terá lugar quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável, nas palavras, ainda, de João Batista Machado, idem, pag.186, (o que, como se viu, não é o caso), violando até o princípio da separação de poderes que resulta do nosso estado de direito democrático, com conformação constitucional expresso nomeadamente nos arts.2.º, 3.º, 13º, 202.º, 203.º e 204.º da CRP- Constituição da Republica Portuguesa, arts.152.º e 154.º do CPC e arts.3.º, 4.º e 6.ºC da Lei 21/85, de 30/07-Estatuto dos Magistrados Judiciais. XXVII) A aplicação ao caso dos autos do disposto no art.23º da citada Lei 22/2013, na interpretação que dele é feita na decisão recorrida, constitui a violação do princípio da interpretação do direito interno em desconformidade com o direito comunitário, inscrito, nomeadamente no art.8.º da CRP e do art.5.º do Tratado da União Europeia. XXVIII) Acrescendo que a aplicação do aludido art. 23º na interpretação que é feita nos autos, viola claramente o estabelecido no art.59.º/1, a) e 61.º/1 da CRP em matéria de direito à retribuição do trabalho e liberdade de iniciativa económica privada no quadro previamente definido pela constituição e pela lei. XXIX) Termos em que se pugna pela revogação da decisão recorrida, e considerando-se que nos termos do disposto no art.23º/10 do EAJ só o montante referido no nº4, b do preceito é que é limitado a 100.000,00€, se reconheça a remuneração variável global devida ao Recorrente no montante de 287.778,00€ (sendo 100.000,00€ resultante do art.23º/4, b, e 187.778,00 € resultante da majoração prevista no art.23º/7, ambos do EAJ), o que acrescido de IVA no valor de 66.188,94 €, dará um direito do Recorrente ao montante total de 353.966,94 €. Não foram apresentadas contra-alegações. Foram colhidos os vistos. 2- Cumpre apreciar e decidir: As conclusões do recurso delimitam o seu objeto, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil. Da admissibilidade do recurso: O presente recurso de revista excecional foi admitido pela Formação, tendo em conta a relevância jurídica da questão colocada. A questão a dirimir consiste em aquilatar sobre o limite máximo final a atribuir à remuneração variável do Administrador de Insolvência. A factualidade pertinente para a decisão é a constante do presente relatório, para o qual se remete. Vejamos: Discorda o recorrente do acórdão proferido, na medida em que o mesmo reduziu o montante final da remuneração variável, atento o disposto no nº.10 do art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial. Diremos desde já, que, não obstante aquando da admissão da revista excecional, ainda não houvesse pronúncia conhecida deste STJ. sobre esta problemática, desde então foram proferidos vários acórdãos nesta 6ª. secção, de forma unânime, com a orientação de não assistir razão aos recorrentes. A título de exemplo enunciamos os acórdãos nºs. 14878/16.2T8LSB-G.L1.S1, de 1-10-2024, 380/12.5TYNGN-N.P1.S1, de 17-12-2024, 578/12.6TYLSB-M.L1.S1, de 13-2-2025, in www.dgsi.pt. Entendeu o acórdão recorrido que o limite previsto no art. 23º, nº 10 do Estatuto do Administrador Judicial é aplicável à remuneração variável total, funcionando como limite da mesma e não apenas da parcela achada com a operação de cálculo prevista na al. b) do nº. 4 e nº. 6 do mesmo artigo. Porém, entende o recorrente que este teto máximo foi artificiosamente criado por via judicial e não legislativa. Ora, nos termos do disposto no nº. 1 do art. 60º do CIRE, o administrador de insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis. O Estatuto do Administrador Judicial sofreu alterações resultantes da entrada em vigor da Lei nº. 9/2022, de 11 de janeiro, como resulta do seu art. 5º. Esta Lei entrou em vigor a 11 de abril de 2022, estabelecendo um regime transitório no seu artigo 10º, nº. 1, ou seja, a presente lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor. Com efeito, como se constata, a liquidação da remuneração variável já foi efetuada no âmbito da nova lei e de acordo com os respetivos cânones. Assim, nos termos constantes do art. 22º do Estatuto do Administrador Judicial, o mesmo tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas. A remuneração do A.J. terá uma componente fixa e uma componente variável, sendo que, o valor da fixa é de € 2000,00. No caso em apreço, a divergência ocorre na atribuição da remuneração variável. Dispõe o art. 23º do EAJ, o seguinte: 1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2.000 (euro). 2 - Caso o processo seja tramitado ao abrigo do disposto no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração referida no número anterior é reduzida para um quarto. 3 - Sem prejuízo do direito à remuneração variável, calculada nos termos dos números seguintes, no caso de o administrador judicial exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial, aquele apenas aufere a primeira das prestações mencionadas no n.º 2 do artigo 29.º 4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6. 5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano. 6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles. 8 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores, a remuneração exceder o montante de (euro) 50.000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções. 9 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10.000 por cada um dos devedores do mesmo grupo. 10 - A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000 (euro). 11 - No caso de o administrador judicial cessar funções antes do encerramento do processo, a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data. Sabe-se qual é o objetivo da remuneração variável. Eles foram enunciados na exposição de motivos da proposta de Lei que deu origem à Lei n.º 32/2004 (Proposta de lei n.º 112/IX/2) nos seguintes termos: “No que respeita à remuneração, estabeleceu-se um regime misto constituído por uma parte fixa e outra variável. Assim, a par de um montante fixo suportado pela massa insolvente, cria-se um sistema de prémios cujo montante varia em função da efetiva satisfação dos créditos. Este sistema garante, quer uma maior certeza no que respeita ao montante da remuneração, em virtude da existência de critérios objetivos, quer um incentivo que premeia o bom exercício da atividade”. A interpretação da lei tem como base e como limite a respetiva letra. A letra é a base à interpretação pois é por ela que deve começar a interpretação. Funciona como limite, pois segundo o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil a lei não poderá valer com um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Sobre a importância da letra na interpretação, alude Manuel de Andrade, que “… a letra da lei não servirá apenas para traçar o quadro dos sentidos legais possíveis. Compete-lhe ainda propor uma graduação entre eles. É que uns terão no texto uma expressão bastante natural, desafogada e perfeita; outros, pelo contrário, só uma expressão mais ou menos constrangida, desairosa, inapropriada. Daí uma certa razão de preferência a favor dos sentidos com melhor qualificação literal, mesmo não sendo eles, simultaneamente, os portadores das soluções mais justas” in Sentido e Valor da Jurisprudência, Coimbra 1973, página 26. Ora, como se escreveu no Processo nº. 14878/16, deste STJ. e supra referenciado «O n.º 10 do artigo 23º foi introduzido pela Lei n.º 9/2022. Porém, com este diploma, os critérios de composição da remuneração variável do administrador da insolvência, em caso de liquidação da massa insolvente, não sofreram alterações significativas (por confronto com as versões anteriores deste artigo). Ao remeter para a alínea b) do n.º 4, é inequívoco que o legislador pretendeu que o limite previsto no n.º 10 se aplicasse aos casos em que há liquidação da massa insolvente [por contraposição à hipótese de recuperação, prevista na alínea a) do n.º 4]. Porém, a alínea b) do n.º 4 não encerra, em si mesma, um critério de cálculo definitivo, já que o critério nela previsto tem de ser completado pelo disposto no n.º 6 (que fornece a noção de resultado da liquidação). E o n.º 7 estabelece um complemento (uma majoração) do valor alcançado por aplicação do n.º 6. Existe, assim, uma sequência articulada de disposições [n.º 4, alínea b), n.º 6 e n.º 7] que traçam o alcance normativo do que deve ser entendido por remuneração variável em caso de liquidação da massa insolvente. Neste quadro, do ponto de vista da coerência teleológica da norma, não seria compreensível que o legislador fixasse um limite de 100.000 Euros para a primeira parcela da remuneração variável (a que é calculada nos termos do n.º 6), mas que tal limite já não valesse para a segunda parcela (a majoração prevista no n.º 7), que é um complemento da primeira. Efetivamente, a majoração (atualmente prevista no n.º 7) foi, desde a Lei n.º 22/2013 (então prevista no n.º 5 do artigo 23º), legalmente consagrada como um complemento remuneratório da parcela que correspondia a 5% do resultado da liquidação, permitindo, assim, ao administrador receber um valor mais elevado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos3. Assim, percebendo a relação entre as duas componentes da remuneração variável, seria incoerente e ilógico fixar um limite máximo à primeira parcela e, depois, continuar a complementar essa parcela com a majoração. E ainda mais ilógico seria entender que esta segunda parcela não teria qualquer limite. Acresce que (…), faria pouco sentido que o legislador não tivesse pretendido aplicar o limite do n.º 10 à parcela da majoração quando, nos termos do n.º 8, o juiz tem o poder de reduzir (de forma justificada) toda a remuneração variável que exceda 50.000 Euros. 4.3. Numa análise intra-sistemática do regime remuneratório do administrador da insolvência, constata-se que o limite previsto no n.º 10 do art.º 23º não corresponde a uma hipótese isolada de limitação legal nesta matéria. Outras normas revelam um propósito legislativo de estabelecer alguma contenção remuneratória ao exercício das funções do administrador, como acontece no n.º 1 do artigo 23º, que estabelece o valor da remuneração fixa em 2.000 Euros. Por outro lado, confere ao juiz o poder de reduzir os valores remuneratórios que resultariam da aplicação dos critérios legais de cálculo da remuneração variável, quando seja excedido o valor de 50.000 Euros por processo, sendo esse limite elevado para 60.000 Euros por cada um dos devedores, na hipótese de insolvência de devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo (sendo o administrador nomeado nos termos do n.º 6 do artigo 52.º do CIRE), como previsto no n.º 9 do artigo 23º. Acresce que também a remuneração das funções de fiduciário sofre limites. Efetivamente, o artigo 28º do Estatuto do Administrador Judicial estabelece o seguinte: «1 - A remuneração do fiduciário corresponde a 10 /prct. das quantias objeto de cessão, com o limite máximo de (euro) 5000 por ano. 2 - No caso de as quantias objeto de cessão serem inferiores a (euro) 3 000 por ano, a remuneração é fixada pelo juiz com o limite máximo de (euro) 300.» Conclui-se, assim, que nas hipóteses de remuneração variável do administrador, o legislador não se limitou a fornecer um critério de cálculo aritmético, pois o resultado desse critério acaba por ser temperado pela introdução de limites, quer diretos quer de concretização judicial, que espelham uma procura de equilíbrio entre uma remuneração condigna e uma ideia de contenção na distribuição de recursos que, pela natureza insolvencial do processo, não serão, em regra, suficientes para a satisfação integral dos credores. Pelas razões expostas, conclui-se que a tese da recorrente no sentido de o limite previsto no n.º 10 do artigo 23º só se aplicar a uma das parcelas da remuneração variável do administrador não tem fundamento legal». Com efeito, resulta do explanado que a interpretação efetuada quanto ao limite de € 100.000,00, que se encontra fixada no nº. 10 do art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial é legal e não artificiosamente criada por via judicial, como o afirma o recorrente. O juiz é um aplicador da lei, tendo em conta o sentido e alcance da mesma, o que foi observado na situação concreta. Também se dirá que a posição em apreço, em nada colide com a Diretiva 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019. Tal Diretiva foi transposta, para o nosso ordenamento jurídico pela Lei nº. 9/2022, de 11 de janeiro, dizendo no que se reporta à supervisão e remuneração do administrador, no seu art. 27º, nº 4 que: Os Estados Membros asseguram que a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos. De tal normativo não se extrai que a remuneração não comporte limites, nem que uma resolução eficiente dos processos esteja dependente de uma maior remuneração. De acordo com o nº. 1 do art. 12º do Estatuto do Administrador Judicial, estes devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes. E também de acordo com o mesmo Estatuto, a equiparação aos agentes de execução a que alude o seu artigo 11º., não se reporta a efeitos remuneratórios, mas, designadamente para direito de ingresso em secretarias judiciais e demais serviços públicos; acesso a registo informático de execuções; consulta de bases de dados; possuir documento de identificação profissional; distribuição equitativa das nomeações nos processos. Por último, resta-nos aludir que não foi feita no acórdão recorrido, qualquer afronta constitucional. Com efeito, não resulta dos autos, a violação do Estado de Direito, da legalidade, da igualdade e soberania, da função jurisdicional ou da independência dos tribunais, consagrados nos arts. 2º, 3º, 13º, 202º, 203º e 204º da Constituição da República Portuguesa. De acordo com o art. 203º. da CRP., os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei, sendo que, as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei. Ora, o que se aplicou no caso concreto foi a lei vigente, com a devida fundamentação, a que se reporta o art. 154º do CPC. De igual modo, não está em causa matéria atinente à retribuição do trabalho e à liberdade de iniciativa económica privada. O Administrador judicial, face ao art. 2º do Estatuto, é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização e do processo especial para acordo de pagamento, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo estatuto e pela lei. Pode-se concordar ou discordar das decisões, mas descontentamento não é sinónimo de inconstitucionalidade. Destarte, não assiste razão ao recorrente, decaindo na totalidade as conclusões do recurso apresentado. 3- Decisão: Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a revista. Custas a cargo do recorrente. Lisboa, 25-2-2025 Maria do Rosário Gonçalves (Relator) Cristina Coelho Luís Correia de Mendonça |