Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
300/04.0TVPRT-A.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
SOCIEDADE COMERCIAL
CAPACIDADE JURÍDICA
LIBERALIDADE
NULIDADE
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / NEGOCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / OBJECTO NEGOCIAL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS / TRANSMISSÃO DE DÍVIDAS (SINGULAR).
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS / CAPACIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES COMERCIAIS.
Doutrina:
- Cardoso Guedes, na R. D. E. XIII, p. 155.
- Carlos Osório de Castro, In “ROA”, Ano 56 (Agosto de 1996), p. 565 e segs.
- J. M. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol. II – Das Sociedades, p. 195-197.
- João Labareda, Direito Societário Português – Algumas Questões, Quid Juris (1998), p. 190.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 5ª Ed., p. 53 e segs.; Garantias das Obrigações, p. 169 e segs..
- Pedro de Albuquerque, in ROA, Ano 57, p. 134.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, Vol. I, 4ª Ed., p. 410 a 413.
- Raul Ventura, “Sociedades por Quotas”, BMJ, Documentação e Direito Comparado, 1980, nº2, p. 144 e Vol. III, p. 169.
- Soveral Martins, Os Poderes de Representação dos Administradores das Sociedades Anónimas, p. 317.
- Vaz Serra, na RLJ, Ano 103º, p. 169, nota 1 e p. 271.
-Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II (Reimpressão da 7ª Edição), p. 358 e segs..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 219.º, 280.º, N.º1, 294.º, 516.º, 595.º, N.ºS 1, AL. B), E 2.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 6.º, N.ºS 1 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22.04.97 – COL/STJ – 2º/60; DE 21.09.00 – COL/STJ – 3º/36, DE 04.06.02 – Nº CONVENCIONAL JSTJ000, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT, DE 17.06.04 – COL/STJ – 2º/94, DE 07.10.10, PROC. 291/04.8TBPRD-E.P1.S1, ACESSÍVEL, IGUALMENTE, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Tendo a sociedade anónima executada prestado uma garantia pessoal a uma dívida dos co-executados perante os exequentes, passando a ser devedora solidária da quantia em causa, ocorreu uma co-assunção de dívida, assunção cumulativa, acessão ou adjunção à dívida, assunção multiplicadora ou reforçativa da dívida por parte da executada, nos exactos termos decorrentes do preceituado no art. 595.º, n.ºs. 1, al. b), e 2, do CC.

II - Estando em causa a delimitação da capacidade de gozo de direitos por parte das sociedades comerciais, por conjugação dos n.ºs 1 e 3 do art. 6.º do CSC e por convocação do preceituado nos arts. 280.º, n.º 1, e 294.º, do CC, deve, em princípio, considerar-se contrária ao fim da sociedade – e, como tal, nula – a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades.

III - No entanto, não se considera contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo (art. 6.º, n.º 3, do CSC).

IV - Quanto à prova da existência de justificado interesse próprio da sociedade garante na prestação de qualquer das mencionadas garantias, não deve a entidade garantida ser penalizada com a nulidade do acto de prestação de garantia se não almejar provar a existência do mencionado e justificado interesse próprio da sociedade garante, devendo aquele acto subsistir incólume se a sociedade garante não lograr provar a inexistência, in casu, do mesmo interesse.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 300/04.0TVPRT-A.P1.S1[1]

               (Rel. 117)[2]

                            Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – Por apenso à acção executiva, para pagamento de quantia certa (€ 103 534,25), que AA e BB instauraram, em 11.01.04, no Tribunal Cível da comarca do Porto (com inicial distribuição à 9ª Vara/2ª secção e, agora, pendentes no 1º Juízo/1ª Secção dos Juízos de Execução do Porto), contra “CC Comunicações, S. A.”, DD e EE, veio a sociedade executada deduzir oposição à execução.

       O que, em síntese, fundamentou do modo seguinte:

                                                    /

--- Não interveio no acordo dado à execução, pelo que é parte ilegítima;

--- Em qualquer caso, carecia de capacidade de gozo para assumir o pagamento de uma dívida que é exclusiva dos executados, DD e EE, já que se trata de uma obrigação que se desvia da prossecução do seu fim lucrativo e extravasa do seu objecto social, o que sempre seria oponível aos exequentes.

       Estes contestaram, pugnando pela improcedência das deduzidas excepções e vincando que a opoente assumiu a dívida em causa porque o exequente-marido tinha sobre ela um crédito emergente de suprimentos e havia, ainda, assumido e continuado a assumir, pessoalmente, dívidas da opoente, avalizando uma letra de € 25 000,00.

       Foi proferido despacho saneador em que, além do mais tabelar, foi julgada improcedente a deduzida excepção de ilegitimidade da opoente, com subsequente e irreclamada enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória (b. i.).

       Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 17.10.11) sentença que, julgando procedente a oposição, declarou extinta, quanto à opoente, a execução.

       Tendo apelado os exequentes, a Relação do Porto, por acórdão de 20.11.12 (Fls. 338 a 354), julgou procedente a apelação, com a inerente improcedência da deduzida oposição à execução, ordenando-se o prosseguimento da execução também em relação à opoente.

       Daí a presente revista interposta pela opoente, visando a revogação do acórdão impugnado, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

                                                  /

1ª – Salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido não subsumiu correctamente a matéria de facto provada nos autos às normas jurídicas aplicadas;

2ª – Em modesta opinião, há que apreciar de forma casuística e concreta as circunstâncias em que ocorreu a liberalidade, para determinar se a mesma é ou não conforme ao fim social, logo admissível;

3ª – Ora, da fundamentação da resposta ao quesito 4º da base instrutória, conjugada com o teor da sentença, facilmente se alcança que a garantia prestada pela recorrente não satisfez um justificado interesse seu;

4ª – O n° 3 do art. 6º do CSC refere que "considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo";

5ª – Do que resulta dos autos, a recorrente logrou provar que nenhum interesse seu, justificado, existiu subjacente à assunção da dívida dos demais executados;

6ª – Ao resultar provado tal facto, a prestação de garantia constante dos autos configura um acto vedado por lei às sociedades e, por conseguinte, nulo por falta de capacidade de gozo, nos termos dos arts° 6º, nº/s 1 e 3 do CSC e 280° n° 1 e 294° do CC;

7ª – A douta sentença recorrida violou o disposto no artº 6º n° 3 do CSC.

       Termos em que, nos melhores de direito, deve o presente recurso de revista ser julgado totalmente procedente por provado e, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido, assim se fazendo a mais elementar e sã JUSTIÇA!

       Contra-alegando, defendem os recorridos a manutenção do julgado.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                    *

2 – A Relação teve por provados os seguintes factos:

                                                    /

1 – Em 25 de Março de 2002, os exequentes AA e BB e os executados, “CC ... Ldª” (ora opoente), DD e EE celebraram entre si o contrato junto a fls. 35 a 38 do processo principal, que aqui se dá por integralmente reproduzido, intitulado «confissão de dívida e acordo de pagamento» (A);
2 – Mediante tal documento, os executados declararam serem devedores solidários aos exequentes da quantia de € 100.000,00 resultante do não pagamento integral da quota no valor nominal de € 8.500,00 adquirida aos exequentes na mesma data, da sociedade comercial “CC... Lda” (B);
3 – Mais declararam obrigar-se a pagar tal quantia até 25 de Março de 2003 (C);
4 – O exequente-marido foi sócio da Sociedade «CC» juntamente com os executados EE e DD, a partir de 23 de Março de 2000 (D);
5 – Situação que se mantinha à data da celebração do acordo mencionado em A) (E);
6 – Nessa data, a gerência daquela sociedade encontrava-se a cargo de todos os sócios, sendo a forma de a obrigar a assinatura de dois gerentes (F);
7 – Na mesma data, a ora opoente tinha como objecto social: ...; consultadoria informática; serviços comunicação e comércio para redes de comunicação informática (G);
8 – No dia 25 de Março de 2002, mediante escritura pública, os exequentes AA e BB declararam ser titulares de duas quotas, no valor nominal de € 4.250,00 cada, no capital social da ora opoente, bem como declararam ceder pelo preço correspondente ao respectivo valor nominal, uma delas ao executado DD e outra ao executado EE, tendo os executados declarado aceitar tal cessão (H);
9 – O acordo referido em A) destinou-se a estabelecer as condições de pagamento do valor real pelo qual foi feita a cessão referida em H) (I);
10 – O exequente-marido avalizou junto ao Banco Comercial Português, um título de crédito referente a uma dívida da opoente, no valor de € 25.000,00 (2º);

11 – O qual foi, em Agosto de 2002, objecto de reforma, com nova assinatura do exequente-marido (3º).

                                                  *

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (exceptuando questões de oficioso conhecimento não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso (arts. 660, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 690º, nº1 e 726º todos do CPC na pregressa e, aqui, aplicável redacção[3]) –, constata-se que as questões por si suscitadas e que, no âmbito da revista, demandam apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso podem resumir-se a saber se:

                                                  /

I – A confissão de dívida por parte da recorrente e que serviu de título executivo à respectiva demanda é subsumível à previsão constante da 1ª parte do nº3 do art. 6º do CSCom.; e, na afirmativa, decidir

II – Se o ónus de prova da inexistência de “justificado interesse próprio da sociedade garante” a determinar tal confissão impende sobre a sociedade – como sustentado no acórdão impugnado – ou se, pelo contrário, o ónus de prova da existência daquele interesse impende sobre os garantidos recorridos –como sufragado na sentença da 1ª instância.

       Apreciando:

                                                *

4I – Como resulta da factualidade provada:

                                                 /

a) --- Em 25 de Março de 2002, os exequentes AA e BB e os executados, “CC” (ora recorrente), DD e EE celebraram entre si o contrato junto de fls. 35 a 38 do processo principal, intitulado “confissão de dívida e acordo de pagamento”;

b) --- Mediante tal contrato, os executados declararam serem devedores solidários aos exequentes da quantia de € 100 000,00, resultante do não pagamento integral das duas quotas, no valor nominal global de € 8 500,00, que os exequentes, então, possuíam na, ora, recorrente, mais declarando obrigar-se a pagar tal quantia até 25.03.03;

c) --- O exequente-marido foi sócio da sociedade “CC”, juntamente com os executados EE e DD, a partir de 23.03.00, o que se mantinha, em 25.03.02, altura em que a gerência da referida sociedade estava a cargo de todos os sócios, obrigando-se a mesma com a assinatura de dois gerentes e tendo a mesma como objecto social ..., consultadoria informática e serviços, comunicação e comércio para redes de comunicação informática;

d) --- No dia 25.03.02, mediante escritura pública, os exequentes, AA e BB, cederam as quotas de que eram titulares na, ora, recorrente, pelo respectivo valor nominal de € 4 250,00, aos, ora, executados DD (uma delas) e EE (a outra), o que foi por estes aceite; e

e) --- O acordo mencionado em a) destinou-se a estabelecer as condições de pagamento do valor real pelo qual foi feita a cessão das quotas.

       Ou seja, detendo a qualidade de cessionários de tais quotas, exclusivamente, os co-executados, DD e EE, os quais, por via disso, eram os únicos e exclusivos devedores originários do preço – € 100 000,00 – de tal cessão, por via do contrato mencionado em a), passou a ser também devedora solidária de tal quantia perante os exequentes, nos demais termos, aí, clausulados, a recorrente “CC” a que respeitavam tais quotas.

       Tendo, assim, de assentar-se, em sintonia com o entendimento das instâncias, em que, por via do exposto e uma vez que, “in casu”, opera a regra da mera consensualidade (art. 219º, do CC e, designadamente, Ac. deste Supremo, de 22.04.97 – COL/STJ – 2º/60), ocorreu uma co-assunção de dívida, assunção cumulativa, acessão ou adjunção à dívida, assunção multiplicadora ou reforçativa da dívida dos co-executados perante os exequentes por parte da recorrente[4], nos exactos termos decorrentes do preceituado no art. 595º, nº/s 1, al. b) e 2, do CC.

       O que, directamente, nos encaminha – porque, assim, confrontados com a prestação duma garantia pessoal por parte da recorrente a uma dívida dos co-executados – para a previsão constante do nº3 do art. 6º do CSCom. (Código das Sociedades Comerciais), nos termos da qual “Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo”.

       Isto, integrando um preceito legal epigrafado de “Capacidade” e cujo nº1 textua que “A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular”.

       Ou seja, estando em causa a delimitação da capacidade de gozo de direitos por parte das sociedades comerciais, segue-se que, por conjugação destas transcritas normas do CSCom. e por convocação do preceituado nos arts. 280º, nº1 e 294º, ambos do CC, deve, em princípio, considerar-se contrária ao fim da sociedade – e, como tal, nula – a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades.

      O que imporia que a sobredita co-assunção ou assunção cumulativa de dívida dos co-executados, por parte da recorrente, tivesse de ser havida por nula, com a inerente e correspondente desresponsabilização da recorrente, fazendo eco do sentenciado na 1ª instância.

       No entanto, assim o não entendemos.

                                                       /

II – Na realidade, no mencionado nº3 do art. 6º, estatui-se (ainda que por diferente terminologia) que não se considera contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.

       Estando, patentemente, fora de questão esta última previsão, centremos a nossa atenção na parte remanescente.

       Por ela se exige, para afastamento da previsão inicial, a prova da existência de justificado interesse próprio da sociedade garante na prestação de qualquer das mencionadas garantias.

       Mas, sobre quem deve fazer-se impender o correspondente ónus de prova e, pois, as consequências adjectivo-substantivas do respectivo incumprimento? Deverá a entidade garantida ser penalizada com a nulidade do acto de prestação de garantia se não almejar provar a existência do mencionado e justificado interesse próprio da sociedade garante, ou, pelo contrário, deverá aquele acto subsistir incólume se a sociedade garante não lograr provar a inexistência, “in casu”, do mesmo interesse?

       Trata-se de “vexata quaestio” que tem merecido posições antagónicas e com transcendente repercussão no tráfico mercantil.

       Assim, Carlos Osório de Castro[5], J. M. Coutinho de Abreu[6] e João Labareda[7], entre outros, defendem, convicta e vigorosamente, a 1ª das enunciadas posições, ancorados, designadamente, no elemento literal do questionado preceito legal e na necessidade de protecção e defesa dos credores sociais.

       Sem embargo, a jurisprudência predominante – designadamente, os Acs. deste Supremo, de 21.09.00 – COL/STJ – 3º/36, de que foi relator o Ex. mo Cons. Simões Freire, de 04.06.02 – nº convencional JSTJ000, acessível em www.dgsi.pt, de que foi relator o Ex. mo Cons. Pinto Monteiro, de 17.06.04 – COL/STJ – 2º/94, de que foi relator o Ex. mo Cons. Quirino Soares e de 07.10.10, Proc. 291/04.8TBPRD-E.P1.S1, acessível, igualmente, em www.dgsi.pt, de que foi relator o Ex-mo Cons. Álvaro Rodrigues – e parte significativa da doutrina[8] têm aderido e sufragado a última das referidas teses.

       Como se ponderou no sobredito Ac. deste Supremo, de 13.05.03, em termos cuja aproximação e transferência a questão, aqui, decidenda consente: “A sociedade-garante embargou, sustentando que a prestação da garantia é contrária ao fim da sociedade, já que não existiu justificado interesse próprio da sociedade nem se trata de sociedade em relação de domínio ou de grupo (…) A prova deste facto impeditivo do direito invocado pelo exequente compete à sociedade embargante (…) afigura-se-nos que não é correcto o entendimento de que o nº3 do art. 6º do CSCom., para efeitos do ónus da prova, deve ser cindido em duas partes, considerando-se que «salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante» é facto a provar pela pessoa colectiva a quem foi prestada a garantia (…) Aliás, a entender-se que é a sociedade garantida que tem que provar a existência de interesse próprio por parte da sociedade garante, estar-se-ia perante uma prova que, na prática, seria muito difícil ou impossível de fazer, salvo, obviamente, se existissem prévias cautelas à prestação da garantia (…) Tirando casos-limite, não se vê como é que uma sociedade pode provar que os actos praticados por outra foram no interesse próprio desta, tanto mais que, por um lado, a lei não diz o que entender por tal interesse e, por outro, este teria que ser avaliado com referência à globalidade da actividade social da sociedade e não apreciado o acto de forma isolada…”

       Sem embargo de se reconhecer a complexidade e volatilidade da questão em análise, também nós perfilhamos este último entendimento, que não vemos razão para alterar.

       Assim, não tendo a recorrente logrado provar a inexistência, “in casu”, do seu justificado interesse próprio na prestação da mencionada garantia pessoal de co-assunção ou assunção cumulativa da dívida dos co-executados, subsiste incólume este seu acto e a vinculação jurídica para si daí advinda (art. 516º).

      Improcedendo, assim, as conclusões por si formuladas.

                                                *

5 – Na decorrência do exposto, acorda-se em negar a revista.

                                                /

     Custas pela recorrente.

                                                /

                                  

Lisboa, 28 de Maio de 2013    

Fernandes do Vale (Relator)

Marques Pereira

Azevedo Ramos

________________________


[1]  Processo distribuído, neste Tribunal, em 05.03.13.
[2]  Relator: Fernandes do Vale (09/13)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Marques Pereira
   Cons. Azevedo Ramos
[3]  Como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados.
[4]  Sobre esta temática, cfr., designadamente, Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. II (Reimpressão da 7ª Edição), pags. 358 e segs; Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 410 a 413; e Prof. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol. II, 5ª Ed., pags. 53 e segs. e “Garantias das Obrigações”, pags. 169 e segs.
[5]  In “ROA”, Ano 56 (Agosto de 1996), pags. 565 e segs.
[6]  In “Curso de Direito Comercial”, Vol. II – Das Sociedades, pags. 195-197.
[7]  In “Direito Societário Português” – Algumas Questões, “Quid Juris” (1998), pags. 190.
[8]  Prof. Raul Ventura, no BMJ, Documentação e Direito Comparado, 1980, nº2, pags. 144 e “Sociedades por Quotas”, Vol. III, pags. 169, Pedro de Albuquerque, in ROA, Ano 57, pags. 134, Cardoso Guedes, na R. D. E. XIII, pags. 155, Prof. Vaz Serra, na RLJ, Ano 103º, pags. 169, nota 1 e pags. 271 e Soveral Martins, in “Os Poderes de Representação dos Administradores das Sociedades Anónimas”, pags. 317)